ENTREVISTA LOUREIRO DOS SANTOS
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ENTREVISTA LOUREIRO DOS SANTOS
Entrevista PÚBLICO/Rádio Renascença
Loureiro dos Santos: "Ausência de atenção para os problemas militares deriva da ignorância, da incompetência"
02.11.2008 - 13h31 Paula Torres de Carvalho e Paulo Magalhães
Loureiro dos Santos diz ter o dever de alertar os responsáveis para os perigos de uma rebelião nas Forças Armadas. Frisa que quando referiu que havia perigo para a democracia não estava a pensar num 25 de Novembro, mas entende que a ausência de atenção para os problemas dos militares derivam de ignorância e incompetência dos governantes.
As suas recentes afirmações em artigo assinado no PÚBLICO sobre o clima de insatisfação nas Forças Armadas tiveram um forte impacto mediático. Estava à espera? Era isso que pretendia?
LOUREIRO DOS SANTOS - Eu desejava esse impacto. Porque o assunto é suficientemente importante para que a opinião pública se aperceba desta situação e dessa percepção resulte uma certa pressão sobre os responsáveis políticos, no sentido de acelerar a solução dos problemas, na medida em que sei que o Governo está preocupado e tem estado a trabalhar nestas áreas. Mas fiquei um pouco surpreendido porque o artigo saiu no sábado e só na quarta-feira fui contactado por uma rádio para fazer declarações sobre o assunto...
Mostra-se, sobretudo, preocupado com o descontentamento nas camadas mais jovens de militares...
Exactamente. Porque aquilo que detectei ultimamente, pela informação que me chega, é que os jovens oficiais, sargentos, estão com dificuldades e sentem uma certa injustiça relativamente a outras pessoas do serviço público, mas que não correm os riscos que eles correm, nem têm a restrição de direitos que eles têm. São coisas que juntam, por um lado, o mal-estar e, por outro, esse sentimento de injustiça.
O seu artigo fazia um paralelismo com o 25 de Novembro. Não é exagerado?
Não, acho que não. As questões eram diferentes, mas havia sinais que os meios de comunicação social tratavam. Hoje em dia, há o perigo de as coisas terem uma dimensão parecida. Mas não é expectável que agora aconteçam coisas do tipo do 25 de Novembro.
Quando alerta para os perigos dessa insatisfação dos militares, refere-se concretamente a quê? Onde e como detecta esses sinais de perigo?
Detecto-os no contacto que tenho com as pessoas.
O que é que as pessoas lhe dizem?
Que estão muito insatisfeitas, que não há direito, que isto não pode continuar assim, que os responsáveis políticos não lhes dão a atenção que deviam dar, que têm muitos problemas, porque a família está doente e eles estão no Afeganistão ou no Kosovo, que os exames são muito caros, que as comparticipações são pequenas, etc.
E por que é que considera que isso pode significar um perigo, já que essa insatisfação é expressa em vários outros sectores da sociedade portuguesa?
Nesses outros sectores, de vez em quando, as pessoas saem à rua, fazem manifestações, greves, vêm para os jornais, mas os militares não podem fazer nada disso.
Porquê?
Porque não têm esse direito.
Concorda então que os militares não têm o direito de se manifestar?
Os militares não podem manifestar-se fardados, nem podem referir-se a assuntos de serviço... Podem desfilar e têm-no feito. Ainda há pouco tempo, houve uma manifestação e estava muita gente do activo. Agora, não tem dado resultado... E o meu receio e o receio de outras pessoas é que, perante esta situação, um dia, um deles, perante uma entidade de alto nível do Estado, diga algumas coisas desagradáveis... Tudo isso pode ser depois empolado e aproveitado pela comunicação social, porque mostra a realidade.
E isso pode funcionar como rastilho para a restante família militar?
Julgo que não, porque, para haver um rastilho, era preciso que houvesse uma situação global no país que pudesse conduzir à tentação de subdivisão do poder político. Isso não existe hoje, não existe nem fora nem dentro das Forças Armadas, porque, quando existe essa tentação, ela parte do contexto social, não apenas dos militares.
O contexto social é de insatisfação.
Mas penso que não é suficiente.
Os perigos a que se referia têm, então, a ver com excessos de linguagem por parte dos militares?
Sim, excessos de linguagem. Não estou a ver outra coisa diferente.
Mas o seu artigo levou a algumas leituras de que a insatisfação dos militares poderia levar a uma intentona. Foram análises erradas?
Foram análises erradas. Tive sempre o cuidado de explicar que isso não estava em causa, são atitudes individuais, isoladas e esporádicas que podem vir a acontecer. Isto é, o meu alerta é que existe o perigo disso acontecer, não quer dizer que venha a acontecer, e até espero que não aconteça.
Mas fala em riscos para o sistema democrático.
Falo porque a nossa democracia é europeia, normalizada, madura, avançada. Não é próprio deste tipo de democracia ocorrerem coisas destas. Até porque não é próprio deste tipo de democracia os militares serem tão marginalizados como têm sido.
Quais são os principais motivos do descontentamento dos militares?
Os três mais importantes são a questão remuneratória, na medida em que a grelha remuneratória que foi estabelecida pelo actual Presidente da República quando era primeiro-ministro no início anos 90, considerava como equivalentes quatro profissões da administração pública: os professores universitários, os diplomatas, os magistrados e os militares, que ficaram mais ou menos com os mesmos vencimentos. O que se passou é que, desde essa altura até agora, as coisas têm mudado e, neste momento, há uma diferença muito grande que afecta negativamente os militares, em relação a outras profissões. Por exemplo, nessa altura, um juiz de círculo ganharia o mesmo do que um coronel. Ganha o dobro, hoje. Portanto, esta situação remuneratória é considerada indigna. Essa indignidade é sentida pelos militares, porque não sentem que haja explicação para isso.
Não há diálogo com o Governo?
Sabemos que os chefes militares têm colocado as situações e a necessidade de resolver estes problemas. E também sabemos que alguns ministros da Defesa têm tentado resolver... Mas os militares sabem perfeitamente que a situação chegou a um ponto de tal degradação que não é possível resolver o problema num ou em dois anos...
Quando diz que esta insatisfação poderá ter efeitos, sobretudo nas classes mais jovens, não está, ao mesmo tempo, a legitimar alguma atitude?
Pelo contrário. Tenho sempre dito que estou convencido de que isso não irá acontecer. Por vezes, exagerou-se... Presumo que não haverá nenhuma hipótese de haver uma rebelião numa acção colectiva. Mas sinto que tenho o dever de alertar os responsáveis para esse perigo.
Acha que o Presidente da República deveria tomar posição?
Não sei se será necessário.
É o comandante supremo das Forças Armadas...
Julgo que não seria necessário. Porque o Presidente da República tem uma actividade normal com o Governo, e certamente que estes assuntos também são tratados.
Acha que tem havido desprezo dos sucessivos governos relativamente à instituição militar?
Acho que sim.
Deve-se a quê?
Não sei, não tenho explicação para isso. Acho que há alguma incompetência das pessoas.
A que nível?
A nível ministerial, dos governantes. Julgo que parte desta ausência de atenção para os problemas militares deriva da ignorância, da incompetência.
Loureiro dos Santos: "Ausência de atenção para os problemas militares deriva da ignorância, da incompetência"
02.11.2008 - 13h31 Paula Torres de Carvalho e Paulo Magalhães
Loureiro dos Santos diz ter o dever de alertar os responsáveis para os perigos de uma rebelião nas Forças Armadas. Frisa que quando referiu que havia perigo para a democracia não estava a pensar num 25 de Novembro, mas entende que a ausência de atenção para os problemas dos militares derivam de ignorância e incompetência dos governantes.
As suas recentes afirmações em artigo assinado no PÚBLICO sobre o clima de insatisfação nas Forças Armadas tiveram um forte impacto mediático. Estava à espera? Era isso que pretendia?
LOUREIRO DOS SANTOS - Eu desejava esse impacto. Porque o assunto é suficientemente importante para que a opinião pública se aperceba desta situação e dessa percepção resulte uma certa pressão sobre os responsáveis políticos, no sentido de acelerar a solução dos problemas, na medida em que sei que o Governo está preocupado e tem estado a trabalhar nestas áreas. Mas fiquei um pouco surpreendido porque o artigo saiu no sábado e só na quarta-feira fui contactado por uma rádio para fazer declarações sobre o assunto...
Mostra-se, sobretudo, preocupado com o descontentamento nas camadas mais jovens de militares...
Exactamente. Porque aquilo que detectei ultimamente, pela informação que me chega, é que os jovens oficiais, sargentos, estão com dificuldades e sentem uma certa injustiça relativamente a outras pessoas do serviço público, mas que não correm os riscos que eles correm, nem têm a restrição de direitos que eles têm. São coisas que juntam, por um lado, o mal-estar e, por outro, esse sentimento de injustiça.
O seu artigo fazia um paralelismo com o 25 de Novembro. Não é exagerado?
Não, acho que não. As questões eram diferentes, mas havia sinais que os meios de comunicação social tratavam. Hoje em dia, há o perigo de as coisas terem uma dimensão parecida. Mas não é expectável que agora aconteçam coisas do tipo do 25 de Novembro.
Quando alerta para os perigos dessa insatisfação dos militares, refere-se concretamente a quê? Onde e como detecta esses sinais de perigo?
Detecto-os no contacto que tenho com as pessoas.
O que é que as pessoas lhe dizem?
Que estão muito insatisfeitas, que não há direito, que isto não pode continuar assim, que os responsáveis políticos não lhes dão a atenção que deviam dar, que têm muitos problemas, porque a família está doente e eles estão no Afeganistão ou no Kosovo, que os exames são muito caros, que as comparticipações são pequenas, etc.
E por que é que considera que isso pode significar um perigo, já que essa insatisfação é expressa em vários outros sectores da sociedade portuguesa?
Nesses outros sectores, de vez em quando, as pessoas saem à rua, fazem manifestações, greves, vêm para os jornais, mas os militares não podem fazer nada disso.
Porquê?
Porque não têm esse direito.
Concorda então que os militares não têm o direito de se manifestar?
Os militares não podem manifestar-se fardados, nem podem referir-se a assuntos de serviço... Podem desfilar e têm-no feito. Ainda há pouco tempo, houve uma manifestação e estava muita gente do activo. Agora, não tem dado resultado... E o meu receio e o receio de outras pessoas é que, perante esta situação, um dia, um deles, perante uma entidade de alto nível do Estado, diga algumas coisas desagradáveis... Tudo isso pode ser depois empolado e aproveitado pela comunicação social, porque mostra a realidade.
E isso pode funcionar como rastilho para a restante família militar?
Julgo que não, porque, para haver um rastilho, era preciso que houvesse uma situação global no país que pudesse conduzir à tentação de subdivisão do poder político. Isso não existe hoje, não existe nem fora nem dentro das Forças Armadas, porque, quando existe essa tentação, ela parte do contexto social, não apenas dos militares.
O contexto social é de insatisfação.
Mas penso que não é suficiente.
Os perigos a que se referia têm, então, a ver com excessos de linguagem por parte dos militares?
Sim, excessos de linguagem. Não estou a ver outra coisa diferente.
Mas o seu artigo levou a algumas leituras de que a insatisfação dos militares poderia levar a uma intentona. Foram análises erradas?
Foram análises erradas. Tive sempre o cuidado de explicar que isso não estava em causa, são atitudes individuais, isoladas e esporádicas que podem vir a acontecer. Isto é, o meu alerta é que existe o perigo disso acontecer, não quer dizer que venha a acontecer, e até espero que não aconteça.
Mas fala em riscos para o sistema democrático.
Falo porque a nossa democracia é europeia, normalizada, madura, avançada. Não é próprio deste tipo de democracia ocorrerem coisas destas. Até porque não é próprio deste tipo de democracia os militares serem tão marginalizados como têm sido.
Quais são os principais motivos do descontentamento dos militares?
Os três mais importantes são a questão remuneratória, na medida em que a grelha remuneratória que foi estabelecida pelo actual Presidente da República quando era primeiro-ministro no início anos 90, considerava como equivalentes quatro profissões da administração pública: os professores universitários, os diplomatas, os magistrados e os militares, que ficaram mais ou menos com os mesmos vencimentos. O que se passou é que, desde essa altura até agora, as coisas têm mudado e, neste momento, há uma diferença muito grande que afecta negativamente os militares, em relação a outras profissões. Por exemplo, nessa altura, um juiz de círculo ganharia o mesmo do que um coronel. Ganha o dobro, hoje. Portanto, esta situação remuneratória é considerada indigna. Essa indignidade é sentida pelos militares, porque não sentem que haja explicação para isso.
Não há diálogo com o Governo?
Sabemos que os chefes militares têm colocado as situações e a necessidade de resolver estes problemas. E também sabemos que alguns ministros da Defesa têm tentado resolver... Mas os militares sabem perfeitamente que a situação chegou a um ponto de tal degradação que não é possível resolver o problema num ou em dois anos...
Quando diz que esta insatisfação poderá ter efeitos, sobretudo nas classes mais jovens, não está, ao mesmo tempo, a legitimar alguma atitude?
Pelo contrário. Tenho sempre dito que estou convencido de que isso não irá acontecer. Por vezes, exagerou-se... Presumo que não haverá nenhuma hipótese de haver uma rebelião numa acção colectiva. Mas sinto que tenho o dever de alertar os responsáveis para esse perigo.
Acha que o Presidente da República deveria tomar posição?
Não sei se será necessário.
É o comandante supremo das Forças Armadas...
Julgo que não seria necessário. Porque o Presidente da República tem uma actividade normal com o Governo, e certamente que estes assuntos também são tratados.
Acha que tem havido desprezo dos sucessivos governos relativamente à instituição militar?
Acho que sim.
Deve-se a quê?
Não sei, não tenho explicação para isso. Acho que há alguma incompetência das pessoas.
A que nível?
A nível ministerial, dos governantes. Julgo que parte desta ausência de atenção para os problemas militares deriva da ignorância, da incompetência.
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