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Os doze irmãos

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Mensagem por Vitor mango Qui maio 10, 2012 1:00 am

Os doze irmãos

Em tempos idos, pensava-se que cada um dos Doze Dias de Natal, de 26 de Dezembro a 6 de Janeiro, funcionava como um prenúncio do que os doze meses do ano seguinte viriam a ser. As pessoas analisavam o tempo meteorológico desses doze dias e faziam previsões, jogos, trocavam histórias, e divertiam-se, com o intuito de que o novo ano fosse benéfico.

Esta história da República Checa recorda-nos que cada mês do ano é especial, e que o conjunto dos doze meses formam o círculo, ou ano. A mudança das estações reflete o ciclo da existência humana, começando pelo início da vida (solstício de inverno), e passando pela infância (primavera), a idade adulta (verão), a maturidade (outono), a velhice e a morte (de novo o inverno).

O destino das duas irmãs da história recorda-nos também que uma vida que respeita a Natureza contém as suas próprias recompensas, enquanto uma vida que a desrespeita pode acarretar consequências desastrosas.

* * *

Numa floresta longínqua, viviam uma viúva e duas raparigas. Uma era a sua filha, Holena, e a outra era a sua enteada, Marusha.

Holena era feia e mimada, enquanto Marusha era bonita e tinha de desempenhar as tarefas todas. Era ela quem ia ao poço, todas as madrugadas, buscar água, quem esfregava e cozinhava, e quem fiava e tecia até ao anoitecer.

À medida que as raparigas iam ficando mais velhas, a reputação de Marusha como jovem bela e trabalhadora ia crescendo, enquanto a reputação de Holena como moça indolente aumentava. Em breve a viúva deu-se conta de que, a não ser que a enteada saísse de casa, ninguém iria casar com a preguiçosa Holena. Num dia de inverno rigoroso, a madrasta chamou Marusha e disse-lhe:

— A tua irmã quer violetas. Vai buscar-lhe algumas.

Era sua intenção que a enteada fosse devorada pelos lobos esfaimados que costumavam errar pela floresta.

— Mas onde vou eu encontrar violetas em pleno inverno? — exclamou Marusha, enquanto a empurravam para fora de casa, envergando ela apenas um fino vestido.

A tremer, devido ao vento agreste do norte, Marusha caminhou até ao cair da noite, cheia de medo do uivar dos lobos, que pareciam aproximar-se cada vez mais. Estava quase a desistir da busca, a deitar-se na neve e a adormecer para sempre, quando se apercebeu do cintilar de uma luz no cimo da colina. Então, cambaleou até à luz acolhedora na esperança de encontrar abrigo.

Contudo, quando Marusha atingiu o cume da encosta, recuou, espantada. A cena com que deparou era diferente de tudo o que presenciara até então, e parecia uma história dos tempos antigos.

Diante dela ardia uma enorme fogueira. À volta, sentados em silêncio num círculo de doze pedras, doze homens fitavam-na. Também eles não se pareciam com nenhum homem que Marusha vira antes. Três eram idosos, com longas barbas brancas, e vestiam de azul-‑escuro. Os três vestidos de púrpura eram de meia-idade e outros três vestiam de escarlate. Os três mais jovens vestiam de branco e verde. Na pedra maior de todas, estava sentado o mais velho de todos, com um bordão na mão.

Marusha fez-lhe uma vénia respeitosa e pediu:

— Por favor, senhor, será que posso aquecer-me junto da fogueira?

O velho respondeu numa voz grave:

— Quem és tu, minha filha, e porque caminhas pela floresta à hora a que os lobos vagueiam?

Marusha falou-lhe das violetas e o velho disse:

— Vieste ter ao lugar certo, pois somos os Doze Irmãos do ano. Eu sou Janeiro, chefe de todos os outros. Não posso dar-te violetas, mas o meu irmão Março pode.

O velho Janeiro levantou-se e cedeu o lugar a um dos jovens de branco e verde. Mal este se sentou no lugar do chefe, a neve em torno deles derreteu. Despontaram, então, árvores e violetas.

— Depressa, leva-as contigo! — ordenou o jovem Março, com uma voz tão penetrante como o vento.

A rapariga colheu as violetas e, depois de lhe agradecer, correu de volta para casa.

A viúva olhou, incrédula, para as flores de cor púrpura que a enteada trazia nas mãos.

— Onde encontraste violetas em Janeiro? — quis saber.

— Acolá, na colina — respondeu a rapariga.

Uns dias mais tarde, a viúva tentou um novo estratagema. Desta vez disse:

— A tua meia-irmã precisa de morangos. Vai e não voltes sem eles!

E empurrou Marusha para fora de casa, sem que esta tivesse os sapatos calçados. A madrasta achava que, apesar de ter sido possível encontrar algumas violetas por entre a neve, não haveria decerto morangos nenhuns.

E a rapariga regressou para junto das figuras silenciosas que circundavam a fogueira na colina. Os Doze Irmãos escutaram em silêncio o seu pedido e, de novo, o velho Janeiro pediu a um irmão mais jovem que tomasse o seu lugar. Mal Junho, vestido de escarlate, se sentou no lugar do chefe, espalhou-se pela colina um Verão glorioso. As abelhas começaram a zumbir em torno das flores brancas dos morangueiros, que logo desabrocharam e originaram frutos maduros.

— Leva os que quiseres — disse Junho, soltando uma gargalhada alegre.

Marusha colheu os frutos e agradeceu a Junho a sua bondade. Quando regressou a casa, deu os morangos a Holena, que os comeu avidamente.

— E, já agora, onde encontraste estes? — perguntou a viúva, com o olhar desconfiado.

— Sob as árvores do abrigo da montanha — foi tudo o que Marusha lhe respondeu.

Alguns dias mais tarde, Holena pediu maçãs à mãe, que enviou a enteada em busca delas, sem sequer um lenço para proteger-lhe a cabeça. O vento soprava ainda mais fortemente e a neve estava cheia de cristais de gelo. À medida que caminhava com custo, Marusha tentava não prestar atenção aos olhos brilhantes dos lobos por entre as árvores escuras. Quando chegou ao topo da colina, pela terceira vez, pediu de novo ajuda aos Doze Irmãos. E, de novo, Janeiro cedeu o seu lugar, desta vez ao magnífico Setembro, vestido de púrpura. De repente, ei-los rodeados pelo Outono. As folhas ficaram de cor laranja, amarela e vermelha, e uma macieira carregou-se de frutos.

— Abana-a, minha filha — encorajou-a Setembro, com um sorriso doce e uma voz madura.

Marusha abanou a árvore e caíram duas maçãs perfeitas. Depois de agradecer a Setembro a sua amabilidade, a rapariga levou as maçãs para casa. Holena engoliu as maçãs num ápice e pediu mais, pois tinha-as achado ainda mais deliciosas do que os morangos. Enquanto a viúva congeminava novas formas de se livrar da enteada, Holena pediu à mãe:

— Mãe, empresta-me o teu melhor casaco de pele e as tuas luvas. Tenho a certeza de que a Marusha guarda a maior parte da fruta para ela e quero ir procurar o seu esconderijo.

Depois de muito protestar, a viúva acabou por aceder ao desejo da filha. Holena embrulhou-se no casaco de pele com carapuço e saiu de casa. A arfar, e com o nariz vermelho do frio, atingiu, por fim, o topo da colina. Sem sequer cumprimentar os Doze Irmãos, ou pedir-lhes permissão, aproximou-se da fogueira para se aquecer.

O velho Janeiro perguntou:

— Quem és tu, minha filha, e o que queres de nós?

Holena sacudiu a cabeça e respondeu:

— O que eu quero não é da tua conta, velho tonto!

Janeiro, com a barba branca cheia de gelo, levantou-se, zangado, e lançou um grito que mais parecia o prolongamento dos ventos sibilantes do inverno. Holena caiu de costas, aterrorizada. Mal o velho volteou o seu bordão em torno da cabeça da rapariga, começaram a cair enormes flocos de neve. Holena fugiu do círculo de pedras e foi em busca do lugar de onde viera. Mas os flocos tinham coberto as suas pegadas e ela não conseguia encontrar o caminho. Enquanto fugia da raiva do velho, a neve ia-se acumulando em seu redor. Acabou por cair num buraco fundo, que a soterrou.

Em casa, a viúva aguardava, cada vez mais ansiosa, o regresso da filha. Vestiu o seu segundo melhor casaco de pele, calçou as segundas melhores luvas, e foi em busca de Holena. Como a fúria de Janeiro ainda não tinha abrandado, a tempestade de neve durou a noite inteira e nunca mais ninguém viu a viúva ou a filha.

Marusha continuou a ser diligente: fez o jantar, deu de comer à vaca e encheu o fuso de linha. Quando a madrasta e a meia-irmã não voltaram à noite, foi à janela ver o tempo: a neve tinha cessado e as estrelas cintilavam no céu limpo, no silêncio da noite. Curiosamente, não sentia medo ou solidão, porque sabia que os Doze Irmãos tomavam conta do ano.

Viveu sempre com as bênçãos deles no seu coração e, quando se casou e foi mãe, ensinou os filhos a ver cada mês como um tio, com diferentes prendas para oferecer, e a agradecer sempre as graças próprias de cada estação do ano.


Caitlín Matthews; Helen Cann

Fireside Stories

Bath, Barefoot Books, 2007

(Tradução e adaptação)

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