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A praxe é singular. Pode acabar.*

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Mensagem por Vitor mango Sáb Set 21, 2013 4:29 am

A praxe é singular. Pode acabar.*
19/09/2013 Por Elisabete Figueiredo 10 Comentários
 
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A praxe é singular. Pode acabar.* Praxe
«O que vemos é uma sucessão de humilhações consentidas – ou toleradas por quem, estando fora do seu meio, não tem coragem de dizer que não. A boçalidade atinge níveis abjectos. Os gritos alarves , a exibição de simulações forçadas de atos sexuais, o exercício engraçadinho do poder arbitrário de quem, por uns dias, não conhece qualquer limite. Tudo isso impressiona quem tenha algum amor próprio e respeito pela sua autonomia, liberdade e dignidade. Mas a questão é mais profunda do que a susceptibilidade de cada um. É o que aquilo quer dizer» (Daniel Oliveira, 19/10/2011)
É preciso dizer isto muitas vezes e não é preciso dizer muito mais que isto. A praxe é também, ou sobretudo, a reprodução de hierarquias bacocas e balofas, as mesmas hierarquias que os estudantes, tantas vezes, contestam baixinho nas salas de aula e nos órgãos das universidades. As práticas de praxe configuram rituais de passagem para lugar nenhum ou, pelo menos, não para o lugar que interessa – aquele onde aprender os elementares princípios de cidadania, de liberdade de pensamento e de expressão, de espírito criativo e crítico. Esse lugar a que, a quase todos nós portugueses, ainda nos falta chegar, fruto da história, do ‘jeitinho’, da ‘esperteza saloia’ e, no limite, da cobardia.
Os meus alunos ouvem-me frequentemente criticar a praxe ou o traje académico. Contestam-me, muitas vezes sem ser baixinho (e ainda bem), argumentando a integração, a tradição, o convívio. Eu pergunto(me) com frequência, especialmente nesta época em que o campus da Universidade de Aveiro (como outros, por todo o país) se cobre de negro, de mandões e mandados, de pessoas que são passeadas atadas por uma corda, enroladas em papel higiénico, que se ajoelham, de cabeça no chão, que entoam cânticos com músicas militaristas e letras inqualificáveis, como podem estas práticas estimular a integração, promover o convívio entre as pessoas, apelar à tradição de aprender, de ensinar, de debater, de criticar.
Há uns tempos, depois de uma aula em que mais de metade dos alunos envergavam o traje académico, passei pelo bar do meu departamento. A uma mesa estavam alguns daqueles alunos e outros vestidos de igual modo e discutiam animadamente o ‘baptismo’ dos ‘caloiros’ (oh a importância da dimensão simbólico-alegórica! Oh as grandes referências ideológicas destes estudantes!). Percebi que registavam quem, desses caloiros, tinha ido a todas as ‘sessões’ de praxe (chamemos-lhe assim que, honestamente, não estou, nunca estive, nem estarei para aprender todas as normas e conceitos do regulamento de praxe (regulamento de praxe?)) e, consequentemente, poderia ser ‘baptizado’. Os faltosos a umas quantas dessas ‘sessões de integração’ não podiam receber tal ‘honra’ e ter, assim, padrinhos. Fiquei perplexa. E perguntei a um deles qual era a sensação de reproduzir exactamente aquilo que tanto contestavam (e bem) nessa época – o regime de faltas às aulas. Penso que a minha pergunta não foi bem compreendida. Talvez o significado de reprodução social lhes escapasse como, lamentavelmente e de forma crescente de ano lectivo para ano lectivo, acontece com muitas outras noções. Mas eu fiquei a pensar naquilo. Neles. Nestes estudantes, engravatados, trajados ‘a rigor’ que exercem sobre os outros um poder que ainda não percebi exactamente de onde vem e como lhes é conferido. Uma parte da legitimação desse poder vem das próprias instituições universitárias, outra vem seguramente dos outros, os que acabam de entrar na Universidade e que acatam – sem contestar e sem questionar, por várias razões (é também preciso dizer isto) – as ordens que lhes dão, sejam elas comer palha, mergulhar numa fonte ou simular qualquer ato sexual, para dizer o mínimo. Vem desses outros, que uma vez iniciados nestes rituais arcaicos, hierarquizantes, desiguais e humilhantes, esperam ansiosamente a oportunidade de se cobrirem eles próprios de negro e exercer sobre outros o poder e o prazer cobarde e idiota de humilhar. De ‘integrar’ alguém, como eles dizem, fazendo recurso de conteúdos que os conceitos não contemplam, mesmo numa interpretação muito livre.
Mas liberdade é noção que não cabe na praxe.
Reproduzi-vos, pois, uns aos outros, estudantes universitários nacionais. Reproduzi-vos uns aos outros e aos velhos hábitos da sereníssima e santíssima carneirada até à exaustão e tudo continuará na mesma.
Não deve ser à toa que, ao mesmo tempo, que as práticas de praxe se ampliam e se multiplicam, parece diminuir a capacidade de intervenção social e política dos estudantes. Integrar pessoas devia ser muito mais (e não devia sequer ser isto) que promover práticas indignas e humilhantes. O caricato (ou não, atendendo ao exposto) é que os próprios humilhados gostam de assim ser ‘integrados’ e as próprias instituições integram, sem questionar e, muitas vezes, sem propor alternativas de integração dos novos alunos, estes rituais de ‘integração’. Isto deve querer dizer alguma coisa a respeito do que vamos sendo (ou não sendo) como povo. Mas isto já disse o Daniel Oliveira em 2011. Destes gestos simbólicos (mas que se materializam). Desta iniciação numa «longa carreira de cobardia» e na «indignidade quotidiana» que se lhe seguirá em todos os contextos onde, em vez de cidadãos, serão subservientes e servos. Portuguesinhos, pois.
*A praxe é uma aventura

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Mensagem por Vitor mango Sáb Set 21, 2013 4:30 am

Desta iniciação numa «longa carreira de cobardia» e na «indignidade quotidiana» que se lhe seguirá em todos os contextos onde, em vez de cidadãos, serão subservientes e servos. Portuguesinhos, pois.

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