Verdades que doem
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Verdades que doem
Relembrando a primeira mensagem :
.
O Presidente Pilatos
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
1. Segundo a sua própria doutrina, Cavaco Silva dá uns recados em privado aos primeiros-ministros. Se de facto assim for, Passos Coelhos ouviu das boas na última reunião com o Presidente da República. Disse ao primeiro-pinistro que "o corte nos subsídios violava as mais básicas regras de equidade", que "a austeridade orçamental não garante que, no futuro, o País se encontrará numa trajectória de crescimento", que "ajustamentos baseados numa trajectória recessiva são insustentáveis", que "o sucesso, em boa parte, não depende só de nós, depende da conjuntura internacional e da capacidade que a UE demonstrar para resolver a crise financeira da Zona Euro". Também não se deve ter esquecido de dizer que não vê espelhadas no Orçamento quaisquer reformas estruturais e que sem elas todos os sacrifícios serão em vão. Mas, mais que tudo, disse ao primeiro-ministro que o caminho escolhido não é o único possível e mostrou-lhe alternativas que não passam pela destruição completa da nossa economia, pela falência de milhares de empresas, por um ainda maior défice, pela criação da maior taxa de desemprego jamais vista e pela fuga em massa dos melhores elementos da administração pública. Enfim, deve ter dito a Passos Coelho o que disse no discurso na Ordem dos Economistas e numa conversa (!) com jornalistas.
Pode ser até que lhe tenha mostrado o artigo do Pedro Lains no Jornal de Negócios onde o economista, insuspeito de qualquer tipo de carinho pela antiga governação, escreve que a estratégia de Passos Coelho "está profundamente desactualizada e mesmo errada" e que "a dimensão do "ajustamento", como lhe querem chamar, é de tal forma grande, é de tal forma brutal que, como é evidente, ultrapassa qualquer estrago que tenha sido feito pelo Governo anterior".
Ora, o primeiro-ministro ouviu isto tudo e fez orelhas moucas. O Presidente da República, que pode ter muitos defeitos mas não embarca em suicídios colectivos, resolveu não esperar cinco anos, como fez com Sócrates, e bastaram-lhe quatro meses para se demarcar publicamente do Governo.
É bem verdade que a monstruosidade da proposta orçamental não deixava grande espaço de manobra a Cavaco Silva. Ele sabe como qualquer pessoa que não esteja completamente cega por fidelidades partidárias ou que acredita na patranha do "vivemos acima das nossas possibilidades", "gorduras" e afins, que a estrada escolhida nos conduz directamente para o inferno. Mas, mais cedo ou mais tarde, o conflito iria instalar-se entre o primeiro-ministro e o Presidente da República. Pena é que tenha sido esta a razão. A retórica utilizada por Passos Coelho enquanto candidato era diametralmente oposta à de Cavaco (infelizmente, Passos Coelho pré-candidato a primeiro-ministro também não tem rigorosamente nada a ver com o Passos Coelho primeiro-ministro). Nada os unia. Nem convicções ideológicas, nem costumes, nem valores, nada. Enquanto o objectivo era afastar o antigo primeiro-ministro, não existiam problemas europeus, nem crise internacional, nem de-sequilíbrios estruturais: era tudo culpa do antigo Governo.
Apenas a existência de um inimigo comum juntou, por breves instantes, Cavaco e Passos Coelho. O fim de Sócrates seria sempre o fim de uma impossível relação.
Foi a cooperação institucional mais curta da história da nossa democracia.
2. O "eu avisei" vai marcar para sempre o mandato de Cavaco Silva. Seja através das suas mensagens no Facebook, seja em discursos que ninguém ouviu, seja por o ter dito em particular, o Presidente da República previu todas as desgraças e apontou sempre os melhores caminhos. Cavaco pensa que fica bem na fotografia por dizer umas coisas, sem que actue em função das suas palavras. Troca os seus poderes constitucionais por um negligente conforto pessoal mascarado de aviso, convencido de que assim fica a salvo de críticas quando o caos se instalar.
O que o Presidente da República fez esta semana pode ser resumido numa frase: "o caminho proposto pelo Governo vai desembocar numa catástrofe, depois não digam que não avisei". E o que vai fazer além de ter verbalizado a sua oposição? Rigorosamente nada. Pilatos não faria melhor.
3. António José Seguro, quando ouviu as palavras de Cavaco Silva, deve ter sido assolado por sentimentos confusos. O primeiro foi de alegria. Em vez de andar perdido em disparates como o código de ética e o pacote requentado contra a corrupção, copia na íntegra as declarações do Presidente e, pronto, já tem discurso. Por outro lado, também deve ter percebido que continua a não ser o líder da oposição. Até aqui foram algumas vozes do PSD, agora é o próprio Presidente da República.
In DN
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O Presidente Pilatos
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
1. Segundo a sua própria doutrina, Cavaco Silva dá uns recados em privado aos primeiros-ministros. Se de facto assim for, Passos Coelhos ouviu das boas na última reunião com o Presidente da República. Disse ao primeiro-pinistro que "o corte nos subsídios violava as mais básicas regras de equidade", que "a austeridade orçamental não garante que, no futuro, o País se encontrará numa trajectória de crescimento", que "ajustamentos baseados numa trajectória recessiva são insustentáveis", que "o sucesso, em boa parte, não depende só de nós, depende da conjuntura internacional e da capacidade que a UE demonstrar para resolver a crise financeira da Zona Euro". Também não se deve ter esquecido de dizer que não vê espelhadas no Orçamento quaisquer reformas estruturais e que sem elas todos os sacrifícios serão em vão. Mas, mais que tudo, disse ao primeiro-ministro que o caminho escolhido não é o único possível e mostrou-lhe alternativas que não passam pela destruição completa da nossa economia, pela falência de milhares de empresas, por um ainda maior défice, pela criação da maior taxa de desemprego jamais vista e pela fuga em massa dos melhores elementos da administração pública. Enfim, deve ter dito a Passos Coelho o que disse no discurso na Ordem dos Economistas e numa conversa (!) com jornalistas.
Pode ser até que lhe tenha mostrado o artigo do Pedro Lains no Jornal de Negócios onde o economista, insuspeito de qualquer tipo de carinho pela antiga governação, escreve que a estratégia de Passos Coelho "está profundamente desactualizada e mesmo errada" e que "a dimensão do "ajustamento", como lhe querem chamar, é de tal forma grande, é de tal forma brutal que, como é evidente, ultrapassa qualquer estrago que tenha sido feito pelo Governo anterior".
Ora, o primeiro-ministro ouviu isto tudo e fez orelhas moucas. O Presidente da República, que pode ter muitos defeitos mas não embarca em suicídios colectivos, resolveu não esperar cinco anos, como fez com Sócrates, e bastaram-lhe quatro meses para se demarcar publicamente do Governo.
É bem verdade que a monstruosidade da proposta orçamental não deixava grande espaço de manobra a Cavaco Silva. Ele sabe como qualquer pessoa que não esteja completamente cega por fidelidades partidárias ou que acredita na patranha do "vivemos acima das nossas possibilidades", "gorduras" e afins, que a estrada escolhida nos conduz directamente para o inferno. Mas, mais cedo ou mais tarde, o conflito iria instalar-se entre o primeiro-ministro e o Presidente da República. Pena é que tenha sido esta a razão. A retórica utilizada por Passos Coelho enquanto candidato era diametralmente oposta à de Cavaco (infelizmente, Passos Coelho pré-candidato a primeiro-ministro também não tem rigorosamente nada a ver com o Passos Coelho primeiro-ministro). Nada os unia. Nem convicções ideológicas, nem costumes, nem valores, nada. Enquanto o objectivo era afastar o antigo primeiro-ministro, não existiam problemas europeus, nem crise internacional, nem de-sequilíbrios estruturais: era tudo culpa do antigo Governo.
Apenas a existência de um inimigo comum juntou, por breves instantes, Cavaco e Passos Coelho. O fim de Sócrates seria sempre o fim de uma impossível relação.
Foi a cooperação institucional mais curta da história da nossa democracia.
2. O "eu avisei" vai marcar para sempre o mandato de Cavaco Silva. Seja através das suas mensagens no Facebook, seja em discursos que ninguém ouviu, seja por o ter dito em particular, o Presidente da República previu todas as desgraças e apontou sempre os melhores caminhos. Cavaco pensa que fica bem na fotografia por dizer umas coisas, sem que actue em função das suas palavras. Troca os seus poderes constitucionais por um negligente conforto pessoal mascarado de aviso, convencido de que assim fica a salvo de críticas quando o caos se instalar.
O que o Presidente da República fez esta semana pode ser resumido numa frase: "o caminho proposto pelo Governo vai desembocar numa catástrofe, depois não digam que não avisei". E o que vai fazer além de ter verbalizado a sua oposição? Rigorosamente nada. Pilatos não faria melhor.
3. António José Seguro, quando ouviu as palavras de Cavaco Silva, deve ter sido assolado por sentimentos confusos. O primeiro foi de alegria. Em vez de andar perdido em disparates como o código de ética e o pacote requentado contra a corrupção, copia na íntegra as declarações do Presidente e, pronto, já tem discurso. Por outro lado, também deve ter percebido que continua a não ser o líder da oposição. Até aqui foram algumas vozes do PSD, agora é o próprio Presidente da República.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Portugal e a Guiné-Bissau
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Portugal e a Guiné-Bissau
por JOÃO MARCELINO
Hoje
"O que os guineenses certamente apreciariam é que Portugal, atual membro do Conselho das Nações Unidas, utilizasse a sua posição para denunciar internacionalmente as causas do drama guineense: o País tornou-se uma plataforma de distribuição de droga entre a América Latina e a Europa. É este miserável negócio que alimenta ambições, distribui dinheiro, fabrica golpes, mata pessoas e não deixa espaço para a Liberdade e a Democracia" (Canal Livre, 14/4 p. p.)
Paulo Portas, ministro dos Negócios Estrangeiros, disse ontem no Conselho de Segurança das Nações Unidas o que tem de ser dito - e o que os responsáveis políticos portugueses têm de continuar a dizer em todos os espaços internacionais em que podem, e devem, fazer-se ouvir: "O que está em questão na Guiné--Bissau é a escolha entre um Estado baseado na ordem constitucional ou um Estado-falhado, baseado no poder do tráfico de droga".
Há muito tempo que nos órgãos de comunicação social de todo o mundo este caso é denunciado. O próprio Governo norte-americano já declarou alguns chefes militares da Guiné-Bissau como verdadeiros barões internacionais de droga, concretamente o general Ibraima Papa Camará, chefe do Estado--Maior da Força Aérea guineense, e o contra-almirante Bubo Na Tchuto, ex-chefe da Armada.
Segundo a Organização Internacional para o Controlo de Estupefacientes, das Nações Unidas, a Guiné-Bissau - tal como a Guiné-Conacri - é uma plataforma de transbordo de drogas latino- -americanas com destino à Europa. Os carregamentos de cocaína são transportados por navio ou aviões comerciais transformados e depois descarregados para embarcações mais pequenas próximo da costa da África Ocidental, que seguem depois para a Europa, onde entram nomeadamente através da Península Ibérica.
Fala-se mesmo na existência de submarinos ao serviço desta rede criminosa que em Portugal nunca foi denunciada com a coragem política devida. Ainda agora, a propósito do último golpe de Estado em Bissau, o Presidente da República Portuguesa, Cavaco Silva, limitou-se a palavras de circunstância, sem conteúdo e cujo evidente bom senso está ao alcance de qualquer boa alma.
Ora, o que se exige a responsáveis políticos é que digam palavras substantivas e não se esgotem todos os dias no politicamente correto.
"A responsabilidade destes atos é de alguns elementos das forças armadas e de alguns políticos que continuam a instigar a instabilidade e a fragilidade institucional do país, para alcançar, por meios ilegais, o poder político que não conseguem obter nas urnas, e os lucros que resultam do tráfico de droga", disse ainda Paulo Portas, ontem, nas Nações Unidas, onde pediu a constituição de uma força internacional para restabelecer a segurança do território e sanções para os golpistas.
Finalmente, alguém em Portugal tenta, de facto, ajudar os cidadãos guineenses, cuja vida é atormentada diariamente pelo crime e insegurança gerados pelo narcotráfico, como resulta da leitura de muitos blogues, já que a denúncia destas situações não consegue chegar aos órgãos de comunicação social. Não é por acaso que os jornalistas que colaboram como correspondentes de publicações estrangeiras, a primeira coisa que fazem por alturas de golpes é desligar telefones e ficar incontactáveis...
Seria importante, por tudo isto e pelo respeito à história comum dos dois países, que o Governo português não deixasse cair este problema da agenda e se mantivesse firme na denúncia e na mobilização da comunidade internacional.
Mais tarde ou mais cedo, a Guiné-Bissau vai precisar de ajuda externa para manter a segurança e fazer prosperar a democracia, que é, nas circunstâncias do presente, apenas uma conquista virtual.
Se Portugal ajudar, e os restantes PALOP também (a posição de Angola, expressa pelo ministro Georges Chicoti, vai no mesmo sentido), poderá ser mais cedo.
Se Cavaco Silva foi infeliz com os comentários sobre as suas pensões, Juan Carlos exagerou na caçada ao elefante. Mas o problema, lá como cá, é o mesmo: numa altura tão sensível, de grave crise financeira, económica e social, as duas mais altas figuras dos Estados português e espanhol perderam capacidade
In DN
Portugal e a Guiné-Bissau
por JOÃO MARCELINO
Hoje
"O que os guineenses certamente apreciariam é que Portugal, atual membro do Conselho das Nações Unidas, utilizasse a sua posição para denunciar internacionalmente as causas do drama guineense: o País tornou-se uma plataforma de distribuição de droga entre a América Latina e a Europa. É este miserável negócio que alimenta ambições, distribui dinheiro, fabrica golpes, mata pessoas e não deixa espaço para a Liberdade e a Democracia" (Canal Livre, 14/4 p. p.)
Paulo Portas, ministro dos Negócios Estrangeiros, disse ontem no Conselho de Segurança das Nações Unidas o que tem de ser dito - e o que os responsáveis políticos portugueses têm de continuar a dizer em todos os espaços internacionais em que podem, e devem, fazer-se ouvir: "O que está em questão na Guiné--Bissau é a escolha entre um Estado baseado na ordem constitucional ou um Estado-falhado, baseado no poder do tráfico de droga".
Há muito tempo que nos órgãos de comunicação social de todo o mundo este caso é denunciado. O próprio Governo norte-americano já declarou alguns chefes militares da Guiné-Bissau como verdadeiros barões internacionais de droga, concretamente o general Ibraima Papa Camará, chefe do Estado--Maior da Força Aérea guineense, e o contra-almirante Bubo Na Tchuto, ex-chefe da Armada.
Segundo a Organização Internacional para o Controlo de Estupefacientes, das Nações Unidas, a Guiné-Bissau - tal como a Guiné-Conacri - é uma plataforma de transbordo de drogas latino- -americanas com destino à Europa. Os carregamentos de cocaína são transportados por navio ou aviões comerciais transformados e depois descarregados para embarcações mais pequenas próximo da costa da África Ocidental, que seguem depois para a Europa, onde entram nomeadamente através da Península Ibérica.
Fala-se mesmo na existência de submarinos ao serviço desta rede criminosa que em Portugal nunca foi denunciada com a coragem política devida. Ainda agora, a propósito do último golpe de Estado em Bissau, o Presidente da República Portuguesa, Cavaco Silva, limitou-se a palavras de circunstância, sem conteúdo e cujo evidente bom senso está ao alcance de qualquer boa alma.
Ora, o que se exige a responsáveis políticos é que digam palavras substantivas e não se esgotem todos os dias no politicamente correto.
"A responsabilidade destes atos é de alguns elementos das forças armadas e de alguns políticos que continuam a instigar a instabilidade e a fragilidade institucional do país, para alcançar, por meios ilegais, o poder político que não conseguem obter nas urnas, e os lucros que resultam do tráfico de droga", disse ainda Paulo Portas, ontem, nas Nações Unidas, onde pediu a constituição de uma força internacional para restabelecer a segurança do território e sanções para os golpistas.
Finalmente, alguém em Portugal tenta, de facto, ajudar os cidadãos guineenses, cuja vida é atormentada diariamente pelo crime e insegurança gerados pelo narcotráfico, como resulta da leitura de muitos blogues, já que a denúncia destas situações não consegue chegar aos órgãos de comunicação social. Não é por acaso que os jornalistas que colaboram como correspondentes de publicações estrangeiras, a primeira coisa que fazem por alturas de golpes é desligar telefones e ficar incontactáveis...
Seria importante, por tudo isto e pelo respeito à história comum dos dois países, que o Governo português não deixasse cair este problema da agenda e se mantivesse firme na denúncia e na mobilização da comunidade internacional.
Mais tarde ou mais cedo, a Guiné-Bissau vai precisar de ajuda externa para manter a segurança e fazer prosperar a democracia, que é, nas circunstâncias do presente, apenas uma conquista virtual.
Se Portugal ajudar, e os restantes PALOP também (a posição de Angola, expressa pelo ministro Georges Chicoti, vai no mesmo sentido), poderá ser mais cedo.
Se Cavaco Silva foi infeliz com os comentários sobre as suas pensões, Juan Carlos exagerou na caçada ao elefante. Mas o problema, lá como cá, é o mesmo: numa altura tão sensível, de grave crise financeira, económica e social, as duas mais altas figuras dos Estados português e espanhol perderam capacidade
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
O delírio
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O delírio
por PAULO BALDAIA
Hoje
Um dos sintomas da esquizofrenia europeia é o delírio com que as grandes multinacionais políticas fazem, por estes dias, o que querem das nossas vidas. Com base num experimentalismo que às vezes chega a parecer criminoso, os tecnocratas da 'troika' gerem a vida de milhões de cidadãos como se não houvesse erro que lhes possa ser imputado.
A análise do FMI fez-me ir ao armário à procura de vestes pessimistas que eu não queria estrear. Esses senhores dizem-nos agora, com o ar de quem sempre achou que ia ser assim, que a austeridade vai matar a nossa economia e que o aperto aos bancos vai fazer desaparecer o crédito. Dizem-nos agora, com o ar de quem sempre achou que ia ser assim, o que muita gente anda a dizer desde que desenharam o famoso memorando.
E eu até estou à vontade para falar do assunto porque sempre fui dos que pensaram que é preciso meter na ordem as contas públicas, "custe o que custar". Os senhores com quem eu concordei dizem-me agora que estou errado. E dizem-no como se tivesse sido eu a convencê-los que eles tinham razão.
Por causa das suas experiências, o dinheiro está a desaparecer de Portugal e nem as boas ideias parecem valer um tostão. Todas as conversas de negócios são feitas à volta do dinheiro que não há. É como se os homens de negócios mantivessem a conversa, apenas, porque não querem perder a arte da retórica. Toda a gente fala do que sabe quase não existir.
E neste mundo à parte em que se fala de dinheiro, porque o pouco que existe não sai deste círculo fechado, só existe o medo de que tudo acabe por dar para o torto. Já há consciência de que a multidão de deserdados cresce todos os dias e que cada dia tem menos a perder.
Se querem perceber o que aí vem tentem imaginar-se no papel de dezenas de milhares de pais que caíram no desemprego e esgotaram o prazo a que têm direito ao subsídio de desemprego, sem saberem como vão dar vida aos filhos. E nas centenas de milhares que vão a caminho do mesmo vazio.
Quando Vítor Gaspar garante que os portugueses "estão completamente dispostos a sacrificar-se", ressalvando que esperam, no entanto, que os sacrifícios sejam repartidos de forma justa, convém que leve em linha de conta que as injustiças se agravam à medida que florescem as crises. E a paciência, mesmo de um santo, tem limites. Portugal está muito longe de ser um sucesso.
Sei do esforço que o Governo tem feito para cumprir o memorando. Sei da exigência que colocam na sua tarefa, mas sei também que o memorando já é questionado até por quem nos impôs estes níveis de austeridade. Aproveitem a deixa e não apresentem apenas contas certinhas à troika, peçam-lhes também contas pelo modelo que desenharam.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
O delírio
por PAULO BALDAIA
Hoje
Um dos sintomas da esquizofrenia europeia é o delírio com que as grandes multinacionais políticas fazem, por estes dias, o que querem das nossas vidas. Com base num experimentalismo que às vezes chega a parecer criminoso, os tecnocratas da 'troika' gerem a vida de milhões de cidadãos como se não houvesse erro que lhes possa ser imputado.
A análise do FMI fez-me ir ao armário à procura de vestes pessimistas que eu não queria estrear. Esses senhores dizem-nos agora, com o ar de quem sempre achou que ia ser assim, que a austeridade vai matar a nossa economia e que o aperto aos bancos vai fazer desaparecer o crédito. Dizem-nos agora, com o ar de quem sempre achou que ia ser assim, o que muita gente anda a dizer desde que desenharam o famoso memorando.
E eu até estou à vontade para falar do assunto porque sempre fui dos que pensaram que é preciso meter na ordem as contas públicas, "custe o que custar". Os senhores com quem eu concordei dizem-me agora que estou errado. E dizem-no como se tivesse sido eu a convencê-los que eles tinham razão.
Por causa das suas experiências, o dinheiro está a desaparecer de Portugal e nem as boas ideias parecem valer um tostão. Todas as conversas de negócios são feitas à volta do dinheiro que não há. É como se os homens de negócios mantivessem a conversa, apenas, porque não querem perder a arte da retórica. Toda a gente fala do que sabe quase não existir.
E neste mundo à parte em que se fala de dinheiro, porque o pouco que existe não sai deste círculo fechado, só existe o medo de que tudo acabe por dar para o torto. Já há consciência de que a multidão de deserdados cresce todos os dias e que cada dia tem menos a perder.
Se querem perceber o que aí vem tentem imaginar-se no papel de dezenas de milhares de pais que caíram no desemprego e esgotaram o prazo a que têm direito ao subsídio de desemprego, sem saberem como vão dar vida aos filhos. E nas centenas de milhares que vão a caminho do mesmo vazio.
Quando Vítor Gaspar garante que os portugueses "estão completamente dispostos a sacrificar-se", ressalvando que esperam, no entanto, que os sacrifícios sejam repartidos de forma justa, convém que leve em linha de conta que as injustiças se agravam à medida que florescem as crises. E a paciência, mesmo de um santo, tem limites. Portugal está muito longe de ser um sucesso.
Sei do esforço que o Governo tem feito para cumprir o memorando. Sei da exigência que colocam na sua tarefa, mas sei também que o memorando já é questionado até por quem nos impôs estes níveis de austeridade. Aproveitem a deixa e não apresentem apenas contas certinhas à troika, peçam-lhes também contas pelo modelo que desenharam.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Alô, portugueses! Alô, portugueses!...
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Alô, portugueses! Alô, portugueses!...
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Escrevi aqui, há dias, que entendi bem o artigo de Passos Coelho no Financial Times. Neste, o primeiro-ministro sublinhava que "não há garantias" de que, em setembro de 2013, na data prevista para o fazer, já pudéssemos recorrer aos mercados como qualquer outro país. Havia no texto de Passos Coelho uma mudança no discurso recente dos governantes. Até aqui, era: nunca mostrar dúvidas, se não o lobo mau dos mercados vem e comenos. Mas Passos Coelho foi para um jornal - e o jornal que os mercados leem! - mostrar dúvidas. Então, eu concluí: como o primeiro-ministro não é irresponsável, ele não falava lá para fora, para os mercados, mas cá para dentro. Foi esse, aliás, o título da minha crónica: "Falar lá fora cá para dentro." Cá dentro onde é necessário cerrar fileiras, engolir em seco, convencer as pessoas de ainda terem de amochar mais, e muito. A prioridade do Governo mudou: agora, é convencer-nos. A nós, não à Moody's. Entre a gente que, nos jornais e televisões, anda agarrada ao periscópio a tentar topar o rumo das coisas, não houve muitos que tivessem assinalado essa mudança de estratégia de comunicação. Ainda me perguntei: será que me enganei? Calculem a minha gratidão quando ouvi a ministra da Justiça a dar-me a mão: "O País chegou de facto à bancarrota", disse Paula Teixeira da Cruz. Confirma-se, agora estamo-nos nas tintas para os mercados. A preocupação do Governo és tu, leitor, e só.
In DN
Alô, portugueses! Alô, portugueses!...
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Escrevi aqui, há dias, que entendi bem o artigo de Passos Coelho no Financial Times. Neste, o primeiro-ministro sublinhava que "não há garantias" de que, em setembro de 2013, na data prevista para o fazer, já pudéssemos recorrer aos mercados como qualquer outro país. Havia no texto de Passos Coelho uma mudança no discurso recente dos governantes. Até aqui, era: nunca mostrar dúvidas, se não o lobo mau dos mercados vem e comenos. Mas Passos Coelho foi para um jornal - e o jornal que os mercados leem! - mostrar dúvidas. Então, eu concluí: como o primeiro-ministro não é irresponsável, ele não falava lá para fora, para os mercados, mas cá para dentro. Foi esse, aliás, o título da minha crónica: "Falar lá fora cá para dentro." Cá dentro onde é necessário cerrar fileiras, engolir em seco, convencer as pessoas de ainda terem de amochar mais, e muito. A prioridade do Governo mudou: agora, é convencer-nos. A nós, não à Moody's. Entre a gente que, nos jornais e televisões, anda agarrada ao periscópio a tentar topar o rumo das coisas, não houve muitos que tivessem assinalado essa mudança de estratégia de comunicação. Ainda me perguntei: será que me enganei? Calculem a minha gratidão quando ouvi a ministra da Justiça a dar-me a mão: "O País chegou de facto à bancarrota", disse Paula Teixeira da Cruz. Confirma-se, agora estamo-nos nas tintas para os mercados. A preocupação do Governo és tu, leitor, e só.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Observatório de ideias
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Observatório de ideias
por MÁRIO SOARES
Hoje
1- Na passada semana, assisti ao lançamento do livro Dicionário das Crises e das Alternativas, no auditório da Livraria Bertrand, junto ao Sheraton (em Lisboa), organizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, dirigido pelo professor Boaventura Sousa Santos, com a participação ativa de um membro da Organização Mundial do Trabalho, Raymond Turey, da professora Mafalda Troncho, que presidiu à sessão, e de Manuel Carvalho da Silva, que, numa extensa intervenção, apresentou o Observatório sobre Crises e Alternativas.
Tratou-se, evidentemente, de um texto, muito bem elaborado, sobre as crises e as alternativas possíveis para as vencer. Note-se que não se ocupou somente da crise financeira, que tanto nos afeta, como a vários países da União Europeia - sem excluir os grandes Estados: Espanha, Itália, França e Reino Unido -, mas das outras crises que nos ameaçam, como: a económica, a política, a social, a ambiental e a de civilização.
Boaventura de Sousa Santos, que Manuel Carvalho da Silva cita, num livro que o professor publicou, Portugal - Ensaio contra a Autoflagelação, um vício que ataca muitos portugueses, especialmente em tempo de crise, e que é preciso vencer. Como? Não acreditando na austeridade cega - nos cortes que atingem sobretudo os mais desfavorecidos - e que têm deixado impunes os mercados usurários e os mais poderosos, aceitando que cresça a recessão e, avassaladoramente, o desemprego.
Cito o texto de Carvalho da Silva: "As injustiças, o sofrimento e a pobreza resultantes das alterações ao regime do subsídio de doença, a não existência de subsídio de desemprego, para a maioria dos desempregados, num contexto em que corremos o risco de atingir uma taxa de desemprego de 20%, a prazo não muito longo, os cortes no Rendimento Social de Inserção, a diminuição da protecção na maternidade e na paternidade ou nas condições de adopção, não têm importância. Para a troika e para o Governo, tudo isto são 'riscos' ou 'sacrifícios' necessários; o programa é perfeito e está a ser executado de forma exemplar, mesmo que se recorra a um 'austeritarismo' nacional de empobrecimento."
Note-se que a troika está ela própria a desentender-se. O Fundo Monetário Internacional (FMI) tem vindo a criticar, pela voz da sua presidente, Christine Lagarde, que a austeridade, por si só, conduz ao caos, visto que a recessão e o desemprego aumentam, sem remédio. É preciso investimento e acabar com os cortes cegos que põem em causa a vida das pessoas, as instituições sociais e desacreditam as democracias. Isto é: está em jogo o futuro do projeto europeu e da própria Europa.
George Soros, o financista benemérito que organizou um fórum em meados de abril, em Berlim, disse que "o Bundesbank está a matar o euro" (sic). Vários economistas alemães como Heiner Flassbeck, a secretária-geral da OCDE, Angel Gurria e os Nobel da economia, Joseph Stiglitz e Paul Krugman, dizem - cito - "que os líderes europeus estão a caminho de provocar o suicídio económico do conjunto do Continente" (vide The New York Times de 15 de abril). Contudo, os líderes europeus e o nosso Governo, constituído por ministros quase todos de ideologia neoliberal, não fazem caso - nem se querem aperceber - do que estão a fazer, e eu penso particularmente no nosso país. Parece-lhes - aos dirigentes europeus - tudo excelente. No entanto, estão a destruir o Estado, sem pôr em causa - como prometeram - o seu despesismo, a reduzir as pensões, a vender, privatizando, de qualquer modo, de que sabemos pouco, as melhores empresas portuguesas e as chamadas "joias da coroa", a pôr em causa as nossas reservas de ouro, a destruir as conquistas sociais e o bem-estar das populações, a condenar à emigração as nossas jovens elites - as melhores e mais apreciadas no estrangeiro, que já tivemos -, a cortar os apoios às nossas excelentes universidades, a ignorar a cultura, retirando-lhe apoios, bem como à própria educação pública. Tudo isso para quê? Para nada!
Porque com a austeridade cega, cada ano, como se está a ver, vamos de mal a pior. A criminalidade vai crescer, bem como o justo descontentamento dos mais prejudicados.
Cito o fim do texto apresentado por Manuel Carvalho da Silva: "É preciso romper o bloqueio. Precisamos de sérias reformas - digo eu: não de contra-reformas, como tem sucedido -, que no contexto actual podem significar importantes rupturas. Talvez mesmo perigosas. Precisamos de grandes rupturas, que começam exatamente nos becos sem saída que estão a ser criados e na quebra dos muros!" E ainda: "As alternativas são possíveis (...). Nada é mais letal do que a resignação (...). É preciso combater este capitalismo perigosamente indutor do retrocesso social e civilizacional."
O Centro de Estudos Sociais teve um bom começo e uma sala repleta de gente, consciente da difícil situação que vivemos, mas, apesar disso, cheia de entusiasmo e de confiança no futuro. Valha-nos isso.
Austeridade ou Crescimento?
2- A Europa interroga-se. Era inevitável. O sistema político-social está a mudar, quanto ao futuro próximo. Entre austeridade e os cortes inaceitáveis e extremamente dolorosos para as populações, sobretudo as mais desfavorecidas, que são, por todo o lado, as grandes vítimas - e em que a classe média, pela primeira vez, está também a sofrer enormemente -, a necessidade do crescimento económico e da luta contra o flagelo do desemprego crescente começa a tornar-se evi- dente. Os europeus advertidos (não falo dos dirigentes) parecem finalmente não hesitar. A austeridade conduzir-nos-á ao caos.
O doutor Draghi, presidente do Banco Central Europeu, foi talvez o primeiro a perceber a necessidade de fazer injetar dinheiro no circuito económico. E por duas vezes desviou um bilião de dólares para dar oxigénio às instituições financeiras europeias em grandes dificuldades. Mas, reconheça-se, foi sol de pouca dura. A Espanha e a Itália tornaram-se, de repente, os Estados europeus em maiores dificuldades. E - imagine-se - os economistas europeus e americanos, por mais ortodoxos que sejam, já o reconhecem: o pior está para vir. Pensemos no que se vai passar na França, independentemente dos resultados das eleições presidenciais. E agora - pasme-se - na Holanda!
Na verdade, as coisas são o que são. A pobreza, que está a atingir o nível da miséria em países com economias fortes, como a Itália e a Espanha - e, para mais, Estados católicos -, está a dar lugar, muito significativamente, a pessoas que se suicidam, dada a situação trágica em que se encontram, falidas e sem dinheiro para comer e dar de comer aos filhos. Nos últimos três meses, 146 000 empresas fecharam as suas portas em Itália. 91% dos italianos chegam ao fim do mês sem dinheiro. O primeiro--ministro Monti falou do custo das vidas perante a crise. Mas a Espanha não está melhor e não deixará de gritar o mesmo.
Que fazer? Para além das pessoas que se suicidam na Itália em cada dia, um pequeno empresário e um trabalhador - em Portugal começa a surgir o mesmo fenómeno -, há também a crescente criminalidade, que começa a ser outra manifestação de desespero. É que quando os dirigentes desprezam as pessoas - e só querem saber dos cortes e do dinheiro -, pedindo sacrifícios sem compreender as tragédias que daí resultam, avolumando as desigualdades, só há um caminho, honestamente: a revolta. Atenção, pois, ao que se está a fabricar, inconscientemente. O desespero é mau conselheiro...
As pessoas estão a aprender, à custa própria, que a austeridade, por si só, nos leva a cada vez maiores dificuldades. Que é preciso mudar de sistema, para salvar o euro e a União Europeia. Como disseram Jacques Delors e Helmut Schmidt, o antigo chanceler alemão, de 93 anos, ou o projeto europeu se desarticula - bem como o euro - e os Estados europeus entram em decadência, todos; ou terá de haver, in extremis, uma mudança de paradigma e de sistema de desenvolvimento.
A Esquerda Europeia vai mudar
3- Parece-me óbvio, ao cabo de tantas derrotas. Não a Esquerda radical, comunista, maoista ou trotskista, que, por definição, não muda nunca nem aprende nada. Mas a Esquerda socialista, social-democrata, trabalhista, verde ou simplesmente democrática, como na Itália. É uma família político-ideológica, que no passado foi infelizmente blairista e partidária da "terceira via", de má memória. Foi esse desvio, para o Centrão, economicista, ou mesmo para a Direita, que fez a Esquerda - dita moderada - perder as suas posições nos governos, em quase todos os Estados europeus e o voto de muitos trabalhadores e do chamado Povo de Esquerda.
Estamos a entrar numa nova fase. A ideologia neoliberal deu o que tinha a dar, criou sociedades sem valores éticos, em que só conta o dinheiro, e as pessoas, sobretudo as mais pobres, são ignoradas e atiradas para o desemprego. É urgente mudar de paradigma, abandonar o capitalismo de casino, tipo virtual, e apostar num capitalismo, regulamentado pelos valores éticos e em defesa das grandes causas: a paz, a solidariedade, o aprofundamento democrático, regular a globalização, inspirar-se em valores éticos, na dignidade do trabalho e nas conquistas sociais, que deram às populações europeias um bem-estar até então nunca conhecido.
É neste contexto que os partidos Socialistas, Social-Democratas, Trabalhistas, Verdes ou tão-só Democratas devem refundar-se e preparar o seu futuro, atraindo as mulheres e os homens de Esquerda, mantendo formas atualizadas de concertação social e dialogando sempre com os sindicatos, as organizações cooperativas, mutualistas e a inteligência e a cultura de Esquerda. Só assim podemos sair da crise, refundando a Esquerda e os seus valores.
In DN
Observatório de ideias
por MÁRIO SOARES
Hoje
1- Na passada semana, assisti ao lançamento do livro Dicionário das Crises e das Alternativas, no auditório da Livraria Bertrand, junto ao Sheraton (em Lisboa), organizado pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, dirigido pelo professor Boaventura Sousa Santos, com a participação ativa de um membro da Organização Mundial do Trabalho, Raymond Turey, da professora Mafalda Troncho, que presidiu à sessão, e de Manuel Carvalho da Silva, que, numa extensa intervenção, apresentou o Observatório sobre Crises e Alternativas.
Tratou-se, evidentemente, de um texto, muito bem elaborado, sobre as crises e as alternativas possíveis para as vencer. Note-se que não se ocupou somente da crise financeira, que tanto nos afeta, como a vários países da União Europeia - sem excluir os grandes Estados: Espanha, Itália, França e Reino Unido -, mas das outras crises que nos ameaçam, como: a económica, a política, a social, a ambiental e a de civilização.
Boaventura de Sousa Santos, que Manuel Carvalho da Silva cita, num livro que o professor publicou, Portugal - Ensaio contra a Autoflagelação, um vício que ataca muitos portugueses, especialmente em tempo de crise, e que é preciso vencer. Como? Não acreditando na austeridade cega - nos cortes que atingem sobretudo os mais desfavorecidos - e que têm deixado impunes os mercados usurários e os mais poderosos, aceitando que cresça a recessão e, avassaladoramente, o desemprego.
Cito o texto de Carvalho da Silva: "As injustiças, o sofrimento e a pobreza resultantes das alterações ao regime do subsídio de doença, a não existência de subsídio de desemprego, para a maioria dos desempregados, num contexto em que corremos o risco de atingir uma taxa de desemprego de 20%, a prazo não muito longo, os cortes no Rendimento Social de Inserção, a diminuição da protecção na maternidade e na paternidade ou nas condições de adopção, não têm importância. Para a troika e para o Governo, tudo isto são 'riscos' ou 'sacrifícios' necessários; o programa é perfeito e está a ser executado de forma exemplar, mesmo que se recorra a um 'austeritarismo' nacional de empobrecimento."
Note-se que a troika está ela própria a desentender-se. O Fundo Monetário Internacional (FMI) tem vindo a criticar, pela voz da sua presidente, Christine Lagarde, que a austeridade, por si só, conduz ao caos, visto que a recessão e o desemprego aumentam, sem remédio. É preciso investimento e acabar com os cortes cegos que põem em causa a vida das pessoas, as instituições sociais e desacreditam as democracias. Isto é: está em jogo o futuro do projeto europeu e da própria Europa.
George Soros, o financista benemérito que organizou um fórum em meados de abril, em Berlim, disse que "o Bundesbank está a matar o euro" (sic). Vários economistas alemães como Heiner Flassbeck, a secretária-geral da OCDE, Angel Gurria e os Nobel da economia, Joseph Stiglitz e Paul Krugman, dizem - cito - "que os líderes europeus estão a caminho de provocar o suicídio económico do conjunto do Continente" (vide The New York Times de 15 de abril). Contudo, os líderes europeus e o nosso Governo, constituído por ministros quase todos de ideologia neoliberal, não fazem caso - nem se querem aperceber - do que estão a fazer, e eu penso particularmente no nosso país. Parece-lhes - aos dirigentes europeus - tudo excelente. No entanto, estão a destruir o Estado, sem pôr em causa - como prometeram - o seu despesismo, a reduzir as pensões, a vender, privatizando, de qualquer modo, de que sabemos pouco, as melhores empresas portuguesas e as chamadas "joias da coroa", a pôr em causa as nossas reservas de ouro, a destruir as conquistas sociais e o bem-estar das populações, a condenar à emigração as nossas jovens elites - as melhores e mais apreciadas no estrangeiro, que já tivemos -, a cortar os apoios às nossas excelentes universidades, a ignorar a cultura, retirando-lhe apoios, bem como à própria educação pública. Tudo isso para quê? Para nada!
Porque com a austeridade cega, cada ano, como se está a ver, vamos de mal a pior. A criminalidade vai crescer, bem como o justo descontentamento dos mais prejudicados.
Cito o fim do texto apresentado por Manuel Carvalho da Silva: "É preciso romper o bloqueio. Precisamos de sérias reformas - digo eu: não de contra-reformas, como tem sucedido -, que no contexto actual podem significar importantes rupturas. Talvez mesmo perigosas. Precisamos de grandes rupturas, que começam exatamente nos becos sem saída que estão a ser criados e na quebra dos muros!" E ainda: "As alternativas são possíveis (...). Nada é mais letal do que a resignação (...). É preciso combater este capitalismo perigosamente indutor do retrocesso social e civilizacional."
O Centro de Estudos Sociais teve um bom começo e uma sala repleta de gente, consciente da difícil situação que vivemos, mas, apesar disso, cheia de entusiasmo e de confiança no futuro. Valha-nos isso.
Austeridade ou Crescimento?
2- A Europa interroga-se. Era inevitável. O sistema político-social está a mudar, quanto ao futuro próximo. Entre austeridade e os cortes inaceitáveis e extremamente dolorosos para as populações, sobretudo as mais desfavorecidas, que são, por todo o lado, as grandes vítimas - e em que a classe média, pela primeira vez, está também a sofrer enormemente -, a necessidade do crescimento económico e da luta contra o flagelo do desemprego crescente começa a tornar-se evi- dente. Os europeus advertidos (não falo dos dirigentes) parecem finalmente não hesitar. A austeridade conduzir-nos-á ao caos.
O doutor Draghi, presidente do Banco Central Europeu, foi talvez o primeiro a perceber a necessidade de fazer injetar dinheiro no circuito económico. E por duas vezes desviou um bilião de dólares para dar oxigénio às instituições financeiras europeias em grandes dificuldades. Mas, reconheça-se, foi sol de pouca dura. A Espanha e a Itália tornaram-se, de repente, os Estados europeus em maiores dificuldades. E - imagine-se - os economistas europeus e americanos, por mais ortodoxos que sejam, já o reconhecem: o pior está para vir. Pensemos no que se vai passar na França, independentemente dos resultados das eleições presidenciais. E agora - pasme-se - na Holanda!
Na verdade, as coisas são o que são. A pobreza, que está a atingir o nível da miséria em países com economias fortes, como a Itália e a Espanha - e, para mais, Estados católicos -, está a dar lugar, muito significativamente, a pessoas que se suicidam, dada a situação trágica em que se encontram, falidas e sem dinheiro para comer e dar de comer aos filhos. Nos últimos três meses, 146 000 empresas fecharam as suas portas em Itália. 91% dos italianos chegam ao fim do mês sem dinheiro. O primeiro--ministro Monti falou do custo das vidas perante a crise. Mas a Espanha não está melhor e não deixará de gritar o mesmo.
Que fazer? Para além das pessoas que se suicidam na Itália em cada dia, um pequeno empresário e um trabalhador - em Portugal começa a surgir o mesmo fenómeno -, há também a crescente criminalidade, que começa a ser outra manifestação de desespero. É que quando os dirigentes desprezam as pessoas - e só querem saber dos cortes e do dinheiro -, pedindo sacrifícios sem compreender as tragédias que daí resultam, avolumando as desigualdades, só há um caminho, honestamente: a revolta. Atenção, pois, ao que se está a fabricar, inconscientemente. O desespero é mau conselheiro...
As pessoas estão a aprender, à custa própria, que a austeridade, por si só, nos leva a cada vez maiores dificuldades. Que é preciso mudar de sistema, para salvar o euro e a União Europeia. Como disseram Jacques Delors e Helmut Schmidt, o antigo chanceler alemão, de 93 anos, ou o projeto europeu se desarticula - bem como o euro - e os Estados europeus entram em decadência, todos; ou terá de haver, in extremis, uma mudança de paradigma e de sistema de desenvolvimento.
A Esquerda Europeia vai mudar
3- Parece-me óbvio, ao cabo de tantas derrotas. Não a Esquerda radical, comunista, maoista ou trotskista, que, por definição, não muda nunca nem aprende nada. Mas a Esquerda socialista, social-democrata, trabalhista, verde ou simplesmente democrática, como na Itália. É uma família político-ideológica, que no passado foi infelizmente blairista e partidária da "terceira via", de má memória. Foi esse desvio, para o Centrão, economicista, ou mesmo para a Direita, que fez a Esquerda - dita moderada - perder as suas posições nos governos, em quase todos os Estados europeus e o voto de muitos trabalhadores e do chamado Povo de Esquerda.
Estamos a entrar numa nova fase. A ideologia neoliberal deu o que tinha a dar, criou sociedades sem valores éticos, em que só conta o dinheiro, e as pessoas, sobretudo as mais pobres, são ignoradas e atiradas para o desemprego. É urgente mudar de paradigma, abandonar o capitalismo de casino, tipo virtual, e apostar num capitalismo, regulamentado pelos valores éticos e em defesa das grandes causas: a paz, a solidariedade, o aprofundamento democrático, regular a globalização, inspirar-se em valores éticos, na dignidade do trabalho e nas conquistas sociais, que deram às populações europeias um bem-estar até então nunca conhecido.
É neste contexto que os partidos Socialistas, Social-Democratas, Trabalhistas, Verdes ou tão-só Democratas devem refundar-se e preparar o seu futuro, atraindo as mulheres e os homens de Esquerda, mantendo formas atualizadas de concertação social e dialogando sempre com os sindicatos, as organizações cooperativas, mutualistas e a inteligência e a cultura de Esquerda. Só assim podemos sair da crise, refundando a Esquerda e os seus valores.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Vítor Gaspar: "Onze é de mais!"
.
Vítor Gaspar: "Onze é de mais!"
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Somos um país de coletividades onde a mais sintomática, sendo grupo excursionista, se chama "Vai Tu". Então, temos um campeonato - onde há um Leiria sem dinheiro para mandar cantar onze cegos - que quer aumentar os clubes de 16 para 18, já para o ano. Faz sentido. Assim, em vez de vermos um sindicalista desconhecido, cercado do que nos parecem ser arrumadores de automóveis, para o ano teremos uma conferência de imprensa com os líderes das centrais sindicais, ladeados pelo Hulk e o Luisão. Não pagos. Há que nivelar Portugal pela relva: o que é a tática para o resto do País que seja também para o futebol. Há que multiplicar o que aconteceu ontem no estádio da Marinha Grande (Leiria-Feirense). O Leiria entrou com oito jogadores em campo, jogou num esquema esquisito e só perdeu por quatro. Com uns meses de prática, os esquemas dos clubes portugueses falidos (4-3-0, 5-2-0, 7-0-0...) podem vir a baralhar os campos da Europa. Por exemplo, num futuro Real Madrid-FC Porto, Mourinho manda marcar o Hulk e o Pepe fica nervoso por defrontar uma ausência. Ora, o Pepe, nervoso, comete penáltis infantis... Outra tática: sendo o mínimo de jogadores sete (ontem o Leiria já foi perdulário), sete futebolistas garantem um empate a zero se forem largos e bem distribuídos entre os postes e a trave. Portugal, que já inova na economia fazendo um país sem trabalhadores nem trabalho, pode fazer o mesmo no futebol, cortando o excesso de jogadores.
In DN
:mrgreen:
Vítor Gaspar: "Onze é de mais!"
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Somos um país de coletividades onde a mais sintomática, sendo grupo excursionista, se chama "Vai Tu". Então, temos um campeonato - onde há um Leiria sem dinheiro para mandar cantar onze cegos - que quer aumentar os clubes de 16 para 18, já para o ano. Faz sentido. Assim, em vez de vermos um sindicalista desconhecido, cercado do que nos parecem ser arrumadores de automóveis, para o ano teremos uma conferência de imprensa com os líderes das centrais sindicais, ladeados pelo Hulk e o Luisão. Não pagos. Há que nivelar Portugal pela relva: o que é a tática para o resto do País que seja também para o futebol. Há que multiplicar o que aconteceu ontem no estádio da Marinha Grande (Leiria-Feirense). O Leiria entrou com oito jogadores em campo, jogou num esquema esquisito e só perdeu por quatro. Com uns meses de prática, os esquemas dos clubes portugueses falidos (4-3-0, 5-2-0, 7-0-0...) podem vir a baralhar os campos da Europa. Por exemplo, num futuro Real Madrid-FC Porto, Mourinho manda marcar o Hulk e o Pepe fica nervoso por defrontar uma ausência. Ora, o Pepe, nervoso, comete penáltis infantis... Outra tática: sendo o mínimo de jogadores sete (ontem o Leiria já foi perdulário), sete futebolistas garantem um empate a zero se forem largos e bem distribuídos entre os postes e a trave. Portugal, que já inova na economia fazendo um país sem trabalhadores nem trabalho, pode fazer o mesmo no futebol, cortando o excesso de jogadores.
In DN
:mrgreen:
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Confisco
.
Confisco
por PEDRO MARQUES LOPES
Ontem
Assunção Cristas tem tido um bom desempenho como ministra. O ministério que tutela, o da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, é um daqueles monstros criados em função dum pensamento demagógico e voluntarista - a patetice do Governo exíguo - que mais não fez do que tornar os ministérios ingovernáveis e fez crescer como cogumelos comissões, agências, grupos de trabalho e afins. Mas a ministra tem mostrado um assinalável bom senso e um conhecimento dos dossiers que, infelizmente, não tem sido apanágio de muitos dos seus colegas de Governo. O melhor exemplo é a lei do arrendamento. Apesar de conter alguns defeitos, é, hoje por hoje, a única verdadeira reforma estrutural séria e com profundo alcance político que este Executivo implementou. Também nos tem poupado ao espectáculo deprimente, pueril e demonstrativo de pouco estudo das matérias que é este método de lançar uns assuntos para a opinião pública para ver qual é a reacção e depois se esquecer o assunto ou optar por uma versão qualquer mitigada ou mesmo oposta à proposta inicial. Quem não se recorda do Conselho Geral da República que ia ser o responsável pela contratação de gestores públicos e selecção de pessoal político, da TSU, e mais recentemente da legislação laboral e da reforma da Segurança Social. No melhor pano cai a nódoa, porém. A ministra prepara-se agora para fazer passar uma norma injusta, penalizadora para a franja da população que mais sofre com a crise, incoerente e com um conteúdo ideoló- gico pouco consistente com os supostos valores políticos deste Governo: a taxa de segurança alimentar. É óbvio, os distribuidores vão repassar o valor que têm de pagar para os consumidores. A margem obtida por hipermercados e supermercados é a diferença entre custos e proveitos, tendo de pagar mais é normal que tenham de receber mais. É aliás absolutamente extraordinária a argumentação da ministra quando diz que a taxa representa nem 0,1% do volume de facturação. Teve a senhora a preocupação de saber quanta dessa facturação é de produtos alimentares e de não alimentares? Então e os outros impostos que os distribuidores pagam e que já não são nada poucos? E se fosse 0,2% já não se justificava? Não saberá Assunção Cristas que facturar não quer dizer lucrar? E porque diabo uma taxa que supostamente serve para obter melhor segurança alimentar vai ser cobrada em função do espaço ocupado por bens não alimentares como detergentes, electrodomésticos e outros? É que só quem nunca entrou num hipermercado é que não sabe que parte importante do espaço de venda é preenchida por este tipo de bens. Uma taxa que não tem contrapartidas individualizadas e que é em função do espaço ocupado por outro tipo de produtos será tudo menos uma taxa, mas para o confiscado pouco importa a natureza do encargo. Como neste espaço já foi referido, esta contribuição vai incidir sobre os consumidores mais pobres. São eles que recorrem aos grandes hipermercados, porque é nesses espaços que se encontram os produtos mais baratos, sobretudo os alimentares. Troca-se o melhor serviço do comércio alimentar por preço, tão simples como isso. Já não bastavam as medidas de austeridade, os cortes nos apoios, as subidas de impostos cegos e temos agora mais um imposto e, repito, para os mais pobres. A ministra quer arranjar mais dinheiro para o Estado. Tem legitimidade, claro está, para isso. Mas custa sobretudo ouvir da boca duma ministra dum Governo supostamente de direita que "o que pretendemos é ter a certeza que temos dinheiro para fazer tudo o que precisamos de fazer". Conhecemos bem este discurso, oh se conhecemos. É a narrativa dos que pensam que o dinheiro está bem é nas mãos do Estado que tudo vai resolver, que tudo vai providenciar, mesmo que para tal tenha de deixar os cidadãos na penúria. É a conversa dos que pensam que não há limites para a carga fiscal, dos que querem afogar a iniciativa privada com mais e mais taxas, contribuições especiais e impostos para que só sobre o Estado como investidor. Tem dado um lindo resultado, não há dúvida. Só faltava mesmo ser um ministro do CDS a alinhar no confisco generalizado. Não é, dr. Paulo Portas?
In DN
Confisco
por PEDRO MARQUES LOPES
Ontem
Assunção Cristas tem tido um bom desempenho como ministra. O ministério que tutela, o da Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento do Território, é um daqueles monstros criados em função dum pensamento demagógico e voluntarista - a patetice do Governo exíguo - que mais não fez do que tornar os ministérios ingovernáveis e fez crescer como cogumelos comissões, agências, grupos de trabalho e afins. Mas a ministra tem mostrado um assinalável bom senso e um conhecimento dos dossiers que, infelizmente, não tem sido apanágio de muitos dos seus colegas de Governo. O melhor exemplo é a lei do arrendamento. Apesar de conter alguns defeitos, é, hoje por hoje, a única verdadeira reforma estrutural séria e com profundo alcance político que este Executivo implementou. Também nos tem poupado ao espectáculo deprimente, pueril e demonstrativo de pouco estudo das matérias que é este método de lançar uns assuntos para a opinião pública para ver qual é a reacção e depois se esquecer o assunto ou optar por uma versão qualquer mitigada ou mesmo oposta à proposta inicial. Quem não se recorda do Conselho Geral da República que ia ser o responsável pela contratação de gestores públicos e selecção de pessoal político, da TSU, e mais recentemente da legislação laboral e da reforma da Segurança Social. No melhor pano cai a nódoa, porém. A ministra prepara-se agora para fazer passar uma norma injusta, penalizadora para a franja da população que mais sofre com a crise, incoerente e com um conteúdo ideoló- gico pouco consistente com os supostos valores políticos deste Governo: a taxa de segurança alimentar. É óbvio, os distribuidores vão repassar o valor que têm de pagar para os consumidores. A margem obtida por hipermercados e supermercados é a diferença entre custos e proveitos, tendo de pagar mais é normal que tenham de receber mais. É aliás absolutamente extraordinária a argumentação da ministra quando diz que a taxa representa nem 0,1% do volume de facturação. Teve a senhora a preocupação de saber quanta dessa facturação é de produtos alimentares e de não alimentares? Então e os outros impostos que os distribuidores pagam e que já não são nada poucos? E se fosse 0,2% já não se justificava? Não saberá Assunção Cristas que facturar não quer dizer lucrar? E porque diabo uma taxa que supostamente serve para obter melhor segurança alimentar vai ser cobrada em função do espaço ocupado por bens não alimentares como detergentes, electrodomésticos e outros? É que só quem nunca entrou num hipermercado é que não sabe que parte importante do espaço de venda é preenchida por este tipo de bens. Uma taxa que não tem contrapartidas individualizadas e que é em função do espaço ocupado por outro tipo de produtos será tudo menos uma taxa, mas para o confiscado pouco importa a natureza do encargo. Como neste espaço já foi referido, esta contribuição vai incidir sobre os consumidores mais pobres. São eles que recorrem aos grandes hipermercados, porque é nesses espaços que se encontram os produtos mais baratos, sobretudo os alimentares. Troca-se o melhor serviço do comércio alimentar por preço, tão simples como isso. Já não bastavam as medidas de austeridade, os cortes nos apoios, as subidas de impostos cegos e temos agora mais um imposto e, repito, para os mais pobres. A ministra quer arranjar mais dinheiro para o Estado. Tem legitimidade, claro está, para isso. Mas custa sobretudo ouvir da boca duma ministra dum Governo supostamente de direita que "o que pretendemos é ter a certeza que temos dinheiro para fazer tudo o que precisamos de fazer". Conhecemos bem este discurso, oh se conhecemos. É a narrativa dos que pensam que o dinheiro está bem é nas mãos do Estado que tudo vai resolver, que tudo vai providenciar, mesmo que para tal tenha de deixar os cidadãos na penúria. É a conversa dos que pensam que não há limites para a carga fiscal, dos que querem afogar a iniciativa privada com mais e mais taxas, contribuições especiais e impostos para que só sobre o Estado como investidor. Tem dado um lindo resultado, não há dúvida. Só faltava mesmo ser um ministro do CDS a alinhar no confisco generalizado. Não é, dr. Paulo Portas?
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Maio maduro maio
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Maio maduro maio
por FERNANDA CÂNCIO
Hoje
Dezembro. Pedro Nuno Santos, então "vice" da bancada parlamentar do PS, diz "estou-me a marimbar para os credores". Defende que Portugal deve exigir outras condições no pagamento. A direção do PS demarca-se. Abril. Pedro Nuno demite-se, pouco tempo antes de o partido anunciar que vai votar favoravelmente o tratado orçamental que obriga os países europeus a assumir em lei um limite à dívida pública.
Maio. Hollande, com um discurso crítico da austeridade, ganha as eleições em França; na Grécia, o PS, que esteve no poder no últimos tempos, afunda-se de 44% (em 2009) para 13% e o voto de protesto catapulta o Bloco de Esquerda local para segunda força mais votada (atrás, curiosamente, da Nova Democracia, o partido conservador sob cujo consulado se sabe terem sido martelados os números gregos). Fala-se de "viragem à esquerda" e "novo rumo para a Europa". E, de súbito, aquilo que em dezembro era irresponsabilidade e excesso na boca de Pedro Nuno ganha peso na de Soares, que defende dever o PS desvincular-se do acordo com a troika e o País "rasgá-lo". Assis, até ontem defensor de que "uma postura responsável" socialista implicava não votar contra o orçamento e o tratado orçamental, faz triplo mortal com pirueta à retaguarda na sua coluna no Público para apoiar Soares sem parecer desdizer-se - tarefa assaz impossível. E Zorrinho, o líder da bancada que a 25 de abril defendeu "uma rutura democrática" (?), vem pôr água na fervura frisando que "o PS cumpre os seus compromissos" mas "é possível cumprir o memorando sem deixar de pôr em prática uma estratégia de crescimento e emprego, evitando a espiral recessiva".
Ora se é claro que a posição do PS é delicada e prima pela indefinição, não o é menos que o acordo assinado foi-o a contragosto por um Governo demissionário, e que o atual Governo o renegociou e alterou tantas vezes que está praticamente irreconhecível. Não há "um memorando". Há várias versões do documento desse nome. A atual é responsabilidade deste Governo. Um governo que não só nega sempre ser preciso "mais tempo ou mais dinheiro" ou outra receita que não a da austeridade à bruta mas que, no documento de estratégia orçamental 2012-2016, estabelece incrivelmente objetivos para o défice em 2014, 2015 e 2016 -1,8; 1,0; 0,5 - muito abaixo dos previstos no programa de assistência financeira: 2,3; 1,9; 1,8.
Um ano de aplicação dessa receita provou o que ela vale. Um ano de execução orçamental deste Governo provou o que ele vale; as suas previsões delirantes demonstram o quão imune é quer à realidade quer ao sofrimento que causa. Falta ao PS provar a sua valia. Dizer qual a sua proposta. O que mudaria e como. Que acordo assinaria hoje, e porquê. Jogar pelo seguro, que neste caso é esperar, oportunística e cobardemente, pela calamidade, passou de prazo, se alguma vez o teve.
In DN
Maio maduro maio
por FERNANDA CÂNCIO
Hoje
Dezembro. Pedro Nuno Santos, então "vice" da bancada parlamentar do PS, diz "estou-me a marimbar para os credores". Defende que Portugal deve exigir outras condições no pagamento. A direção do PS demarca-se. Abril. Pedro Nuno demite-se, pouco tempo antes de o partido anunciar que vai votar favoravelmente o tratado orçamental que obriga os países europeus a assumir em lei um limite à dívida pública.
Maio. Hollande, com um discurso crítico da austeridade, ganha as eleições em França; na Grécia, o PS, que esteve no poder no últimos tempos, afunda-se de 44% (em 2009) para 13% e o voto de protesto catapulta o Bloco de Esquerda local para segunda força mais votada (atrás, curiosamente, da Nova Democracia, o partido conservador sob cujo consulado se sabe terem sido martelados os números gregos). Fala-se de "viragem à esquerda" e "novo rumo para a Europa". E, de súbito, aquilo que em dezembro era irresponsabilidade e excesso na boca de Pedro Nuno ganha peso na de Soares, que defende dever o PS desvincular-se do acordo com a troika e o País "rasgá-lo". Assis, até ontem defensor de que "uma postura responsável" socialista implicava não votar contra o orçamento e o tratado orçamental, faz triplo mortal com pirueta à retaguarda na sua coluna no Público para apoiar Soares sem parecer desdizer-se - tarefa assaz impossível. E Zorrinho, o líder da bancada que a 25 de abril defendeu "uma rutura democrática" (?), vem pôr água na fervura frisando que "o PS cumpre os seus compromissos" mas "é possível cumprir o memorando sem deixar de pôr em prática uma estratégia de crescimento e emprego, evitando a espiral recessiva".
Ora se é claro que a posição do PS é delicada e prima pela indefinição, não o é menos que o acordo assinado foi-o a contragosto por um Governo demissionário, e que o atual Governo o renegociou e alterou tantas vezes que está praticamente irreconhecível. Não há "um memorando". Há várias versões do documento desse nome. A atual é responsabilidade deste Governo. Um governo que não só nega sempre ser preciso "mais tempo ou mais dinheiro" ou outra receita que não a da austeridade à bruta mas que, no documento de estratégia orçamental 2012-2016, estabelece incrivelmente objetivos para o défice em 2014, 2015 e 2016 -1,8; 1,0; 0,5 - muito abaixo dos previstos no programa de assistência financeira: 2,3; 1,9; 1,8.
Um ano de aplicação dessa receita provou o que ela vale. Um ano de execução orçamental deste Governo provou o que ele vale; as suas previsões delirantes demonstram o quão imune é quer à realidade quer ao sofrimento que causa. Falta ao PS provar a sua valia. Dizer qual a sua proposta. O que mudaria e como. Que acordo assinaria hoje, e porquê. Jogar pelo seguro, que neste caso é esperar, oportunística e cobardemente, pela calamidade, passou de prazo, se alguma vez o teve.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
O vento mudou
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O vento mudou
por JOSÉ MANUEL PUREZA
Hoje
Não, não é inevitável. Foi essa a mensagem dada à Europa pelos povos de França e da Grécia. Cada um a seu jeito, porque cada um está em sua condição. Não é inevitável a desconstrução da Europa por um fundamentalismo recessivo, disse com clareza o povo francês. Não é inevitável a punição das vidas das pessoas e a humilhação dos povos como redenção da cupidez do sistema financeiro, disseram com clareza os gregos.
A política europeia virou? Não. Mas só o sectarismo mais cego se recusará a reconhecer que as condições do combate político em escala europeia e em escala nacional mudaram no domingo passado. Há uma inequívoca derrotada nas eleições francesas e gregas: a troika e a sua receita estúpida e incompetente para a Europa. O campo dos talibãs da austeridade ficou fragilizado. E se é certo que do novo presidente francês não se ouve a palavra rutura, não é menos certo que no centro do seu compromisso eleitoral estava a renegociação do pacto orçamental imposto por Angela Merkel. Esse vai ser o teste decisivo à intensidade da mudança: ou a social-democracia hoje personificada em François Hollande se queda por uma adenda ao neoliberalismo - que o aceita e não quer mais do que "humanizá-lo" - ou tem a coragem de lhe contrapor com clareza e coragem outra estratégia, outro horizonte e outra cultura económica e política.
Essa é também a escolha que os socialistas portugueses terão que fazer. Que a direção do Partido Socialista tenha alinhado com esta direita na aprovação pacoviamente precoce do pacto orçamental ditado de Berlim - para mais, votando a favor -, retira-lhe todo o crédito que um sábio adiamento da decisão confere agora a Hollande e coloca-a em contradição com a vontade expressa pelo SPD de votar contra o dito pacto. O PASOK, na Grécia, fez o mesmo que Seguro. Os resultados estão á vista. A interpelação de Mário Soares ao seu partido tem, neste contexto, um sentido claro: a radicalidade da crise não se compadece com adendas suavizadoras da austeridade, é precisa outra opção de fundo e ela não se fará sem rutura com o memorando de entendimento com a troika. Não por palavras mas em atos concretos.
O dogma da ilegalização de tudo quanto não seja neoliberalismo-custe-o-que-custar sofreu um sério revés em Paris e Atenas. Cabe agora a todos/as os/as que aspiram a uma mudança efetiva transformar essa derrota do adversário numa vitória própria. Para isso é preciso programa, é preciso firmeza sem transigências no essencial e maleabilidade lúcida no acessório, é preciso ouvir as pessoas e garantir-lhes em concreto a dignidade que lhes está a ser roubada.
A lição dos resultados eleitorais na Grécia é essa mesma. Claro que, aflitos, os amigos do centrão sentenciam o caos causado pela vitória dos "radicais". Como se radicais não tivessem sido as políticas que governaram a Grécia nos últimos dois anos pela mão da troika e do centrão com ela alinhado, como se caos não fosse uma dívida que cresceu para os 180% do PIB depois da intervenção externa, um desemprego que vai nos 22% e um horizonte de pelo menos mais dez anos de agravamento desta descida aos infernos. Não, o que incomoda verdadeiramente os amigos do centrão é que uma esquerda europeísta e por isso mesmo frontalmente contrária à destruição recessiva da Europa passe a ter um reconhecimento social amplo e possa ser vista como precedente de conteúdos de governação alternativos para a União.
Pode estar em germinação uma Europa nova. As escolhas que agora fizermos decidirão o sentido e a densidade dessa novidade. Não, não há inevitabilidades. Tudo está sempre em aberto.
In DN
O vento mudou
por JOSÉ MANUEL PUREZA
Hoje
Não, não é inevitável. Foi essa a mensagem dada à Europa pelos povos de França e da Grécia. Cada um a seu jeito, porque cada um está em sua condição. Não é inevitável a desconstrução da Europa por um fundamentalismo recessivo, disse com clareza o povo francês. Não é inevitável a punição das vidas das pessoas e a humilhação dos povos como redenção da cupidez do sistema financeiro, disseram com clareza os gregos.
A política europeia virou? Não. Mas só o sectarismo mais cego se recusará a reconhecer que as condições do combate político em escala europeia e em escala nacional mudaram no domingo passado. Há uma inequívoca derrotada nas eleições francesas e gregas: a troika e a sua receita estúpida e incompetente para a Europa. O campo dos talibãs da austeridade ficou fragilizado. E se é certo que do novo presidente francês não se ouve a palavra rutura, não é menos certo que no centro do seu compromisso eleitoral estava a renegociação do pacto orçamental imposto por Angela Merkel. Esse vai ser o teste decisivo à intensidade da mudança: ou a social-democracia hoje personificada em François Hollande se queda por uma adenda ao neoliberalismo - que o aceita e não quer mais do que "humanizá-lo" - ou tem a coragem de lhe contrapor com clareza e coragem outra estratégia, outro horizonte e outra cultura económica e política.
Essa é também a escolha que os socialistas portugueses terão que fazer. Que a direção do Partido Socialista tenha alinhado com esta direita na aprovação pacoviamente precoce do pacto orçamental ditado de Berlim - para mais, votando a favor -, retira-lhe todo o crédito que um sábio adiamento da decisão confere agora a Hollande e coloca-a em contradição com a vontade expressa pelo SPD de votar contra o dito pacto. O PASOK, na Grécia, fez o mesmo que Seguro. Os resultados estão á vista. A interpelação de Mário Soares ao seu partido tem, neste contexto, um sentido claro: a radicalidade da crise não se compadece com adendas suavizadoras da austeridade, é precisa outra opção de fundo e ela não se fará sem rutura com o memorando de entendimento com a troika. Não por palavras mas em atos concretos.
O dogma da ilegalização de tudo quanto não seja neoliberalismo-custe-o-que-custar sofreu um sério revés em Paris e Atenas. Cabe agora a todos/as os/as que aspiram a uma mudança efetiva transformar essa derrota do adversário numa vitória própria. Para isso é preciso programa, é preciso firmeza sem transigências no essencial e maleabilidade lúcida no acessório, é preciso ouvir as pessoas e garantir-lhes em concreto a dignidade que lhes está a ser roubada.
A lição dos resultados eleitorais na Grécia é essa mesma. Claro que, aflitos, os amigos do centrão sentenciam o caos causado pela vitória dos "radicais". Como se radicais não tivessem sido as políticas que governaram a Grécia nos últimos dois anos pela mão da troika e do centrão com ela alinhado, como se caos não fosse uma dívida que cresceu para os 180% do PIB depois da intervenção externa, um desemprego que vai nos 22% e um horizonte de pelo menos mais dez anos de agravamento desta descida aos infernos. Não, o que incomoda verdadeiramente os amigos do centrão é que uma esquerda europeísta e por isso mesmo frontalmente contrária à destruição recessiva da Europa passe a ter um reconhecimento social amplo e possa ser vista como precedente de conteúdos de governação alternativos para a União.
Pode estar em germinação uma Europa nova. As escolhas que agora fizermos decidirão o sentido e a densidade dessa novidade. Não, não há inevitabilidades. Tudo está sempre em aberto.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
O regresso do diálogo Governo/PS
.
[size=18]O regresso do diálogo Governo/PS[/color]
por JOÃO MARCELINO
Hoje
1. O encontro entre Passos Coelho e António José Seguro é em si mesmo uma boa notícia. O Governo parecia ter-se esquecido da importância do consenso político com o Partido Socialista e do que ele significa a nível nacional e, até, europeu.
A vitória de Francois Hollande veio mudar a situação porque está já claro que o novo líder francês vai influenciar algumas mudanças nas políticas delineadas a partir de Berlim, mesmo que não na dimensão inicialmente pretendida.
Seguro apostou numa ligação a Hollande e ganhou espaço político; Pedro Passos Coelho percebeu que o movimento de fundo na Europa pelo "crescimento e emprego" vai acabar por fazer o seu caminho, ditar algumas políticas novas e não quer ficar de fora.
Tudo somado, com a possibilidade de um plano de contingência para a saída da Grécia da Zona Euro já em elaboração, voltou o diálogo entre os chefes de governo e da oposição em Portugal e ainda bem.
2. Fazer com que o País possa voltar a financiar-se nos mercados no final do próximo ano tem de ser um desígnio nacional, e o Governo está a perseguir esse caminho com uma determinação reconhecida pelo FMI e a União Europeia (UE).
O combate ao desemprego - que está a chegar aos 15% - tem de ser o outro desígnio, aconselha mais determinação política e autonomia de ideias ao nível da UE, e aí o secretário-geral do PS português tem marcado terreno com a sua convicção, que deve contagiar a atuação política do Governo no cenário internacional.
Aquilo que se pode fazer no domínio do crescimento económico e de mais emprego depende de recursos financeiros libertados pela UE. Não é possível a Portugal, ou a qualquer outro país, muito menos os que estão em dificuldades, fazê-lo por si só. Por isso, o Governo de Passos Coelho deve estar ao lado de quem defende essas novas políticas (neste caso o novo Presidente da França), e sem complexos pelo atual estatuto de país sujeito a ajuda externa.
3. Há todas as razões para que Passos Coelho e Seguro retomem este diálogo sem demasiados cálculos sobre quem ganha e quem perde.
Estamos num daqueles momentos em que o País merece estar acima da contabilidade permanente à volta de possíveis benefícios políticos imediatos.
Tempo haverá para isso.
Domar as finanças nacionais e cumprir os objetivos orçamentais assumidos perante os credores (algo que não vai ser fácil conseguir, apesar de tudo) é verdadeiramente essencial para o País e o PS projetou uma imagem de responsabilidade quando, há poucos dias, reafirmou o seu compromisso perante o memorando e declinou com firmeza qualquer visão demagógica que o pretendesse minimizar. Passar à fase seguinte, criar condições para o reanimar da economia e com isso escapar o mais depressa possível à recessão que já atingiu mesmo a Espanha, faz todo o sentido e o Governo deve abandonar a posição de aluno calado.
4. As consequências deste diálogo, disse Seguro, serão testadas nas votações da próxima semana no Parlamento. Com certeza, o secretário-geral do PS estará a querer significar que aquelas duas horas de diálogo, depois de dois meses de silêncio, só terão sentido se o ato adicional que o PS pretende juntar ao Pacto Orçamental europeu for finalmente aprovado, ou uma recomendação que se lhe assemelhe for referendada maioritariamente pelos deputados portugueses.
Este é um daqueles momentos em que todos podem sair a ganhar, sobretudo o Governo, se conseguirem unificar posições e materializar consensos.
Seria mau para o Executivo de Passos Coelho vir a beneficiar de novas políticas (vindas da Europa) sem que para isso tivesse feito, ou dito, o que quer que fosse publicamente...
O Facebook vale mais do que a McDonalds e a sua capitalização bolsista (cerca de 83 mil milhões de euros) ultrapassa a ajuda internacional a Portugal. É assim que o mundo nos informa de que está sempre a renovar-se e nos recorda que os pessimistas são sempre aqueles que ficaram para trás.
In DN
[size=18]O regresso do diálogo Governo/PS[/color]
por JOÃO MARCELINO
Hoje
1. O encontro entre Passos Coelho e António José Seguro é em si mesmo uma boa notícia. O Governo parecia ter-se esquecido da importância do consenso político com o Partido Socialista e do que ele significa a nível nacional e, até, europeu.
A vitória de Francois Hollande veio mudar a situação porque está já claro que o novo líder francês vai influenciar algumas mudanças nas políticas delineadas a partir de Berlim, mesmo que não na dimensão inicialmente pretendida.
Seguro apostou numa ligação a Hollande e ganhou espaço político; Pedro Passos Coelho percebeu que o movimento de fundo na Europa pelo "crescimento e emprego" vai acabar por fazer o seu caminho, ditar algumas políticas novas e não quer ficar de fora.
Tudo somado, com a possibilidade de um plano de contingência para a saída da Grécia da Zona Euro já em elaboração, voltou o diálogo entre os chefes de governo e da oposição em Portugal e ainda bem.
2. Fazer com que o País possa voltar a financiar-se nos mercados no final do próximo ano tem de ser um desígnio nacional, e o Governo está a perseguir esse caminho com uma determinação reconhecida pelo FMI e a União Europeia (UE).
O combate ao desemprego - que está a chegar aos 15% - tem de ser o outro desígnio, aconselha mais determinação política e autonomia de ideias ao nível da UE, e aí o secretário-geral do PS português tem marcado terreno com a sua convicção, que deve contagiar a atuação política do Governo no cenário internacional.
Aquilo que se pode fazer no domínio do crescimento económico e de mais emprego depende de recursos financeiros libertados pela UE. Não é possível a Portugal, ou a qualquer outro país, muito menos os que estão em dificuldades, fazê-lo por si só. Por isso, o Governo de Passos Coelho deve estar ao lado de quem defende essas novas políticas (neste caso o novo Presidente da França), e sem complexos pelo atual estatuto de país sujeito a ajuda externa.
3. Há todas as razões para que Passos Coelho e Seguro retomem este diálogo sem demasiados cálculos sobre quem ganha e quem perde.
Estamos num daqueles momentos em que o País merece estar acima da contabilidade permanente à volta de possíveis benefícios políticos imediatos.
Tempo haverá para isso.
Domar as finanças nacionais e cumprir os objetivos orçamentais assumidos perante os credores (algo que não vai ser fácil conseguir, apesar de tudo) é verdadeiramente essencial para o País e o PS projetou uma imagem de responsabilidade quando, há poucos dias, reafirmou o seu compromisso perante o memorando e declinou com firmeza qualquer visão demagógica que o pretendesse minimizar. Passar à fase seguinte, criar condições para o reanimar da economia e com isso escapar o mais depressa possível à recessão que já atingiu mesmo a Espanha, faz todo o sentido e o Governo deve abandonar a posição de aluno calado.
4. As consequências deste diálogo, disse Seguro, serão testadas nas votações da próxima semana no Parlamento. Com certeza, o secretário-geral do PS estará a querer significar que aquelas duas horas de diálogo, depois de dois meses de silêncio, só terão sentido se o ato adicional que o PS pretende juntar ao Pacto Orçamental europeu for finalmente aprovado, ou uma recomendação que se lhe assemelhe for referendada maioritariamente pelos deputados portugueses.
Este é um daqueles momentos em que todos podem sair a ganhar, sobretudo o Governo, se conseguirem unificar posições e materializar consensos.
Seria mau para o Executivo de Passos Coelho vir a beneficiar de novas políticas (vindas da Europa) sem que para isso tivesse feito, ou dito, o que quer que fosse publicamente...
O Facebook vale mais do que a McDonalds e a sua capitalização bolsista (cerca de 83 mil milhões de euros) ultrapassa a ajuda internacional a Portugal. É assim que o mundo nos informa de que está sempre a renovar-se e nos recorda que os pessimistas são sempre aqueles que ficaram para trás.
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Coisas realmente importantes
.
Coisas realmente importantes
por FILOMENA MARTINS
Hoje
Álvaro e as gafes. As "coisas" correm sempre mal a Álvaro Santos Pereira. As gafes anulam-lhe as ações, seja por falta de apoios políticos, de assessores ou das suas próprias capacidades. Ninguém fala do seu papel no acordo de concertação social porque os ecos da "exportação dos pastéis de nata" e as lutas internas do Governo abafaram o valor do seu trabalho.
E ninguém falará do acordo equilibrado que obteve nas polémicas rendas da eletricidade (não alterando as regras a meio do jogo após os negócios feitos, como a venda da EDP; pondo fim a regimes verdadeiramente excecionais apesar das pressões exteriores, como as da Endesa; e preparando o País para a liberalização do mercado imposta pela troika), porque o ministro da Economia voltou a baralhar-se com as palavras. Após meses sem falar do atual maior flagelo nacional, o desemprego, Álvaro esqueceu-se do próprio vocábulo e chamou-lhe "coiso". E o burburinho voltou a apagar a ação: o ministro só estava a dar o pontapé para o livre que Passos Coelho haveria de concretizar à tarde: chamar o PS de novo ao debate e ao consenso que a situação da Europa exige. No final, a "coisa" acabou por correr bem.
Hollande, o D. Sebastião europeu
Há atos que valem por mil "coisas". François Hollande é visto neste momento como o D. Sebastião da Europa, mas perdeu uma enorme oportunidade de mostrar que quer ser mais do que uma esperança. Se queria marcar posição, teria de se ter metido num avião, enfrentado a tempestade grega e aterrado em Atenas para a sua primeira visita de Estado. Mas o que fez foi sair diretamente do Eliseu, ainda os franceses festejavam a sua posse, para embarcar rumo a Berlim ao encontro de Merkel. E nem o sinal cósmico - o raio que o obrigou a voltar a Paris - o fez desistir, apenas o atrasou algumas horas. Ficou claro, pois, quem manda: Merkel. E ficou sobretudo a dúvida: os novos ventos de França têm força para dissipar as brumas da crise europeia?
Ricardo Rodrigues e o álibi
Outros atos. Ricardo Rodrigues, o deputado do PS que é também mais uma série de "coisas" (desde membro do Conselho Superior do Ministério Público, coordenador da Comissão de Liberdades e Garantias e até membro da Comissão para a Ética e Comunicação), teve um ato condenável. Descontente com uma entrevista da Sábado, abandonou a sala, mas levou os dois gravadores dos jornalistas. Nunca mostrou arrependimento ou justificou a ação tresloucada, o que podia ter encerrado o assunto. Agora que começou a ser julgado - não por roubo, como também deveria, mas por atentado à liberdade de imprensa -, bons advogados arranjaram-lhe finalmente o álibi necessário: afinal, só meteu ao bolso os ditos gravadores porque eles seriam o "meio de prova" para uma providência cautelar contra a revista. E contra-ataca, acusando a Sábado de crime por, mesmo assim, ter divulgado a sua conversa, através da câmara de vídeo que ele não viu ou não lhe cabia no bolso. Infelizmente, o mais inacreditável disto tudo não é o que aconteceu, mas, como se percebeu das primeiras sessões, que a "coisa" andará de recurso em incidente, até ao "coiso" habitual: nada.
Silva Carvalho e o poder
Há "coisas" que não valem nada. Mas cujos atos ficam com quem os pratica. O que até agora se tem discutido sobre o chamado "caso das secretas" é muito pouco. Mas diz muito. Não falo da investigação judicial a ilicitudes, que essa, espero, está a fazer o seu caminho. Falo da rede de ligações, com os suspeitos do costume, entre políticos, maçons, empresários e figuras dos serviços de segurança (ou as várias coisas juntas), revelada pelos contactos que Silva Carvalho manteve quer como ex-líder do SIED quer como quadro da Ongoing. Não há nenhuma ilegalidade. Há muita promiscuidade. Há uma teia de interesses cruzados, da institucionalização da cunha e do amiguismo, que mostra relações de poder reveladoras da pobreza do País. Porque Silva Carvalho ou se sentiu poderoso porque alguém o fez sentir-se assim, ou se aproveitou do poder que alguém que lhe deu.
Crato e as Novas Oportunidades
E há ainda as "coisas" do costume. O habitual em Portugal é não aproveitar nada do que já foi feito. É atirar fora o menino com a água do banho. Tinha sido no Ministério da Administração Interna, que rasgou a reforma do Governo anterior e contrarreformou na GNR e na PSP. Agora, é o Ministério da Educação com as Novas Oportunidades. Sempre critiquei o programa que Sócrates usou como arma de propaganda. E sempre defendi as ideias de Nuno Crato para as escolas. Mas é inadmissível esta atitude constante do "mudar porque sim". O Novas Oportunidades tem, obviamente, coisas positivas. Bastava preencher as insuficiências e corrigir os erros. O País só teria a ganhar com uma decisão verdadeiramente educativa. E nunca entenderá as jogadas políticas.
In DN
Coisas realmente importantes
por FILOMENA MARTINS
Hoje
Álvaro e as gafes. As "coisas" correm sempre mal a Álvaro Santos Pereira. As gafes anulam-lhe as ações, seja por falta de apoios políticos, de assessores ou das suas próprias capacidades. Ninguém fala do seu papel no acordo de concertação social porque os ecos da "exportação dos pastéis de nata" e as lutas internas do Governo abafaram o valor do seu trabalho.
E ninguém falará do acordo equilibrado que obteve nas polémicas rendas da eletricidade (não alterando as regras a meio do jogo após os negócios feitos, como a venda da EDP; pondo fim a regimes verdadeiramente excecionais apesar das pressões exteriores, como as da Endesa; e preparando o País para a liberalização do mercado imposta pela troika), porque o ministro da Economia voltou a baralhar-se com as palavras. Após meses sem falar do atual maior flagelo nacional, o desemprego, Álvaro esqueceu-se do próprio vocábulo e chamou-lhe "coiso". E o burburinho voltou a apagar a ação: o ministro só estava a dar o pontapé para o livre que Passos Coelho haveria de concretizar à tarde: chamar o PS de novo ao debate e ao consenso que a situação da Europa exige. No final, a "coisa" acabou por correr bem.
Hollande, o D. Sebastião europeu
Há atos que valem por mil "coisas". François Hollande é visto neste momento como o D. Sebastião da Europa, mas perdeu uma enorme oportunidade de mostrar que quer ser mais do que uma esperança. Se queria marcar posição, teria de se ter metido num avião, enfrentado a tempestade grega e aterrado em Atenas para a sua primeira visita de Estado. Mas o que fez foi sair diretamente do Eliseu, ainda os franceses festejavam a sua posse, para embarcar rumo a Berlim ao encontro de Merkel. E nem o sinal cósmico - o raio que o obrigou a voltar a Paris - o fez desistir, apenas o atrasou algumas horas. Ficou claro, pois, quem manda: Merkel. E ficou sobretudo a dúvida: os novos ventos de França têm força para dissipar as brumas da crise europeia?
Ricardo Rodrigues e o álibi
Outros atos. Ricardo Rodrigues, o deputado do PS que é também mais uma série de "coisas" (desde membro do Conselho Superior do Ministério Público, coordenador da Comissão de Liberdades e Garantias e até membro da Comissão para a Ética e Comunicação), teve um ato condenável. Descontente com uma entrevista da Sábado, abandonou a sala, mas levou os dois gravadores dos jornalistas. Nunca mostrou arrependimento ou justificou a ação tresloucada, o que podia ter encerrado o assunto. Agora que começou a ser julgado - não por roubo, como também deveria, mas por atentado à liberdade de imprensa -, bons advogados arranjaram-lhe finalmente o álibi necessário: afinal, só meteu ao bolso os ditos gravadores porque eles seriam o "meio de prova" para uma providência cautelar contra a revista. E contra-ataca, acusando a Sábado de crime por, mesmo assim, ter divulgado a sua conversa, através da câmara de vídeo que ele não viu ou não lhe cabia no bolso. Infelizmente, o mais inacreditável disto tudo não é o que aconteceu, mas, como se percebeu das primeiras sessões, que a "coisa" andará de recurso em incidente, até ao "coiso" habitual: nada.
Silva Carvalho e o poder
Há "coisas" que não valem nada. Mas cujos atos ficam com quem os pratica. O que até agora se tem discutido sobre o chamado "caso das secretas" é muito pouco. Mas diz muito. Não falo da investigação judicial a ilicitudes, que essa, espero, está a fazer o seu caminho. Falo da rede de ligações, com os suspeitos do costume, entre políticos, maçons, empresários e figuras dos serviços de segurança (ou as várias coisas juntas), revelada pelos contactos que Silva Carvalho manteve quer como ex-líder do SIED quer como quadro da Ongoing. Não há nenhuma ilegalidade. Há muita promiscuidade. Há uma teia de interesses cruzados, da institucionalização da cunha e do amiguismo, que mostra relações de poder reveladoras da pobreza do País. Porque Silva Carvalho ou se sentiu poderoso porque alguém o fez sentir-se assim, ou se aproveitou do poder que alguém que lhe deu.
Crato e as Novas Oportunidades
E há ainda as "coisas" do costume. O habitual em Portugal é não aproveitar nada do que já foi feito. É atirar fora o menino com a água do banho. Tinha sido no Ministério da Administração Interna, que rasgou a reforma do Governo anterior e contrarreformou na GNR e na PSP. Agora, é o Ministério da Educação com as Novas Oportunidades. Sempre critiquei o programa que Sócrates usou como arma de propaganda. E sempre defendi as ideias de Nuno Crato para as escolas. Mas é inadmissível esta atitude constante do "mudar porque sim". O Novas Oportunidades tem, obviamente, coisas positivas. Bastava preencher as insuficiências e corrigir os erros. O País só teria a ganhar com uma decisão verdadeiramente educativa. E nunca entenderá as jogadas políticas.
In DN
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Pobreza estrutural
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Pobreza estrutural
por FERNANDA CÂNCIO
Ontem
Dia sim dia sim, ouvimos um membro do Governo perorar sobre as reformas estruturais que o mesmo estará a levar a cabo. Já era talvez altura, uma vez que estamos quase a celebrar-lhe o primeiro aniversário, de tentar perceber de que fala o Executivo quando fala de reformas estruturais.
Comecemos pelo princípio: o Governo encolhido. Era o mais pequeno de sempre, não era? Era. Também é o primeiro de sempre a ter ministros "à solta" para tomar conta de dossiês tão fundamentais e delicados como o das privatizações, ministros cujo salário ninguém conhece e que podem até, com a bênção do PM, integrar conselhos de administração de empresas privadas, eximindo-se a todas as incompatibilidades, obrigações de transparência e de sindicância que se exigem a membros formais do Governo. Inovador, sem dúvida. Talvez a palavra mais adequada seja escandaloso, porém.
Depois, a famosa lei do arrendamento, que vinha de uma vez por todas acabar com o estrangulamento do mercado de aluguer, facilitando os despejos por incumprimento e atualizando rendas antigas. Passados meses sobre a apresentação da dita, continua sem se perceber em que é que altera o existente. Qualquer situação em que não haja acordo entre proprietário e inquilino vai para os tribunais, como antes; e aparentemente os aumentos das rendas, além de limitados pelos proventos dos inquilinos e respetiva idade, só podem ocorrer ao fim de um período alargado. Ou seja: como antes, o Estado continua a impor aos senhorios com alugueres anteriores a 1990 regras que são na prática uma expropriação soft e os obrigam a fazer de segurança social. Onde está a reforma?
O licenciamento zero, então. Do qual o ministro Álvaro adora falar. Incrível, então não é que é uma medida do Governo que tanto execra? A lei que o criou é de abril de 2011. Mas espera, temos a grande reforma na educação: acabar com a avaliação dos professores, essa medida tão socialista, de "Estado gordo" (liberal é não avaliar, claro) e reintroduzir os saudosos exames de 4.ª classe, com os quais todo o mundo civilizado acabou. E desmantelar o programa Novas Oportunidades (NO) antes mesmo de estar pronta a avaliação que deveria concluir se presta ou não, enquanto, à cautela, se retira o País do estudo da OCDE que avalia a aquisição de competências por adultos (estranho, não é? Se afinal se tem a certeza de que o NO não serviu para nada, deveria haver todo o interesse em deixar a OCDE concluir isso mesmo. A não ser que...).
Empobrecimento. Ora bem: aqui temos a grande reforma estrutural, a da redução dos salários, do consumo e do ânimo. Conseguimos já uma belíssima recessão e um fabuloso nível de desemprego, que, aliados à sempre crescentemente admirável (Passos, por lapso, chamou-lhe insuportável) carga fiscal, constituem a soberba obra deste Executivo. Tão soberba que só a modéstia pode explicar que PSD e CDS não tenham baseado a campanha na promessa dela.
In DN
Pobreza estrutural
por FERNANDA CÂNCIO
Ontem
Dia sim dia sim, ouvimos um membro do Governo perorar sobre as reformas estruturais que o mesmo estará a levar a cabo. Já era talvez altura, uma vez que estamos quase a celebrar-lhe o primeiro aniversário, de tentar perceber de que fala o Executivo quando fala de reformas estruturais.
Comecemos pelo princípio: o Governo encolhido. Era o mais pequeno de sempre, não era? Era. Também é o primeiro de sempre a ter ministros "à solta" para tomar conta de dossiês tão fundamentais e delicados como o das privatizações, ministros cujo salário ninguém conhece e que podem até, com a bênção do PM, integrar conselhos de administração de empresas privadas, eximindo-se a todas as incompatibilidades, obrigações de transparência e de sindicância que se exigem a membros formais do Governo. Inovador, sem dúvida. Talvez a palavra mais adequada seja escandaloso, porém.
Depois, a famosa lei do arrendamento, que vinha de uma vez por todas acabar com o estrangulamento do mercado de aluguer, facilitando os despejos por incumprimento e atualizando rendas antigas. Passados meses sobre a apresentação da dita, continua sem se perceber em que é que altera o existente. Qualquer situação em que não haja acordo entre proprietário e inquilino vai para os tribunais, como antes; e aparentemente os aumentos das rendas, além de limitados pelos proventos dos inquilinos e respetiva idade, só podem ocorrer ao fim de um período alargado. Ou seja: como antes, o Estado continua a impor aos senhorios com alugueres anteriores a 1990 regras que são na prática uma expropriação soft e os obrigam a fazer de segurança social. Onde está a reforma?
O licenciamento zero, então. Do qual o ministro Álvaro adora falar. Incrível, então não é que é uma medida do Governo que tanto execra? A lei que o criou é de abril de 2011. Mas espera, temos a grande reforma na educação: acabar com a avaliação dos professores, essa medida tão socialista, de "Estado gordo" (liberal é não avaliar, claro) e reintroduzir os saudosos exames de 4.ª classe, com os quais todo o mundo civilizado acabou. E desmantelar o programa Novas Oportunidades (NO) antes mesmo de estar pronta a avaliação que deveria concluir se presta ou não, enquanto, à cautela, se retira o País do estudo da OCDE que avalia a aquisição de competências por adultos (estranho, não é? Se afinal se tem a certeza de que o NO não serviu para nada, deveria haver todo o interesse em deixar a OCDE concluir isso mesmo. A não ser que...).
Empobrecimento. Ora bem: aqui temos a grande reforma estrutural, a da redução dos salários, do consumo e do ânimo. Conseguimos já uma belíssima recessão e um fabuloso nível de desemprego, que, aliados à sempre crescentemente admirável (Passos, por lapso, chamou-lhe insuportável) carga fiscal, constituem a soberba obra deste Executivo. Tão soberba que só a modéstia pode explicar que PSD e CDS não tenham baseado a campanha na promessa dela.
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Quem com ferro
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Quem com ferro
por FERNANDA CÂNCIO
Hoje
O caso Relvas é muito atreito a ditados. "Não cuspas para o ar", por exemplo: anos de acusações inconsubstanciadas, calúnias e insultos, fatwas a propósito de tudo e nada, tarde ou cedo haviam de bater à porta dos aprendizes de feiticeiro.
Não servindo a indecência alheia de desculpa, porém, assentemos em princípios básicos: Relvas não estava, naturalmente, impedido de ter uma relação com Silva Carvalho. Podiam até passar o dia a trocar mensagens fofinhas, poemas e receitas de farófias; ainda que fique demonstrado ser o ex-SIED um absoluto energúmeno, ter uma relação mais ou menos próxima com alguém dessa descrição não é crime nem implica necessariamente cumplicidade.
Não pode, pois, estar em causa julgar o ministro por ter tido uma relação com o ex-SIED, mesmo se pareceu anteontem ser esse o fito das baralhadíssimas perguntas da oposição. O que está e deve estar em causa é se existiu impropriedade nessa relação e, tendo em vista as contradições entre factos entretanto revelados e as declarações do ministro na primeira audição, se faltou à verdade perante o Parlamento ao descrever os termos da dita. Infelizmente, a audição de quarta deixou-nos onde estávamos: na noção de que Relvas está muito pouco à vontade na explicação da natureza da relação com Silva Carvalho e afirmou várias coisas não verdadeiras na primeira audição.
O que suscita duas questões: a da inverdade perante o Parlamento, que é só por si muito grave; e do móbil dessa inverdade, a saber, por que motivo Relvas achou que devia ocultar a verdadeira natureza da sua relação com Silva Carvalho, relação essa que se prolongava pelo menos através de um membro do seu gabinete, que entretanto se demitiu. Poderá Relvas, com noção do que ele próprio faria a um governante de outro partido apanhado numa tal relação "perigosa", ter assim agido apenas para alijar suspeitas. Como pode ter demitido o seu adjunto para evidenciar dureza; sem se dar conta, porém, do quão bizarro é que considere ser uma relação mais estreita com Silva Carvalho motivo de demissão para o adjunto mas não para si.
Junte-se a isto o facto, que o próprio não contesta, de ter perdido a cabeça (porquê?) com as perguntas que uma jornalista do Público lhe enviou sobre a sua primeira audição, ligando várias vezes para o jornal. É acusado de ter nesses telefonemas ameaçado, para evitar a publicação de uma notícia, a divulgação na Net de um facto da vida privada da jornalista - a de que esta viveria com um homem de um partido da oposição (o que é falso). Além de intolerável e sem paralelo nos anais da democracia portuguesa, esta ameaça, a verificar-se, surtiria um irónico efeito de ricochete. Se Relvas achar que uma relação próxima com alguém da oposição é de molde a tornar uma jornalista não credível e incapaz, como classificará o ministro que tendo uma relação pessoal com um ex-espião acusado de usar os serviços secretos da república para fins criminosos, aldraba sobre ela?
In DN
Quem com ferro
por FERNANDA CÂNCIO
Hoje
O caso Relvas é muito atreito a ditados. "Não cuspas para o ar", por exemplo: anos de acusações inconsubstanciadas, calúnias e insultos, fatwas a propósito de tudo e nada, tarde ou cedo haviam de bater à porta dos aprendizes de feiticeiro.
Não servindo a indecência alheia de desculpa, porém, assentemos em princípios básicos: Relvas não estava, naturalmente, impedido de ter uma relação com Silva Carvalho. Podiam até passar o dia a trocar mensagens fofinhas, poemas e receitas de farófias; ainda que fique demonstrado ser o ex-SIED um absoluto energúmeno, ter uma relação mais ou menos próxima com alguém dessa descrição não é crime nem implica necessariamente cumplicidade.
Não pode, pois, estar em causa julgar o ministro por ter tido uma relação com o ex-SIED, mesmo se pareceu anteontem ser esse o fito das baralhadíssimas perguntas da oposição. O que está e deve estar em causa é se existiu impropriedade nessa relação e, tendo em vista as contradições entre factos entretanto revelados e as declarações do ministro na primeira audição, se faltou à verdade perante o Parlamento ao descrever os termos da dita. Infelizmente, a audição de quarta deixou-nos onde estávamos: na noção de que Relvas está muito pouco à vontade na explicação da natureza da relação com Silva Carvalho e afirmou várias coisas não verdadeiras na primeira audição.
O que suscita duas questões: a da inverdade perante o Parlamento, que é só por si muito grave; e do móbil dessa inverdade, a saber, por que motivo Relvas achou que devia ocultar a verdadeira natureza da sua relação com Silva Carvalho, relação essa que se prolongava pelo menos através de um membro do seu gabinete, que entretanto se demitiu. Poderá Relvas, com noção do que ele próprio faria a um governante de outro partido apanhado numa tal relação "perigosa", ter assim agido apenas para alijar suspeitas. Como pode ter demitido o seu adjunto para evidenciar dureza; sem se dar conta, porém, do quão bizarro é que considere ser uma relação mais estreita com Silva Carvalho motivo de demissão para o adjunto mas não para si.
Junte-se a isto o facto, que o próprio não contesta, de ter perdido a cabeça (porquê?) com as perguntas que uma jornalista do Público lhe enviou sobre a sua primeira audição, ligando várias vezes para o jornal. É acusado de ter nesses telefonemas ameaçado, para evitar a publicação de uma notícia, a divulgação na Net de um facto da vida privada da jornalista - a de que esta viveria com um homem de um partido da oposição (o que é falso). Além de intolerável e sem paralelo nos anais da democracia portuguesa, esta ameaça, a verificar-se, surtiria um irónico efeito de ricochete. Se Relvas achar que uma relação próxima com alguém da oposição é de molde a tornar uma jornalista não credível e incapaz, como classificará o ministro que tendo uma relação pessoal com um ex-espião acusado de usar os serviços secretos da república para fins criminosos, aldraba sobre ela?
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
As contas do cerco à liberdade de expressão
.
As contas do cerco à liberdade de expressão
por PEDRO TADEU
29 Maio 2012
O ex-espião Silva Carvalho recolheu ou mandou recolher informações sobre gente que lhe interessava, diz uma acusação do Ministério Público. Entre os alvos estiveram Francisco Pinto Balsemão, um e-mail de Marcelo Rebelo de Sousa, telefonemas do jornalista Nuno Simas, uma empresa a que Miguel Relvas estava ligado antes de ser ministro. Este, que trocava mensagens e telefonemas com o antigo diretor do SIED (mais do que admitiu fazer na Assembleia da República), meteu-se numa alhada com o Público ao tentar conter uma onda de notícias sobre os problemas nas secretas. A Direção do jornal garante que foi feita uma ameaça de revelação na Internet de factos da vida privada de uma sua jornalista.
Continuemos esta conta: o jornalista Emídio Rangel foi condenado, no princípio do mês, a pagar um total de 106 mil euros por dizer que dirigentes sindicais, juízes e magistrados do Ministério Público dão informações em segredo de justiça a jornalistas. Ainda este mês, um tribunal ordenou que o movimento Precários Inflexíveis apagasse do seu blogue as denúncias de práticas ilegais de recrutamento de uma empresa, sem querer saber se as imputações eram verdadeiras.
Tivemos o caso Pedro Rosa Mendes, que alega ter sido despedido da rádio do Estado por ter escrito uma crónica que criticava um programa da RTP em Angola, e a ERC (que aprecia o caso Relvas-Público), preocupada com os excessos de alguns leitores que comentam notícias no site do Diário de Notícias, recomenda que o jornal passe a censor e mobilize recursos para decidir, à sua responsabilidade, quais as opiniões que devem ou não devem publicar-se.
Não foi há muito tempo que o Governo de José Sócrates ficou suspeito de conseguir o silenciamento do noticiário de Manuela Moura Guedes. Também já vimos a Redação de um jornal (que eu dirigia) ser invadida pelo Ministério Público, numa operação considerada ilegal pelos tribunais. E Morais Sarmento, ministro de Durão Barroso e Santana Lopes, foi acusado por Henrique Granadeiro de ter tentado demitir dois diretores de jornais. Nesse tempo, Marcelo Rebelo de Sousa saiu da TVI por incomodar o Governo PSD.
Face a este panorama, ainda temos dúvidas de que esta teia de relações e dependências mal explicadas, estes segredos que se acumulam e traficam, este cerco que todos os anos se aperta, estão a condicionar de forma comprometedora a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão? Temos mesmo, a sério, realmente, alguma dúvida sobre isso?!... E vamos fazer o quê?
In DN
As contas do cerco à liberdade de expressão
por PEDRO TADEU
29 Maio 2012
O ex-espião Silva Carvalho recolheu ou mandou recolher informações sobre gente que lhe interessava, diz uma acusação do Ministério Público. Entre os alvos estiveram Francisco Pinto Balsemão, um e-mail de Marcelo Rebelo de Sousa, telefonemas do jornalista Nuno Simas, uma empresa a que Miguel Relvas estava ligado antes de ser ministro. Este, que trocava mensagens e telefonemas com o antigo diretor do SIED (mais do que admitiu fazer na Assembleia da República), meteu-se numa alhada com o Público ao tentar conter uma onda de notícias sobre os problemas nas secretas. A Direção do jornal garante que foi feita uma ameaça de revelação na Internet de factos da vida privada de uma sua jornalista.
Continuemos esta conta: o jornalista Emídio Rangel foi condenado, no princípio do mês, a pagar um total de 106 mil euros por dizer que dirigentes sindicais, juízes e magistrados do Ministério Público dão informações em segredo de justiça a jornalistas. Ainda este mês, um tribunal ordenou que o movimento Precários Inflexíveis apagasse do seu blogue as denúncias de práticas ilegais de recrutamento de uma empresa, sem querer saber se as imputações eram verdadeiras.
Tivemos o caso Pedro Rosa Mendes, que alega ter sido despedido da rádio do Estado por ter escrito uma crónica que criticava um programa da RTP em Angola, e a ERC (que aprecia o caso Relvas-Público), preocupada com os excessos de alguns leitores que comentam notícias no site do Diário de Notícias, recomenda que o jornal passe a censor e mobilize recursos para decidir, à sua responsabilidade, quais as opiniões que devem ou não devem publicar-se.
Não foi há muito tempo que o Governo de José Sócrates ficou suspeito de conseguir o silenciamento do noticiário de Manuela Moura Guedes. Também já vimos a Redação de um jornal (que eu dirigia) ser invadida pelo Ministério Público, numa operação considerada ilegal pelos tribunais. E Morais Sarmento, ministro de Durão Barroso e Santana Lopes, foi acusado por Henrique Granadeiro de ter tentado demitir dois diretores de jornais. Nesse tempo, Marcelo Rebelo de Sousa saiu da TVI por incomodar o Governo PSD.
Face a este panorama, ainda temos dúvidas de que esta teia de relações e dependências mal explicadas, estes segredos que se acumulam e traficam, este cerco que todos os anos se aperta, estão a condicionar de forma comprometedora a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão? Temos mesmo, a sério, realmente, alguma dúvida sobre isso?!... E vamos fazer o quê?
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O 'joker' europeu
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O 'joker' europeu
A Europa tornou-se numa ideia perigosa, talvez mesmo tóxica. Porque ela não só impede que se faça o que tem que ser feito, como finge que pode fazer o que não está ao seu alcance concretizar. O que tem que ser feito é a federação europeia. O que não está ao seu alcance fazer é salvar a Grécia e o euro.
Há por isso um ponto sobre o qual não pode haver dúvidas, para poder haver uma saída. Esse ponto é que dois anos e meio de impasses constituem a prova cabal que a crise do euro e da União Europeia decorre, mais do que do descontrolo financeiro grego, da impotência da própria governação europeia.
Foi esta a grande evidência que a irresponsável crise grega revelou. Não podemos, por isso, continuar no círculo vicioso de cimeiras inúteis, a fingir que se ultrapassa esta situação com pequenos remendos, alguns biscates e muita laracha. Como se, quanto mais rápidos se revelam os mercados, mais lentamente se pudessem comportar os políticos.
Realizaram-se 24 cimeiras desde o começo da crise, o que dá um bom filme da contumaz impotência europeia: todas elas foram, ou de conversa inconclusiva, ou de anúncio de decisões que, na maior parte dos casos, nunca passaram à prática. Como se todos soubessem o que há a fazer, mas ninguém soubesse como.
Houve, na conceção da Europa que arrancou em Maastricht, no começo dos anos 90, três erros que aparecem hoje como as verdadeiras causas, as causas genéticas, da incapacidade europeia. São esses erros que temos que corrigir se queremos evitar o colapso que nos ameaça.
O primeiro erro foi pensar-se que a União Europeia poderia ser uma construção a-política, que obedecesse a uma lógica estritamente burocrática. O segundo foi desligar-se a Europa de qualquer ambição como potência efetiva, abdicando da sua afirmação estratégica no mundo. E o terceiro foi imaginar-se que seria possível edificar-se uma união de Estados Nação sem objetivos verdadeiramente comuns e sem um espaço público partilhado.
"Governança" tem sido a palavra-biombo desta Europa tóxica, é com ela que se tem procurado iludir a situação, impondo sorrateiramente a supremacia da burocracia, o primado do económico e a exclusividade do critério de mercado. O melhor exemplo de tudo isto é o da intolerável concorrência fiscal e social que se institucionalizou na UE entre os seus cidadãos, como se de uma mera concorrência de bens e serviços se tratasse. E com uma total cegueira em relação às suas devastadoras consequências para o espírito de solidariedade que devia imperar numa União de Estados.
O que a União Europeia precisa é de outra orientação e de outro modelo de funcionamento e de decisão. Nomeadamente, de um modelo mais assumidamente político, porque só um projeto sufragado e participado pelos cidadãos terá hoje a legitimidade que as circunstâncias exigem, e de que depende tanto a credibilidade dos responsáveis como a motivação dos povos.
Desde a cimeira informal da semana passada que nos bastidores e corredores se fala cada vez mais em "maior integração", em "salto federal", em "zonas económicas especiais", etc. Mas será possível reforçar a dimensão política de uma União que cresceu de 6 para 27 Estados membros sem as indispensáveis adaptações institucionais, nomeadamente quanto aos seus mecanismos de decisão?
São muitos os que pensam que não. E que, por isso, para escapar à impotência e à inação, a União Europeia tem agora que se assumir a várias velocidades, sendo vital criar-se um núcleo mais pequeno de países que se pensem mais como complementares do que como concorrentes, que partilhem valores e interesses, e queiram avançar para uma união política que assuma a ambição de ser uma potência económica, militar e cultural no mundo do século XXI.
Entre os que defendem esta via federal merece destaque Christian Saint-Étienne, um dos que melhor anteciparam a trágica evolução recente da Europa, no seu premonitório La fin de l'euro (para que aqui chamei a atenção há dois anos, na minha crónica de 18 de março), e que acaba de propor "verdadeira solução para sair da crise" num pequeno livro que acaba de publicar com o sugestivo título de Le joker européen (Ed. O.Jacob).
A sua ideia central é que só uma Europa que se assuma a várias - eventualmente, a duas - velocidades conseguirá desatar o nó cego das duas conceções antagónicas que continuam a bloquear saída da crise: por um lado, a conceção da União Europeia como uma zona de comércio livre sem limites geográficos definidos, que sempre agradou tanto à Inglaterra como aos Estados Unidos. Por outro lado, a conceção de uma federação de Estados Nação, federal ou confederal.
O que hoje acontece, é que a União Europeia tem poderes políticos a mais para concretizar a primeira conceção; e poderes políticos a menos para fazer avançar a segunda. O tratado de Lisboa é um bom retrato deste paradoxo, bem como da gravíssima impotência política que dele resulta: uma zona monetária na verdade sem soberano, uma zona económica heterogénea e em progressiva divergência e um poder político bloqueado pelas exigências da regra da unanimidade.
Christian Saint-Étienne propõe uma federação que não divida os países europeus em cigarras e formigas, ou entre Norte e Sul, mas que se constitua acabando com a regra da unanimidade e adotando a da maioria (simples ou qualificada), que assuma regras fiscais e sociais comuns e um orçamento federal nos 3% do respetivo PIB. Critérios que deixariam de fora, pelo menos transitoriamente, a Irlanda, a Finlândia, Chipre, Grécia e Estónia.
Federação aqui significaria que "os países membros teriam um só e mesmo governo económico que consistira em otimizar o policy mix da zona, isto é, em otimizar a condução conjunta da política monetária, da política orçamental e da política de câmbio, ao serviço do mais forte crescimento sustentável que fosse possível".
É de notar que esta federação se tornaria não só num gigante político, mas também na 2.ª potência económica do mundo e na 1.ª potência comercial e industrial mundial. E, também, que um tal quadro federal permitiria compatibilizar a "regra de ouro" (do défice, mas aqui também das taxas de juro) com os eurobonds, propiciando uma resposta coerente não só à crise do euro, mas também a da construção europeia: "A regra de ouro sem alicerce federal é uma regra suicidária. A regra de ouro com base federal, capaz de enfrentar as crises económicas cíclicas e de conduzir uma política de relançamento na crise atual, é 'a' solução à crise europeia" (p.84) - eis aqui, talvez, o joker de que a Europa precisa.
In DN
O 'joker' europeu
A Europa tornou-se numa ideia perigosa, talvez mesmo tóxica. Porque ela não só impede que se faça o que tem que ser feito, como finge que pode fazer o que não está ao seu alcance concretizar. O que tem que ser feito é a federação europeia. O que não está ao seu alcance fazer é salvar a Grécia e o euro.
Há por isso um ponto sobre o qual não pode haver dúvidas, para poder haver uma saída. Esse ponto é que dois anos e meio de impasses constituem a prova cabal que a crise do euro e da União Europeia decorre, mais do que do descontrolo financeiro grego, da impotência da própria governação europeia.
Foi esta a grande evidência que a irresponsável crise grega revelou. Não podemos, por isso, continuar no círculo vicioso de cimeiras inúteis, a fingir que se ultrapassa esta situação com pequenos remendos, alguns biscates e muita laracha. Como se, quanto mais rápidos se revelam os mercados, mais lentamente se pudessem comportar os políticos.
Realizaram-se 24 cimeiras desde o começo da crise, o que dá um bom filme da contumaz impotência europeia: todas elas foram, ou de conversa inconclusiva, ou de anúncio de decisões que, na maior parte dos casos, nunca passaram à prática. Como se todos soubessem o que há a fazer, mas ninguém soubesse como.
Houve, na conceção da Europa que arrancou em Maastricht, no começo dos anos 90, três erros que aparecem hoje como as verdadeiras causas, as causas genéticas, da incapacidade europeia. São esses erros que temos que corrigir se queremos evitar o colapso que nos ameaça.
O primeiro erro foi pensar-se que a União Europeia poderia ser uma construção a-política, que obedecesse a uma lógica estritamente burocrática. O segundo foi desligar-se a Europa de qualquer ambição como potência efetiva, abdicando da sua afirmação estratégica no mundo. E o terceiro foi imaginar-se que seria possível edificar-se uma união de Estados Nação sem objetivos verdadeiramente comuns e sem um espaço público partilhado.
"Governança" tem sido a palavra-biombo desta Europa tóxica, é com ela que se tem procurado iludir a situação, impondo sorrateiramente a supremacia da burocracia, o primado do económico e a exclusividade do critério de mercado. O melhor exemplo de tudo isto é o da intolerável concorrência fiscal e social que se institucionalizou na UE entre os seus cidadãos, como se de uma mera concorrência de bens e serviços se tratasse. E com uma total cegueira em relação às suas devastadoras consequências para o espírito de solidariedade que devia imperar numa União de Estados.
O que a União Europeia precisa é de outra orientação e de outro modelo de funcionamento e de decisão. Nomeadamente, de um modelo mais assumidamente político, porque só um projeto sufragado e participado pelos cidadãos terá hoje a legitimidade que as circunstâncias exigem, e de que depende tanto a credibilidade dos responsáveis como a motivação dos povos.
Desde a cimeira informal da semana passada que nos bastidores e corredores se fala cada vez mais em "maior integração", em "salto federal", em "zonas económicas especiais", etc. Mas será possível reforçar a dimensão política de uma União que cresceu de 6 para 27 Estados membros sem as indispensáveis adaptações institucionais, nomeadamente quanto aos seus mecanismos de decisão?
São muitos os que pensam que não. E que, por isso, para escapar à impotência e à inação, a União Europeia tem agora que se assumir a várias velocidades, sendo vital criar-se um núcleo mais pequeno de países que se pensem mais como complementares do que como concorrentes, que partilhem valores e interesses, e queiram avançar para uma união política que assuma a ambição de ser uma potência económica, militar e cultural no mundo do século XXI.
Entre os que defendem esta via federal merece destaque Christian Saint-Étienne, um dos que melhor anteciparam a trágica evolução recente da Europa, no seu premonitório La fin de l'euro (para que aqui chamei a atenção há dois anos, na minha crónica de 18 de março), e que acaba de propor "verdadeira solução para sair da crise" num pequeno livro que acaba de publicar com o sugestivo título de Le joker européen (Ed. O.Jacob).
A sua ideia central é que só uma Europa que se assuma a várias - eventualmente, a duas - velocidades conseguirá desatar o nó cego das duas conceções antagónicas que continuam a bloquear saída da crise: por um lado, a conceção da União Europeia como uma zona de comércio livre sem limites geográficos definidos, que sempre agradou tanto à Inglaterra como aos Estados Unidos. Por outro lado, a conceção de uma federação de Estados Nação, federal ou confederal.
O que hoje acontece, é que a União Europeia tem poderes políticos a mais para concretizar a primeira conceção; e poderes políticos a menos para fazer avançar a segunda. O tratado de Lisboa é um bom retrato deste paradoxo, bem como da gravíssima impotência política que dele resulta: uma zona monetária na verdade sem soberano, uma zona económica heterogénea e em progressiva divergência e um poder político bloqueado pelas exigências da regra da unanimidade.
Christian Saint-Étienne propõe uma federação que não divida os países europeus em cigarras e formigas, ou entre Norte e Sul, mas que se constitua acabando com a regra da unanimidade e adotando a da maioria (simples ou qualificada), que assuma regras fiscais e sociais comuns e um orçamento federal nos 3% do respetivo PIB. Critérios que deixariam de fora, pelo menos transitoriamente, a Irlanda, a Finlândia, Chipre, Grécia e Estónia.
Federação aqui significaria que "os países membros teriam um só e mesmo governo económico que consistira em otimizar o policy mix da zona, isto é, em otimizar a condução conjunta da política monetária, da política orçamental e da política de câmbio, ao serviço do mais forte crescimento sustentável que fosse possível".
É de notar que esta federação se tornaria não só num gigante político, mas também na 2.ª potência económica do mundo e na 1.ª potência comercial e industrial mundial. E, também, que um tal quadro federal permitiria compatibilizar a "regra de ouro" (do défice, mas aqui também das taxas de juro) com os eurobonds, propiciando uma resposta coerente não só à crise do euro, mas também a da construção europeia: "A regra de ouro sem alicerce federal é uma regra suicidária. A regra de ouro com base federal, capaz de enfrentar as crises económicas cíclicas e de conduzir uma política de relançamento na crise atual, é 'a' solução à crise europeia" (p.84) - eis aqui, talvez, o joker de que a Europa precisa.
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Secretas e siameses
.
Secretas e siameses
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
1-Temos passado os últimos meses a ouvir toda a gente e mais alguma a explicar o quão importantes são os serviços de informação do Estado, vulgo serviços secretos, para a preservação do Estado de direito e para a defesa do País de inimigos internos e externos.
Não serão necessárias grandes explicações para que se perceba que os serviços secretos podem ter--se transformado em muitas coisas, menos em organizações em que os cidadãos possam confiar e a que reconheçam qualquer tipo de papel na defesa do Estado de direito e da sua segurança. Guerras internas, devassa da vida particular de cidadãos sem qualquer tipo de justificação, promiscuidade entre interesses privados e interesse público, indivíduos que hoje trabalham nos serviços de informações e amanhã vão para empresas privadas executar o mesmo tipo de actividade, informações produzidas por esses serviços que são enviadas a amigos seleccionados. Não há outra maneira de descrever a situação: uma autêntica rebaldaria.
Num Estado de direito, e pela sua natureza sensível, o controle e a fiscalização destes serviços devem ser rigorosos. Pelos vistos, não é assim. Foram os jornais que denunciaram as várias situações. O primeiro-ministro e o secretário- -geral de Informações foram indo a reboque das denúncias dos media, dando início a sindicâncias que pouco ou nada revelaram, e à tardia, mas inevitável, queixa ao Ministério Público. As investigações internas pouco ou nada revelaram e mal saiu a acusação do Ministério Público, vários meses depois, dois agentes foram imediata- mente afastados. Estamos conversados quanto à qualidade ou à vontade dos investigadores internos...
O facto é que o primeiro-ministro foi desvalorizando o que parece evidente para toda a gente: o colapso dos serviços de informação.
Na sequência de mais notícias sobre novos eventuais problemas, Passos Coelho anunciou a sua ida ao Parlamento para falar das secretas. Muitos terão pensado que o primeiro-ministro ia anunciar uma grande remodelação dos serviços secretos, um plano para reforçar a fiscalização, uma iniciativa legislativa que tudo mudasse. Pois, enganaram-se. Nem nova lei nem apoio às várias propostas dos partidos da oposição. Apenas a enunciação de princípios vagos. Convém, segundo o primeiro-ministro, não tomar a nuvem por Juno. Os serviços secretos serão assim, digo eu, a deusa, que, assim sendo, está de boa saúde, e os gigantescos problemas dos ditos serviços serão apenas meras nuvens.
Já teria sido suficientemente mau o primeiro-ministro ir à Assembleia da República falar sobre as secretas e nada ter para propor, o pior foi termos percebido que a sua ida tinha apenas um objectivo: fazer a defesa de Miguel Relvas.
2- Miguel Relvas teve uma reunião de trabalho em que também estava Jorge Silva Carvalho. Bebeu um café com o ex-director do SIED. Encontrou-o num jantar de aniversário dum amigo comum. Ficamos a saber que a relação entre os dois não era meramente superficial - ninguém manda listas a sugerir nomes para cargos importantes por dá cá aquela palha, ou troca e reenvia mensagens. Miguel Relvas devia ter-se perguntado porque estaria a receber clippings com origem nos serviços secretos - por muito inócuos que fossem - e tomado providências.
Nada disto teria, de facto, muita relevância. Não há ninguém que não se tenha cruzado por diversas razões profissionais ou outras e mesmo criado relações de amizade com pessoas que mais tarde se revelam pouco merecedoras da nossa confiança. Se tudo isto é normal, para que foi Miguel Relvas mentir e omitir, da primeira vez, à comissão parlamentar? Pior, o ministro foi mudando a sua versão da verdade à medida que as notícias iam saindo nos jornais. Por que diabo tentou com tanto afã ocultar a relação com Silva Carvalho?
Um ministro mentir e omitir ao Parlamento é muito grave, mas Passos Coelho não achará, afinal, o mesmo. E defendendo Relvas como defendeu, garantiu que nada mais existe ou existiu de comprometedor entre este e Silva Carvalho. A ver vamos.
Relvas ficou mais forte, mas Passos Coelho ficou mais fraco: é que agora está dependente de tudo o que possa acontecer a Miguel Relvas.
3- Passos Coelho não tem dúvidas: Miguel Relvas não chantageou, por interposta pessoa, uma jornalista do Público. Tudo não passou, portanto, duma enorme conspiração. É a única explicação plausível, se assim não fosse Relvas já não estaria no Governo.
Mais uma vez, o primeiro-ministro fica à mercê do seu número dois. Ou melhor: quem será, de facto, o número um?
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
Secretas e siameses
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
1-Temos passado os últimos meses a ouvir toda a gente e mais alguma a explicar o quão importantes são os serviços de informação do Estado, vulgo serviços secretos, para a preservação do Estado de direito e para a defesa do País de inimigos internos e externos.
Não serão necessárias grandes explicações para que se perceba que os serviços secretos podem ter--se transformado em muitas coisas, menos em organizações em que os cidadãos possam confiar e a que reconheçam qualquer tipo de papel na defesa do Estado de direito e da sua segurança. Guerras internas, devassa da vida particular de cidadãos sem qualquer tipo de justificação, promiscuidade entre interesses privados e interesse público, indivíduos que hoje trabalham nos serviços de informações e amanhã vão para empresas privadas executar o mesmo tipo de actividade, informações produzidas por esses serviços que são enviadas a amigos seleccionados. Não há outra maneira de descrever a situação: uma autêntica rebaldaria.
Num Estado de direito, e pela sua natureza sensível, o controle e a fiscalização destes serviços devem ser rigorosos. Pelos vistos, não é assim. Foram os jornais que denunciaram as várias situações. O primeiro-ministro e o secretário- -geral de Informações foram indo a reboque das denúncias dos media, dando início a sindicâncias que pouco ou nada revelaram, e à tardia, mas inevitável, queixa ao Ministério Público. As investigações internas pouco ou nada revelaram e mal saiu a acusação do Ministério Público, vários meses depois, dois agentes foram imediata- mente afastados. Estamos conversados quanto à qualidade ou à vontade dos investigadores internos...
O facto é que o primeiro-ministro foi desvalorizando o que parece evidente para toda a gente: o colapso dos serviços de informação.
Na sequência de mais notícias sobre novos eventuais problemas, Passos Coelho anunciou a sua ida ao Parlamento para falar das secretas. Muitos terão pensado que o primeiro-ministro ia anunciar uma grande remodelação dos serviços secretos, um plano para reforçar a fiscalização, uma iniciativa legislativa que tudo mudasse. Pois, enganaram-se. Nem nova lei nem apoio às várias propostas dos partidos da oposição. Apenas a enunciação de princípios vagos. Convém, segundo o primeiro-ministro, não tomar a nuvem por Juno. Os serviços secretos serão assim, digo eu, a deusa, que, assim sendo, está de boa saúde, e os gigantescos problemas dos ditos serviços serão apenas meras nuvens.
Já teria sido suficientemente mau o primeiro-ministro ir à Assembleia da República falar sobre as secretas e nada ter para propor, o pior foi termos percebido que a sua ida tinha apenas um objectivo: fazer a defesa de Miguel Relvas.
2- Miguel Relvas teve uma reunião de trabalho em que também estava Jorge Silva Carvalho. Bebeu um café com o ex-director do SIED. Encontrou-o num jantar de aniversário dum amigo comum. Ficamos a saber que a relação entre os dois não era meramente superficial - ninguém manda listas a sugerir nomes para cargos importantes por dá cá aquela palha, ou troca e reenvia mensagens. Miguel Relvas devia ter-se perguntado porque estaria a receber clippings com origem nos serviços secretos - por muito inócuos que fossem - e tomado providências.
Nada disto teria, de facto, muita relevância. Não há ninguém que não se tenha cruzado por diversas razões profissionais ou outras e mesmo criado relações de amizade com pessoas que mais tarde se revelam pouco merecedoras da nossa confiança. Se tudo isto é normal, para que foi Miguel Relvas mentir e omitir, da primeira vez, à comissão parlamentar? Pior, o ministro foi mudando a sua versão da verdade à medida que as notícias iam saindo nos jornais. Por que diabo tentou com tanto afã ocultar a relação com Silva Carvalho?
Um ministro mentir e omitir ao Parlamento é muito grave, mas Passos Coelho não achará, afinal, o mesmo. E defendendo Relvas como defendeu, garantiu que nada mais existe ou existiu de comprometedor entre este e Silva Carvalho. A ver vamos.
Relvas ficou mais forte, mas Passos Coelho ficou mais fraco: é que agora está dependente de tudo o que possa acontecer a Miguel Relvas.
3- Passos Coelho não tem dúvidas: Miguel Relvas não chantageou, por interposta pessoa, uma jornalista do Público. Tudo não passou, portanto, duma enorme conspiração. É a única explicação plausível, se assim não fosse Relvas já não estaria no Governo.
Mais uma vez, o primeiro-ministro fica à mercê do seu número dois. Ou melhor: quem será, de facto, o número um?
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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És contra? Diz-me como
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És contra? Diz-me como
por FERNANDA CÂNCIO
Hoje
A sondagem esta semana publicada pelo DN é um ponto de viragem importante. Desfazendo a ideia do povo "amestrado" que Januário Torgal Ferreira tão bem identificou no discurso de Passos, os inquiridos, em maioria esmagadora (77%), consideram que estamos pior em todos os sectores do que estávamos há um ano e qualificam (67%) a atuação do Governo como má ou muito má.
Esta clara rejeição do programa e discurso governativos, que engloba o Presidente da República (visto como cúmplice ou inexistência) e dá nota negativa a todos os ministros, torna ainda mais urgente uma alternativa credível. Sob pena de os revoltados com a atitude, sem precedentes em Portugal (diga-se o que se disser, isto nunca tinha sucedido), dos dois partidos da coligação governamental que, uma vez no poder, fizeram o contrário de tudo o que haviam prometido em campanha, engrossarem o contingente dos desiludidos da democracia.
Não chega, obviamente, a PS, BE e PCP dizer que "este não é o caminho". Não chega fazer oposição por reflexo, como faz, por incrível que possa parecer, até o líder socialista, ao reproduzir, sem mudar uma vírgula, o discurso pré-eleitoral de PSD e PP sobre encerramentos de unidades de saúde ou escolas. Foi este tipo de infantilização do debate político que nos trouxe aonde estamos, a um Governo eleito por apresentar propostas inexequíveis e mentirosas de "cortes sem dor" enquanto vituperava todas as racionalizações da máquina do Estado (e que interessante seria recordar o que foram as votações parlamentares do PSD e do CDS durante os anos do Executivo socialista, e de como em tantos casos contradizem o discurso de que "sempre se opuseram" ao alegado "despesismo" do mesmo).
Se alguma vez houve um momento em que foram necessárias propostas sérias e estruturadas por parte da oposição, esse momento é este. Se alguma vez houve uma situação em que precisámos de um contraprograma governamental, a situação é esta. Governo sombra, antes de ser o título de um debate piadético na TSF, era uma ideia muito estimável surgida no Reino Unido e replicada em vários países da Commonwealth, consistindo na nomeação (ou até eleição, dentro dos partidos) de um governo alternativo, com "ministros" para cada área com a responsabilidade de assegurar uma política para a tutela.
Pegando nas palavras de Rui Tavares na primeira reunião pública dos subscritores do Manifesto da Esquerda Livre (ocorrida no sábado em Lisboa), já sabemos que somos "contra", agora é preciso pensar no "como". Seria a um tempo lamentável e formidável que viesse de fora dos partidos instituídos um conjunto de ideias para o país que não se resumisse a patacoadas inconsistentes e slogans sem espessura. Mas, venha de onde vier, é preciso mostrar que não é tudo igual. Que votar noutros não equivale a mais do mesmo. Que não se aposta só na "alternância democrática". Que há alternativa ao "não há alternativa". Que não deixaremos a democracia ir tão depressa por esta noite escura.
In DN
És contra? Diz-me como
por FERNANDA CÂNCIO
Hoje
A sondagem esta semana publicada pelo DN é um ponto de viragem importante. Desfazendo a ideia do povo "amestrado" que Januário Torgal Ferreira tão bem identificou no discurso de Passos, os inquiridos, em maioria esmagadora (77%), consideram que estamos pior em todos os sectores do que estávamos há um ano e qualificam (67%) a atuação do Governo como má ou muito má.
Esta clara rejeição do programa e discurso governativos, que engloba o Presidente da República (visto como cúmplice ou inexistência) e dá nota negativa a todos os ministros, torna ainda mais urgente uma alternativa credível. Sob pena de os revoltados com a atitude, sem precedentes em Portugal (diga-se o que se disser, isto nunca tinha sucedido), dos dois partidos da coligação governamental que, uma vez no poder, fizeram o contrário de tudo o que haviam prometido em campanha, engrossarem o contingente dos desiludidos da democracia.
Não chega, obviamente, a PS, BE e PCP dizer que "este não é o caminho". Não chega fazer oposição por reflexo, como faz, por incrível que possa parecer, até o líder socialista, ao reproduzir, sem mudar uma vírgula, o discurso pré-eleitoral de PSD e PP sobre encerramentos de unidades de saúde ou escolas. Foi este tipo de infantilização do debate político que nos trouxe aonde estamos, a um Governo eleito por apresentar propostas inexequíveis e mentirosas de "cortes sem dor" enquanto vituperava todas as racionalizações da máquina do Estado (e que interessante seria recordar o que foram as votações parlamentares do PSD e do CDS durante os anos do Executivo socialista, e de como em tantos casos contradizem o discurso de que "sempre se opuseram" ao alegado "despesismo" do mesmo).
Se alguma vez houve um momento em que foram necessárias propostas sérias e estruturadas por parte da oposição, esse momento é este. Se alguma vez houve uma situação em que precisámos de um contraprograma governamental, a situação é esta. Governo sombra, antes de ser o título de um debate piadético na TSF, era uma ideia muito estimável surgida no Reino Unido e replicada em vários países da Commonwealth, consistindo na nomeação (ou até eleição, dentro dos partidos) de um governo alternativo, com "ministros" para cada área com a responsabilidade de assegurar uma política para a tutela.
Pegando nas palavras de Rui Tavares na primeira reunião pública dos subscritores do Manifesto da Esquerda Livre (ocorrida no sábado em Lisboa), já sabemos que somos "contra", agora é preciso pensar no "como". Seria a um tempo lamentável e formidável que viesse de fora dos partidos instituídos um conjunto de ideias para o país que não se resumisse a patacoadas inconsistentes e slogans sem espessura. Mas, venha de onde vier, é preciso mostrar que não é tudo igual. Que votar noutros não equivale a mais do mesmo. Que não se aposta só na "alternância democrática". Que há alternativa ao "não há alternativa". Que não deixaremos a democracia ir tão depressa por esta noite escura.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Credo, dr. Borges!
.
Credo, dr. Borges!
por ANDRÉ MACEDO
Ontem
A última frase que ouvi atribuída a António Borges deixou-me alarmado. É uma coisa antiga, do tempo do escudo (a moeda), mas muito atual e que vale a pena transcrever. A propósito dos transportes públicos, dizia ele: "Em primeiro lugar, devia começar-se por cobrar o preço justo por determinados percursos paisagísticos que, em qualquer parte do mundo, valem milhões. [No cacilheiro que atravessa o Tejo] podia cobrar-se os preços atuais e ainda um 'suplemento transporte pitoresco' em vias de extinção."
Calma: a frase não saiu da pena de António Borges. A frase é roubada a um livro do Miguel Esteves Cardoso. No entanto, agora que Borges está a levar no lombo - até o oportuno Cavaco Silva lhe deu umas caneladas -, achei que também eu devia juntar uns patrióticos cascudos. Assim, atirei-lhe para cima mais umas quantas culpas. Não interessa se as tem ou não. Realmente, dr. Borges. Sinceramente, dr. Borges. Francamente, dr. Borges.
Agora que já lavei a alma, agora que ninguém olhará para mim com desconfiança (ontem, Baptista Bastos falava aqui em comentadores a soldo - livra!), posso dizer o que penso. Não quero limpar o dr. Borges de tantos outros dislates que já cometeu. Devo no entanto transcrever a frase que ele realmente disse ao Diário Económico: "A diminuição de salários não é uma política, é uma urgência, uma emer- gência, não pode ser de maneira nenhuma uma perspetiva de futuro." Afinal, não indicou um Portugal achinesado e achinelado como musa económica. Disse até o contrário. É sabido: excessos de interpretação assim há muitos - e até dão politicamente muito jeito. Nos anos 60, Marshall McLuhan escreveu um livro que ganhou grande relevância. Na primeira edição, o editor cometeu um erro e o título na capa saiu gralhado: "O Meio é a Massagem", em vez de "O Meio é a Mensagem". Quando viu a asneira, McLuhan deixou-o estar. Na verdade, até fazia algum sentido - era a verdade.
Com Borges podemos dizer o mesmo. No Diário Económico ele não fez um prognóstico errado; descreveu, sim, a atualidade. A queda dos rendimentos já está a acontecer por causa dos cortes dos subsídios de férias e de Natal; por causa das reduções dos salários nas empresas; por causa do efeito da inflação associado ao congelamento das remunerações; por causa do desemprego que torna o emprego um bem escasso e frágil. O que me surpreende, por isso, são as lágrimas de crocodilo perante a frase de Borges. O país que ele descreve já cá está. Não é o futuro, é o presente. É hoje, não é (só) amanhã. Não é preciso apanhar o cacilheiro para o ver: basta olhar à volta. Infelizmente, ninguém sabe como vamos sair daqui. Sairemos? Como, se já não é possível carregar no betão? À falta de resposta, carreguemos no dr. Borges. Não resolve, mas que alivia, alivia.
In DN
Credo, dr. Borges!
por ANDRÉ MACEDO
Ontem
A última frase que ouvi atribuída a António Borges deixou-me alarmado. É uma coisa antiga, do tempo do escudo (a moeda), mas muito atual e que vale a pena transcrever. A propósito dos transportes públicos, dizia ele: "Em primeiro lugar, devia começar-se por cobrar o preço justo por determinados percursos paisagísticos que, em qualquer parte do mundo, valem milhões. [No cacilheiro que atravessa o Tejo] podia cobrar-se os preços atuais e ainda um 'suplemento transporte pitoresco' em vias de extinção."
Calma: a frase não saiu da pena de António Borges. A frase é roubada a um livro do Miguel Esteves Cardoso. No entanto, agora que Borges está a levar no lombo - até o oportuno Cavaco Silva lhe deu umas caneladas -, achei que também eu devia juntar uns patrióticos cascudos. Assim, atirei-lhe para cima mais umas quantas culpas. Não interessa se as tem ou não. Realmente, dr. Borges. Sinceramente, dr. Borges. Francamente, dr. Borges.
Agora que já lavei a alma, agora que ninguém olhará para mim com desconfiança (ontem, Baptista Bastos falava aqui em comentadores a soldo - livra!), posso dizer o que penso. Não quero limpar o dr. Borges de tantos outros dislates que já cometeu. Devo no entanto transcrever a frase que ele realmente disse ao Diário Económico: "A diminuição de salários não é uma política, é uma urgência, uma emer- gência, não pode ser de maneira nenhuma uma perspetiva de futuro." Afinal, não indicou um Portugal achinesado e achinelado como musa económica. Disse até o contrário. É sabido: excessos de interpretação assim há muitos - e até dão politicamente muito jeito. Nos anos 60, Marshall McLuhan escreveu um livro que ganhou grande relevância. Na primeira edição, o editor cometeu um erro e o título na capa saiu gralhado: "O Meio é a Massagem", em vez de "O Meio é a Mensagem". Quando viu a asneira, McLuhan deixou-o estar. Na verdade, até fazia algum sentido - era a verdade.
Com Borges podemos dizer o mesmo. No Diário Económico ele não fez um prognóstico errado; descreveu, sim, a atualidade. A queda dos rendimentos já está a acontecer por causa dos cortes dos subsídios de férias e de Natal; por causa das reduções dos salários nas empresas; por causa do efeito da inflação associado ao congelamento das remunerações; por causa do desemprego que torna o emprego um bem escasso e frágil. O que me surpreende, por isso, são as lágrimas de crocodilo perante a frase de Borges. O país que ele descreve já cá está. Não é o futuro, é o presente. É hoje, não é (só) amanhã. Não é preciso apanhar o cacilheiro para o ver: basta olhar à volta. Infelizmente, ninguém sabe como vamos sair daqui. Sairemos? Como, se já não é possível carregar no betão? À falta de resposta, carreguemos no dr. Borges. Não resolve, mas que alivia, alivia.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
'Por qué no te callas', dr. Borges?
.
'Por qué no te callas', dr. Borges?
por NUNO SARAIVA
Hoje
O "ministro" inescrutinável das privatizações, António Borges, escandalizou meio mundo ao afirmar, em entrevista ao Diário Económico, que "diminuir salários não é uma política, é uma urgência". De Cavaco Silva a Couto dos Santos, dos partidos da maioria governamental aos da esquerda mais encarniçada, dos patrões aos sindicatos, ninguém ficou indiferente às palavras do dr. Borges, num, tão inusitado quanto afinado, coro de indignação coletiva.
Não sei se o dr. Borges, ao apontar esta terapêutica, se estava a referir ao presente ou ao futuro. Pouco importa. O que é de relevar é o conteúdo desta linha de pensamento que, a pretexto do aumento da competitividade da economia portuguesa, parece apontar para um retrocesso civilizacional do tecido trabalhador nacional.
Não é novidade para ninguém que o principal problema da economia em Portugal não são os trabalhadores mas sim alguns empresários e patrões. Não são raros aqueles que, pagos ao nível do sultanato, se revelam verdadeiros analfabetos quando comparados, por exemplo, com um digníssimo afinador de porcas ou um qualificadíssimo operário da indústria têxtil. Isto para já não falar das interrogações suscitadas pelo correspondente financeiro do Le Monde em Londres sobre o facto de alguém, o dr. Borges, ter sido nomeado para a liderança do processo de privatizações em Portugal depois de dispensado pelo FMI "porque não estava à altura do trabalho" que lhe era exigido. Mas isto é, obviamente, secundário.
Portugal já está, e isto são factos não rebatíveis, na cauda da Europa no que respeita aos ordenados auferidos pelos trabalhadores. Por cá, o salário médio e o salário mínimo são, inclusive, inferiores ao que se paga na Grécia. Temos, como é sabido, uma taxa de desemprego que não para de aumentar e, segundo as teorias do dr. Borges, a melhor forma de combater este flagelo será reduzir compulsivamente ainda mais os salários. É porventura natural que alguém que até há bem pouco tempo recebia do FMI 225 mil euros - se calhar isentos de impostos como a sra. Lagarde - e que hoje aufere um ordenado superior ao do primeiro-ministro para aconselhar nas privatizações seja pouco sensível a este tipo de minudências mundanas que condicionam a vida do povo trabalhador.
Caso o dr. Borges tenha andado distraído, é bom que perceba que, em Portugal, se há coisa que tem vindo a ser reduzida ao longo dos últimos anos são precisamente os salários. Seja por via do congelamento ou de aumentos inferiores aos da taxa de inflação, seja por aumentos de impostos ao nível do consumo, como são os casos do IVA da restauração ou dos produtos de supermercado, seja pela suspensão de pagamentos de subsídios de férias e de Natal e pela imposição de sobretaxas nestas remunerações e que, ninguém duvide, vieram para ficar no sector privado, seja por via do agravamento dos escalões do IRS, a verdade é que tudo isto tem concorrido para que o dinheiro disponível para as famílias seja cada vez menor. E, como é evidente, isto significa, em termos absolutos uma baixa real dos salários.
Acresce a isto que, é outra evidência, sugerir, sob o chapéu amplo do aumento da competitividade, que esta se consegue por via da redução salarial é um dislate e um insulto. Considerar que a produtividade com qualidade, condição óbvia além dos custos de produção e de contexto para que haja competitividade, se consegue pagando, por caridade, umas migalhas é patrocinar o regresso ao feudalismo e à escravatura.
Como é óbvio, o problema dos salários em Portugal existe ao nível do topo - uma minoria -, e como sabemos há para aí muitos gestores que não merecem aquilo que ganham, e não ao nível da base - uma imensa maioria.
Como dizia esta semana a professora Teodora Cardoso, defender a baixa de salários por oposição à qualificação e à reorganização da nossa estrutura produtiva é um erro que nos há-de convidar a "sair" da Europa e a mudar de continente. E nos empurrará para o terceiro ou quarto mundo, pondo-nos em concorrência direta (se é que já não estamos nesse patamar) com países muito mais pobres do que o nosso.
Se o que queremos é este caminho de empobrecimento coletivo, pois sigamos o dr. Borges. Se, pelo contrário, queremos voltar a crescer, de forma sustentada e realista, vivendo de acordo com as nossas possibilidades e potencialidades, só nos resta fazer uma pergunta: Por qué no te callas, dr. Borges?
In DN
'Por qué no te callas', dr. Borges?
por NUNO SARAIVA
Hoje
O "ministro" inescrutinável das privatizações, António Borges, escandalizou meio mundo ao afirmar, em entrevista ao Diário Económico, que "diminuir salários não é uma política, é uma urgência". De Cavaco Silva a Couto dos Santos, dos partidos da maioria governamental aos da esquerda mais encarniçada, dos patrões aos sindicatos, ninguém ficou indiferente às palavras do dr. Borges, num, tão inusitado quanto afinado, coro de indignação coletiva.
Não sei se o dr. Borges, ao apontar esta terapêutica, se estava a referir ao presente ou ao futuro. Pouco importa. O que é de relevar é o conteúdo desta linha de pensamento que, a pretexto do aumento da competitividade da economia portuguesa, parece apontar para um retrocesso civilizacional do tecido trabalhador nacional.
Não é novidade para ninguém que o principal problema da economia em Portugal não são os trabalhadores mas sim alguns empresários e patrões. Não são raros aqueles que, pagos ao nível do sultanato, se revelam verdadeiros analfabetos quando comparados, por exemplo, com um digníssimo afinador de porcas ou um qualificadíssimo operário da indústria têxtil. Isto para já não falar das interrogações suscitadas pelo correspondente financeiro do Le Monde em Londres sobre o facto de alguém, o dr. Borges, ter sido nomeado para a liderança do processo de privatizações em Portugal depois de dispensado pelo FMI "porque não estava à altura do trabalho" que lhe era exigido. Mas isto é, obviamente, secundário.
Portugal já está, e isto são factos não rebatíveis, na cauda da Europa no que respeita aos ordenados auferidos pelos trabalhadores. Por cá, o salário médio e o salário mínimo são, inclusive, inferiores ao que se paga na Grécia. Temos, como é sabido, uma taxa de desemprego que não para de aumentar e, segundo as teorias do dr. Borges, a melhor forma de combater este flagelo será reduzir compulsivamente ainda mais os salários. É porventura natural que alguém que até há bem pouco tempo recebia do FMI 225 mil euros - se calhar isentos de impostos como a sra. Lagarde - e que hoje aufere um ordenado superior ao do primeiro-ministro para aconselhar nas privatizações seja pouco sensível a este tipo de minudências mundanas que condicionam a vida do povo trabalhador.
Caso o dr. Borges tenha andado distraído, é bom que perceba que, em Portugal, se há coisa que tem vindo a ser reduzida ao longo dos últimos anos são precisamente os salários. Seja por via do congelamento ou de aumentos inferiores aos da taxa de inflação, seja por aumentos de impostos ao nível do consumo, como são os casos do IVA da restauração ou dos produtos de supermercado, seja pela suspensão de pagamentos de subsídios de férias e de Natal e pela imposição de sobretaxas nestas remunerações e que, ninguém duvide, vieram para ficar no sector privado, seja por via do agravamento dos escalões do IRS, a verdade é que tudo isto tem concorrido para que o dinheiro disponível para as famílias seja cada vez menor. E, como é evidente, isto significa, em termos absolutos uma baixa real dos salários.
Acresce a isto que, é outra evidência, sugerir, sob o chapéu amplo do aumento da competitividade, que esta se consegue por via da redução salarial é um dislate e um insulto. Considerar que a produtividade com qualidade, condição óbvia além dos custos de produção e de contexto para que haja competitividade, se consegue pagando, por caridade, umas migalhas é patrocinar o regresso ao feudalismo e à escravatura.
Como é óbvio, o problema dos salários em Portugal existe ao nível do topo - uma minoria -, e como sabemos há para aí muitos gestores que não merecem aquilo que ganham, e não ao nível da base - uma imensa maioria.
Como dizia esta semana a professora Teodora Cardoso, defender a baixa de salários por oposição à qualificação e à reorganização da nossa estrutura produtiva é um erro que nos há-de convidar a "sair" da Europa e a mudar de continente. E nos empurrará para o terceiro ou quarto mundo, pondo-nos em concorrência direta (se é que já não estamos nesse patamar) com países muito mais pobres do que o nosso.
Se o que queremos é este caminho de empobrecimento coletivo, pois sigamos o dr. Borges. Se, pelo contrário, queremos voltar a crescer, de forma sustentada e realista, vivendo de acordo com as nossas possibilidades e potencialidades, só nos resta fazer uma pergunta: Por qué no te callas, dr. Borges?
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Descoberta a pérola mais antiga do mundo
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Descoberta a pérola mais antiga do mundo
por LN
Ontem
No Golfo Pérsico, em tempos pré-históricos, estes objetos eram apreciados e faziam parte de rituais funerários
Arqueólogos franceses descobriram a pérola fina mais antiga de que há conhecimento, 7500 anos, fazendo recuar em 2500 anos a antiguidade deste tipo de objeto. A descoberta foi efetuada a escavação de uma povoação neolítica, nos atuais Emirados Árabes Unidos, em Umm al-Quwain, na costa do Golfo Pérsico.
A demonstração da antiguidade foi feita através de datação por Carbono 14. A pérola mais antiga do mundo, até agora, datava de 3000 anos antes da nossa Era e fora encontrada numa povoação pré-histórica no Japão. Os arqueólogos afirmam que a pérola de Umm al-Quwain estava na sepultura de um indivíduo e tinha clara ligação a ritos funerários.
Segundo os cientistas, a prática de pesca das ostras produtoras de pérolas é pré-histórica no Golfo Pérsico e Oceano Índico e fazia parte da identidade cultural da região. Em outros locais, foram encontradas pérolas colocadas sobre o rosto dos defuntos, nomeadamente sobre o lábio superior.
In DN
Descoberta a pérola mais antiga do mundo
por LN
Ontem
No Golfo Pérsico, em tempos pré-históricos, estes objetos eram apreciados e faziam parte de rituais funerários
Arqueólogos franceses descobriram a pérola fina mais antiga de que há conhecimento, 7500 anos, fazendo recuar em 2500 anos a antiguidade deste tipo de objeto. A descoberta foi efetuada a escavação de uma povoação neolítica, nos atuais Emirados Árabes Unidos, em Umm al-Quwain, na costa do Golfo Pérsico.
A demonstração da antiguidade foi feita através de datação por Carbono 14. A pérola mais antiga do mundo, até agora, datava de 3000 anos antes da nossa Era e fora encontrada numa povoação pré-histórica no Japão. Os arqueólogos afirmam que a pérola de Umm al-Quwain estava na sepultura de um indivíduo e tinha clara ligação a ritos funerários.
Segundo os cientistas, a prática de pesca das ostras produtoras de pérolas é pré-histórica no Golfo Pérsico e Oceano Índico e fazia parte da identidade cultural da região. Em outros locais, foram encontradas pérolas colocadas sobre o rosto dos defuntos, nomeadamente sobre o lábio superior.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Oito factos sobre a selecção de futebol
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Oito factos sobre a selecção de futebol
por ALBERTO GONÇALVES
Hoje
Facto n.º 1: o sucesso da selecção determina o sucesso do país. Talvez, sobretudo se tomarmos em conta o caso da Grécia, que 2004 ganhou o campeonato europeu e desde então vem progredindo sem parança (a Espanha, que ganhou o "europeu" seguinte e um "mundial" de brinde, também não se saiu mal). O princípio é o de que as conquistas no futebol se repercutem no resto: se onze jogadores provarem que são os maiores dentro do campo, dez milhões de portugueses provam automaticamente que são os maiores fora dele e a sra. Merkel sofrerá um vexame sem nome. Muito bem. Mas a validade do pressuposto exige que levemos a sério o seu reverso, ou seja, que aceitemos as derrotas na bola enquanto um sinal inequívoco da nossa inferioridade geral. Uma eliminação humilhante no Europeu deverá levar o povo às ruas aos gritos de "Somos os menores!". Já um lugar honroso que não o de vencedor legitimará os berros de "Somos assim-assim!".
Facto n.º 2: os jogadores da selecção são um exemplo para os jovens. Sem dúvida. Qualquer sujeito que não estudou, confiou na habilidade para os pontapés, conseguiu um emprego raro e fartamente remunerado no Real Madrid ou no Chelsea, aplica os rendimentos em automóveis de luxo, é incapaz de produzir uma frase em português corrente e enfeita o físico com jóias, tatuagens e penteados belíssimos constitui o modelo que os pais conscienciosos devem impor à descendência. De resto, a alternativa passa pelas Novas Oportunidades ou, erradicadas estas, pelo Impulso Jovem, que também promete.
Facto n.º 3: a vitória no campeonato europeu dissipará o clima de tristeza que se vive em Portugal. Claro que sim, logo que admitamos andar tristes por falta de triunfos simbólicos no desporto internacional e não por excesso de desvarios materiais na vidinha quotidiana. Se os nossos problemas se resolvem mediante remates certeiros é sinal de que os nossos problemas não se prendem com o défice, a dívida, a austeridade, as falências e o desemprego, ao contrário do que vulgar e equivocamente se refere. A troika? Um bode expiatório. A solução? Investir no futebol, ganhar torneios (este ou os próximos), organizar torneios, construir mais meia dúzia de estádios e "infra-estruturas" sortidas, apelar à epopeia dos Descobrimentos. Não pode falhar.
Facto n.º 4: o futebol é o sector mais bem gerido do país. Então não é? Nem vale a pena falar nos clubes, os quais, ao contrário das empresas comuns (os supermercados, por exemplo), nunca se agridem com violência verbal ou física nem oscilam entre passivos monumentais, ordenados em atraso e a pura extinção. Fale-se na "equipa de todos nós", que costuma sair das competições com grande dignidade e que ajuda a balança comercial tanto quanto a exportação de microprocessadores.
Facto n.º 5: a celebração prévia das proezas da selecção é normal. Pois é. Em noventa e um anos de história, a selecção acumulou zero títulos. Se não se festejar antes, o que se festeja depois?
Facto nº 6: a cobertura noticiosa da selecção é a adequada. Até certo ponto. Ainda há uns pedacinhos da programação televisiva que não estão preenchidos com as notícias da selecção, os treinos da selecção, as conferências de imprensa da selecção, os "painéis" de comentário à selecção, o lado pitoresco do dia-a-dia da selecção, as polémicas da selecção, a euforia dos adeptos da selecção e os anúncios dos patrocinadores da selecção. Bem sei que o almoço da selecção na Fundação Champalimaud foi devidamente relatado, que a essencial recepção à selecção em Belém foi transmitida em directo e que um repórter orgulhoso informou a pátria de que a selecção sobrevoou a Alemanha para chegar à Polónia (a expectativa, pelos vistos, era de que sobrevoasse o Zaire). Mas continuo sem saber a cor favorita de Fábio Coentrão ou a morada da manicura de Ricardo Costa. Aliás, continuo sem saber quem é Ricardo Costa.
Facto n.º 7: as críticas à selecção são inconvenientes. Obviamente. A gravidade da hora pede união, espírito nacionalista, 11 por todos e todos por 11. Se a selecção sair enxovalhada do "europeu", com todas as consequências calamitosas para o nosso futuro daí decorrentes, a culpa será das más-línguas que abalaram a confiança dos rapazes. Se a selecção ganhar o "europeu", com todas as maravilhas daí resultantes, o mérito será dividido entre os patriotas que nunca duvidaram. Mas desconfio que o prémio monetário não.
Facto n.º 8: os portugueses acreditam na selecção. É inegável. Até eu, que não quero saber da selecção para nada, acredito nela na medida em que ela comprovadamente existe.
Somos os maiores, como repetem os entusiastas da bola? Depende da actividade: um relatório da organização Transparência Internacional (TI) coloca-nos de facto nos primeiros lugares europeus em matéria de corrupção. Segundo a TI, os nossos poderes públicos são tão ineficazes, negligentes e corruptos que se tornam indissociáveis das origens da crise vigente. Em Portugal (e na Grécia, Itália e Espanha), o Estado serve sobretudo aqueles que o dominam e que, mediante habilidade para fintar as leis ou, na maioria dos casos, para conceber leis que os favoreçam à partida, estabelecem um interessante tráfico de influência e uma curiosa rede de interesses, às vezes partilhada com os partidos, outras vezes com o sector a que eufemisticamente se chama privado. Em suma, na prática mediterrânica e muito nossa, os vícios do estatismo revelam-se ainda mais sinistros do que na teoria. Não é grande novidade.
A existirem, as novidades passam pelos métodos utilizados na alimentação dos vícios, leia-se a remoção de rendimentos aos legítimos proprietários, também conhecida por fiscalidade. Esta semana, foi notícia a cooperação entre a Direcção-Geral de Impostos e a PSP, que segundo o jornal i começou, ou prepara-se para começar, a apreender os carros cujos condutores possuam dívidas fiscais.
É uma ideia brilhante, e um precedente para o dia feliz em que as autoridades nos abordem na rua a pretexto de uma divergência no IRC, nos sequestrem familiares até que paguemos o IMI e nos incendeiem a casa a título de represália por atraso na prestação à Segurança Social. As regras são para se cumprir, pelo menos enquanto houver quem fique por cá a cumpri-las. E, se a coerência mandar, os muitos que temem a "ofensiva" ao imprescindível papel do Estado ficarão.
Porque é que a Associação República e Laicidade não exige a separação entre o Estado e Januário Torgal Ferreira, de preferência mediante a oferta de um retiro vitalício na Bolívia? Após o elogio do primeiro-ministro à "paciência" dos portugueses, no máximo uma redundância infantil, D. Januário apareceu logo a comparar o dr. Passos Coelho a Salazar (um clássico) e a sugerir (ou, no seu estilo quase frontal, a quase sugerir) que o povo saísse à rua em alvoroço.
D. Januário é assim: passa os dias à espera de um pretexto para apelar a gestos dramáticos das massas. E se é verdade que as massas não lhe ligam nenhuma, também é verdade que D. Januário nem precisa de pretexto: qualquer coisa - uma frase infeliz, uma frase neutra, um espirro - fomenta a alegada revolta da criatura.
Escusado acrescentar, a criatura está no seu direito. Só não percebo como é que tamanha irreverência mantém D. Januário confinado a dois estabelecimentos tão institucionais e em geral circunspectos quanto a Igreja e a tropa. Por outro lado, não percebo porque é que a Igreja e a tropa mantêm D. Januário: suponho que tentar promover agitações colectivas não seja uma das funções do bispo das Forças Armadas. Só não me perguntem que funções são essas: não sou crente nem militar. Mesmo que fosse, suspeito que não saberia a resposta.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
In DN
Oito factos sobre a selecção de futebol
por ALBERTO GONÇALVES
Hoje
Facto n.º 1: o sucesso da selecção determina o sucesso do país. Talvez, sobretudo se tomarmos em conta o caso da Grécia, que 2004 ganhou o campeonato europeu e desde então vem progredindo sem parança (a Espanha, que ganhou o "europeu" seguinte e um "mundial" de brinde, também não se saiu mal). O princípio é o de que as conquistas no futebol se repercutem no resto: se onze jogadores provarem que são os maiores dentro do campo, dez milhões de portugueses provam automaticamente que são os maiores fora dele e a sra. Merkel sofrerá um vexame sem nome. Muito bem. Mas a validade do pressuposto exige que levemos a sério o seu reverso, ou seja, que aceitemos as derrotas na bola enquanto um sinal inequívoco da nossa inferioridade geral. Uma eliminação humilhante no Europeu deverá levar o povo às ruas aos gritos de "Somos os menores!". Já um lugar honroso que não o de vencedor legitimará os berros de "Somos assim-assim!".
Facto n.º 2: os jogadores da selecção são um exemplo para os jovens. Sem dúvida. Qualquer sujeito que não estudou, confiou na habilidade para os pontapés, conseguiu um emprego raro e fartamente remunerado no Real Madrid ou no Chelsea, aplica os rendimentos em automóveis de luxo, é incapaz de produzir uma frase em português corrente e enfeita o físico com jóias, tatuagens e penteados belíssimos constitui o modelo que os pais conscienciosos devem impor à descendência. De resto, a alternativa passa pelas Novas Oportunidades ou, erradicadas estas, pelo Impulso Jovem, que também promete.
Facto n.º 3: a vitória no campeonato europeu dissipará o clima de tristeza que se vive em Portugal. Claro que sim, logo que admitamos andar tristes por falta de triunfos simbólicos no desporto internacional e não por excesso de desvarios materiais na vidinha quotidiana. Se os nossos problemas se resolvem mediante remates certeiros é sinal de que os nossos problemas não se prendem com o défice, a dívida, a austeridade, as falências e o desemprego, ao contrário do que vulgar e equivocamente se refere. A troika? Um bode expiatório. A solução? Investir no futebol, ganhar torneios (este ou os próximos), organizar torneios, construir mais meia dúzia de estádios e "infra-estruturas" sortidas, apelar à epopeia dos Descobrimentos. Não pode falhar.
Facto n.º 4: o futebol é o sector mais bem gerido do país. Então não é? Nem vale a pena falar nos clubes, os quais, ao contrário das empresas comuns (os supermercados, por exemplo), nunca se agridem com violência verbal ou física nem oscilam entre passivos monumentais, ordenados em atraso e a pura extinção. Fale-se na "equipa de todos nós", que costuma sair das competições com grande dignidade e que ajuda a balança comercial tanto quanto a exportação de microprocessadores.
Facto n.º 5: a celebração prévia das proezas da selecção é normal. Pois é. Em noventa e um anos de história, a selecção acumulou zero títulos. Se não se festejar antes, o que se festeja depois?
Facto nº 6: a cobertura noticiosa da selecção é a adequada. Até certo ponto. Ainda há uns pedacinhos da programação televisiva que não estão preenchidos com as notícias da selecção, os treinos da selecção, as conferências de imprensa da selecção, os "painéis" de comentário à selecção, o lado pitoresco do dia-a-dia da selecção, as polémicas da selecção, a euforia dos adeptos da selecção e os anúncios dos patrocinadores da selecção. Bem sei que o almoço da selecção na Fundação Champalimaud foi devidamente relatado, que a essencial recepção à selecção em Belém foi transmitida em directo e que um repórter orgulhoso informou a pátria de que a selecção sobrevoou a Alemanha para chegar à Polónia (a expectativa, pelos vistos, era de que sobrevoasse o Zaire). Mas continuo sem saber a cor favorita de Fábio Coentrão ou a morada da manicura de Ricardo Costa. Aliás, continuo sem saber quem é Ricardo Costa.
Facto n.º 7: as críticas à selecção são inconvenientes. Obviamente. A gravidade da hora pede união, espírito nacionalista, 11 por todos e todos por 11. Se a selecção sair enxovalhada do "europeu", com todas as consequências calamitosas para o nosso futuro daí decorrentes, a culpa será das más-línguas que abalaram a confiança dos rapazes. Se a selecção ganhar o "europeu", com todas as maravilhas daí resultantes, o mérito será dividido entre os patriotas que nunca duvidaram. Mas desconfio que o prémio monetário não.
Facto n.º 8: os portugueses acreditam na selecção. É inegável. Até eu, que não quero saber da selecção para nada, acredito nela na medida em que ela comprovadamente existe.
Somos os maiores, como repetem os entusiastas da bola? Depende da actividade: um relatório da organização Transparência Internacional (TI) coloca-nos de facto nos primeiros lugares europeus em matéria de corrupção. Segundo a TI, os nossos poderes públicos são tão ineficazes, negligentes e corruptos que se tornam indissociáveis das origens da crise vigente. Em Portugal (e na Grécia, Itália e Espanha), o Estado serve sobretudo aqueles que o dominam e que, mediante habilidade para fintar as leis ou, na maioria dos casos, para conceber leis que os favoreçam à partida, estabelecem um interessante tráfico de influência e uma curiosa rede de interesses, às vezes partilhada com os partidos, outras vezes com o sector a que eufemisticamente se chama privado. Em suma, na prática mediterrânica e muito nossa, os vícios do estatismo revelam-se ainda mais sinistros do que na teoria. Não é grande novidade.
A existirem, as novidades passam pelos métodos utilizados na alimentação dos vícios, leia-se a remoção de rendimentos aos legítimos proprietários, também conhecida por fiscalidade. Esta semana, foi notícia a cooperação entre a Direcção-Geral de Impostos e a PSP, que segundo o jornal i começou, ou prepara-se para começar, a apreender os carros cujos condutores possuam dívidas fiscais.
É uma ideia brilhante, e um precedente para o dia feliz em que as autoridades nos abordem na rua a pretexto de uma divergência no IRC, nos sequestrem familiares até que paguemos o IMI e nos incendeiem a casa a título de represália por atraso na prestação à Segurança Social. As regras são para se cumprir, pelo menos enquanto houver quem fique por cá a cumpri-las. E, se a coerência mandar, os muitos que temem a "ofensiva" ao imprescindível papel do Estado ficarão.
Porque é que a Associação República e Laicidade não exige a separação entre o Estado e Januário Torgal Ferreira, de preferência mediante a oferta de um retiro vitalício na Bolívia? Após o elogio do primeiro-ministro à "paciência" dos portugueses, no máximo uma redundância infantil, D. Januário apareceu logo a comparar o dr. Passos Coelho a Salazar (um clássico) e a sugerir (ou, no seu estilo quase frontal, a quase sugerir) que o povo saísse à rua em alvoroço.
D. Januário é assim: passa os dias à espera de um pretexto para apelar a gestos dramáticos das massas. E se é verdade que as massas não lhe ligam nenhuma, também é verdade que D. Januário nem precisa de pretexto: qualquer coisa - uma frase infeliz, uma frase neutra, um espirro - fomenta a alegada revolta da criatura.
Escusado acrescentar, a criatura está no seu direito. Só não percebo como é que tamanha irreverência mantém D. Januário confinado a dois estabelecimentos tão institucionais e em geral circunspectos quanto a Igreja e a tropa. Por outro lado, não percebo porque é que a Igreja e a tropa mantêm D. Januário: suponho que tentar promover agitações colectivas não seja uma das funções do bispo das Forças Armadas. Só não me perguntem que funções são essas: não sou crente nem militar. Mesmo que fosse, suspeito que não saberia a resposta.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Mar e mar
.
Mar e mar
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
Quando o leitor chegar a esta página já está, com toda a certeza, mais que convencido da importância do mar para o nosso país. Especialistas do assunto já o esclareceram do tesouro que temos mesmo à nossa frente, do desprezo negligente dos responsáveis políticos, que ao longo de décadas e décadas não se deram ao trabalho de desenvolver políticas que ajudassem a explorar esse evidente filão, ou, pura e simplesmente, desconheciam todas as potencialidades do mar e da nossa costa. O estimado leitor vai perceber que o diagnóstico do problema está feito, que temos vários sábios - sem ponta de ironia - que sabem exactamente o que fazer, que até nem é muito difícil levar os vários projectos avante, mas um diabinho pessimista vai-lhe sussurrar que daqui a dez anos (hoje é Dia de Portugal, convém ser optimista) ainda vamos andar a discutir exactamente os mesmos assuntos, as mesmíssimas soluções e, para mal dos nossos pecados, vai estar tudo na mesma. Nada de muito diferente das eternas discussões sobre o que está mal em Portugal, das eternamente necessárias reformas estruturais, dos dramas da Justiça, da falta de produtividade, da falta de stock de capital, da desigualdade crónica e de tantas, tantas outras. Sabemos todos o que está mal, sabemos o que fazer, mas fazer é que é mais, digamos assim, complicado.
Também, por esta altura, eu e o leitor já estamos de lágrimas nos olhos, orgulhosos da nossa história, e com toda a razão. Dos nossos avós que aparentemente ficaram com toda a coragem, ou que pouca deixaram para nós. De como conquistamos o mar e de como ele nos fez grandes. Do desejo de aventura, de desvendar o desconhecido, do sonho louco de meia dúzia de homens perdidos num cantinho mandarem em meio mundo. De como o nosso destino comum está ligado ao mar. De como nós e o mar somos uma mesma realidade e provavelmente de como ele mais uma vez nos vai resgatar.
Eu também sou português, e tenho com toda a certeza nos meus genes o mar, como todos os portugueses. Também terei antepassados marinheiros, tenho primos e primas de todas as cores e religiões, com absoluta certeza, espalhados pelo mundo, filhos dos tais conquistadores dos mares. Mas a minha realidade é mais próxima, a minha memória menos antiga. E as crónicas são pedaços da nossa vida, das nossas experiências, da nossa história pessoal e familiar, do nosso pequeno mundo.
Donde eu venho, do Minho interior, colado a Trás-os-Montes, o mar não nos corre nas veias. A minha gente fez-se ao mar porque tinha fome. O mar sempre foi apenas o purgatório para um desejado paraíso. Com a carta de chamada para o Ultramar vinha também o pesadelo das semanas passadas num navio que cavalgava uma imensidão de água que não se queria voltar a ver. Para o Brasil ia-se fazer fortuna, mas era tanto o mar que era precisa muita fome para o conseguir enfrentar. O outro mar era aquele que acabava entre Hendaia e Irún, que os meus conterrâneos calcorreavam para fugir à miséria. Não, o mar não nos chamava, era a nossa terra que nos expulsava.
Foi a nossa incapacidade de criar um futuro próspero para nós e para as nossas famílias que nos arrastou para os vários mares. Não soubemos tomar conta dos nossos, expulsámos os melhores de nós, e eles construíram nessas terras distantes o que gostavam de ter construído aqui.
Portugal tratou mal muitos e muitos dos seus filhos que, por qualquer razão desconhecida, continuam a devotar-lhe um amor infindo estejam onde estiverem. Homens e mulheres de que nos orgulhamos e que se orgulham de ser portugueses.
Numa altura em que dirigentes políticos falam da ida de gente qualificada para o estrangeiro como se fosse a coisa mais natural do mundo, como se pudéssemos dispensar homens e mulheres que deviam estar a construir o nosso futuro como comunidade, em que se sugere como saída para o desemprego a emigração, convém lembrar a esses responsáveis que essa é a mensagem do seu próprio fracasso como líderes duma comunidade.
O mar tem de servir para nos fazer ficar, não para nos fazer partir. O mar que eu quero ver e que quero que os meus filhos vejam é o de Caminha, o de Espinho, o da Ericeira, o da praia do Malhão, não aquele para onde se deita o olhar com saudades de casa.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
In DN
Mar e mar
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
Quando o leitor chegar a esta página já está, com toda a certeza, mais que convencido da importância do mar para o nosso país. Especialistas do assunto já o esclareceram do tesouro que temos mesmo à nossa frente, do desprezo negligente dos responsáveis políticos, que ao longo de décadas e décadas não se deram ao trabalho de desenvolver políticas que ajudassem a explorar esse evidente filão, ou, pura e simplesmente, desconheciam todas as potencialidades do mar e da nossa costa. O estimado leitor vai perceber que o diagnóstico do problema está feito, que temos vários sábios - sem ponta de ironia - que sabem exactamente o que fazer, que até nem é muito difícil levar os vários projectos avante, mas um diabinho pessimista vai-lhe sussurrar que daqui a dez anos (hoje é Dia de Portugal, convém ser optimista) ainda vamos andar a discutir exactamente os mesmos assuntos, as mesmíssimas soluções e, para mal dos nossos pecados, vai estar tudo na mesma. Nada de muito diferente das eternas discussões sobre o que está mal em Portugal, das eternamente necessárias reformas estruturais, dos dramas da Justiça, da falta de produtividade, da falta de stock de capital, da desigualdade crónica e de tantas, tantas outras. Sabemos todos o que está mal, sabemos o que fazer, mas fazer é que é mais, digamos assim, complicado.
Também, por esta altura, eu e o leitor já estamos de lágrimas nos olhos, orgulhosos da nossa história, e com toda a razão. Dos nossos avós que aparentemente ficaram com toda a coragem, ou que pouca deixaram para nós. De como conquistamos o mar e de como ele nos fez grandes. Do desejo de aventura, de desvendar o desconhecido, do sonho louco de meia dúzia de homens perdidos num cantinho mandarem em meio mundo. De como o nosso destino comum está ligado ao mar. De como nós e o mar somos uma mesma realidade e provavelmente de como ele mais uma vez nos vai resgatar.
Eu também sou português, e tenho com toda a certeza nos meus genes o mar, como todos os portugueses. Também terei antepassados marinheiros, tenho primos e primas de todas as cores e religiões, com absoluta certeza, espalhados pelo mundo, filhos dos tais conquistadores dos mares. Mas a minha realidade é mais próxima, a minha memória menos antiga. E as crónicas são pedaços da nossa vida, das nossas experiências, da nossa história pessoal e familiar, do nosso pequeno mundo.
Donde eu venho, do Minho interior, colado a Trás-os-Montes, o mar não nos corre nas veias. A minha gente fez-se ao mar porque tinha fome. O mar sempre foi apenas o purgatório para um desejado paraíso. Com a carta de chamada para o Ultramar vinha também o pesadelo das semanas passadas num navio que cavalgava uma imensidão de água que não se queria voltar a ver. Para o Brasil ia-se fazer fortuna, mas era tanto o mar que era precisa muita fome para o conseguir enfrentar. O outro mar era aquele que acabava entre Hendaia e Irún, que os meus conterrâneos calcorreavam para fugir à miséria. Não, o mar não nos chamava, era a nossa terra que nos expulsava.
Foi a nossa incapacidade de criar um futuro próspero para nós e para as nossas famílias que nos arrastou para os vários mares. Não soubemos tomar conta dos nossos, expulsámos os melhores de nós, e eles construíram nessas terras distantes o que gostavam de ter construído aqui.
Portugal tratou mal muitos e muitos dos seus filhos que, por qualquer razão desconhecida, continuam a devotar-lhe um amor infindo estejam onde estiverem. Homens e mulheres de que nos orgulhamos e que se orgulham de ser portugueses.
Numa altura em que dirigentes políticos falam da ida de gente qualificada para o estrangeiro como se fosse a coisa mais natural do mundo, como se pudéssemos dispensar homens e mulheres que deviam estar a construir o nosso futuro como comunidade, em que se sugere como saída para o desemprego a emigração, convém lembrar a esses responsáveis que essa é a mensagem do seu próprio fracasso como líderes duma comunidade.
O mar tem de servir para nos fazer ficar, não para nos fazer partir. O mar que eu quero ver e que quero que os meus filhos vejam é o de Caminha, o de Espinho, o da Ericeira, o da praia do Malhão, não aquele para onde se deita o olhar com saudades de casa.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
In DN
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Portas e a revolução
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Portas e a revolução
por PEDRO MARQUES LOPES
Ontem
1 - "É um ano de recessão. A melhor notícia é que metade desse ano já passou", disse Paulo Portas ao Jornal de Negócios. A declaração deve ter sido recolhida nos breves instantes em que o ministro dos Negócios Estrangeiros não está ocupado a fazer-se de morto, ou a anunciar investimentos em Portugal, ou ainda quando vai falar com empresários estrangeiros mostrando, caso estivéssemos esquecidos, a inutilidade do ministro Santos Pereira.
Paulo Portas não é homem para dizer disparates, mas no melhor pano cai a nódoa: é que o facto de metade do ano já ter passado é uma péssima notícia. Foram seis meses em que se aplicaram medidas erradas, e o tempo, infelizmente, não é recuperável. Em razão das políticas deste meio ano, empresas viáveis faliram em catadupa, o desemprego atingiu números impensáveis, a classe média está a desaparecer (615 000 portugueses sobrevivem com 432 euros por mês, 10,9% da população activa). Pois é, estes seis meses fizeram de Portugal um país mais pobre, com uma economia alegremente a caminhar para a destruição e mais desigual. Seis meses em que se semearam ventos...
Mas havia um desígnio, uma meta que, atingida, ia milagrosamente guiar-nos à terra prometida: 4,5% de défice. Para atingir este valor, Paulo Portas não falaria mais do confisco quando se falasse de impostos. Esteve mesmo disposto a aceitar a maior subida de impostos, taxas e preços da história da democracia. Engoliu, sem problemas de maior, a arenga revolucionária que faria morrer de inveja qualquer sobrevivente do PREC: é preciso destruir tudo para construir uma nova sociedade. Uma sociedade de pessoas que olha o desemprego como uma oportunidade, uma comunidade livre de gente piegas e preguiçosa. No currículo ideológico de Paulo Portas só faltava mesmo um liberalismo de contracapa. Com os mágicos 4,5% na mente, não apresentou sinais de incómodo por ser o consultor António Borges a conduzir o processo de privatizações, pela forma como foi conduzido o processo das secretas ou por a coordenação política do Governo se assemelhar à duma associação de estudantes. Não tremeu com a iniquidade da proposta sobre o enriquecimento ilícito nem com o populismo desbragado e perigoso do Ministério do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, ou melhor, do Ministério da Justiça.
Passados apenas seis meses, o líder do CDS já percebeu que não vamos cumprir os objectivos do défice, que todos os esforços dos portugueses foram, afinal, em vão. Como o antigo Paulo Portas sabia, demasiada carga fiscal arrebenta com a economia. Como o antigo Paulo Portas desconfiava, criar desemprego e cortar salários não é muito saudável nem para a receita nem para a despesa. Como o antigo Paulo Portas diria, uma coisa é austeridade, outra, completamente diferente, é afogar uma economia.
Claro que ninguém vai esquecer a inestimável colaboração do ministro dos Negócios Estrangeiros - nem ele conta com isso - neste gigantesco fracasso. Sobretudo porque do homem com mais experiência política, em funções executivas, do ministro mais bem preparado, esperava-se mais, muito mais.
2 - Os seis meses que já passaram podem, afinal, não ter sido tão maus como isso. Ou melhor, os seis meses que faltam podem ser ainda piores. Basta que, tal como os comunistas que ainda acham que o comunismo não resultou por não se ter ido suficientemente longe, se insista na receita e se adoptem mais medidas de austeridade. Como João Salgueiro disse na SIC Notícias, "claro que não estamos no máximo de austeridade. Podemos passar fome, mas ninguém quer isso." Pois, talvez ninguém queira isso, mas que é para onde vamos se não se puser um travão a esta loucura toda.
A receita falhou. Não foi por falta de avisos, e de gente insuspeita de sofrer de esquerdismo. No fim deste ano, as contas públicas estarão mais desequilibradas, as reformas apregoadas continuarão no papel e serão apenas quimeras, o País vai estar ainda mais pobre, as pessoas mais desesperadas, mais empresas irão fechar e o desemprego continuará a crescer.
Os próximos anos estão perdidos, haja coragem para inverter o caminho para que não se perca ainda mais tempo. Chega de revolução.
In DN
Portas e a revolução
por PEDRO MARQUES LOPES
Ontem
1 - "É um ano de recessão. A melhor notícia é que metade desse ano já passou", disse Paulo Portas ao Jornal de Negócios. A declaração deve ter sido recolhida nos breves instantes em que o ministro dos Negócios Estrangeiros não está ocupado a fazer-se de morto, ou a anunciar investimentos em Portugal, ou ainda quando vai falar com empresários estrangeiros mostrando, caso estivéssemos esquecidos, a inutilidade do ministro Santos Pereira.
Paulo Portas não é homem para dizer disparates, mas no melhor pano cai a nódoa: é que o facto de metade do ano já ter passado é uma péssima notícia. Foram seis meses em que se aplicaram medidas erradas, e o tempo, infelizmente, não é recuperável. Em razão das políticas deste meio ano, empresas viáveis faliram em catadupa, o desemprego atingiu números impensáveis, a classe média está a desaparecer (615 000 portugueses sobrevivem com 432 euros por mês, 10,9% da população activa). Pois é, estes seis meses fizeram de Portugal um país mais pobre, com uma economia alegremente a caminhar para a destruição e mais desigual. Seis meses em que se semearam ventos...
Mas havia um desígnio, uma meta que, atingida, ia milagrosamente guiar-nos à terra prometida: 4,5% de défice. Para atingir este valor, Paulo Portas não falaria mais do confisco quando se falasse de impostos. Esteve mesmo disposto a aceitar a maior subida de impostos, taxas e preços da história da democracia. Engoliu, sem problemas de maior, a arenga revolucionária que faria morrer de inveja qualquer sobrevivente do PREC: é preciso destruir tudo para construir uma nova sociedade. Uma sociedade de pessoas que olha o desemprego como uma oportunidade, uma comunidade livre de gente piegas e preguiçosa. No currículo ideológico de Paulo Portas só faltava mesmo um liberalismo de contracapa. Com os mágicos 4,5% na mente, não apresentou sinais de incómodo por ser o consultor António Borges a conduzir o processo de privatizações, pela forma como foi conduzido o processo das secretas ou por a coordenação política do Governo se assemelhar à duma associação de estudantes. Não tremeu com a iniquidade da proposta sobre o enriquecimento ilícito nem com o populismo desbragado e perigoso do Ministério do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, ou melhor, do Ministério da Justiça.
Passados apenas seis meses, o líder do CDS já percebeu que não vamos cumprir os objectivos do défice, que todos os esforços dos portugueses foram, afinal, em vão. Como o antigo Paulo Portas sabia, demasiada carga fiscal arrebenta com a economia. Como o antigo Paulo Portas desconfiava, criar desemprego e cortar salários não é muito saudável nem para a receita nem para a despesa. Como o antigo Paulo Portas diria, uma coisa é austeridade, outra, completamente diferente, é afogar uma economia.
Claro que ninguém vai esquecer a inestimável colaboração do ministro dos Negócios Estrangeiros - nem ele conta com isso - neste gigantesco fracasso. Sobretudo porque do homem com mais experiência política, em funções executivas, do ministro mais bem preparado, esperava-se mais, muito mais.
2 - Os seis meses que já passaram podem, afinal, não ter sido tão maus como isso. Ou melhor, os seis meses que faltam podem ser ainda piores. Basta que, tal como os comunistas que ainda acham que o comunismo não resultou por não se ter ido suficientemente longe, se insista na receita e se adoptem mais medidas de austeridade. Como João Salgueiro disse na SIC Notícias, "claro que não estamos no máximo de austeridade. Podemos passar fome, mas ninguém quer isso." Pois, talvez ninguém queira isso, mas que é para onde vamos se não se puser um travão a esta loucura toda.
A receita falhou. Não foi por falta de avisos, e de gente insuspeita de sofrer de esquerdismo. No fim deste ano, as contas públicas estarão mais desequilibradas, as reformas apregoadas continuarão no papel e serão apenas quimeras, o País vai estar ainda mais pobre, as pessoas mais desesperadas, mais empresas irão fechar e o desemprego continuará a crescer.
Os próximos anos estão perdidos, haja coragem para inverter o caminho para que não se perca ainda mais tempo. Chega de revolução.
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O conhecimento do 'dr.' Relvas
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O conhecimento do 'dr.' Relvas
por Alberto Gonçalves
Hoje
Após ler alguns comentários à minha crónica da semana passada, percebi os argumentos dos que em tempos defendiam a rectidão da licenciatura de José Sócrates e agora acham a licenciatura de Miguel Relvas um escândalo. Segundo parece, ambos os casos são (preparem-se) "incomparáveis".
E são incomparáveis porquê? Uma corrente de pensamento limita-se a dizer: porque sim, leia-se porque gostam do "eng." Sócrates e não gostam do "dr." Relvas, ou porque gostam do PS e não gostam do PSD, ou, no fundo, apenas porque sim. Uma segunda corrente, mais sofisticada, elabora um bocadinho e explica que o "eng." Sócrates concluiu a maior parte das disciplinas do seu curso, enquanto o "dr." Relvas não terá concluído quase nenhuma.
Assim apresentada, a tese faz certo sentido, sobretudo se, a título de exemplo e a pretexto de galhofa, lhe acrescentarmos as equivalências académicas que o "dr." Relvas obteve após dirigir uma agremiação folclórica (na acepção literal: não se trata do PSD) e se, para evitar complicações, lhe subtrairmos o facto de que, ao que corre por aí, uma determinada quantidade das disciplinas que o "eng." Sócrates tão brilhantemente realizou não existirem à data da passagem dele por elas.
Mas se não formos fanáticos das luminárias citadas e não ganharmos em fugir da questão, a questão é: há favorecimentos aceitáveis e favorecimentos inaceitáveis? Ou: duas trapaças com objectivos idênticos devem suscitar juízos de valor distintos? Ou ainda: em que medida é que um mentiroso num cargo de poder é preferível a outro mentiroso num cargo de poder?
Dito isto, e tal como o caso Relvas não legitima o "eng." Sócrates, o caso Sócrates não serve para desculpar o "dr." Relvas. É evidente que metade das poucas-vergonhas com que semanalmente o "dr." Relvas nos brinda bastaria para que pedisse a demissão. É evidente que a lealdade do primeiro-ministro ao homem que lhe entregou o cargo condena o Governo ao ridículo e ao descrédito. É evidente que um Governo reduzido a tema de anedotas constitui a última coisa de que um país falido e dependente carece. É evidente que os portugueses dispensam a sede de conhecimento do "dr." Relvas, visto que, até pelos precedentes do género, já o conhecem de sobra.
Domingo, 8 de Julho
Sete pragas
Para efeitos de aprimoramento espiritual, tentei ir a banhos a um rio que julgava sossegado. Julgava mal: à chegada, a quantidade de carros e autocarros indiciava o pior. E o pior era a presença no local da RTP em peso, a transmitir "ao vivo" um daqueles intermináveis programas que misturam conversa fiada e cantorias e que, caso existissem à época, teriam desempenhado papel de destaque na história medieval da tortura. Amargurado, desisti do banho e passei boa parte da tarde no café de uma estação de serviço, a despejar em cima de amigos lamentos relativos ao destino dos nossos impostos e ao facto de a praia fluvial em questão ser candidata num concurso das "melhores praias" nacionais.
A praga numerológica não cessa: depois de escolherem os sete monumentos, as sete paisagens, as sete receitas gastronómicas e eu sei lá que outros sete prodígios, os portugueses escolhem agora as sete praias. Imagino que ainda haverá oportunidade de selecccionar as sete marquises, as sete rotundas e as sete falências autárquicas. Se não estivessem já designados, ainda arranjaríamos maneira de eleger as sete colinas, o sete do FC do Porto, os sete pecados mortais e os próprios sete anões.
Em si, o exercício seria absolutamente irrelevante, caso a euforia de exibir o que se tem de melhor não revelasse tanto do que temos de pior: a pequenez. Para cúmulo, a pequenez agiganta-se em tempos de crise e leva-nos a sintomas de patetice terminal, incluindo o de celebrar maravilhas arquitectónicas e naturais de um país especializado no desleixo das primeiras e na destruição das segundas. Em Portugal, catar um edifício bonitinho ou uma serra sobrevivente no meio do entulho urbanístico ou do horror das ventoinhas não é só difícil, mas um contraste penoso. Vale que, para sermos bons, não é necessário sê-lo, mas dizer que o somos. Se o dissermos as vezes suficientes, passámos a acreditar. Daí em diante, nada, excepto a realidade, nos segura.
Quinta-feira, 12 de Julho
A queima da fita
Raquel Freire, famosa realizadora de que nunca ouvi falar, decidiu queimar uma cópia do seu filme Rasganço em "protesto radical" (sic) contra a suspensão dos apoios às artes. Enquanto muitos lamentam que a dona Raquel não tenha queimado o original, convinha que alguém informasse a senhora de que os apoios às artes, ou àquilo que a senhora entende por "artes", não foram suspensos. Pelo contrário, o mesmo Parlamento junto ao qual a dona Raquel alimentou as tendências pirómanas acabou de aprovar sem um único voto discordante a proposta do Governo para uma taxa adicional sobre os operadores de televisão por cabo, a fim de financiar o extraordinário cinema indígena. Não vale a pena notar a ironia presente no facto de que, em última instância, serão os subscritores a pagar os produtos de que fugiam quando assinaram os serviços do "cabo".
Mas vale a pena presumir que a dona Raquel conhece a nova lei, embora prefira fingir que não de modo a manter intactos os arrebatadores clichés do seu discurso: "Ser artista é uma questão existencial para mim."; "(...) não vou desistir. Por isso tenho que resistir."; "Apesar de este ser um país de brandos costumes, é preciso reagir."; "Queimar uma obra de arte é uma metáfora do que se está a passar."; "Ao extinguir a cultura está-se a suprimir a identidade de um povo."; "(os artistas) perturbam, fazem pensar, questionam."
Realmente, tamanha enxurrada de tolices perturbou-me, a completa ausência de noção do ridículo fez-me pensar que espécie de cabecinha funciona assim e a arrogância infantil levou-me a questionar se, afinal, a dona Raquel não teria doze ou treze anos. Fui averiguar: tem 39. E já não tem emenda.
Sexta-feira, 13 de Julho
Pela nossa saúde
A greve dos médicos, ao que consta muito concorrida, revelou um grau de abnegação na classe que eu sinceramente desconhecia. Segundo os próprios, a greve fez-se em prol dos doentes e da salvação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), contra uma perspectiva "economicista" (cito) que favorece o sector privado, degrada as condições de atendimento, obriga à importação de colegas estrangeiros e força os melhores clínicos a emigrar.
Confesso-me estupefacto. Não fazia ideia de que o adiamento de cirurgias ajuda os pacientes. Não fazia ideia de que o excelso SNS se encontra em tão mau estado que só pode beneficiar de dois dias de paragem. Não fazia ideia de que suprimir, ainda que provisoriamente, uma instituição que se garante necessária merece festejos pelos números da adesão. Não fazia ideia de que havia tantos médicos avessos aos sórdidos hospitais e clínicas particulares a ponto de recusarem terminantemente trabalhar para eles, dentro ou fora das horas de expediente. Não fazia ideia de que os nossos médicos eram assim indiferentes aos apelos materiais e vivem fundamentalmente como ascetas. Não fazia ideia de que, na área em questão, a xenofobia constitui uma atitude louvável. Não fazia ideia de que alguém se espantaria com o recurso a médicos de fora quando, a bem do "prestígio", se limita cá dentro o número de licenciaturas em Medicina. Não fazia ideia de que a elite dos profissionais de saúde já abandonou este ingrato país e, pelos vistos, deixou o SNS entregue a gente fraquinha. Altruísta, é certo. Mas fraquinha.
Agora a sério. Do alto do pedestal em que o servilismo pátrio os coloca, não admira que os senhores doutores vejam uma data de ingénuos dispostos a acreditar em tudo. O mais preocupante, porém, é que alguns dos senhores doutores também parecem engolir as patranhas que difundem, incluindo a de que agem por generosidade em vez do típico, e até certo ponto compreensível, interesse corporativo. A confirmar-se, no SNS não são só os "utentes" que precisam de tratamento.
(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)
In DN
O conhecimento do 'dr.' Relvas
por Alberto Gonçalves
Hoje
Após ler alguns comentários à minha crónica da semana passada, percebi os argumentos dos que em tempos defendiam a rectidão da licenciatura de José Sócrates e agora acham a licenciatura de Miguel Relvas um escândalo. Segundo parece, ambos os casos são (preparem-se) "incomparáveis".
E são incomparáveis porquê? Uma corrente de pensamento limita-se a dizer: porque sim, leia-se porque gostam do "eng." Sócrates e não gostam do "dr." Relvas, ou porque gostam do PS e não gostam do PSD, ou, no fundo, apenas porque sim. Uma segunda corrente, mais sofisticada, elabora um bocadinho e explica que o "eng." Sócrates concluiu a maior parte das disciplinas do seu curso, enquanto o "dr." Relvas não terá concluído quase nenhuma.
Assim apresentada, a tese faz certo sentido, sobretudo se, a título de exemplo e a pretexto de galhofa, lhe acrescentarmos as equivalências académicas que o "dr." Relvas obteve após dirigir uma agremiação folclórica (na acepção literal: não se trata do PSD) e se, para evitar complicações, lhe subtrairmos o facto de que, ao que corre por aí, uma determinada quantidade das disciplinas que o "eng." Sócrates tão brilhantemente realizou não existirem à data da passagem dele por elas.
Mas se não formos fanáticos das luminárias citadas e não ganharmos em fugir da questão, a questão é: há favorecimentos aceitáveis e favorecimentos inaceitáveis? Ou: duas trapaças com objectivos idênticos devem suscitar juízos de valor distintos? Ou ainda: em que medida é que um mentiroso num cargo de poder é preferível a outro mentiroso num cargo de poder?
Dito isto, e tal como o caso Relvas não legitima o "eng." Sócrates, o caso Sócrates não serve para desculpar o "dr." Relvas. É evidente que metade das poucas-vergonhas com que semanalmente o "dr." Relvas nos brinda bastaria para que pedisse a demissão. É evidente que a lealdade do primeiro-ministro ao homem que lhe entregou o cargo condena o Governo ao ridículo e ao descrédito. É evidente que um Governo reduzido a tema de anedotas constitui a última coisa de que um país falido e dependente carece. É evidente que os portugueses dispensam a sede de conhecimento do "dr." Relvas, visto que, até pelos precedentes do género, já o conhecem de sobra.
Domingo, 8 de Julho
Sete pragas
Para efeitos de aprimoramento espiritual, tentei ir a banhos a um rio que julgava sossegado. Julgava mal: à chegada, a quantidade de carros e autocarros indiciava o pior. E o pior era a presença no local da RTP em peso, a transmitir "ao vivo" um daqueles intermináveis programas que misturam conversa fiada e cantorias e que, caso existissem à época, teriam desempenhado papel de destaque na história medieval da tortura. Amargurado, desisti do banho e passei boa parte da tarde no café de uma estação de serviço, a despejar em cima de amigos lamentos relativos ao destino dos nossos impostos e ao facto de a praia fluvial em questão ser candidata num concurso das "melhores praias" nacionais.
A praga numerológica não cessa: depois de escolherem os sete monumentos, as sete paisagens, as sete receitas gastronómicas e eu sei lá que outros sete prodígios, os portugueses escolhem agora as sete praias. Imagino que ainda haverá oportunidade de selecccionar as sete marquises, as sete rotundas e as sete falências autárquicas. Se não estivessem já designados, ainda arranjaríamos maneira de eleger as sete colinas, o sete do FC do Porto, os sete pecados mortais e os próprios sete anões.
Em si, o exercício seria absolutamente irrelevante, caso a euforia de exibir o que se tem de melhor não revelasse tanto do que temos de pior: a pequenez. Para cúmulo, a pequenez agiganta-se em tempos de crise e leva-nos a sintomas de patetice terminal, incluindo o de celebrar maravilhas arquitectónicas e naturais de um país especializado no desleixo das primeiras e na destruição das segundas. Em Portugal, catar um edifício bonitinho ou uma serra sobrevivente no meio do entulho urbanístico ou do horror das ventoinhas não é só difícil, mas um contraste penoso. Vale que, para sermos bons, não é necessário sê-lo, mas dizer que o somos. Se o dissermos as vezes suficientes, passámos a acreditar. Daí em diante, nada, excepto a realidade, nos segura.
Quinta-feira, 12 de Julho
A queima da fita
Raquel Freire, famosa realizadora de que nunca ouvi falar, decidiu queimar uma cópia do seu filme Rasganço em "protesto radical" (sic) contra a suspensão dos apoios às artes. Enquanto muitos lamentam que a dona Raquel não tenha queimado o original, convinha que alguém informasse a senhora de que os apoios às artes, ou àquilo que a senhora entende por "artes", não foram suspensos. Pelo contrário, o mesmo Parlamento junto ao qual a dona Raquel alimentou as tendências pirómanas acabou de aprovar sem um único voto discordante a proposta do Governo para uma taxa adicional sobre os operadores de televisão por cabo, a fim de financiar o extraordinário cinema indígena. Não vale a pena notar a ironia presente no facto de que, em última instância, serão os subscritores a pagar os produtos de que fugiam quando assinaram os serviços do "cabo".
Mas vale a pena presumir que a dona Raquel conhece a nova lei, embora prefira fingir que não de modo a manter intactos os arrebatadores clichés do seu discurso: "Ser artista é uma questão existencial para mim."; "(...) não vou desistir. Por isso tenho que resistir."; "Apesar de este ser um país de brandos costumes, é preciso reagir."; "Queimar uma obra de arte é uma metáfora do que se está a passar."; "Ao extinguir a cultura está-se a suprimir a identidade de um povo."; "(os artistas) perturbam, fazem pensar, questionam."
Realmente, tamanha enxurrada de tolices perturbou-me, a completa ausência de noção do ridículo fez-me pensar que espécie de cabecinha funciona assim e a arrogância infantil levou-me a questionar se, afinal, a dona Raquel não teria doze ou treze anos. Fui averiguar: tem 39. E já não tem emenda.
Sexta-feira, 13 de Julho
Pela nossa saúde
A greve dos médicos, ao que consta muito concorrida, revelou um grau de abnegação na classe que eu sinceramente desconhecia. Segundo os próprios, a greve fez-se em prol dos doentes e da salvação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), contra uma perspectiva "economicista" (cito) que favorece o sector privado, degrada as condições de atendimento, obriga à importação de colegas estrangeiros e força os melhores clínicos a emigrar.
Confesso-me estupefacto. Não fazia ideia de que o adiamento de cirurgias ajuda os pacientes. Não fazia ideia de que o excelso SNS se encontra em tão mau estado que só pode beneficiar de dois dias de paragem. Não fazia ideia de que suprimir, ainda que provisoriamente, uma instituição que se garante necessária merece festejos pelos números da adesão. Não fazia ideia de que havia tantos médicos avessos aos sórdidos hospitais e clínicas particulares a ponto de recusarem terminantemente trabalhar para eles, dentro ou fora das horas de expediente. Não fazia ideia de que os nossos médicos eram assim indiferentes aos apelos materiais e vivem fundamentalmente como ascetas. Não fazia ideia de que, na área em questão, a xenofobia constitui uma atitude louvável. Não fazia ideia de que alguém se espantaria com o recurso a médicos de fora quando, a bem do "prestígio", se limita cá dentro o número de licenciaturas em Medicina. Não fazia ideia de que a elite dos profissionais de saúde já abandonou este ingrato país e, pelos vistos, deixou o SNS entregue a gente fraquinha. Altruísta, é certo. Mas fraquinha.
Agora a sério. Do alto do pedestal em que o servilismo pátrio os coloca, não admira que os senhores doutores vejam uma data de ingénuos dispostos a acreditar em tudo. O mais preocupante, porém, é que alguns dos senhores doutores também parecem engolir as patranhas que difundem, incluindo a de que agem por generosidade em vez do típico, e até certo ponto compreensível, interesse corporativo. A confirmar-se, no SNS não são só os "utentes" que precisam de tratamento.
(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Justiça e igualdade
.
Justiça e igualdade
por João César das Neves
Hoje
O Tribunal Constitucional proibiu o corte do 13.º mês e do subsídio de férias aos funcionários e pensionistas, peça central do programa de austeridade. Esta decisão, gravemente errada, até pode ser benéfica.
Os meritíssimos juízes, no Acórdão n.º 353/12 sobre os artigos 21.º e 25.º da Lei n.º 64-B/2011 de 30/12 (OE de 2012), trataram de matéria jurídica, que conhecem melhor que ninguém. Mas economicamente dizem uma tolice e cometem enorme injustiça. O principal argumento invocado é a violação do princípio da igualdade (II B, III B). Ora, como diz o próprio acórdão, "o princípio da igualdade determina que se trate de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente na medida da diferença" (II 12). Mas os funcionários públicos e pensionistas não estão em situação de igualdade com os outros trabalhadores.
Primeiro, enquanto os salários dos sectores produtivos são pagos com produto do seu trabalho, os dos funcionários e pensionistas são pagos pelos impostos dos primeiros. Tudo o que consumimos vem exclusivamente do nosso produto nacional, obtido apenas nas empresas. Os serviços públicos, até os válidos e úteis, são alimentados com a colecta fiscal sobre esse produto. Isso, não só mostra que invocar a igualdade não faz sentido, mas até recomenda prudência, pois se o tal princípio mal aplicado estrangular fiscalmente as empresas, desaparece o valor que nos alimenta a todos.
Em segundo lugar, quando se fala em igualdade é preciso considerar a totalidade dos sacrifícios, não apenas parte. Ao longo dos últimos anos (a crise começou em 2008, senão logo em 2001) as empresas privadas têm sofrido múltiplas reduções de salários e regalias, ou até a sua eliminação total, por falência ou despedimento. A crise foi causada por erros públicos e privados, mas as empresas há muito pagaram os seus, enquanto a administração assistia impávida e até complicava. Entre os 820 mil desempregados não existe um único funcionário público ou pensionista. Em tudo isso o Tribunal nunca invocou a tal igualdade. Agora quando o sector público é finalmente chamado a partilhar os sofrimentos, vêm os juízes, que também são funcionários, falar em violação do princípio da igualdade. Podem saber muito de Constituição, mas não se preocupam com a mais elementar justiça.
Apesar das falácias e erros, o Acórdão tem a possibilidade de ser positivo, se finalmente levar o Governo às medidas que resolveriam a crise. Porque o corte dos subsídios pouco contribui para tratar as nossas dificuldades. Trata-se de um expediente rápido, justificado apenas pela emergência em que o País se encontrava há um ano. O remédio foi súbito, mas apenas transitório, para dar tempo à solução duradoura.
Isto não é novidade. Aliás foi sucessivamente repetido, pois esta é a quarta emergência orçamental do século. Das três vezes anteriores, como agora, os sintomas foram tratados provisoriamente, para a doença ressurgir daí a tempos. Guterres em 2001, Barroso em 2003 e Sócrates em 2005, como Coelho em 2012, subiram impostos e reduziram salários públicos. Desta vez a dose é maior precisamente porque a coisa piora com o tempo.
A única cura, sempre anunciada e nunca realizada, viria de uma verdadeira reforma do Estado, com extinção de múltiplos serviços inúteis ou ociosos, redução drástica de outros e adopção de uma atitude geral de parcimónia e respeito pelo dinheiro dos contribuintes. Como as empresas fizeram já, a nossa máquina pública tem de aprender a viver com o que temos, curando a sua toxicodependência do crédito externo. Numa palavra, o contrário da posição dos últimos anos, que nos trouxe à crise.
Se esta decisão do Tribunal obrigasse o Governo a enfrentar a realidade, então o Acórdão n.º 353/12 seria um momento decisivo do complexo processo que nos levará a novo surto de desenvolvimento. Só há dois problemas: a baixa probabilidade de os ministros terem força e coragem para as tão necessárias reformas e a alta probabilidade de elas serem declaradas inconstitucionais pelos meritíssimos juízes.
naohaalmocosgratis@ucp.pt
(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.)
In DN
Justiça e igualdade
por João César das Neves
Hoje
O Tribunal Constitucional proibiu o corte do 13.º mês e do subsídio de férias aos funcionários e pensionistas, peça central do programa de austeridade. Esta decisão, gravemente errada, até pode ser benéfica.
Os meritíssimos juízes, no Acórdão n.º 353/12 sobre os artigos 21.º e 25.º da Lei n.º 64-B/2011 de 30/12 (OE de 2012), trataram de matéria jurídica, que conhecem melhor que ninguém. Mas economicamente dizem uma tolice e cometem enorme injustiça. O principal argumento invocado é a violação do princípio da igualdade (II B, III B). Ora, como diz o próprio acórdão, "o princípio da igualdade determina que se trate de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente na medida da diferença" (II 12). Mas os funcionários públicos e pensionistas não estão em situação de igualdade com os outros trabalhadores.
Primeiro, enquanto os salários dos sectores produtivos são pagos com produto do seu trabalho, os dos funcionários e pensionistas são pagos pelos impostos dos primeiros. Tudo o que consumimos vem exclusivamente do nosso produto nacional, obtido apenas nas empresas. Os serviços públicos, até os válidos e úteis, são alimentados com a colecta fiscal sobre esse produto. Isso, não só mostra que invocar a igualdade não faz sentido, mas até recomenda prudência, pois se o tal princípio mal aplicado estrangular fiscalmente as empresas, desaparece o valor que nos alimenta a todos.
Em segundo lugar, quando se fala em igualdade é preciso considerar a totalidade dos sacrifícios, não apenas parte. Ao longo dos últimos anos (a crise começou em 2008, senão logo em 2001) as empresas privadas têm sofrido múltiplas reduções de salários e regalias, ou até a sua eliminação total, por falência ou despedimento. A crise foi causada por erros públicos e privados, mas as empresas há muito pagaram os seus, enquanto a administração assistia impávida e até complicava. Entre os 820 mil desempregados não existe um único funcionário público ou pensionista. Em tudo isso o Tribunal nunca invocou a tal igualdade. Agora quando o sector público é finalmente chamado a partilhar os sofrimentos, vêm os juízes, que também são funcionários, falar em violação do princípio da igualdade. Podem saber muito de Constituição, mas não se preocupam com a mais elementar justiça.
Apesar das falácias e erros, o Acórdão tem a possibilidade de ser positivo, se finalmente levar o Governo às medidas que resolveriam a crise. Porque o corte dos subsídios pouco contribui para tratar as nossas dificuldades. Trata-se de um expediente rápido, justificado apenas pela emergência em que o País se encontrava há um ano. O remédio foi súbito, mas apenas transitório, para dar tempo à solução duradoura.
Isto não é novidade. Aliás foi sucessivamente repetido, pois esta é a quarta emergência orçamental do século. Das três vezes anteriores, como agora, os sintomas foram tratados provisoriamente, para a doença ressurgir daí a tempos. Guterres em 2001, Barroso em 2003 e Sócrates em 2005, como Coelho em 2012, subiram impostos e reduziram salários públicos. Desta vez a dose é maior precisamente porque a coisa piora com o tempo.
A única cura, sempre anunciada e nunca realizada, viria de uma verdadeira reforma do Estado, com extinção de múltiplos serviços inúteis ou ociosos, redução drástica de outros e adopção de uma atitude geral de parcimónia e respeito pelo dinheiro dos contribuintes. Como as empresas fizeram já, a nossa máquina pública tem de aprender a viver com o que temos, curando a sua toxicodependência do crédito externo. Numa palavra, o contrário da posição dos últimos anos, que nos trouxe à crise.
Se esta decisão do Tribunal obrigasse o Governo a enfrentar a realidade, então o Acórdão n.º 353/12 seria um momento decisivo do complexo processo que nos levará a novo surto de desenvolvimento. Só há dois problemas: a baixa probabilidade de os ministros terem força e coragem para as tão necessárias reformas e a alta probabilidade de elas serem declaradas inconstitucionais pelos meritíssimos juízes.
naohaalmocosgratis@ucp.pt
(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.)
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Embustes
.
Embustes
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
1Infelizmente, e para mal da democracia, o cidadão não acha particularmente grave que um político minta perante os seus representantes, como o Ministro dos Assuntos Parlamentares mentiu. Também para mal da comunidade, parece que o eleitor acha que jornalistas e políticos são todos areia do mesmo saco e não liga grande coisa a histórias de pressões e chantagens, como a célebre história entre o Ministro para a Comunicação Social e os jornalistas do Público.
Por maioria de razão seria normal que a questão da turbo-licenciatura de Miguel Relvas não incomodasse por aí além os portugueses. O facto da licenciatura de Miguel Relvas ter sido obtida da maneira que já todos conhecemos, e que nem vale a pena adjectivar, faz dele pior Ministro? Claro que não. Mas acontece que esta questão incomoda, e muito os portugueses. Se nao fosse assim, por que diabo assistiríamos a um autêntico levantamento popular contra Relvas como o que está a acontecer?
O argumento de que este Governo baseia grande parte do seu discurso no rigor e na exigência, que o Primeiro-Ministro trouxe a história do "piegas" a propósito da necessidade de esforço dos estudantes, que numa altura em que os pais fazem sacrifícios terríveis para pagar as propinas aos filhos alguém faz quatro exames e sai dr, pode explicar muita coisa, mas não parece que estas sejam as razões fundamentais para o profundo mal estar.
O ponto de viragem deu-se quando a opinião pública reconheceu em Relvas tudo o que a faz desconfiar, na esmagadora maioria das vezes injustamente, dos políticos. A sensação de que têm privilégios que não são justificáveis, que não estão expostos aos sacrifícios como os demais cidadãos, que têm uns amigos que resolvem o que quer que seja, que até um título de dr conseguem obter sem se aborrecerem. No fundo, que os políticos não vivem no mesmo mundo do cidadão comum.
O pior, no caso da turbo licenciatura, não é o reconhecimento de que há escolas que precisam de agradar a políticos que depois farão uns agrados a essas mesmas escolas pondo em causa o esforço de todos os seus estudantes. Não é termos um Ministro provinciano que acha que o dr lhe confere gravitas. Nem é desconfiarmos que Relvas e Passos Coelho são afinal um só e que não tarda alguém chamará Miguel Passos ou Pedro Relvas aos dois senhores. Não é sequer vermos um partido com a importância do PSD agachado perante o pior da máquina partidária. É sim a terrível contribuição que este caso traz para a ainda maior descredibilização da classe política. Nesta fase da nossa história poucas coisas podiam ser piores.
2É do conhecimento geral que as avaliações da Troi-ka à execução do memorando de entendimento têm sido boas. Durante a passada semana o FMI voltou a dizer que tudo corre ás mil maravilhas.
Se bem percebemos, por todos os dados disponíveis, as receitas fiscais diminuíram quando deviam ter crescido, o desemprego subiu para níveis inimagináveis, o financiamento à economia praticamente não existe, as rendas das parcerias público-privadas continuam na mesma e de reformas estruturais, fora a lei das rendas, rigorosamente nada. O défice, esse farol de toda a actividade governamental, esse compromisso que, segundo o Governo, obrigou a medidas que arrasaram por completo a economia, esse desígnio nacional a que tudo tinha de ser sacrificado e que foi anunciado como factor fundamental de avaliação do comportamento do Governo vai ser largamente excedido. O que diz a Troika? Está tudo óptimo! Uma implementação notável, disse o homem do FMI.
Temos, também, um discurso, digamos, curioso: o que diz que como fizemos tudo bem agora "merecemos" ser ajudados. Mas, onde estão as coisas bem feitas que ninguém as vê? Se estivesse a correr mal devíamos ser castigados? É assim, não é? Fizemos tudo bem e os números são os que conhecemos. O que seria correr mal?
A verdade é que estamos perante um gigantesco embuste. A Troika sabe que também errou em toda a linha. Sabe, e não é de agora, que o plano que negociou com os representantes do Governo de então, com o PSD e CDS não está a correr bem e não resultará, muito pelo contrário. A razão para a Troika dizer que está tudo bem, quando todos sabemos que está a correr tudo mal, é simplicíssima: a Troika entrou em modo auto-justificativo. No fundo, a Troika sabe que o falhanço governativo é também o seu próprio falhanço. Sabe que o falhanço do seu aluno dilecto, do bom aluno, é o falhanço de toda uma estratégia, é resultado dum equívoco sobre as origens da crise e da maneira de a resolver.
Não, quase nada está a correr bem, a Troika sabe-o melhor que ninguém.
In DN
Embustes
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
1Infelizmente, e para mal da democracia, o cidadão não acha particularmente grave que um político minta perante os seus representantes, como o Ministro dos Assuntos Parlamentares mentiu. Também para mal da comunidade, parece que o eleitor acha que jornalistas e políticos são todos areia do mesmo saco e não liga grande coisa a histórias de pressões e chantagens, como a célebre história entre o Ministro para a Comunicação Social e os jornalistas do Público.
Por maioria de razão seria normal que a questão da turbo-licenciatura de Miguel Relvas não incomodasse por aí além os portugueses. O facto da licenciatura de Miguel Relvas ter sido obtida da maneira que já todos conhecemos, e que nem vale a pena adjectivar, faz dele pior Ministro? Claro que não. Mas acontece que esta questão incomoda, e muito os portugueses. Se nao fosse assim, por que diabo assistiríamos a um autêntico levantamento popular contra Relvas como o que está a acontecer?
O argumento de que este Governo baseia grande parte do seu discurso no rigor e na exigência, que o Primeiro-Ministro trouxe a história do "piegas" a propósito da necessidade de esforço dos estudantes, que numa altura em que os pais fazem sacrifícios terríveis para pagar as propinas aos filhos alguém faz quatro exames e sai dr, pode explicar muita coisa, mas não parece que estas sejam as razões fundamentais para o profundo mal estar.
O ponto de viragem deu-se quando a opinião pública reconheceu em Relvas tudo o que a faz desconfiar, na esmagadora maioria das vezes injustamente, dos políticos. A sensação de que têm privilégios que não são justificáveis, que não estão expostos aos sacrifícios como os demais cidadãos, que têm uns amigos que resolvem o que quer que seja, que até um título de dr conseguem obter sem se aborrecerem. No fundo, que os políticos não vivem no mesmo mundo do cidadão comum.
O pior, no caso da turbo licenciatura, não é o reconhecimento de que há escolas que precisam de agradar a políticos que depois farão uns agrados a essas mesmas escolas pondo em causa o esforço de todos os seus estudantes. Não é termos um Ministro provinciano que acha que o dr lhe confere gravitas. Nem é desconfiarmos que Relvas e Passos Coelho são afinal um só e que não tarda alguém chamará Miguel Passos ou Pedro Relvas aos dois senhores. Não é sequer vermos um partido com a importância do PSD agachado perante o pior da máquina partidária. É sim a terrível contribuição que este caso traz para a ainda maior descredibilização da classe política. Nesta fase da nossa história poucas coisas podiam ser piores.
2É do conhecimento geral que as avaliações da Troi-ka à execução do memorando de entendimento têm sido boas. Durante a passada semana o FMI voltou a dizer que tudo corre ás mil maravilhas.
Se bem percebemos, por todos os dados disponíveis, as receitas fiscais diminuíram quando deviam ter crescido, o desemprego subiu para níveis inimagináveis, o financiamento à economia praticamente não existe, as rendas das parcerias público-privadas continuam na mesma e de reformas estruturais, fora a lei das rendas, rigorosamente nada. O défice, esse farol de toda a actividade governamental, esse compromisso que, segundo o Governo, obrigou a medidas que arrasaram por completo a economia, esse desígnio nacional a que tudo tinha de ser sacrificado e que foi anunciado como factor fundamental de avaliação do comportamento do Governo vai ser largamente excedido. O que diz a Troika? Está tudo óptimo! Uma implementação notável, disse o homem do FMI.
Temos, também, um discurso, digamos, curioso: o que diz que como fizemos tudo bem agora "merecemos" ser ajudados. Mas, onde estão as coisas bem feitas que ninguém as vê? Se estivesse a correr mal devíamos ser castigados? É assim, não é? Fizemos tudo bem e os números são os que conhecemos. O que seria correr mal?
A verdade é que estamos perante um gigantesco embuste. A Troika sabe que também errou em toda a linha. Sabe, e não é de agora, que o plano que negociou com os representantes do Governo de então, com o PSD e CDS não está a correr bem e não resultará, muito pelo contrário. A razão para a Troika dizer que está tudo bem, quando todos sabemos que está a correr tudo mal, é simplicíssima: a Troika entrou em modo auto-justificativo. No fundo, a Troika sabe que o falhanço governativo é também o seu próprio falhanço. Sabe que o falhanço do seu aluno dilecto, do bom aluno, é o falhanço de toda uma estratégia, é resultado dum equívoco sobre as origens da crise e da maneira de a resolver.
Não, quase nada está a correr bem, a Troika sabe-o melhor que ninguém.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Uma sociedade pouco secreta
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Uma sociedade pouco secreta
por ALBERTO GONÇALVES
Hoje
Curioso. Meio mundo tem uma opinião sobre os privilégios académicos de Miguel Relvas, mas quase ninguém menciona o fundamento desses privilégios. E nem é necessário grande capacidade dedutiva. O "dr." Relvas é maçon, variante Grande Loja do Oriente Lusitano. O presidente da Lusófona também é maçon, e também membro da mesma "loja". Em 2006, ano da matrícula do "dr." Relvas naquela universidade, ambos já eram "irmãos" na sociedade que se desejaria secreta.
Percebe-se o secretismo: fica bem a um homem adulto o pudor em revelar que, nas horas livres, gosta de vestir aventais e cair na brincadeira. Mas perceber não é sinónimo de aceitar. O "caso" Relvas, explorado até à exaustão devido à antipatia natural que o protagonista suscita e, palpita-me, à respectiva área ideológica, é apenas um fragmento de um "caso" muito mais vasto chamado maçonaria.
Não pretendo dizer que a maçonaria é tema ausente do noticiário caseiro. De vez em quando, o bando obtém honras de manchete e debate graças a um pequeno escândalo, conforme há meia dúzia de meses aconteceu com a divulgação de segredos de Estado numa história que envolvia o entretanto lendário Jorge Silva Carvalho, ex-director do SIED, sócio da "loja" Mozart e - o mundo é pequeno - correspondente por sms do "dr." Relvas.
O problema é que, à semelhança de inúmeras desgraças pátrias, a maçonaria ocasionalmente irrompe em força nos "media", fomenta discussões apaixonadas, produz gritos indignados e, após uns dias em que se jura que nada voltará ao que era, tudo permanece intacto. E "tudo" não é força de expressão: as personagens, os cargos, as trocas, os favores, os interesses, as ilicitudes, as trafulhices, etc. Quem acha que o país está óptimo como está deve dar os parabéns à maçonaria, que em larga medida os merece. Quem acha o contrário, deve dar à maçonaria outra coisa qualquer. Talvez uma ordem de despejo.
Não sou apreciador de proibições. Porém, não faltam por aí entusiastas. Do sal ao açúcar, do tabaco às emissões de dióxido de carbono ataca-se diária e galhardamente as chagas sociais sem nunca beliscar a maior delas: porque é que não se erradica a maçonaria? Numa época em que a crise encerra tantas lojas inocentes, algumas não deixariam saudades. No mínimo, tomava-se à letra a inclinação da seita pela privacidade e impedia-se aos seus devotos o desempenho de funções públicas. Alegadamente, os maçons não querem ser conhecidos. Comprovadamente, nós só ganhamos em desconhecê-los.
Quarta-feira, 18 de Julho
Da discriminação na América
Imagine-se uma minoria cujos membros foram historicamente perseguidos a pretexto das suas preferências sexuais. Imagine-se que à discriminação activa se acrescentava com frequência as purgas, as prisões arbitrárias, os julgamentos sumários, a tortura e, não raras vezes, a morte. Imagine-se que, pela força da lei e do terror, os indivíduos em causa abandonaram os hábitos que os distinguiam ou passaram a praticá-los em segredo. Imagine-se que, assim subjugada ou dissimulada, essa minoria apesar de tudo resiste na América dos nossos dias. Imagine-se que uma parte da América dos nossos dias acha natural que, além de oprimir por via legislativa os comportamentos da minoria, se enxovalhe em público os comportamentos de que a dita minoria abdicou ou simula abdicar. Imagine-se que a parte da América em questão é, teórica e ironicamente, a mais progressista.
Imagine-se agora que nada disto depende da imaginação, que a minoria referida são os mórmons e que, graças à candidatura presidencial de Mitt Romney, gozar com a seita é preconceito indispensável aos activistas contra o preconceito. Recentemente, coube à comediante Wanda Sykes, conhecida pela série "Curb Your Enthusiasm" e pela absoluta falta de graça, parodiar a poligamia que Romney, ao que se sabe, nunca praticou. A sra. Sykes, preta e homossexual, achincalha as características e costumes que não possui, mas desconfio que não gostaria de ver as suas características e costumes achincalhados por outrem. A discriminação está apenas nos olhos de quem a vê - e de quem vota em Barack Obama, claro, os únicos habilitados a distinguir os estigmas pérfidos dos estigmas engraçados.
É também claro que a sra. Dykes, perdão, Sykes não passa de um mero exemplo. Quando não satirizam George W. Bush, o anterior presidente, incontáveis vedetas de Hollywood passaram a divertir-se com um presidente eventual. No presidente de facto é poucos se atrevem a tocar, sob pena de exílio nas franjas do sistema ou o puro desemprego, os castigos reservados pelos guardiães da tolerância àqueles que não toleram. Se a indústria do espectáculo é um sintoma desta América "racista", o sr. Obama, funcionário público simpático e talvez perigoso, é o seu símbolo maior. É discutível que Romney mereça chegar à Casa Branca. Por isto e por aquilo, é recomendável que o sr. Obama a deixe.
Sexta-feira, 20 de Julho
Se não dermos conta do Estado "social", o Estado "social" dará conta de nós
Em nome da "igualdade", o Tribunal Constitucional vetou a supressão dos subsídios de férias e Natal dos funcionários públicos (ainda que não tenha vetado, em nome do mesmo princípio, a média salarial do sector). Confrontado com isto, Pedro Passos Coelho percebeu num ápice a oportunidade de aplicar um imposto aos subsídios de quem trabalha no "privado". Valeu-nos, momentaneamente, a "troika": o chefe de missão local do FMI, por exemplo, explicou que as medidas "compensatórias" devem vir do lado da despesa e não da receita. Mas nem a "troika" nos vale, já que o Governo, como todos os governos, decidiu então reduzir a única despesa que não cessa de encolher: a nossa. Se não fica bem inventar novos impostos, espremem-se os velhos.
O truque, aliás habitual, chega tipicamente disfarçado de "combate à evasão fiscal". Desde tempos imemoriais, ou há cerca de uma década, que os governos da pátria combatem essa entidade maligna, sob o argumento de que se os contribuintes em falta pagarem o que devem, os contribuintes ordeiros pagarão menos. Você paga menos? Eu, que mantenho as minhas relações com o fisco num rigor próximo do masoquismo, não pago menos. Pelo contrário. Muito pelo contrário.
Em artigo no "Jornal de Negócios", Camilo Lourenço lembra o óbvio: quanto mais o Estado arrecada, mais gasta. Por diferentes palavras, a "justiça fiscal" não passa de propaganda, por definição destinada a enfeitar o abuso que constitui o modus operandi das quadrilhas, perdão, dos senhores que nos tutelam. É por isso que embora em teoria ofenda ver os representantes da hotelaria e restauração prometerem revoltar-se contra a anunciada obrigatoriedade da "facturinha", na prática a atitude consola.
No contexto actual, não existe nenhuma razão que legitime a transferência, até ao último cêntimo possível, do dinheiro ganho pelo proprietário de um café para um Estado calão e trapaceiro. Mesmo que o primeiro esbanje irresponsavelmente o que lhe pertence, o segundo arranjará sempre maneira de esbanjar pior o que retira aos outros. Chegámos assim ao ponto em que um Estado indigente é capaz de ser a única hipótese para termos um país remediado, na economia e na moral. Por azar, a hipótese é remota.
Sábado, 21 de Julho
Uma coisa em forma de país
A cada ano, a ASAE custa directamente ao Estado 21 milhões de euros, sem falar no prejuízo indirecto para o Estado e para os cidadãos resultante das empresas que essa prestimosa entidade faliu ou ajudou a falir. Fechar a própria ASAE seria, então, uma medida relevante no corte da despesa a que o Governo se comprometeu. Em vez disso, o Governo mantém a ASAE e acrescenta-lhe o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar (FUSSA?), uma curiosa metástase daquela e um pretexto para aplicar nova taxa às lojas com mais de dois mil metros quadrados que vendam comida. Naturalmente, o preço final do saque cairá em cima dos consumidores, que se dividem entre os que aplaudem os redobrados cuidados estatais com o seu bem-estar e os que já começam a achar preferível entregar o salário aos carteiristas do Metro. Uns merecem pagar tudo; os outros merecem pena. Ainda que não tanta pena quanto a suscitada pelos contribuintes do norte e centro europeus, os quais, a bem ou, crescentemente, a mal, patrocinam a reforma desta fatalidade irreformável a que se teima chamar um país.
In DN
Uma sociedade pouco secreta
por ALBERTO GONÇALVES
Hoje
Curioso. Meio mundo tem uma opinião sobre os privilégios académicos de Miguel Relvas, mas quase ninguém menciona o fundamento desses privilégios. E nem é necessário grande capacidade dedutiva. O "dr." Relvas é maçon, variante Grande Loja do Oriente Lusitano. O presidente da Lusófona também é maçon, e também membro da mesma "loja". Em 2006, ano da matrícula do "dr." Relvas naquela universidade, ambos já eram "irmãos" na sociedade que se desejaria secreta.
Percebe-se o secretismo: fica bem a um homem adulto o pudor em revelar que, nas horas livres, gosta de vestir aventais e cair na brincadeira. Mas perceber não é sinónimo de aceitar. O "caso" Relvas, explorado até à exaustão devido à antipatia natural que o protagonista suscita e, palpita-me, à respectiva área ideológica, é apenas um fragmento de um "caso" muito mais vasto chamado maçonaria.
Não pretendo dizer que a maçonaria é tema ausente do noticiário caseiro. De vez em quando, o bando obtém honras de manchete e debate graças a um pequeno escândalo, conforme há meia dúzia de meses aconteceu com a divulgação de segredos de Estado numa história que envolvia o entretanto lendário Jorge Silva Carvalho, ex-director do SIED, sócio da "loja" Mozart e - o mundo é pequeno - correspondente por sms do "dr." Relvas.
O problema é que, à semelhança de inúmeras desgraças pátrias, a maçonaria ocasionalmente irrompe em força nos "media", fomenta discussões apaixonadas, produz gritos indignados e, após uns dias em que se jura que nada voltará ao que era, tudo permanece intacto. E "tudo" não é força de expressão: as personagens, os cargos, as trocas, os favores, os interesses, as ilicitudes, as trafulhices, etc. Quem acha que o país está óptimo como está deve dar os parabéns à maçonaria, que em larga medida os merece. Quem acha o contrário, deve dar à maçonaria outra coisa qualquer. Talvez uma ordem de despejo.
Não sou apreciador de proibições. Porém, não faltam por aí entusiastas. Do sal ao açúcar, do tabaco às emissões de dióxido de carbono ataca-se diária e galhardamente as chagas sociais sem nunca beliscar a maior delas: porque é que não se erradica a maçonaria? Numa época em que a crise encerra tantas lojas inocentes, algumas não deixariam saudades. No mínimo, tomava-se à letra a inclinação da seita pela privacidade e impedia-se aos seus devotos o desempenho de funções públicas. Alegadamente, os maçons não querem ser conhecidos. Comprovadamente, nós só ganhamos em desconhecê-los.
Quarta-feira, 18 de Julho
Da discriminação na América
Imagine-se uma minoria cujos membros foram historicamente perseguidos a pretexto das suas preferências sexuais. Imagine-se que à discriminação activa se acrescentava com frequência as purgas, as prisões arbitrárias, os julgamentos sumários, a tortura e, não raras vezes, a morte. Imagine-se que, pela força da lei e do terror, os indivíduos em causa abandonaram os hábitos que os distinguiam ou passaram a praticá-los em segredo. Imagine-se que, assim subjugada ou dissimulada, essa minoria apesar de tudo resiste na América dos nossos dias. Imagine-se que uma parte da América dos nossos dias acha natural que, além de oprimir por via legislativa os comportamentos da minoria, se enxovalhe em público os comportamentos de que a dita minoria abdicou ou simula abdicar. Imagine-se que a parte da América em questão é, teórica e ironicamente, a mais progressista.
Imagine-se agora que nada disto depende da imaginação, que a minoria referida são os mórmons e que, graças à candidatura presidencial de Mitt Romney, gozar com a seita é preconceito indispensável aos activistas contra o preconceito. Recentemente, coube à comediante Wanda Sykes, conhecida pela série "Curb Your Enthusiasm" e pela absoluta falta de graça, parodiar a poligamia que Romney, ao que se sabe, nunca praticou. A sra. Sykes, preta e homossexual, achincalha as características e costumes que não possui, mas desconfio que não gostaria de ver as suas características e costumes achincalhados por outrem. A discriminação está apenas nos olhos de quem a vê - e de quem vota em Barack Obama, claro, os únicos habilitados a distinguir os estigmas pérfidos dos estigmas engraçados.
É também claro que a sra. Dykes, perdão, Sykes não passa de um mero exemplo. Quando não satirizam George W. Bush, o anterior presidente, incontáveis vedetas de Hollywood passaram a divertir-se com um presidente eventual. No presidente de facto é poucos se atrevem a tocar, sob pena de exílio nas franjas do sistema ou o puro desemprego, os castigos reservados pelos guardiães da tolerância àqueles que não toleram. Se a indústria do espectáculo é um sintoma desta América "racista", o sr. Obama, funcionário público simpático e talvez perigoso, é o seu símbolo maior. É discutível que Romney mereça chegar à Casa Branca. Por isto e por aquilo, é recomendável que o sr. Obama a deixe.
Sexta-feira, 20 de Julho
Se não dermos conta do Estado "social", o Estado "social" dará conta de nós
Em nome da "igualdade", o Tribunal Constitucional vetou a supressão dos subsídios de férias e Natal dos funcionários públicos (ainda que não tenha vetado, em nome do mesmo princípio, a média salarial do sector). Confrontado com isto, Pedro Passos Coelho percebeu num ápice a oportunidade de aplicar um imposto aos subsídios de quem trabalha no "privado". Valeu-nos, momentaneamente, a "troika": o chefe de missão local do FMI, por exemplo, explicou que as medidas "compensatórias" devem vir do lado da despesa e não da receita. Mas nem a "troika" nos vale, já que o Governo, como todos os governos, decidiu então reduzir a única despesa que não cessa de encolher: a nossa. Se não fica bem inventar novos impostos, espremem-se os velhos.
O truque, aliás habitual, chega tipicamente disfarçado de "combate à evasão fiscal". Desde tempos imemoriais, ou há cerca de uma década, que os governos da pátria combatem essa entidade maligna, sob o argumento de que se os contribuintes em falta pagarem o que devem, os contribuintes ordeiros pagarão menos. Você paga menos? Eu, que mantenho as minhas relações com o fisco num rigor próximo do masoquismo, não pago menos. Pelo contrário. Muito pelo contrário.
Em artigo no "Jornal de Negócios", Camilo Lourenço lembra o óbvio: quanto mais o Estado arrecada, mais gasta. Por diferentes palavras, a "justiça fiscal" não passa de propaganda, por definição destinada a enfeitar o abuso que constitui o modus operandi das quadrilhas, perdão, dos senhores que nos tutelam. É por isso que embora em teoria ofenda ver os representantes da hotelaria e restauração prometerem revoltar-se contra a anunciada obrigatoriedade da "facturinha", na prática a atitude consola.
No contexto actual, não existe nenhuma razão que legitime a transferência, até ao último cêntimo possível, do dinheiro ganho pelo proprietário de um café para um Estado calão e trapaceiro. Mesmo que o primeiro esbanje irresponsavelmente o que lhe pertence, o segundo arranjará sempre maneira de esbanjar pior o que retira aos outros. Chegámos assim ao ponto em que um Estado indigente é capaz de ser a única hipótese para termos um país remediado, na economia e na moral. Por azar, a hipótese é remota.
Sábado, 21 de Julho
Uma coisa em forma de país
A cada ano, a ASAE custa directamente ao Estado 21 milhões de euros, sem falar no prejuízo indirecto para o Estado e para os cidadãos resultante das empresas que essa prestimosa entidade faliu ou ajudou a falir. Fechar a própria ASAE seria, então, uma medida relevante no corte da despesa a que o Governo se comprometeu. Em vez disso, o Governo mantém a ASAE e acrescenta-lhe o Fundo Sanitário e de Segurança Alimentar (FUSSA?), uma curiosa metástase daquela e um pretexto para aplicar nova taxa às lojas com mais de dois mil metros quadrados que vendam comida. Naturalmente, o preço final do saque cairá em cima dos consumidores, que se dividem entre os que aplaudem os redobrados cuidados estatais com o seu bem-estar e os que já começam a achar preferível entregar o salário aos carteiristas do Metro. Uns merecem pagar tudo; os outros merecem pena. Ainda que não tanta pena quanto a suscitada pelos contribuintes do norte e centro europeus, os quais, a bem ou, crescentemente, a mal, patrocinam a reforma desta fatalidade irreformável a que se teima chamar um país.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Cavaco quer mais tempo
.
Cavaco quer mais tempo
por PAULO BALDAIA
Hoje
Quem leu o título ("Mais tempo para quê?") da entrevista a Cavaco Silva poderá ficar a pensar que o Presidente da República não quer mais tempo para cumprir as metas impostas pelo memorando da troika, mas o que Cavaco diz ao Sol não é bem isso. O que o Presidente defende é que o valor absoluto do défice para cada ano fiscal é o menos importante do nosso programa de ajustamento. Ou seja, para atingir a meta de 3% de défice, Cavaco já percebeu que temos de ter mais tempo.
Tentativa e erro são essenciais para o desenvolvimento da economia, e o que o Presidente parece agora admitir, embora não desenvolva muito o tema, é que o sacrossanto valor do défice orçamental afinal é um empecilho. Pelo menos em situações de crise grave como a que vivemos, Cavaco considera que "é mais correcto olhar para as políticas, em vez de concentrar a atenção numa variável [défice] que os governos não controlam directamente". É uma segunda versão do "há vida para lá do défice".
Nesta visão que Cavaco tem do nosso programa de ajustamento, até parece que não há um compromisso assumido pelo Estado português para ter um défice de 4,5% do PIB este ano e de 3% no próximo ano. Ele sabe que existe este compromisso, mas considera que é um erro. "Aliás, a nossa experiência prova-o: os governos preveem um valor para o défice e, a posteriori, esse valor é bastante diferente", acrescenta o Presidente, como quem enxuta mosca chata. Fica tudo muito claro quando começa por dizer que "o défice é uma variável endógena. Os governos não controlam o seu valor exacto."
Cavaco, na verdade, o que não quer é prazos com metas fixas para o défice. Ele entende que é preciso controlá-lo, mas sabe que o mais importante há para fazer são as reformas estruturais que "aumentem a competitividade da economia portuguesa". Aqui não pode haver mais tempo para as concretizar, nalguns casos até estamos atrasados. Atrasados décadas em relação ao mundo em que vivemos, mas também de certa maneira em relação aos compromissos que assumimos com a troika.
O Presidente diz que é preciso "tentar encontrar políticas que, garantindo a sustentabilidade das finanças públicas, sejam equitativas e minimizem o efeito sobre a economia, isto é, sejam menos recessivas". Cavaco não quer, portanto, mais impostos ou mais cortes cegos na despesa, e sem mais austeridade não será possível atingir os 4,5% de défice este ano e 3% no próximo ano. A verdade é que já toda a gente sabe que com mais austeridade essas metas também não serão atingidas. Como não há maneira de ir buscar mais cinco ou seis mil milhões de euros no próximo ano, a única solução é cumprir a meta dos 3% em 2014 ou mesmo 2015.
In DN
Cavaco quer mais tempo
por PAULO BALDAIA
Hoje
Quem leu o título ("Mais tempo para quê?") da entrevista a Cavaco Silva poderá ficar a pensar que o Presidente da República não quer mais tempo para cumprir as metas impostas pelo memorando da troika, mas o que Cavaco diz ao Sol não é bem isso. O que o Presidente defende é que o valor absoluto do défice para cada ano fiscal é o menos importante do nosso programa de ajustamento. Ou seja, para atingir a meta de 3% de défice, Cavaco já percebeu que temos de ter mais tempo.
Tentativa e erro são essenciais para o desenvolvimento da economia, e o que o Presidente parece agora admitir, embora não desenvolva muito o tema, é que o sacrossanto valor do défice orçamental afinal é um empecilho. Pelo menos em situações de crise grave como a que vivemos, Cavaco considera que "é mais correcto olhar para as políticas, em vez de concentrar a atenção numa variável [défice] que os governos não controlam directamente". É uma segunda versão do "há vida para lá do défice".
Nesta visão que Cavaco tem do nosso programa de ajustamento, até parece que não há um compromisso assumido pelo Estado português para ter um défice de 4,5% do PIB este ano e de 3% no próximo ano. Ele sabe que existe este compromisso, mas considera que é um erro. "Aliás, a nossa experiência prova-o: os governos preveem um valor para o défice e, a posteriori, esse valor é bastante diferente", acrescenta o Presidente, como quem enxuta mosca chata. Fica tudo muito claro quando começa por dizer que "o défice é uma variável endógena. Os governos não controlam o seu valor exacto."
Cavaco, na verdade, o que não quer é prazos com metas fixas para o défice. Ele entende que é preciso controlá-lo, mas sabe que o mais importante há para fazer são as reformas estruturais que "aumentem a competitividade da economia portuguesa". Aqui não pode haver mais tempo para as concretizar, nalguns casos até estamos atrasados. Atrasados décadas em relação ao mundo em que vivemos, mas também de certa maneira em relação aos compromissos que assumimos com a troika.
O Presidente diz que é preciso "tentar encontrar políticas que, garantindo a sustentabilidade das finanças públicas, sejam equitativas e minimizem o efeito sobre a economia, isto é, sejam menos recessivas". Cavaco não quer, portanto, mais impostos ou mais cortes cegos na despesa, e sem mais austeridade não será possível atingir os 4,5% de défice este ano e 3% no próximo ano. A verdade é que já toda a gente sabe que com mais austeridade essas metas também não serão atingidas. Como não há maneira de ir buscar mais cinco ou seis mil milhões de euros no próximo ano, a única solução é cumprir a meta dos 3% em 2014 ou mesmo 2015.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Esperar é a nossa sina
.
Esperar é a nossa sina
por BAPTISTA BASTOS
Hoje
As declarações dos ministros levam-nos a considerar que, antes da sua auspiciosa aparição, estava tudo errado. Na administração, na saúde, na educação, nas finanças, na gestão vulgar da res publica, a soma era um conjunto de erros grosseiros. Pedro Passos Coelho e os seus surgiram como virtuosos salvadores da pátria. Os "endireita o sítio", como se dizia daqueles iluminados, tidos como pouco místicos e nada existenciais, que actuavam de sarrafo e sem credo.
Será que os governantes que os antecederam eram gente sem talento, sem grandeza e desprovidos da mais leve centelha de competência? Com uma ligeireza que raia a mais vil malevolência, quando os adversários estão no poder são os piores que há, e eles, os que chegaram, irão melhorar consideravelmente as coisas e a nossa vida.
A verdade é que, ainda ontem, as notícias divulgadas (porque numerosas são as omitidas) dizem que o défice aumenta; vai haver manigâncias para novos aumentos de impostos; o número de desempregados atingirá níveis ainda mais preocupantes do que os de agora, e manter-se-ão os subsídios de férias e de Natal para um grupo seleccionado de inconfundíveis. O denominado "desenvolvimento consistente", apregoado por esta clique no poder, configura uma triste facécia, ainda por cima apoiada pelas frases amigas do dr. Cavaco. E a perspectiva de alteração não é de molde a regozijarmo-nos.
O conceito de Europa foi desagregado pelas debilidades da própria utopia. O poder dos mais fortes impôs-se, uma vez ainda, com punições e castigos (por exemplo à Grécia) que dissolvem qualquer esperança de reconstrução das ideias generosas dos fundadores. Melhorou tudo para os poderosos e piorou tudo para os mais fracos. O capitalismo venceu e robusteceu-se; perderam todos aqueles que, um tanto ingenuamente, pensavam ter alcançado um mundo equilibrado.
Os vencedores estão por todo o lado. Infiltraram-se nas empresas, nas companhias, no Estado. Estão nas faculdades, nas decisões, nos aparelhos ideológicos de comando. E, habitualmente, não são os melhores. Dir-se-á que sempre foi assim. Apenas presumíamos que, com a democracia, a sociedade melhoraria na forma e no conteúdo. O «homem novo» foi um embuste político, cultural e moral. Tudo piorou, até se chegar à degradação actual. Passos Coelho e o seu Governo são uma consequência directa, não um incidente à espera de acontecer. Fomos nós quem o permitiu. O voto comporta estas surpresas e estas contradições. Mas é o que há.
Não acredito, seriamente não acredito, que este Governo caia antes de tempo. Aliás, o PS não me parece muito interessado em antecipar a queda. A situação é tão grave, a estrutura social é tão preocupante, que aos socialistas resta esperar. Esperar quê? Que o tempo resolva o que, neste momento, os políticos não conseguem.
In DN
Esperar é a nossa sina
por BAPTISTA BASTOS
Hoje
As declarações dos ministros levam-nos a considerar que, antes da sua auspiciosa aparição, estava tudo errado. Na administração, na saúde, na educação, nas finanças, na gestão vulgar da res publica, a soma era um conjunto de erros grosseiros. Pedro Passos Coelho e os seus surgiram como virtuosos salvadores da pátria. Os "endireita o sítio", como se dizia daqueles iluminados, tidos como pouco místicos e nada existenciais, que actuavam de sarrafo e sem credo.
Será que os governantes que os antecederam eram gente sem talento, sem grandeza e desprovidos da mais leve centelha de competência? Com uma ligeireza que raia a mais vil malevolência, quando os adversários estão no poder são os piores que há, e eles, os que chegaram, irão melhorar consideravelmente as coisas e a nossa vida.
A verdade é que, ainda ontem, as notícias divulgadas (porque numerosas são as omitidas) dizem que o défice aumenta; vai haver manigâncias para novos aumentos de impostos; o número de desempregados atingirá níveis ainda mais preocupantes do que os de agora, e manter-se-ão os subsídios de férias e de Natal para um grupo seleccionado de inconfundíveis. O denominado "desenvolvimento consistente", apregoado por esta clique no poder, configura uma triste facécia, ainda por cima apoiada pelas frases amigas do dr. Cavaco. E a perspectiva de alteração não é de molde a regozijarmo-nos.
O conceito de Europa foi desagregado pelas debilidades da própria utopia. O poder dos mais fortes impôs-se, uma vez ainda, com punições e castigos (por exemplo à Grécia) que dissolvem qualquer esperança de reconstrução das ideias generosas dos fundadores. Melhorou tudo para os poderosos e piorou tudo para os mais fracos. O capitalismo venceu e robusteceu-se; perderam todos aqueles que, um tanto ingenuamente, pensavam ter alcançado um mundo equilibrado.
Os vencedores estão por todo o lado. Infiltraram-se nas empresas, nas companhias, no Estado. Estão nas faculdades, nas decisões, nos aparelhos ideológicos de comando. E, habitualmente, não são os melhores. Dir-se-á que sempre foi assim. Apenas presumíamos que, com a democracia, a sociedade melhoraria na forma e no conteúdo. O «homem novo» foi um embuste político, cultural e moral. Tudo piorou, até se chegar à degradação actual. Passos Coelho e o seu Governo são uma consequência directa, não um incidente à espera de acontecer. Fomos nós quem o permitiu. O voto comporta estas surpresas e estas contradições. Mas é o que há.
Não acredito, seriamente não acredito, que este Governo caia antes de tempo. Aliás, o PS não me parece muito interessado em antecipar a queda. A situação é tão grave, a estrutura social é tão preocupante, que aos socialistas resta esperar. Esperar quê? Que o tempo resolva o que, neste momento, os políticos não conseguem.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
O que é defensável e o que não tem defesa
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O que é defensável e o que não tem defesa
por Filomena Martins
Hoje
Os ordenados da RTP
O QUE É DEFENSÁVEL Não tenho nada contra, defendo-o mesmo, que os bons gestores sejam bem pagos. A competência e a qualificação devem ser recompensadas financeiramente, seja no setor privado seja no público. Foram, aliás, os salários e a progressão na carreira de acordo apenas com a antiguidade e não com o mérito que transformaram globalmente a função pública numa massa de trabalhadores indistintos, pouco ambiciosos, nivelados por baixo e cuja fama, muitas vezes injustamente, não abona a seu favor. Em relação à maioria, uma avaliação verdadeiramente rigorosa, que tarda a ser colocada em prática em vários sectores, pode resolver anos de erros sucessivos. Já no que respeita à remuneração dos administradores, o relatório divulgado quinta-feira pela OCDE sobre Portugal é claro: os peritos do Estado deviam ganhar mais e só isso atrairá para o sector público a mesma qualidade do privado. Mas ainda havia dúvidas?
O QUE NÃO TEM DEFESA Não sei se o presidente da RTP e o vogal a quem o Governo autorizou a exceção aos tetos salariais impostos pela crise ganham de acordo com a sua competência, mas quero acreditar que sim. Porque o que está em causa não é o profissionalismo dos visados, é somente mais esta exceção permitida pelo ministro das Finanças e o exemplo que ela encerra. Quando se criam regras para as chefias do Estado que sirvam de termo de comparação e referência para os restantes cortes aplicados aos cidadãos, elas têm de ser cumpridas à risca. Antes de as anunciar é que devem ser devidamente estudados os casos a aplicar a sectores concorrenciais. Fazê-lo à medida que as situações surgem e ao sabor dos ventos (que este verão não têm parado), só levanta suspeitas e dúvidas. Um Governo que vai privatizar um dos canais públicos porque diz que a RTP custa de mais aos contribuintes, que pede às estrelas da estação que baixem os salários e que diz que com esse dinheiro resolveria as graves dívidas do sector da saúde, não pode permitir que os administradores tenham ordenados de exceção. É uma questão de exemplo.
A palavra dos políticos
O QUE É DEFENSÁVEL Na política do burgo liga-se sempre mais à forma do que ao conteúdo. E os responsáveis dos maiores partidos em vez de cultivarem a arte da crítica em que deviam ser exímios, reduziram-na ao nível de uma tasca ao final da noite de sábado ou a uma conversa de taxistas à espera de passageiros no aeroporto. Entre as palavras difíceis e rebuscadas de Jorge Sampaio, que obrigavam os media a fazer textos de tradução e explicação, ao quase vernáculo da linguagem de dia a dia de Passos Coelho, que impôs análises de linguistas e politólogos, tanto me faz. Interessa-me o que dizem, não como o dizem. Quando o primeiro-ministro usa a expressão "que se lixem as eleições", o seu eco pode ser interpretado de várias formas. Um recado para o interior do partido, dizendo que não vai desviar-se do caminho traçado no Governo, independentemente dos atos eleitorais que aí vêm, regionais e autárquicos, que, sabemos todos, movem milhares de interesses partidários; ou o simples desespero de um político que sabe bem que só voltará a poder ir a eleições - e a dar continuidade à sua carreira - se os objetivos a que se propôs forem atingidos. Entre uma e outra leitura, pelo menos em ambas Passos mostra que coloca o País acima do partido. É um bom sinal, desde que no ano pré-legislativas não se apague este raro sentido de Estado.
O QUE NÃO TEM DEFESA A política nacional rege-se por duas baias: se tivesse sido o Governo anterior teria feito diferente e se for o próximo fará melhor. Infelizmente, nunca é assim. Antes de ser eleito, Passos Coelho tinha uma receita clara sobre onde cortar nas gorduras do Estado. O então líder do PSD fez questão de estar no debate da primeira Grande Investigação DN, em que pela primeira vez em Portugal se fez o levantamento do número de organismos públicos, institutos e fundações. Defendeu nessa altura que era cortando e fundindo estes organismos que se poupariam milhares de euros e se daria o primeiro grande passo para saciar o monstro e travar os jobs for the boys. Depois, havia que renegociar as PPP. Repetiu a ideia no programa eleitoral. Repetiu-a no programa do Governo. O problema está em que continua a repeti-la um ano depois e ainda não apresentou números nem resultados. Sempre que volta a exigência, interna ou externa, de cortar nos gastos públicos, repetem-se as ideias e as promessas. Não têm passado de meras palavras vãs. E a palavra de um político devia valer mais que isso.
NOTA
Em Portugal parece que é preciso ser politicamente correto. Vicente de Moura não o foi. Uma semana antes dos Jogos Olímpicos que ontem se iniciaram em Londres, o eterno presidente do Comité Olímpico nacional disse aquilo que a maioria dos portugueses pensa. Que esta comitiva de atletas é fraca - os grandes favoritos, Nélson Évora e Naide Gomes, ficaram de fora -, se sentia pouco otimista em relação a medalhas mas que esperava enganar-se como há quatro anos. Caiu o Carmo e a Trindade' e Vicente Moura, um dirigente pouco consensual, foi acusado de não apoiar a missão e de um sem-número de outras coisas semelhantes. A verdade é que as expectativas estão baixas como estavam em Pequim. Ou como em relação à seleção portuguesa no recente Europeu de futebol. Qualquer conquista será, pois, muito valorizada. E tal como Paulo Bento voltou em ombros da Polónia, Vicente Moura acabará quase de certeza reeleito depois de Londres.
In DN
O que é defensável e o que não tem defesa
por Filomena Martins
Hoje
Os ordenados da RTP
O QUE É DEFENSÁVEL Não tenho nada contra, defendo-o mesmo, que os bons gestores sejam bem pagos. A competência e a qualificação devem ser recompensadas financeiramente, seja no setor privado seja no público. Foram, aliás, os salários e a progressão na carreira de acordo apenas com a antiguidade e não com o mérito que transformaram globalmente a função pública numa massa de trabalhadores indistintos, pouco ambiciosos, nivelados por baixo e cuja fama, muitas vezes injustamente, não abona a seu favor. Em relação à maioria, uma avaliação verdadeiramente rigorosa, que tarda a ser colocada em prática em vários sectores, pode resolver anos de erros sucessivos. Já no que respeita à remuneração dos administradores, o relatório divulgado quinta-feira pela OCDE sobre Portugal é claro: os peritos do Estado deviam ganhar mais e só isso atrairá para o sector público a mesma qualidade do privado. Mas ainda havia dúvidas?
O QUE NÃO TEM DEFESA Não sei se o presidente da RTP e o vogal a quem o Governo autorizou a exceção aos tetos salariais impostos pela crise ganham de acordo com a sua competência, mas quero acreditar que sim. Porque o que está em causa não é o profissionalismo dos visados, é somente mais esta exceção permitida pelo ministro das Finanças e o exemplo que ela encerra. Quando se criam regras para as chefias do Estado que sirvam de termo de comparação e referência para os restantes cortes aplicados aos cidadãos, elas têm de ser cumpridas à risca. Antes de as anunciar é que devem ser devidamente estudados os casos a aplicar a sectores concorrenciais. Fazê-lo à medida que as situações surgem e ao sabor dos ventos (que este verão não têm parado), só levanta suspeitas e dúvidas. Um Governo que vai privatizar um dos canais públicos porque diz que a RTP custa de mais aos contribuintes, que pede às estrelas da estação que baixem os salários e que diz que com esse dinheiro resolveria as graves dívidas do sector da saúde, não pode permitir que os administradores tenham ordenados de exceção. É uma questão de exemplo.
A palavra dos políticos
O QUE É DEFENSÁVEL Na política do burgo liga-se sempre mais à forma do que ao conteúdo. E os responsáveis dos maiores partidos em vez de cultivarem a arte da crítica em que deviam ser exímios, reduziram-na ao nível de uma tasca ao final da noite de sábado ou a uma conversa de taxistas à espera de passageiros no aeroporto. Entre as palavras difíceis e rebuscadas de Jorge Sampaio, que obrigavam os media a fazer textos de tradução e explicação, ao quase vernáculo da linguagem de dia a dia de Passos Coelho, que impôs análises de linguistas e politólogos, tanto me faz. Interessa-me o que dizem, não como o dizem. Quando o primeiro-ministro usa a expressão "que se lixem as eleições", o seu eco pode ser interpretado de várias formas. Um recado para o interior do partido, dizendo que não vai desviar-se do caminho traçado no Governo, independentemente dos atos eleitorais que aí vêm, regionais e autárquicos, que, sabemos todos, movem milhares de interesses partidários; ou o simples desespero de um político que sabe bem que só voltará a poder ir a eleições - e a dar continuidade à sua carreira - se os objetivos a que se propôs forem atingidos. Entre uma e outra leitura, pelo menos em ambas Passos mostra que coloca o País acima do partido. É um bom sinal, desde que no ano pré-legislativas não se apague este raro sentido de Estado.
O QUE NÃO TEM DEFESA A política nacional rege-se por duas baias: se tivesse sido o Governo anterior teria feito diferente e se for o próximo fará melhor. Infelizmente, nunca é assim. Antes de ser eleito, Passos Coelho tinha uma receita clara sobre onde cortar nas gorduras do Estado. O então líder do PSD fez questão de estar no debate da primeira Grande Investigação DN, em que pela primeira vez em Portugal se fez o levantamento do número de organismos públicos, institutos e fundações. Defendeu nessa altura que era cortando e fundindo estes organismos que se poupariam milhares de euros e se daria o primeiro grande passo para saciar o monstro e travar os jobs for the boys. Depois, havia que renegociar as PPP. Repetiu a ideia no programa eleitoral. Repetiu-a no programa do Governo. O problema está em que continua a repeti-la um ano depois e ainda não apresentou números nem resultados. Sempre que volta a exigência, interna ou externa, de cortar nos gastos públicos, repetem-se as ideias e as promessas. Não têm passado de meras palavras vãs. E a palavra de um político devia valer mais que isso.
NOTA
Em Portugal parece que é preciso ser politicamente correto. Vicente de Moura não o foi. Uma semana antes dos Jogos Olímpicos que ontem se iniciaram em Londres, o eterno presidente do Comité Olímpico nacional disse aquilo que a maioria dos portugueses pensa. Que esta comitiva de atletas é fraca - os grandes favoritos, Nélson Évora e Naide Gomes, ficaram de fora -, se sentia pouco otimista em relação a medalhas mas que esperava enganar-se como há quatro anos. Caiu o Carmo e a Trindade' e Vicente Moura, um dirigente pouco consensual, foi acusado de não apoiar a missão e de um sem-número de outras coisas semelhantes. A verdade é que as expectativas estão baixas como estavam em Pequim. Ou como em relação à seleção portuguesa no recente Europeu de futebol. Qualquer conquista será, pois, muito valorizada. E tal como Paulo Bento voltou em ombros da Polónia, Vicente Moura acabará quase de certeza reeleito depois de Londres.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Bom senso, um bem escasso
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Bom senso, um bem escasso
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
Num artigo no Financial Times, Martin Wolf dizia que até agora não tinha compreendido o sucedido nos anos 1930. Porém, a crise que atravessamos tinha-o esclarecido: "Tudo o que era necessário eram economias frágeis, um sistema monetário rígido, um debate intenso sobre o que deveria ser feito, a crença de que o sofrimento é bom, políticos cegos, incapacidade para cooperar e incapacidade para estar à frente dos acontecimentos."
O artigo não é recente e já foi citado e glosado por muita gente, mas a espécie de premonição do jornalista britânico ameaça, a cada dia que passa, tornar-se realidade.
As autonomias espanholas e os juros da dívida (7,7% na passada terça-feira) pré-anunciam o pedido de resgate total espanhol, a Itália prepara-se para tomar o lugar de Espanha como o próximo país a necessitar de ser "ajudado", o Estado grego não tem dinheiro para pagar salários em Setembro, dezassete bancos alemães vêem o seu rating reduzido e a Moody's revê em baixa as perspectivas económicas da Alemanha. Reações? O BCE admite, repito, admite reforçar o fundo de resgate para aliviar a Espanha. Apetece perguntar que tipo de reforço se está a preparar para resgatar a Itália e os países que se seguirão, ou seja, a Europa toda. Mas, claro está, não vale a pena. Nessa altura já não existirá nada para resgatar.
Há mais reacções. A França e a Itália acusam a Espanha de ter emitido um comunicado falso. Os franceses e italianos não teriam, como os malandros dos espanhóis terão afirmado, pedido a imediata execução dos acordos assinados a 28 e 29 de Junho (a possibilidade de os bancos serem recapitalizados directamente através dos fundos de resgate evitando assim penalizar a dívida pública). Então não se está mesmo a ver que tempo é coisa que não falta? Para quê tanta pressa? Querem ver que a seguir vamos ter a Itália e a França a dizer que não são a Espanha?
E ainda há mais. Patrick Doring, secretário-geral dos liberais, partido pertencente à coligação que governa a Alemanha, aconselhou a Grécia a sair voluntariamente do euro para, nas palavras dele, "gerar mais confiança nos mercados". Ui, o que os mercados vão apreciar uma zona monetária que não consegue aguentar uma economia do tamanho da grega...
A loucura que está a afectar os líderes europeus torna-os cegos e surdos, mudos não, infelizmente. A meio da semana, Mario Draghi veio dizer que salvará o euro custe o que custar, pediu até para acreditarem nele. A coisa, apesar de ter acalmado os mercados por uns dias, não passou de uma vulgar bravata. Nada foi dito sobre eurobonds, que subitamente desapareceram da agenda apesar de existir um consenso entre toda a gente que reflecte sobre a crise sobre a sua necessidade (excepção feita, claro está, ao Governo português e aos comentadores económicos portugueses que transformaram jornais como o Financial Times ou o Economist em autênticos novos Pravdas). Quanto ao BCE e ao seu estatuto também nada está a ser mudado. Nem uma palavra sobre a possibilidade de o banco ser o garante final da dívida, emitindo moeda no limite. O presidente do BCE acha que se falar muito alto e fizer um ar de salvador da Europa alguma coisa mudará. Não muda.
O euro está a morrer e com ele muitas outras coisas correm o risco muitíssimo sério de desaparecer. O projecto europeu será o primeiro a perecer. O mais bem-sucedido projecto de cooperação internacional da história, aquele que mais bem-estar trouxe aos seus povos na história da humanidade, o que garantiu o mais longo período sem guerra na Europa, sucumbirá. Cairá pelas razões que Martin Wolf tão bem enunciou, mas resultado também da desconfiança e da falta de cooperação entre parceiros, da incapacidade de corrigir os erros na construção do euro, dos complexos alemães, da cegueira ideológica e da falta de transparência democrática na construção europeia. A democracia cairá logo a seguir: não há democracia que consiga aguentar o colapso económico e social que o fim do euro provocará.
Eu não pediria grandes políticos nem grandes líderes, apenas um bocadinho de bom senso, mas no momento que atravessamos é o mais escasso dos bens.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
Bom senso, um bem escasso
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
Num artigo no Financial Times, Martin Wolf dizia que até agora não tinha compreendido o sucedido nos anos 1930. Porém, a crise que atravessamos tinha-o esclarecido: "Tudo o que era necessário eram economias frágeis, um sistema monetário rígido, um debate intenso sobre o que deveria ser feito, a crença de que o sofrimento é bom, políticos cegos, incapacidade para cooperar e incapacidade para estar à frente dos acontecimentos."
O artigo não é recente e já foi citado e glosado por muita gente, mas a espécie de premonição do jornalista britânico ameaça, a cada dia que passa, tornar-se realidade.
As autonomias espanholas e os juros da dívida (7,7% na passada terça-feira) pré-anunciam o pedido de resgate total espanhol, a Itália prepara-se para tomar o lugar de Espanha como o próximo país a necessitar de ser "ajudado", o Estado grego não tem dinheiro para pagar salários em Setembro, dezassete bancos alemães vêem o seu rating reduzido e a Moody's revê em baixa as perspectivas económicas da Alemanha. Reações? O BCE admite, repito, admite reforçar o fundo de resgate para aliviar a Espanha. Apetece perguntar que tipo de reforço se está a preparar para resgatar a Itália e os países que se seguirão, ou seja, a Europa toda. Mas, claro está, não vale a pena. Nessa altura já não existirá nada para resgatar.
Há mais reacções. A França e a Itália acusam a Espanha de ter emitido um comunicado falso. Os franceses e italianos não teriam, como os malandros dos espanhóis terão afirmado, pedido a imediata execução dos acordos assinados a 28 e 29 de Junho (a possibilidade de os bancos serem recapitalizados directamente através dos fundos de resgate evitando assim penalizar a dívida pública). Então não se está mesmo a ver que tempo é coisa que não falta? Para quê tanta pressa? Querem ver que a seguir vamos ter a Itália e a França a dizer que não são a Espanha?
E ainda há mais. Patrick Doring, secretário-geral dos liberais, partido pertencente à coligação que governa a Alemanha, aconselhou a Grécia a sair voluntariamente do euro para, nas palavras dele, "gerar mais confiança nos mercados". Ui, o que os mercados vão apreciar uma zona monetária que não consegue aguentar uma economia do tamanho da grega...
A loucura que está a afectar os líderes europeus torna-os cegos e surdos, mudos não, infelizmente. A meio da semana, Mario Draghi veio dizer que salvará o euro custe o que custar, pediu até para acreditarem nele. A coisa, apesar de ter acalmado os mercados por uns dias, não passou de uma vulgar bravata. Nada foi dito sobre eurobonds, que subitamente desapareceram da agenda apesar de existir um consenso entre toda a gente que reflecte sobre a crise sobre a sua necessidade (excepção feita, claro está, ao Governo português e aos comentadores económicos portugueses que transformaram jornais como o Financial Times ou o Economist em autênticos novos Pravdas). Quanto ao BCE e ao seu estatuto também nada está a ser mudado. Nem uma palavra sobre a possibilidade de o banco ser o garante final da dívida, emitindo moeda no limite. O presidente do BCE acha que se falar muito alto e fizer um ar de salvador da Europa alguma coisa mudará. Não muda.
O euro está a morrer e com ele muitas outras coisas correm o risco muitíssimo sério de desaparecer. O projecto europeu será o primeiro a perecer. O mais bem-sucedido projecto de cooperação internacional da história, aquele que mais bem-estar trouxe aos seus povos na história da humanidade, o que garantiu o mais longo período sem guerra na Europa, sucumbirá. Cairá pelas razões que Martin Wolf tão bem enunciou, mas resultado também da desconfiança e da falta de cooperação entre parceiros, da incapacidade de corrigir os erros na construção do euro, dos complexos alemães, da cegueira ideológica e da falta de transparência democrática na construção europeia. A democracia cairá logo a seguir: não há democracia que consiga aguentar o colapso económico e social que o fim do euro provocará.
Eu não pediria grandes políticos nem grandes líderes, apenas um bocadinho de bom senso, mas no momento que atravessamos é o mais escasso dos bens.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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