Miguel Portas apalpa O Leite

Houve um Presidente da República que, um dia, inventou «o país real», por contraposição ao «país político». A expressão não era inocente. Ela apontava o dedo aos parlamentares e governantes, ou seja, à ‘corja’ dos indiferentes.
Como somos de brandos costumes, por aí se ficou o ensaio da ‘política antipolítica’. Os anos passaram e a vida continuou, com mais ou com menos ‘país real’.
Houve, entretanto, uma mudança, essa brutal, inexorável, obstinada e totalitária. Quando o Presidente do ‘país real’ abalou, a ideia que lançara ficou e os media agarraram-na com unhas e dentes. Passaram a adorar tanto ‘o país real’, que se julgam, hoje, ‘o país real’. Este processo de infantilização da informação teve várias consequências. Uma, agiu sobre o ‘país político’, que adora os media: toda a minha gente passou a ser do partido do ‘país real’.
O ‘país real’ em férias é ainda pior do que fora delas. Sem notícias, funciona como as marés. Na semana passada, era a ’tragédia’ da falta de medalhas; esta semana, é o ‘drama’ dos roubos e dos assaltos. Na próxima se verá, mas é provável que continue. A insegurança é sempre um excelente combustível para as exaltações bipolares do ‘país real’.

De pouco adianta o recurso a algum bom senso. Nem mesmo o desemprego que grassa pelo país conseguiu retirar Portugal dos últimos lugares da criminalidade. Mesmo porfiando, continuamos longe. A nossa medalha é outra e antiga: continuamos nos lugares cimeiros do enriquecimento ilícito com cobertura legal e luvas por baixo da mesa. Mas desse crime verdadeiramente organizado pouco se fala. Não é assunto de polícia…
Os media misturam tudo. Um crime rural passional, um assalto com tiros, o roubo de um posto de gasolina ou uma rixa de rivais abrem, do mesmo modo, os telejornais. Os políticos de mão dura aproveitam. Até a silenciosa Manuela Ferreira Leite considerou ensurdecedor o ‘silêncio do Governo’ a este respeito. Onde proferiu tal sentença? Na coluna mais ou menos clandestina que assina num suplemento de economia…

Eis então o verdadeiro enigma que este Verão esclarece: Manuela não aparece porque o Presidente da República fala por ela. De visita ao ‘país real’, considerou que nos encontramos ante um grave problema securitário. O PR não transmitiu serenidade, alimentou a maré. Também não quis sugerir medidas preventivas, quando uma delas – dificultar mais a posse de armas – poderia ser bem salutar. Não. O PR prolongou esta semana o padrão de actuação que já se verificara na anterior, quando se fez eco das objecções mais conservadoras à nova lei do divórcio. Cavaco Silva passou, simplesmente, a arcar com os silêncios da nova líder do PSD. Dir-se-á que ser ventríloquo é pouco próprio de Presidente. Mas ele lá sabe as linhas com que se cose.
Publicadopor MiguelPortas | 1 Comentário(s)