Verdades que doem
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Verdades que doem
Relembrando a primeira mensagem :
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O Presidente Pilatos
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
1. Segundo a sua própria doutrina, Cavaco Silva dá uns recados em privado aos primeiros-ministros. Se de facto assim for, Passos Coelhos ouviu das boas na última reunião com o Presidente da República. Disse ao primeiro-pinistro que "o corte nos subsídios violava as mais básicas regras de equidade", que "a austeridade orçamental não garante que, no futuro, o País se encontrará numa trajectória de crescimento", que "ajustamentos baseados numa trajectória recessiva são insustentáveis", que "o sucesso, em boa parte, não depende só de nós, depende da conjuntura internacional e da capacidade que a UE demonstrar para resolver a crise financeira da Zona Euro". Também não se deve ter esquecido de dizer que não vê espelhadas no Orçamento quaisquer reformas estruturais e que sem elas todos os sacrifícios serão em vão. Mas, mais que tudo, disse ao primeiro-ministro que o caminho escolhido não é o único possível e mostrou-lhe alternativas que não passam pela destruição completa da nossa economia, pela falência de milhares de empresas, por um ainda maior défice, pela criação da maior taxa de desemprego jamais vista e pela fuga em massa dos melhores elementos da administração pública. Enfim, deve ter dito a Passos Coelho o que disse no discurso na Ordem dos Economistas e numa conversa (!) com jornalistas.
Pode ser até que lhe tenha mostrado o artigo do Pedro Lains no Jornal de Negócios onde o economista, insuspeito de qualquer tipo de carinho pela antiga governação, escreve que a estratégia de Passos Coelho "está profundamente desactualizada e mesmo errada" e que "a dimensão do "ajustamento", como lhe querem chamar, é de tal forma grande, é de tal forma brutal que, como é evidente, ultrapassa qualquer estrago que tenha sido feito pelo Governo anterior".
Ora, o primeiro-ministro ouviu isto tudo e fez orelhas moucas. O Presidente da República, que pode ter muitos defeitos mas não embarca em suicídios colectivos, resolveu não esperar cinco anos, como fez com Sócrates, e bastaram-lhe quatro meses para se demarcar publicamente do Governo.
É bem verdade que a monstruosidade da proposta orçamental não deixava grande espaço de manobra a Cavaco Silva. Ele sabe como qualquer pessoa que não esteja completamente cega por fidelidades partidárias ou que acredita na patranha do "vivemos acima das nossas possibilidades", "gorduras" e afins, que a estrada escolhida nos conduz directamente para o inferno. Mas, mais cedo ou mais tarde, o conflito iria instalar-se entre o primeiro-ministro e o Presidente da República. Pena é que tenha sido esta a razão. A retórica utilizada por Passos Coelho enquanto candidato era diametralmente oposta à de Cavaco (infelizmente, Passos Coelho pré-candidato a primeiro-ministro também não tem rigorosamente nada a ver com o Passos Coelho primeiro-ministro). Nada os unia. Nem convicções ideológicas, nem costumes, nem valores, nada. Enquanto o objectivo era afastar o antigo primeiro-ministro, não existiam problemas europeus, nem crise internacional, nem de-sequilíbrios estruturais: era tudo culpa do antigo Governo.
Apenas a existência de um inimigo comum juntou, por breves instantes, Cavaco e Passos Coelho. O fim de Sócrates seria sempre o fim de uma impossível relação.
Foi a cooperação institucional mais curta da história da nossa democracia.
2. O "eu avisei" vai marcar para sempre o mandato de Cavaco Silva. Seja através das suas mensagens no Facebook, seja em discursos que ninguém ouviu, seja por o ter dito em particular, o Presidente da República previu todas as desgraças e apontou sempre os melhores caminhos. Cavaco pensa que fica bem na fotografia por dizer umas coisas, sem que actue em função das suas palavras. Troca os seus poderes constitucionais por um negligente conforto pessoal mascarado de aviso, convencido de que assim fica a salvo de críticas quando o caos se instalar.
O que o Presidente da República fez esta semana pode ser resumido numa frase: "o caminho proposto pelo Governo vai desembocar numa catástrofe, depois não digam que não avisei". E o que vai fazer além de ter verbalizado a sua oposição? Rigorosamente nada. Pilatos não faria melhor.
3. António José Seguro, quando ouviu as palavras de Cavaco Silva, deve ter sido assolado por sentimentos confusos. O primeiro foi de alegria. Em vez de andar perdido em disparates como o código de ética e o pacote requentado contra a corrupção, copia na íntegra as declarações do Presidente e, pronto, já tem discurso. Por outro lado, também deve ter percebido que continua a não ser o líder da oposição. Até aqui foram algumas vozes do PSD, agora é o próprio Presidente da República.
In DN
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O Presidente Pilatos
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
1. Segundo a sua própria doutrina, Cavaco Silva dá uns recados em privado aos primeiros-ministros. Se de facto assim for, Passos Coelhos ouviu das boas na última reunião com o Presidente da República. Disse ao primeiro-pinistro que "o corte nos subsídios violava as mais básicas regras de equidade", que "a austeridade orçamental não garante que, no futuro, o País se encontrará numa trajectória de crescimento", que "ajustamentos baseados numa trajectória recessiva são insustentáveis", que "o sucesso, em boa parte, não depende só de nós, depende da conjuntura internacional e da capacidade que a UE demonstrar para resolver a crise financeira da Zona Euro". Também não se deve ter esquecido de dizer que não vê espelhadas no Orçamento quaisquer reformas estruturais e que sem elas todos os sacrifícios serão em vão. Mas, mais que tudo, disse ao primeiro-ministro que o caminho escolhido não é o único possível e mostrou-lhe alternativas que não passam pela destruição completa da nossa economia, pela falência de milhares de empresas, por um ainda maior défice, pela criação da maior taxa de desemprego jamais vista e pela fuga em massa dos melhores elementos da administração pública. Enfim, deve ter dito a Passos Coelho o que disse no discurso na Ordem dos Economistas e numa conversa (!) com jornalistas.
Pode ser até que lhe tenha mostrado o artigo do Pedro Lains no Jornal de Negócios onde o economista, insuspeito de qualquer tipo de carinho pela antiga governação, escreve que a estratégia de Passos Coelho "está profundamente desactualizada e mesmo errada" e que "a dimensão do "ajustamento", como lhe querem chamar, é de tal forma grande, é de tal forma brutal que, como é evidente, ultrapassa qualquer estrago que tenha sido feito pelo Governo anterior".
Ora, o primeiro-ministro ouviu isto tudo e fez orelhas moucas. O Presidente da República, que pode ter muitos defeitos mas não embarca em suicídios colectivos, resolveu não esperar cinco anos, como fez com Sócrates, e bastaram-lhe quatro meses para se demarcar publicamente do Governo.
É bem verdade que a monstruosidade da proposta orçamental não deixava grande espaço de manobra a Cavaco Silva. Ele sabe como qualquer pessoa que não esteja completamente cega por fidelidades partidárias ou que acredita na patranha do "vivemos acima das nossas possibilidades", "gorduras" e afins, que a estrada escolhida nos conduz directamente para o inferno. Mas, mais cedo ou mais tarde, o conflito iria instalar-se entre o primeiro-ministro e o Presidente da República. Pena é que tenha sido esta a razão. A retórica utilizada por Passos Coelho enquanto candidato era diametralmente oposta à de Cavaco (infelizmente, Passos Coelho pré-candidato a primeiro-ministro também não tem rigorosamente nada a ver com o Passos Coelho primeiro-ministro). Nada os unia. Nem convicções ideológicas, nem costumes, nem valores, nada. Enquanto o objectivo era afastar o antigo primeiro-ministro, não existiam problemas europeus, nem crise internacional, nem de-sequilíbrios estruturais: era tudo culpa do antigo Governo.
Apenas a existência de um inimigo comum juntou, por breves instantes, Cavaco e Passos Coelho. O fim de Sócrates seria sempre o fim de uma impossível relação.
Foi a cooperação institucional mais curta da história da nossa democracia.
2. O "eu avisei" vai marcar para sempre o mandato de Cavaco Silva. Seja através das suas mensagens no Facebook, seja em discursos que ninguém ouviu, seja por o ter dito em particular, o Presidente da República previu todas as desgraças e apontou sempre os melhores caminhos. Cavaco pensa que fica bem na fotografia por dizer umas coisas, sem que actue em função das suas palavras. Troca os seus poderes constitucionais por um negligente conforto pessoal mascarado de aviso, convencido de que assim fica a salvo de críticas quando o caos se instalar.
O que o Presidente da República fez esta semana pode ser resumido numa frase: "o caminho proposto pelo Governo vai desembocar numa catástrofe, depois não digam que não avisei". E o que vai fazer além de ter verbalizado a sua oposição? Rigorosamente nada. Pilatos não faria melhor.
3. António José Seguro, quando ouviu as palavras de Cavaco Silva, deve ter sido assolado por sentimentos confusos. O primeiro foi de alegria. Em vez de andar perdido em disparates como o código de ética e o pacote requentado contra a corrupção, copia na íntegra as declarações do Presidente e, pronto, já tem discurso. Por outro lado, também deve ter percebido que continua a não ser o líder da oposição. Até aqui foram algumas vozes do PSD, agora é o próprio Presidente da República.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Dicas sobre Angola para não esquecer
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Dicas sobre Angola para não esquecer
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Na guerra civil angolana, Jaime Nogueira Pinto (JNP) foi um opositor radical de Luanda. Era posição muito comum em portugueses, de esquerda ou de direita, para quem as relações com Angola eram indiferentes. Fruto de mil culpas, o país não era exemplo para ninguém e todos batiam nele como na ópera de Chico Buarque: "Joga pedra na Geni! Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir! Maldita Geni!" Mas de JNP, homem culto sobre Angola e sobre Portugal em Angola - que leu Luanda Ilha Crioula, de Mário António -, esperava outro olhar, que tardou. O Quanza deitou muita água à corrente de Benguela e, há dias, no Sol, li uma crónica de JNP sobre Luanda, onde agora vai muito, em negócios. Escreveu: "[Há] alguns aspetos de Angola que são essenciais e que às vezes se esquecem: é o único país africano importante que tem uma comunidade euro-africana, no caso luso-angolana, com massa crítica e papel ativo muito significativo na vida política e social." Dou-lhe sinceras boas-vindas por ter chegado a esse lugar misturado onde vivo (por vezes só na minha cabeça) desde a infância. E para confirmar que ele, JNP, chegou ao lugar certo, cito um bilhete, ontem, do jornal carioca O Globo: "[A jornalista] Sônia Bridi esteve em Angola e, parada num engarrafamento, ouviu no rádio o seguinte boletim de trânsito: - No centro de Luanda, não há trânsito. Está tudo parado." Só usa a nossa língua com essa propriedade quem é mesmo seu proprietário.
In DTM
Dicas sobre Angola para não esquecer
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Na guerra civil angolana, Jaime Nogueira Pinto (JNP) foi um opositor radical de Luanda. Era posição muito comum em portugueses, de esquerda ou de direita, para quem as relações com Angola eram indiferentes. Fruto de mil culpas, o país não era exemplo para ninguém e todos batiam nele como na ópera de Chico Buarque: "Joga pedra na Geni! Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir! Maldita Geni!" Mas de JNP, homem culto sobre Angola e sobre Portugal em Angola - que leu Luanda Ilha Crioula, de Mário António -, esperava outro olhar, que tardou. O Quanza deitou muita água à corrente de Benguela e, há dias, no Sol, li uma crónica de JNP sobre Luanda, onde agora vai muito, em negócios. Escreveu: "[Há] alguns aspetos de Angola que são essenciais e que às vezes se esquecem: é o único país africano importante que tem uma comunidade euro-africana, no caso luso-angolana, com massa crítica e papel ativo muito significativo na vida política e social." Dou-lhe sinceras boas-vindas por ter chegado a esse lugar misturado onde vivo (por vezes só na minha cabeça) desde a infância. E para confirmar que ele, JNP, chegou ao lugar certo, cito um bilhete, ontem, do jornal carioca O Globo: "[A jornalista] Sônia Bridi esteve em Angola e, parada num engarrafamento, ouviu no rádio o seguinte boletim de trânsito: - No centro de Luanda, não há trânsito. Está tudo parado." Só usa a nossa língua com essa propriedade quem é mesmo seu proprietário.
In DTM
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
O terceiro ventoso
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O terceiro ventoso
por VIRIATO SOROMENHO MARQUES
Hoje
Se apenas falássemos de coisas sérias, deveríamos estar a escrever sobre a tempestade grega, à beira de se tornar num furacão. Mas como a vida, para se tornar suportável, tem de integrar trivialidades, falemos da supressão da tolerância de ponto do Carnaval. Já se denunciou o absurdo económico de destruir alguma dinâmica que a festividade acarreta ao nosso debilitado mercado interno. Já se desmontou a falácia que considera não resistir o Carnaval à supressão de dois feriados políticos e mais dois religiosos. Por esse fio de pseudopensamento seria até possível suprimir os 52 sábados do ano! Mas o que ainda não se abordou foi o estranho ímpeto "revolucionário" que parece animar este Governo. Apesar de estar apenas a cumprir uma pauta escrita e imposta por quem de facto manda, há um afã de improvisar que faz lembrar os delírios da Revolução Francesa. Na verdade, estas mexidas no calendário evocam a imaginação jacobina que chegou a elaborar um calendário republicano de base decimal. Este ano, o Carnaval cai a 21 de fevereiro, ou melhor, no 3.º dia da 16.ª década, no mês Ventoso, 221 anos depois da Revolução. Que disparate, pensamos nós, fazer um calendário político! Mas, para quem se sente inspirado por uma missão superior contra "interesses instalados", todos os meios são legítimos. Os jacobinos têm, todavia, uma vantagem sobre o Governo. O seu delírio era uma corruptela dum desígnio de emancipação e liberdade. O Governo, pelo contrário, quer apenas acordar-nos do sonho de falsa abundância em que andámos iludidos. Robespierre falhou. Mas o Governo irá, certamente, triunfar. No fim, ficaremos todos, realmente, mais pobres.
In DN
O terceiro ventoso
por VIRIATO SOROMENHO MARQUES
Hoje
Se apenas falássemos de coisas sérias, deveríamos estar a escrever sobre a tempestade grega, à beira de se tornar num furacão. Mas como a vida, para se tornar suportável, tem de integrar trivialidades, falemos da supressão da tolerância de ponto do Carnaval. Já se denunciou o absurdo económico de destruir alguma dinâmica que a festividade acarreta ao nosso debilitado mercado interno. Já se desmontou a falácia que considera não resistir o Carnaval à supressão de dois feriados políticos e mais dois religiosos. Por esse fio de pseudopensamento seria até possível suprimir os 52 sábados do ano! Mas o que ainda não se abordou foi o estranho ímpeto "revolucionário" que parece animar este Governo. Apesar de estar apenas a cumprir uma pauta escrita e imposta por quem de facto manda, há um afã de improvisar que faz lembrar os delírios da Revolução Francesa. Na verdade, estas mexidas no calendário evocam a imaginação jacobina que chegou a elaborar um calendário republicano de base decimal. Este ano, o Carnaval cai a 21 de fevereiro, ou melhor, no 3.º dia da 16.ª década, no mês Ventoso, 221 anos depois da Revolução. Que disparate, pensamos nós, fazer um calendário político! Mas, para quem se sente inspirado por uma missão superior contra "interesses instalados", todos os meios são legítimos. Os jacobinos têm, todavia, uma vantagem sobre o Governo. O seu delírio era uma corruptela dum desígnio de emancipação e liberdade. O Governo, pelo contrário, quer apenas acordar-nos do sonho de falsa abundância em que andámos iludidos. Robespierre falhou. Mas o Governo irá, certamente, triunfar. No fim, ficaremos todos, realmente, mais pobres.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Os dois avisos de Noronha do Nascimento
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Os dois avisos de Noronha do Nascimento
01 Fevereiro
Na abertura do ano judicial, para além da solenidade, na qual a justiça do País gosta de se drapejar, e do habitual desfiar de monólogos, que repetiram pela enésima vez, as mesmas lamentações sobre o estado desse serviço público vital, ouviu-se por parte do presidente do Supremo Tribunal de Justiça alertas ao poder político bastante relevantes. Noronha do Nascimento avisou não só que o corte "unilateral" dos "direitos adquiridos" dos portugueses (pensões, salários e subsídios) pode ser "a abertura de uma caixa de Pandora que leve ao Inferno do nosso descontentamento" como questionou se o Governo está preparado para "aceitar todas as sequelas lógico-jurídicas" deste processo.
Ter a quarta figura mais relevante da hierarquia do Estado a colocar tais questões sobre a mesa obriga, no mínimo, a reflexões e, redobradas, preocupações. Mais uma vez alguém volta a agitar o fantasma de uma agitação social mais violenta, ao mesmo tempo que admite que os cidadãos que recorram para a justiça contra alguns dos cortes que lhes foram impostos possam vir a ganhar esses processos.
É verdade que o último recurso no caso da perda destes direitos não é o Supremo Tribunal, mas sim o Tribunal Constitucional (TC). É verdade que aquando dos primeiros cortes, ainda no Governo de José Sócrates, o TC emitiu um parecer dizendo que as medidas extraordinárias não punham em causa a constitucionalidade face ao período de emergência que o País atravessa, desde que não fossem definitivas. É verdade que todos os casos que entraram na justiça (entre eles os dos juízes) foram até agora negados. Mas também é um facto que estas declarações abrem um leque de hipóteses e vão certamente marcar a discussão pública nas próximas semanas.
Candidatura necessária
José Ramos-Horta anunciou a candidatura a um segundo mandato como Presidente de Timor-Leste, um dos países mais pequenos, mais pobres e dos mais recentes a alcançar o estatuto de Estado independente. Dependente na quase totalidade da renda do petróleo, com todo um tecido económico e social a construir, palco de um período de grande instabilidade e de uma crise que impôs a necessidade de uma missão da ONU e a presença de tropas estrangeiras, este pequeno país ancorado na lusofonia, mas cercado por influências asiáticas e anglo-saxónicas (via Austrália), vive um momento de encruzilhada. E 2012 pode ser um ano charneira. Por isto, o anúncio da recandidatura de Ramos-Horta é um fator de estabilidade. Ele é um rosto familiar para a comunidade internacional e tem a vantagem de (por cálculo político ou intuição) se ter desvinculado formalmente de qualquer formação partidária. Tem vínculos, cultiva laços, pratica cumplicidades - mas estes são aspetos centrais da ação política.
A candidatura é também um elemento de realismo. Não só porque o atual Presidente sublinhou a importância da "paz" como sinónimo de estabilidade como admitiu, de forma inequívoca, que o problema da pobreza não será resolvido a "curto prazo". E demorará tanto mais a resolver quanto maior for a instabilidade e persistir a pequena guerrilha política que tem marcado o Timor-Leste independente. Daí a importância do normal funcionamento das instituições. Timor-Leste habituou- -nos ao inesperado; seria bom para o próprio país e a sua população que se tornasse agora previsível. As declarações de Ramos-Horta permitem alguma expectativa neste domínio.
In DN
Os dois avisos de Noronha do Nascimento
01 Fevereiro
Na abertura do ano judicial, para além da solenidade, na qual a justiça do País gosta de se drapejar, e do habitual desfiar de monólogos, que repetiram pela enésima vez, as mesmas lamentações sobre o estado desse serviço público vital, ouviu-se por parte do presidente do Supremo Tribunal de Justiça alertas ao poder político bastante relevantes. Noronha do Nascimento avisou não só que o corte "unilateral" dos "direitos adquiridos" dos portugueses (pensões, salários e subsídios) pode ser "a abertura de uma caixa de Pandora que leve ao Inferno do nosso descontentamento" como questionou se o Governo está preparado para "aceitar todas as sequelas lógico-jurídicas" deste processo.
Ter a quarta figura mais relevante da hierarquia do Estado a colocar tais questões sobre a mesa obriga, no mínimo, a reflexões e, redobradas, preocupações. Mais uma vez alguém volta a agitar o fantasma de uma agitação social mais violenta, ao mesmo tempo que admite que os cidadãos que recorram para a justiça contra alguns dos cortes que lhes foram impostos possam vir a ganhar esses processos.
É verdade que o último recurso no caso da perda destes direitos não é o Supremo Tribunal, mas sim o Tribunal Constitucional (TC). É verdade que aquando dos primeiros cortes, ainda no Governo de José Sócrates, o TC emitiu um parecer dizendo que as medidas extraordinárias não punham em causa a constitucionalidade face ao período de emergência que o País atravessa, desde que não fossem definitivas. É verdade que todos os casos que entraram na justiça (entre eles os dos juízes) foram até agora negados. Mas também é um facto que estas declarações abrem um leque de hipóteses e vão certamente marcar a discussão pública nas próximas semanas.
Candidatura necessária
José Ramos-Horta anunciou a candidatura a um segundo mandato como Presidente de Timor-Leste, um dos países mais pequenos, mais pobres e dos mais recentes a alcançar o estatuto de Estado independente. Dependente na quase totalidade da renda do petróleo, com todo um tecido económico e social a construir, palco de um período de grande instabilidade e de uma crise que impôs a necessidade de uma missão da ONU e a presença de tropas estrangeiras, este pequeno país ancorado na lusofonia, mas cercado por influências asiáticas e anglo-saxónicas (via Austrália), vive um momento de encruzilhada. E 2012 pode ser um ano charneira. Por isto, o anúncio da recandidatura de Ramos-Horta é um fator de estabilidade. Ele é um rosto familiar para a comunidade internacional e tem a vantagem de (por cálculo político ou intuição) se ter desvinculado formalmente de qualquer formação partidária. Tem vínculos, cultiva laços, pratica cumplicidades - mas estes são aspetos centrais da ação política.
A candidatura é também um elemento de realismo. Não só porque o atual Presidente sublinhou a importância da "paz" como sinónimo de estabilidade como admitiu, de forma inequívoca, que o problema da pobreza não será resolvido a "curto prazo". E demorará tanto mais a resolver quanto maior for a instabilidade e persistir a pequena guerrilha política que tem marcado o Timor-Leste independente. Daí a importância do normal funcionamento das instituições. Timor-Leste habituou- -nos ao inesperado; seria bom para o próprio país e a sua população que se tornasse agora previsível. As declarações de Ramos-Horta permitem alguma expectativa neste domínio.
In DN
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De que lado vai querer estar cada um de nós?
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De que lado vai querer estar cada um de nós?
por PEDRO TADEU
Hoje
Leio os comentários de análise política da semana. Dizem-me que devo indignar-me com Pedro Passos Coelho, por ele achar que os portugueses são piegas. Dizem-me que devo revoltar-me por Angela Merkel, em tom de imperatriz a repreender reino súbdito, ter ridicularizado o despesismo da ilha da Madeira. Dizem-me que um tal Schulz, presidente do Parlamento Europeu - o mais anónimo e incógnito do mundo ocidental -, opinou que fazer negócios com Angola levará Portugal ao declínio. Dizem-me que devo protestar pelos maneirismos servis com que Vítor Gaspar se dirige ao ministro das Finanças alemão. Dizem-me que, com estes sintomas, devo inquietar-me com a possibilidade de se espalhar um cancro que corrompa a dignidade e a soberania do meu país. Têm razão.
Mas eu gostava, também, de entender outras coisas. Queria perceber as semelhanças e as diferenças entre a manifestação de trabalhadores que encheu o Terreiro do Paço em Lisboa com a que espalhou fogo nos arredores da Praça Syntagma em Atenas.
Será que o desempregado que partiu de manhã cedo do Porto para ir à capital gritar palavras de ordem e regressar, à noite, contente por ter cumprido o que acha ser um dever cívico tem a mesma história e a mesma motivação do que aquele grego que atirou um cocktail Molotov à loja Kosta Boda e agora se gaba de ter conseguido destruir todos os cristais de luxo que ofendiam o seu pessoal e real empobrecimento?
Será que a diferença entre Grécia e Portugal está no tempo, apenas alguns meses de diferença, da aplicação de medidas de austeridade?
Será que daqui a pouco, com a degradação das condições de vida de milhares de pessoas, veremos prédios a arder na Avenida da Liberdade, tal e qual aconteceu este fim de semana na Rua Stadiou? Não sei. Talvez.
Olho para Passos Coelho, Angela Merkel, o tal Schulz e o próprio Vítor Gaspar e vejo pessoas desorientadas, que já não sabem por onde vão, já não sabem o que têm para fazer e, desconfio, já nem sabem muito bem de que terra são. E olho para a cara de um manifestante, em Portugal ou na Grécia, e percebo claramente o que ele é, de onde vem e, sobretudo, o que não quer.
Olho para um lado, para governantes europeus que decidem em sussurro o destino de milhões e, por isso, desatinam. Olho para o outro lado, para manifestantes que recusam ser encarneirados num rebanho a marchar, lento e calado, para a miséria e, por isso, gritam.
A ruptura é inevitável. Ser patriota, ser lúcido
In DN
De que lado vai querer estar cada um de nós?
por PEDRO TADEU
Hoje
Leio os comentários de análise política da semana. Dizem-me que devo indignar-me com Pedro Passos Coelho, por ele achar que os portugueses são piegas. Dizem-me que devo revoltar-me por Angela Merkel, em tom de imperatriz a repreender reino súbdito, ter ridicularizado o despesismo da ilha da Madeira. Dizem-me que um tal Schulz, presidente do Parlamento Europeu - o mais anónimo e incógnito do mundo ocidental -, opinou que fazer negócios com Angola levará Portugal ao declínio. Dizem-me que devo protestar pelos maneirismos servis com que Vítor Gaspar se dirige ao ministro das Finanças alemão. Dizem-me que, com estes sintomas, devo inquietar-me com a possibilidade de se espalhar um cancro que corrompa a dignidade e a soberania do meu país. Têm razão.
Mas eu gostava, também, de entender outras coisas. Queria perceber as semelhanças e as diferenças entre a manifestação de trabalhadores que encheu o Terreiro do Paço em Lisboa com a que espalhou fogo nos arredores da Praça Syntagma em Atenas.
Será que o desempregado que partiu de manhã cedo do Porto para ir à capital gritar palavras de ordem e regressar, à noite, contente por ter cumprido o que acha ser um dever cívico tem a mesma história e a mesma motivação do que aquele grego que atirou um cocktail Molotov à loja Kosta Boda e agora se gaba de ter conseguido destruir todos os cristais de luxo que ofendiam o seu pessoal e real empobrecimento?
Será que a diferença entre Grécia e Portugal está no tempo, apenas alguns meses de diferença, da aplicação de medidas de austeridade?
Será que daqui a pouco, com a degradação das condições de vida de milhares de pessoas, veremos prédios a arder na Avenida da Liberdade, tal e qual aconteceu este fim de semana na Rua Stadiou? Não sei. Talvez.
Olho para Passos Coelho, Angela Merkel, o tal Schulz e o próprio Vítor Gaspar e vejo pessoas desorientadas, que já não sabem por onde vão, já não sabem o que têm para fazer e, desconfio, já nem sabem muito bem de que terra são. E olho para a cara de um manifestante, em Portugal ou na Grécia, e percebo claramente o que ele é, de onde vem e, sobretudo, o que não quer.
Olho para um lado, para governantes europeus que decidem em sussurro o destino de milhões e, por isso, desatinam. Olho para o outro lado, para manifestantes que recusam ser encarneirados num rebanho a marchar, lento e calado, para a miséria e, por isso, gritam.
A ruptura é inevitável. Ser patriota, ser lúcido
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
O capítulo grego
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O capítulo grego
por BAPTISTA-BASTOS
Hoje
Diz uma grega, à televisão: "O vandalismo não é correcto, OK, mas quando o desespero nos consome, que fazer?" A frase nada explica. Mas talvez justifique alguma coisa. E as multidões de gregos atormentados não podem ser cândida e confortavelmente catalogados de "anarquistas". O que está a acontecer na Grécia não deve, apenas, ser atribuído ao descaso e à incompetência dos políticos. Embora a Nova Democracia, partido de direita, onde se acoitam muitos daqueles que apoiaram a ditadura dos coronéis, tenha amplas responsabilidades na situação. Aliás, de uma forma ou de outra, a Nova Democracia esteve sempre no poder, e a actuar consoante as derivas, por exemplo, do PASOK.
O caos grego não tem sido bem explicado. E as "ajudas" externas, com taxas de juro humilhantes, têm acentuado a distorção e quebrado os laços sociais. Os laços sociais sempre se opuseram às lógicas do belicismo. Provinham do conflito moral e político com a ditadura; e, se quisermos, da experiência terrível ocasionada pela guerra civil. A sua inserção no quotidiano, na vida de todos os dias, é um elemento essencial da efectividade com que essas tensões se acumularam. A cólera do povo grego manifesta-se de modo unívoco, e é explicável pelas razões históricas das relações de poder.
Há uma ocultação das responsabilidades, que parece criarem uma impotência na rigorosa explicação dos factos. A quem interessa esta babel de confusão e de discórdia, que alastra pela Europa, e de que a Grécia é reflexo dramático? Qual o país que se segue, na continuidade da dissolução de um projecto que se pretendia harmonioso e solidário? Talvez sejam fáceis e claras as explicações, mas a própria natureza desta balbúrdia, meticulosamente organizada, pode conduzir a conjunturas bem mais trágicas: à guerra, por exemplo.
O cerco feito aos gregos, os vexames a que são submetidos em declarações proferidas por ignaros funcionários estrangeiros, provocam a mais funda indignação naqueles que ainda sentem o rebate da consciência. E a reacção daquele povo resulta da humilhação sistemática de que é alvo.
Sinto uma surda revolta quando ouço os medíocres políticos portugueses dizerem: "Mas nós não somos a Grécia!", sem a noção do peso das palavras e com a desfaçatez de quem nada conhece de história. Não; não somos a Grécia, mas pertencemos- -lhe, e a Grécia pertence-nos. Faz parte integrante da nossa condição relacional e da existência cultural e intelectual que nos define. Temos mais ou menos o mesmo número de população, e o percurso das nossas vidas possui traços muito semelhantes. A comparação, depreciativa e sórdida, constantemente feita, assume os contornos de grave insulto.
Na sombra e no silêncio, a conspiração contra a Grécia é um capítulo da insídia que pretende liquidar o sonho europeu. Não o esqueçamos.
In DN
O capítulo grego
por BAPTISTA-BASTOS
Hoje
Diz uma grega, à televisão: "O vandalismo não é correcto, OK, mas quando o desespero nos consome, que fazer?" A frase nada explica. Mas talvez justifique alguma coisa. E as multidões de gregos atormentados não podem ser cândida e confortavelmente catalogados de "anarquistas". O que está a acontecer na Grécia não deve, apenas, ser atribuído ao descaso e à incompetência dos políticos. Embora a Nova Democracia, partido de direita, onde se acoitam muitos daqueles que apoiaram a ditadura dos coronéis, tenha amplas responsabilidades na situação. Aliás, de uma forma ou de outra, a Nova Democracia esteve sempre no poder, e a actuar consoante as derivas, por exemplo, do PASOK.
O caos grego não tem sido bem explicado. E as "ajudas" externas, com taxas de juro humilhantes, têm acentuado a distorção e quebrado os laços sociais. Os laços sociais sempre se opuseram às lógicas do belicismo. Provinham do conflito moral e político com a ditadura; e, se quisermos, da experiência terrível ocasionada pela guerra civil. A sua inserção no quotidiano, na vida de todos os dias, é um elemento essencial da efectividade com que essas tensões se acumularam. A cólera do povo grego manifesta-se de modo unívoco, e é explicável pelas razões históricas das relações de poder.
Há uma ocultação das responsabilidades, que parece criarem uma impotência na rigorosa explicação dos factos. A quem interessa esta babel de confusão e de discórdia, que alastra pela Europa, e de que a Grécia é reflexo dramático? Qual o país que se segue, na continuidade da dissolução de um projecto que se pretendia harmonioso e solidário? Talvez sejam fáceis e claras as explicações, mas a própria natureza desta balbúrdia, meticulosamente organizada, pode conduzir a conjunturas bem mais trágicas: à guerra, por exemplo.
O cerco feito aos gregos, os vexames a que são submetidos em declarações proferidas por ignaros funcionários estrangeiros, provocam a mais funda indignação naqueles que ainda sentem o rebate da consciência. E a reacção daquele povo resulta da humilhação sistemática de que é alvo.
Sinto uma surda revolta quando ouço os medíocres políticos portugueses dizerem: "Mas nós não somos a Grécia!", sem a noção do peso das palavras e com a desfaçatez de quem nada conhece de história. Não; não somos a Grécia, mas pertencemos- -lhe, e a Grécia pertence-nos. Faz parte integrante da nossa condição relacional e da existência cultural e intelectual que nos define. Temos mais ou menos o mesmo número de população, e o percurso das nossas vidas possui traços muito semelhantes. A comparação, depreciativa e sórdida, constantemente feita, assume os contornos de grave insulto.
Na sombra e no silêncio, a conspiração contra a Grécia é um capítulo da insídia que pretende liquidar o sonho europeu. Não o esqueçamos.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
A sério, esta gente não tem que fazer?
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A sério, esta gente não tem que fazer?
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Já se anda mascarado e o traje carnavalesco mais popular é o de topógrafo. Quanto mede o Terreiro do Paço? Ele é 170 metros de fundo vezes 200 de ladecos, o que dá uma grande área ou uma pequena área conforme a área política de cada um. Há ainda que contar com o perímetro abdominal médio do manifestante para calcular quantos se metem num metro quadrado. Os governamentais dizem que poucos, pois ainda há gorduras fartas a abater. Os da oposição, estrangulados pelo apertar do cinto, garantem que muitos. Estes, sobre a manif de sábado: 300 mil! Aqueles, sobre a mesma: nem 50 mil... Daí tanto topógrafo à volta do cavalo de D. José. Mas como se topa um topógrafo? Pelos instrumentos com que andam: estaca e baliza topográfica, mira e fio de prumo, esses, os simples. E há mais sofisticados, como o inclinómetro (a sério, existe), daí as discrepâncias nos números da manif, segundo vem da direita ou da esquerda. Mas o mais famoso instrumento é o teodolito, com o seu tripé. Na grande biografia com grande título (Puta que os pariu!) e ainda maior biografado (Luiz Pacheco), João Pedro George conta que Pacheco, tendo sido interpelado por Vergílio Ferreira para escrever ficção, respondeu: "Mestre, não sei." Sabia. Escreveu, por exemplo, O Teodolito. Os mestres dos teodolitos desta semana, todos, é que bem podiam ter ficado pelo "não sei." E, não tendo ficado, remeto-os, todos mais a sua discussão da semana, para a capa da biografia.
In DN
A sério, esta gente não tem que fazer?
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Já se anda mascarado e o traje carnavalesco mais popular é o de topógrafo. Quanto mede o Terreiro do Paço? Ele é 170 metros de fundo vezes 200 de ladecos, o que dá uma grande área ou uma pequena área conforme a área política de cada um. Há ainda que contar com o perímetro abdominal médio do manifestante para calcular quantos se metem num metro quadrado. Os governamentais dizem que poucos, pois ainda há gorduras fartas a abater. Os da oposição, estrangulados pelo apertar do cinto, garantem que muitos. Estes, sobre a manif de sábado: 300 mil! Aqueles, sobre a mesma: nem 50 mil... Daí tanto topógrafo à volta do cavalo de D. José. Mas como se topa um topógrafo? Pelos instrumentos com que andam: estaca e baliza topográfica, mira e fio de prumo, esses, os simples. E há mais sofisticados, como o inclinómetro (a sério, existe), daí as discrepâncias nos números da manif, segundo vem da direita ou da esquerda. Mas o mais famoso instrumento é o teodolito, com o seu tripé. Na grande biografia com grande título (Puta que os pariu!) e ainda maior biografado (Luiz Pacheco), João Pedro George conta que Pacheco, tendo sido interpelado por Vergílio Ferreira para escrever ficção, respondeu: "Mestre, não sei." Sabia. Escreveu, por exemplo, O Teodolito. Os mestres dos teodolitos desta semana, todos, é que bem podiam ter ficado pelo "não sei." E, não tendo ficado, remeto-os, todos mais a sua discussão da semana, para a capa da biografia.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
O terror europeu
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O terror europeu
por VIRIATO SOROMENHO MARQUES
Ontem
Quem se interesse pela literatura de terror sabe que uma das técnicas expressivas mais usadas é a produção de um efeito de contraste brutal entre expectativas e realidades. Alguém caminha por uma rua familiar e, subitamente, descobre que o lugar antes conhecido se transforma num labirinto perigoso e hostil. No domingo passado, foram as mãos de civis gregos a repetir o gesto dos soldados de Xerxes, incendiando alguns dos edifícios mais belos do centro de Atenas, no meio de uma verdadeira batalha urbana. No Parlamento, Evangelos Venizelos explicava a necessidade de aprovar mais um pacote de austeridade nos seguintes termos: "A questão não é a de saber se alguns salários e pensões vão ser reduzidos, mas sim a de saber se esses salários e pensões reduzidos poderão ser pagos..." Em Espanha foi aprovada uma nova lei laboral que propõe brutais reduções salariais, conferindo ao patronato um poder discricionário que só vai aumentar a belicosidade social. Em Portugal, mesmo com as promessas paternalistas de Schäuble, o sofrimento social aumenta todos os dias. A narrativa europeia foi, durante mais de meio século, a da paz sob o império da lei, do progresso social, da convergência económica. Como num filme de terror, a moeda comum tornou-se uma masmorra onde manda a força nua, perante o sono profundo das leis e instituições comunitárias. Cresce a desigualdade entre nações, e, dentro destas, entre as classes sociais. A Europa move-se, mas para trás. Parece que regressámos aos tempos de smog e pobreza dos personagens de Charles Dickens. Quem trouxer Oliver Twist para a Europa do século XXI levará consigo também Marx e Bakunine. Por este caminho, a Europa terá um trágico passado à sua frente.
In DN
O terror europeu
por VIRIATO SOROMENHO MARQUES
Ontem
Quem se interesse pela literatura de terror sabe que uma das técnicas expressivas mais usadas é a produção de um efeito de contraste brutal entre expectativas e realidades. Alguém caminha por uma rua familiar e, subitamente, descobre que o lugar antes conhecido se transforma num labirinto perigoso e hostil. No domingo passado, foram as mãos de civis gregos a repetir o gesto dos soldados de Xerxes, incendiando alguns dos edifícios mais belos do centro de Atenas, no meio de uma verdadeira batalha urbana. No Parlamento, Evangelos Venizelos explicava a necessidade de aprovar mais um pacote de austeridade nos seguintes termos: "A questão não é a de saber se alguns salários e pensões vão ser reduzidos, mas sim a de saber se esses salários e pensões reduzidos poderão ser pagos..." Em Espanha foi aprovada uma nova lei laboral que propõe brutais reduções salariais, conferindo ao patronato um poder discricionário que só vai aumentar a belicosidade social. Em Portugal, mesmo com as promessas paternalistas de Schäuble, o sofrimento social aumenta todos os dias. A narrativa europeia foi, durante mais de meio século, a da paz sob o império da lei, do progresso social, da convergência económica. Como num filme de terror, a moeda comum tornou-se uma masmorra onde manda a força nua, perante o sono profundo das leis e instituições comunitárias. Cresce a desigualdade entre nações, e, dentro destas, entre as classes sociais. A Europa move-se, mas para trás. Parece que regressámos aos tempos de smog e pobreza dos personagens de Charles Dickens. Quem trouxer Oliver Twist para a Europa do século XXI levará consigo também Marx e Bakunine. Por este caminho, a Europa terá um trágico passado à sua frente.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
A comédia grega
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A comédia grega
por Alberto Gonçalves
Hoje
Há uns meses, o El Mundo descreveu a Grécia, ou a administração pública da Grécia. À entrada de um hospital, quatro arbustos, presume-se que belíssimos, estavam ao cuidado de 45 jardineiros. Um carro oficial, presume-se que excelente, tinha 50 motoristas designados. Um lago seco desde 1930, presume-se que saudoso, possuía, e talvez ainda possua, uma comissão nomeada para a sua preservação. Quarenta mil filhas solteiras de antigos, e já falecidos, funcionários do Estado recebiam uma pensão vitalícia de mil euros mensais (de agora em diante, a benesse termina aos 18 anos). Por falar em mortos, as famílias de 4500 não informaram a Segurança Social e continuam a desfrutar das reformas. Entre cabeleireiros, trompetistas e apresentadores de televisão, existem 600 categorias profissionais que merecem a classificação de "extenuantes", pelo que dispõem de aposentação antecipada para os 50 (no caso das senhoras) ou os 55 anos (no caso dos cavalheiros). Um em cada quatro gregos não paga impostos. A dívida pública dos gregos em peso ascendia, em Julho passado, aos 340 mil milhões de euros. Etc., um imenso etc.
Este monumento à racionalidade contabilística, mantido a expensas alheias, viu-se perturbado com a inesperada falência e a imposição externa de medidas de austeridade. Sem surpresas, o povo não gostou das medidas e desatou a arrasar tudo o que lhe surgisse perla frente. Se os tais arbustos do tal hospital não podem beneficiar dos 45 jardineiros, o povo prefere incendiar o hospital. Se a condução do tal carro oficial fica ao cargo de, digamos, uns meros 20 motoristas, o povo opta por transformar o carro em ferro-velho. Se o lago seco não é cuidado devidamente, o povo escolhe reduzir a escombros o edifício mais à mão (demolir um lago, para cúmulo vazio, é tarefa complicada). E por aí em diante.
Os media, por regra simpáticos para com os oprimidos, chamam "confrontos" ao caos em roda livre que se apoderou da Grécia: os confrontos que opõem uma horda empenhada na devastação aos alvos da mesma (para já, a horda vence folgadamente). Mas nem os media foram tão longe na simpatia quanto as 30 "personalidades" portuguesas que assinaram um documento de apoio aos gregos. Um cidadão incauto tenderia a achar que os gregos, pelo menos os transtornados gregos da "rua" local, precisam de juízo e, com frequência, da cadeia.
As "personalidades" em causa discordam. Nas suas doutas opiniões, a violência em Atenas é uma "luta" contra o "cortejo de sacrifícios". A alternativa aos sacrifícios é uma "Europa solidária aos problemas sociais e aos direitos das pessoas". Dito com franqueza, o pandemónio grego justifica-se até que os países ricos da União voltem a patrocinar incondicionalmente as idiossincrasias laborais dos indígenas. Nas entrelinhas, adivinha-se idêntica receita para Portugal, cuja população deve irromper em fúria a fim de estimular a solidariedade dos contribuintes alemães.
Não se percebe porque é que os contribuintes alemães se hão-de maçar demasiado com, no limite, a destruição do Pártenon ou dos Jerónimos. Percebe-se que as "personalidades" citadas não se prendam com trivialidades. De Vasco Lourenço a Boaventura Sousa Santos, passando por D. Januário Torgal e Carvalho da Silva, nunca qualquer dos 30 subscritores se notabilizou pela lucidez. A excepção é o primeiro subscritor, de sua graça Mário Soares, em tempos conhecido como o pai da democracia e hoje misteriosamente empenhado em ser o respectivo coveiro.
Terça-feira, 14 de Fevereiro
Dory Previn (? - 2012)
Morreu Dory Previn. A julgar pelo noticiário caseiro, por cá ninguém reparou. Para minha infinita vergonha, eu próprio só reparei na senhora há três ou quatro anos, quando um acaso feliz me levou a ouvir Beware of the Young Girls. No mesmo dia, encomendei a obra completa.
A obra divide-se em duas. A primeira, na maioria das vezes realizada enquanto letrista e a meias com o compositor e então marido André Previn, constava sobretudo de canções para o cinema, pelas quais foi nomeada para o Oscar em três ocasiões. A segunda fase, iniciada após o marido a trocar por Mia Farrow (a quem dedicou o veneno da cantiga acima referida) e subsequente estadia em hospital psiquiátrico, adoptou o idioma folk em voga e um tom necessariamente mais íntimo. Nem por isso deixou de ser óptima. Contemporânea, na carreira que não na idade, de Joni Mitchell, Laura Nyro e Janis Jan, acabou directa ou indirectamente por influenciar as gerações de singers/songwriters do género feminino que se seguiram, de Kate Bush e Joan Armatrading a Suzanne Vega e Regina Spektor.
Com a excepção óbvia da sra. Mitchell, nenhuma das citadas se compara a Dory Previn em talento. Todas a ultrapassaram em popularidade. Os seus álbuns "confessionais" da década de 1970 foram tão extraordinários quanto obscuros. A obscuridade venceu-a: que eu saiba, não voltou a gravar desde 1976 e partiu agora, aos 82 ou 86 anos. A data de nascimento é incerta. A da morte, não. Entre ambas há um mundo a reclamar descobertas.
Quarta-feira, 15 de Fevereiro
Plano Nacional de Leitura
Para os que se queixam de uma classe política semiletrada, consola saber que um governante gastou uma pequena fortuna em livros. Infelizmente, o governante em causa é o ministro Miguel Relvas, a pequena fortuna é dos contribuintes e os livros são uma edição luxuosa do programa do Governo. Ao que consta, o dr. Relvas aplicou 12 mil euros removidos aos nossos impostos numa encomenda, por oportuno ajuste directo, de cem exemplares da referida obra, impressa a cores em papel couché, encadernada com uma ilustração em alto-relevo e intitulada Compromisso para Uma Nação Forte.
Segundo ouvi, a coisa destina-se unicamente aos membros do Executivo, o que significa que ou estes vaguearam até agora sem uma cópia do próprio programa ou se acham indignos de trabalhar a partir de fotocópias pelintras. Em qualquer dos casos, é algo injusto que milhões de cidadãos tenham de financiar a prenda de uns privilegiados. A injustiça atenua-se um bocadinho quando se conhece o conteúdo daquilo. À semelhança do proverbial Livro, o livrinho é de autoria incerta, provavelmente porque, ao contrário do Livro, o livrinho envergonha quem o escreveu.
Não sendo novidade nos textos do género, e por acaso revelando melhorias face aos predecessores, é sempre deprimente constatar que os indivíduos nomeados para mandar no país não conseguem produzir, ou conseguir quem produza, umas dúzias de páginas em português decente. No momento da respectiva apresentação, enumerei aqui os tiques, os estrangeirismos, os disparates, as parolices e os puros erros que abrilhantam o documento. Em benefício da sanidade universal, não tenciono repetir a proeza.
Desgraçadamente, o Governo repete proezas típicas dos governos anteriores, sobretudo na jovialidade com que dispõe do nosso dinheiro. Claro que os 120 euros de cada Compromisso para Uma Nação Forte não pesam nas contas públicas e valem somente enquanto princípio, mas a soma de tão edificantes princípios costuma redundar num triste fim.
Quinta-feira, 16 de Fevereiro
Chefe, mas pouco
Avisado pela experiência de José Sócrates, há três anos, e pela própria em Guimarães, há dias, Cavaco Silva cancelou uma visita à escola secundária António Arroio para evitar o enxovalho das vaias. Face ao episódio de 2009, ficamos a saber que os meninos da dita escola continuam com dificuldades de comunicação (não se percebe bem o que protestam), continuam sem distinguir a independência opinativa da chinfrineira mimada (em democracia, um bando a gritar ofensas é sempre sinal de má-criação) e continuam a reproduzir o insulto mais irrelevante entre os insultos irrelevantes (em Portugal, a falta de um refeitório é um acto "fascista"). Suponho que, para uma escola designada "artística", também continuem a não dominar rudimentos de História de Arte e a se afirmar "futuristas" (o braço cultural do fascismo de facto).
Dito isto, um presidente da República que prefere preservar a sua "imagem" a enfrentar tontinhos pode não merecer os impropérios dos tontinhos. Mas começa a não merecer muito melhor.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
A comédia grega
por Alberto Gonçalves
Hoje
Há uns meses, o El Mundo descreveu a Grécia, ou a administração pública da Grécia. À entrada de um hospital, quatro arbustos, presume-se que belíssimos, estavam ao cuidado de 45 jardineiros. Um carro oficial, presume-se que excelente, tinha 50 motoristas designados. Um lago seco desde 1930, presume-se que saudoso, possuía, e talvez ainda possua, uma comissão nomeada para a sua preservação. Quarenta mil filhas solteiras de antigos, e já falecidos, funcionários do Estado recebiam uma pensão vitalícia de mil euros mensais (de agora em diante, a benesse termina aos 18 anos). Por falar em mortos, as famílias de 4500 não informaram a Segurança Social e continuam a desfrutar das reformas. Entre cabeleireiros, trompetistas e apresentadores de televisão, existem 600 categorias profissionais que merecem a classificação de "extenuantes", pelo que dispõem de aposentação antecipada para os 50 (no caso das senhoras) ou os 55 anos (no caso dos cavalheiros). Um em cada quatro gregos não paga impostos. A dívida pública dos gregos em peso ascendia, em Julho passado, aos 340 mil milhões de euros. Etc., um imenso etc.
Este monumento à racionalidade contabilística, mantido a expensas alheias, viu-se perturbado com a inesperada falência e a imposição externa de medidas de austeridade. Sem surpresas, o povo não gostou das medidas e desatou a arrasar tudo o que lhe surgisse perla frente. Se os tais arbustos do tal hospital não podem beneficiar dos 45 jardineiros, o povo prefere incendiar o hospital. Se a condução do tal carro oficial fica ao cargo de, digamos, uns meros 20 motoristas, o povo opta por transformar o carro em ferro-velho. Se o lago seco não é cuidado devidamente, o povo escolhe reduzir a escombros o edifício mais à mão (demolir um lago, para cúmulo vazio, é tarefa complicada). E por aí em diante.
Os media, por regra simpáticos para com os oprimidos, chamam "confrontos" ao caos em roda livre que se apoderou da Grécia: os confrontos que opõem uma horda empenhada na devastação aos alvos da mesma (para já, a horda vence folgadamente). Mas nem os media foram tão longe na simpatia quanto as 30 "personalidades" portuguesas que assinaram um documento de apoio aos gregos. Um cidadão incauto tenderia a achar que os gregos, pelo menos os transtornados gregos da "rua" local, precisam de juízo e, com frequência, da cadeia.
As "personalidades" em causa discordam. Nas suas doutas opiniões, a violência em Atenas é uma "luta" contra o "cortejo de sacrifícios". A alternativa aos sacrifícios é uma "Europa solidária aos problemas sociais e aos direitos das pessoas". Dito com franqueza, o pandemónio grego justifica-se até que os países ricos da União voltem a patrocinar incondicionalmente as idiossincrasias laborais dos indígenas. Nas entrelinhas, adivinha-se idêntica receita para Portugal, cuja população deve irromper em fúria a fim de estimular a solidariedade dos contribuintes alemães.
Não se percebe porque é que os contribuintes alemães se hão-de maçar demasiado com, no limite, a destruição do Pártenon ou dos Jerónimos. Percebe-se que as "personalidades" citadas não se prendam com trivialidades. De Vasco Lourenço a Boaventura Sousa Santos, passando por D. Januário Torgal e Carvalho da Silva, nunca qualquer dos 30 subscritores se notabilizou pela lucidez. A excepção é o primeiro subscritor, de sua graça Mário Soares, em tempos conhecido como o pai da democracia e hoje misteriosamente empenhado em ser o respectivo coveiro.
Terça-feira, 14 de Fevereiro
Dory Previn (? - 2012)
Morreu Dory Previn. A julgar pelo noticiário caseiro, por cá ninguém reparou. Para minha infinita vergonha, eu próprio só reparei na senhora há três ou quatro anos, quando um acaso feliz me levou a ouvir Beware of the Young Girls. No mesmo dia, encomendei a obra completa.
A obra divide-se em duas. A primeira, na maioria das vezes realizada enquanto letrista e a meias com o compositor e então marido André Previn, constava sobretudo de canções para o cinema, pelas quais foi nomeada para o Oscar em três ocasiões. A segunda fase, iniciada após o marido a trocar por Mia Farrow (a quem dedicou o veneno da cantiga acima referida) e subsequente estadia em hospital psiquiátrico, adoptou o idioma folk em voga e um tom necessariamente mais íntimo. Nem por isso deixou de ser óptima. Contemporânea, na carreira que não na idade, de Joni Mitchell, Laura Nyro e Janis Jan, acabou directa ou indirectamente por influenciar as gerações de singers/songwriters do género feminino que se seguiram, de Kate Bush e Joan Armatrading a Suzanne Vega e Regina Spektor.
Com a excepção óbvia da sra. Mitchell, nenhuma das citadas se compara a Dory Previn em talento. Todas a ultrapassaram em popularidade. Os seus álbuns "confessionais" da década de 1970 foram tão extraordinários quanto obscuros. A obscuridade venceu-a: que eu saiba, não voltou a gravar desde 1976 e partiu agora, aos 82 ou 86 anos. A data de nascimento é incerta. A da morte, não. Entre ambas há um mundo a reclamar descobertas.
Quarta-feira, 15 de Fevereiro
Plano Nacional de Leitura
Para os que se queixam de uma classe política semiletrada, consola saber que um governante gastou uma pequena fortuna em livros. Infelizmente, o governante em causa é o ministro Miguel Relvas, a pequena fortuna é dos contribuintes e os livros são uma edição luxuosa do programa do Governo. Ao que consta, o dr. Relvas aplicou 12 mil euros removidos aos nossos impostos numa encomenda, por oportuno ajuste directo, de cem exemplares da referida obra, impressa a cores em papel couché, encadernada com uma ilustração em alto-relevo e intitulada Compromisso para Uma Nação Forte.
Segundo ouvi, a coisa destina-se unicamente aos membros do Executivo, o que significa que ou estes vaguearam até agora sem uma cópia do próprio programa ou se acham indignos de trabalhar a partir de fotocópias pelintras. Em qualquer dos casos, é algo injusto que milhões de cidadãos tenham de financiar a prenda de uns privilegiados. A injustiça atenua-se um bocadinho quando se conhece o conteúdo daquilo. À semelhança do proverbial Livro, o livrinho é de autoria incerta, provavelmente porque, ao contrário do Livro, o livrinho envergonha quem o escreveu.
Não sendo novidade nos textos do género, e por acaso revelando melhorias face aos predecessores, é sempre deprimente constatar que os indivíduos nomeados para mandar no país não conseguem produzir, ou conseguir quem produza, umas dúzias de páginas em português decente. No momento da respectiva apresentação, enumerei aqui os tiques, os estrangeirismos, os disparates, as parolices e os puros erros que abrilhantam o documento. Em benefício da sanidade universal, não tenciono repetir a proeza.
Desgraçadamente, o Governo repete proezas típicas dos governos anteriores, sobretudo na jovialidade com que dispõe do nosso dinheiro. Claro que os 120 euros de cada Compromisso para Uma Nação Forte não pesam nas contas públicas e valem somente enquanto princípio, mas a soma de tão edificantes princípios costuma redundar num triste fim.
Quinta-feira, 16 de Fevereiro
Chefe, mas pouco
Avisado pela experiência de José Sócrates, há três anos, e pela própria em Guimarães, há dias, Cavaco Silva cancelou uma visita à escola secundária António Arroio para evitar o enxovalho das vaias. Face ao episódio de 2009, ficamos a saber que os meninos da dita escola continuam com dificuldades de comunicação (não se percebe bem o que protestam), continuam sem distinguir a independência opinativa da chinfrineira mimada (em democracia, um bando a gritar ofensas é sempre sinal de má-criação) e continuam a reproduzir o insulto mais irrelevante entre os insultos irrelevantes (em Portugal, a falta de um refeitório é um acto "fascista"). Suponho que, para uma escola designada "artística", também continuem a não dominar rudimentos de História de Arte e a se afirmar "futuristas" (o braço cultural do fascismo de facto).
Dito isto, um presidente da República que prefere preservar a sua "imagem" a enfrentar tontinhos pode não merecer os impropérios dos tontinhos. Mas começa a não merecer muito melhor.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Um cigarro contra a prepotência
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Um cigarro contra a prepotência
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
1Parece que a lei do tabaco vai mudar. O texto da lei, ainda em vigor, admite que, segundo certos critérios, restaurantes e afins tenham uma zona para fumadores. Dentro de pouco tempo, segundo o anunciado, a proibição vai ser total.
Quando da entrada em vigor da norma, os empresários da restauração tiveram de decidir se simplesmente afixavam os cartazes anunciando a proibição de fumar em todo o estabelecimento ou se criavam zonas de fumo. Muitos deles decidiram investir, e os custos dessa transformação não eram poucos, na construção do espaço para fumadores. Quatro anos depois, o Governo decide alterar a lei. Aos empresários, muitos deles ainda a pagar as dívidas que contraíram para satisfazer as exigências normativas, resta-lhes atirar para o lixo todo o equipamento que tiveram de comprar, destruir as paredes que tiveram de levantar e vociferar contra quem anda a brincar com eles.
Não está em causa a legitimidade democrática de mudar a lei, nem mesmo a sua suposta bondade. A questão é mais séria. Quando, como nunca, nos interrogamos sobre as razões dos reduzidos níveis de investimento e procuramos caminhos para o crescimento económico, talvez não fosse má ideia pensar no que a instabilidade legislativa e a falta de confiança que esta gera provocam no nosso tecido económico.
Esta aparentemente insignificante história sobre a mudança de legislação sobre o tabaco é, apesar de afectar milhares de empresários num sector que emprega muitos milhares de pessoas, apenas a ponta de um gigantesco iceberg.
Quando, por exemplo, Soares dos Santos deu como uma das razões para a mudança da sede social da sua empresa familiar a falta de previsibilidade da lei fiscal, ninguém lhe deu muita atenção e, no entanto, foi provavelmente a razão mais forte para a deslocalização.
As empresas precisam de um horizonte de tempo suficientemente alargado para poderem planear o seu futuro. Comprometem-se com bancos, fornecedores e trabalhadores. Têm de, por todos os meios, tentar prever o futuro mais ou menos próximo. Infelizmente, em Portugal, ao risco inerente a qualquer negócio temos sempre que somar o factor aleatório Estado, os seus humores e a sua fúria legisladora. Só quem nunca trabalhou numa empresa é que não consegue calcular os custos, as perdas de tempo, as inseguranças que as constantes mudanças de leis e regulamentos provocam.
Não é, porém, ape-nas no caso das empresas que assistimos à alteração sistemática de normas. É quase fastidioso dar exemplos: reformas curriculares, alteração da fiscalidade, alcance geográfico dos serviços de saúde, multas, leis laborais, taxas e, estou certo, todas as que o estimado leitor estiver a pensar e que não serão com certeza poucas.
Os Governos esquecem o quão importante é para as populações a estabilidade normativa, que o cidadão precisa do máximo de previsibilidade para que possa interagir normalmente na comunidade, que em cada homem ou mulher não está um advogado, que as constantes mudanças legislativas são muitas vezes causa de profundas injustiças porque criam inevitavelmente desigualdades entre os que podem ter um acesso mais rápido às leis e os que por razões económicas ou outras não podem conhecer em tempo útil a enxurrada de novas normas.
Impõe-se praticamente o desrespeito da lei. Cria-se a sensação de que não é preciso cumprir porque sabemos que dentro em pouco a lei será mudada, que os nossos governantes andam a brincar com as nossas vidas, que não conhecem os nossos verdadeiros problemas, nomeadamente a nossa necessidade de estabilidade e segurança jurídica, e assim não fazemos mais do que a nossa obrigação se não os levarmos a sério.
E assim se vai minando a relação do cidadão com as leis e a fundamental ligação entre representantes e representados.
2Jorge Moreira da Silva, vice-presidente do PSD, em declarações ao Expresso, defende uma refundação europeia através de um projecto de aprofundamento político, económico e financeiro e o lançamento de um novo Plano Marshall. Fala também de um novo estatuto para o Banco Central Europeu que o transforme num verdadeiro banco central e do reforço do orçamento comunitário para que se implementem políticas que promovam o emprego.
É, no mínimo, bom saber que ainda há vida inteligente, coragem e visão no Partido Social Democrata.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
Um cigarro contra a prepotência
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
1Parece que a lei do tabaco vai mudar. O texto da lei, ainda em vigor, admite que, segundo certos critérios, restaurantes e afins tenham uma zona para fumadores. Dentro de pouco tempo, segundo o anunciado, a proibição vai ser total.
Quando da entrada em vigor da norma, os empresários da restauração tiveram de decidir se simplesmente afixavam os cartazes anunciando a proibição de fumar em todo o estabelecimento ou se criavam zonas de fumo. Muitos deles decidiram investir, e os custos dessa transformação não eram poucos, na construção do espaço para fumadores. Quatro anos depois, o Governo decide alterar a lei. Aos empresários, muitos deles ainda a pagar as dívidas que contraíram para satisfazer as exigências normativas, resta-lhes atirar para o lixo todo o equipamento que tiveram de comprar, destruir as paredes que tiveram de levantar e vociferar contra quem anda a brincar com eles.
Não está em causa a legitimidade democrática de mudar a lei, nem mesmo a sua suposta bondade. A questão é mais séria. Quando, como nunca, nos interrogamos sobre as razões dos reduzidos níveis de investimento e procuramos caminhos para o crescimento económico, talvez não fosse má ideia pensar no que a instabilidade legislativa e a falta de confiança que esta gera provocam no nosso tecido económico.
Esta aparentemente insignificante história sobre a mudança de legislação sobre o tabaco é, apesar de afectar milhares de empresários num sector que emprega muitos milhares de pessoas, apenas a ponta de um gigantesco iceberg.
Quando, por exemplo, Soares dos Santos deu como uma das razões para a mudança da sede social da sua empresa familiar a falta de previsibilidade da lei fiscal, ninguém lhe deu muita atenção e, no entanto, foi provavelmente a razão mais forte para a deslocalização.
As empresas precisam de um horizonte de tempo suficientemente alargado para poderem planear o seu futuro. Comprometem-se com bancos, fornecedores e trabalhadores. Têm de, por todos os meios, tentar prever o futuro mais ou menos próximo. Infelizmente, em Portugal, ao risco inerente a qualquer negócio temos sempre que somar o factor aleatório Estado, os seus humores e a sua fúria legisladora. Só quem nunca trabalhou numa empresa é que não consegue calcular os custos, as perdas de tempo, as inseguranças que as constantes mudanças de leis e regulamentos provocam.
Não é, porém, ape-nas no caso das empresas que assistimos à alteração sistemática de normas. É quase fastidioso dar exemplos: reformas curriculares, alteração da fiscalidade, alcance geográfico dos serviços de saúde, multas, leis laborais, taxas e, estou certo, todas as que o estimado leitor estiver a pensar e que não serão com certeza poucas.
Os Governos esquecem o quão importante é para as populações a estabilidade normativa, que o cidadão precisa do máximo de previsibilidade para que possa interagir normalmente na comunidade, que em cada homem ou mulher não está um advogado, que as constantes mudanças legislativas são muitas vezes causa de profundas injustiças porque criam inevitavelmente desigualdades entre os que podem ter um acesso mais rápido às leis e os que por razões económicas ou outras não podem conhecer em tempo útil a enxurrada de novas normas.
Impõe-se praticamente o desrespeito da lei. Cria-se a sensação de que não é preciso cumprir porque sabemos que dentro em pouco a lei será mudada, que os nossos governantes andam a brincar com as nossas vidas, que não conhecem os nossos verdadeiros problemas, nomeadamente a nossa necessidade de estabilidade e segurança jurídica, e assim não fazemos mais do que a nossa obrigação se não os levarmos a sério.
E assim se vai minando a relação do cidadão com as leis e a fundamental ligação entre representantes e representados.
2Jorge Moreira da Silva, vice-presidente do PSD, em declarações ao Expresso, defende uma refundação europeia através de um projecto de aprofundamento político, económico e financeiro e o lançamento de um novo Plano Marshall. Fala também de um novo estatuto para o Banco Central Europeu que o transforme num verdadeiro banco central e do reforço do orçamento comunitário para que se implementem políticas que promovam o emprego.
É, no mínimo, bom saber que ainda há vida inteligente, coragem e visão no Partido Social Democrata.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
O estigma da função pública
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O estigma da função pública
por PAULO BALDAIA
Hoje
Há um patrão um patrão que não gosta dos seus empregados ou, se gosta, desconfia que tratá-los mal é a melhor forma de garantir o aumento da produtividade. Contra estes funcionários há muitos anos que existe uma campanha para que eles sejam vistos como malandros que vivem dos nossos impostos e nos tratam com desprezo. Quando eles não nos complicam a vida, já conseguimos uma vitória. São cada vez mais e fazem parte de uma clientela partidária. É esta imagem que fomos construindo.
Como se não chegasse, com o actual Governo, também pusemos no currículo destes funcionários um vencimento acima da média e excesso de regalias. Por causa disto, o Executivo decidiu confiscar- -lhes os subsídios de férias e de Natal e, agora, quer retirar-lhes as regalias que justificaram o confisco.
É verdade que há na função pública quem não mereça o emprego que tem, mas também há no sector privado. Em nenhum dos sectores a generalização é boa política. Já estou a ficar cansado de ver serem tratados com os pés os portugueses de quem eu preciso para que ao País funcione. Funcionários públicos são os professores que ensinam os nossos filhos, são os médicos e os enfermeiros que cuidam da nossa saúde, são os magistrados, os polícias e os juízes que garantem a justiça... Ora, convinha que parássemos um bocadinho para pensar no que andamos a fazer. Queremos uma função pública desmotivada? Queremos funcionários públicos que vivem com o estigma de serem trabalhadores de segunda?
Não tardará o dia em que só quererá ser funcionário público quem não tiver competência para trabalhar no privado. Haverá problema na Saúde e na Educação públicas, mas esses são sectores em que há uma aposta clara na privatização. Na Segurança e na Justiça não estou sequer a ver como resolvem o problema.
Na mira de cortar a despesa pública, os funcionários públicos foram apontados como principal problema. A eles cabe-lhes pagar por todos os pecados do País. De tal forma que a boa decisão do Governo de não considerar feriado o dia de Carnaval aplica-se quase em exclusivo aos funcionários públicos. Para os outros há contratos colectivos a dar folia, como que a provar que afinal as tais regalias não são em excesso comparadas com o privado. Afinal, a grande diferença está no patrão que cada um tem. O patrão dos funcionários públicos tem a faca e o queijo na mão, pode mudar a lei a seu bel-prazer. Lá chegará o dia em que haverá despedimentos na função pública.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
O estigma da função pública
por PAULO BALDAIA
Hoje
Há um patrão um patrão que não gosta dos seus empregados ou, se gosta, desconfia que tratá-los mal é a melhor forma de garantir o aumento da produtividade. Contra estes funcionários há muitos anos que existe uma campanha para que eles sejam vistos como malandros que vivem dos nossos impostos e nos tratam com desprezo. Quando eles não nos complicam a vida, já conseguimos uma vitória. São cada vez mais e fazem parte de uma clientela partidária. É esta imagem que fomos construindo.
Como se não chegasse, com o actual Governo, também pusemos no currículo destes funcionários um vencimento acima da média e excesso de regalias. Por causa disto, o Executivo decidiu confiscar- -lhes os subsídios de férias e de Natal e, agora, quer retirar-lhes as regalias que justificaram o confisco.
É verdade que há na função pública quem não mereça o emprego que tem, mas também há no sector privado. Em nenhum dos sectores a generalização é boa política. Já estou a ficar cansado de ver serem tratados com os pés os portugueses de quem eu preciso para que ao País funcione. Funcionários públicos são os professores que ensinam os nossos filhos, são os médicos e os enfermeiros que cuidam da nossa saúde, são os magistrados, os polícias e os juízes que garantem a justiça... Ora, convinha que parássemos um bocadinho para pensar no que andamos a fazer. Queremos uma função pública desmotivada? Queremos funcionários públicos que vivem com o estigma de serem trabalhadores de segunda?
Não tardará o dia em que só quererá ser funcionário público quem não tiver competência para trabalhar no privado. Haverá problema na Saúde e na Educação públicas, mas esses são sectores em que há uma aposta clara na privatização. Na Segurança e na Justiça não estou sequer a ver como resolvem o problema.
Na mira de cortar a despesa pública, os funcionários públicos foram apontados como principal problema. A eles cabe-lhes pagar por todos os pecados do País. De tal forma que a boa decisão do Governo de não considerar feriado o dia de Carnaval aplica-se quase em exclusivo aos funcionários públicos. Para os outros há contratos colectivos a dar folia, como que a provar que afinal as tais regalias não são em excesso comparadas com o privado. Afinal, a grande diferença está no patrão que cada um tem. O patrão dos funcionários públicos tem a faca e o queijo na mão, pode mudar a lei a seu bel-prazer. Lá chegará o dia em que haverá despedimentos na função pública.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
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Um Governo mal aconselhado
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Um Governo mal aconselhado
por PAULO PEREIRA DE ALMEIDA
17 Fevereiro 2012
O actual Governo de coligação PSD-CDS continua - infelizmente - a somar um conjunto de erros políticos e de comunicação em matéria de segurança nacional. As últimas duas semanas foram marcadas por um aumento da contestação das forças e serviços de segurança (FSS), a que se juntam - uma vez mais - as Forças Armadas (FA), num cenário de preocupante convergência nos últimos meses em Portugal. Um cenário que - recorde-se - também tem sido bastante negativo, e mesmo penoso, para os Serviços de Informações da República (SIR). Existe - naturalmente - uma explicação possível para este acumular de decisões: a crise actual e a escassez de recursos. Mas esta parece-me uma explicação demasiado simplista, para não dizer facilitista. E isto por três ordens essenciais de razões, que tocam as FSS, as FA e os SIR. Analisemos, então, cada um destes casos em particular.
No caso das FSS, o Governo regista uma preocupante falta de capacidade de decisão, que começou ainda antes das eleições com a apresentação de um projecto de reforma (falhada, porque mal explicada) às estruturas legítimas de representação dos profissionais da Polícia Judiciária (PJ). Esse erro político básico do PSD continuou depois das eleições, com a manutenção da generalidade das estruturas dos ministérios da Administração Interna e da Justiça, sem que se definisse de forma clara qual o caminho para uma possível reforma do Sistema de Segurança Interna (SSI). Entretanto, e de um modo preocupante, acumularam-se as situações de dificuldades económicas para os profissionais das FSS, que só agora o actual ministro da Administração Interna parece pretender tomar em conta, com a nomeação de uma nova Direcção Nacional para a PSP e a eventual revisão dos problemas de carreiras nesta força de segurança e na GNR. De caminho, ficaram as afirmações produzidas por alguns assessores do Governo em matéria de segurança nacional que chegaram a provocar um enorme ruído e que - como é evidente - em nada contribuem para uma discussão fundamentada acerca destas matérias. Aliás - e para cúmulo - chegou a ser posta em causa a legitimidade da coordenação do programa de segurança nacional do PSD, que havia sido da responsabilidade de Ângelo Correia. No caso das FA (uma outra área importante da segurança nacional), o cenário actual também parece continuar a ser o de uma indefinição nas carreias e no estatuto remuneratório destes profissionais. Ora, e sem querer pôr em causa o facto de alguns dos problemas serem herdados do anterior Governo do PS, a realidade é que a estratégia e medidas do Governo para o sector carecem de explicação e de melhor comunicação. Aliás - e para ser mais claro -, parece-me que necessitam de um debate e de uma preparação mais alargada, longe do centralismo em um ou dois assessores de circunstância, seguramente sedentos de algum protagonismo mas cuja (aparente) boa-vontade não substitui um planeamento sério em conjunto com as altas chefias militares e - obviamente - com as associações representativas do sector. Finalmente, e em matéria de SIR, o exemplo do mau aconselhamento e da falta de orientação do Governo são por demais evidentes. Elas passam não apenas pela ausência de um modelo concreto para as informações em Portugal, como - e bem mais grave - parecem indiciar uma vontade de perpetuação de um modelo iniciado em 2004 mas que está, por muitos motivos, desadequado da nossa realidade.
Se somarmos a actual contestação às indecisões e erros políticos do Governo em matéria de segurança nacional, compreenderemos - de forma clara - que estas só podem resultar de um mau aconselhamento político. Um mau aconselhamento que - mais cedo ou mais tarde - terá os seus custos políticos.
In DN
Um Governo mal aconselhado
por PAULO PEREIRA DE ALMEIDA
17 Fevereiro 2012
O actual Governo de coligação PSD-CDS continua - infelizmente - a somar um conjunto de erros políticos e de comunicação em matéria de segurança nacional. As últimas duas semanas foram marcadas por um aumento da contestação das forças e serviços de segurança (FSS), a que se juntam - uma vez mais - as Forças Armadas (FA), num cenário de preocupante convergência nos últimos meses em Portugal. Um cenário que - recorde-se - também tem sido bastante negativo, e mesmo penoso, para os Serviços de Informações da República (SIR). Existe - naturalmente - uma explicação possível para este acumular de decisões: a crise actual e a escassez de recursos. Mas esta parece-me uma explicação demasiado simplista, para não dizer facilitista. E isto por três ordens essenciais de razões, que tocam as FSS, as FA e os SIR. Analisemos, então, cada um destes casos em particular.
No caso das FSS, o Governo regista uma preocupante falta de capacidade de decisão, que começou ainda antes das eleições com a apresentação de um projecto de reforma (falhada, porque mal explicada) às estruturas legítimas de representação dos profissionais da Polícia Judiciária (PJ). Esse erro político básico do PSD continuou depois das eleições, com a manutenção da generalidade das estruturas dos ministérios da Administração Interna e da Justiça, sem que se definisse de forma clara qual o caminho para uma possível reforma do Sistema de Segurança Interna (SSI). Entretanto, e de um modo preocupante, acumularam-se as situações de dificuldades económicas para os profissionais das FSS, que só agora o actual ministro da Administração Interna parece pretender tomar em conta, com a nomeação de uma nova Direcção Nacional para a PSP e a eventual revisão dos problemas de carreiras nesta força de segurança e na GNR. De caminho, ficaram as afirmações produzidas por alguns assessores do Governo em matéria de segurança nacional que chegaram a provocar um enorme ruído e que - como é evidente - em nada contribuem para uma discussão fundamentada acerca destas matérias. Aliás - e para cúmulo - chegou a ser posta em causa a legitimidade da coordenação do programa de segurança nacional do PSD, que havia sido da responsabilidade de Ângelo Correia. No caso das FA (uma outra área importante da segurança nacional), o cenário actual também parece continuar a ser o de uma indefinição nas carreias e no estatuto remuneratório destes profissionais. Ora, e sem querer pôr em causa o facto de alguns dos problemas serem herdados do anterior Governo do PS, a realidade é que a estratégia e medidas do Governo para o sector carecem de explicação e de melhor comunicação. Aliás - e para ser mais claro -, parece-me que necessitam de um debate e de uma preparação mais alargada, longe do centralismo em um ou dois assessores de circunstância, seguramente sedentos de algum protagonismo mas cuja (aparente) boa-vontade não substitui um planeamento sério em conjunto com as altas chefias militares e - obviamente - com as associações representativas do sector. Finalmente, e em matéria de SIR, o exemplo do mau aconselhamento e da falta de orientação do Governo são por demais evidentes. Elas passam não apenas pela ausência de um modelo concreto para as informações em Portugal, como - e bem mais grave - parecem indiciar uma vontade de perpetuação de um modelo iniciado em 2004 mas que está, por muitos motivos, desadequado da nossa realidade.
Se somarmos a actual contestação às indecisões e erros políticos do Governo em matéria de segurança nacional, compreenderemos - de forma clara - que estas só podem resultar de um mau aconselhamento político. Um mau aconselhamento que - mais cedo ou mais tarde - terá os seus custos políticos.
In DN
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Um Presidente barricado
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Um Presidente barricado
por NUNO SARAIVA
Ontem
O Presidente da República, já o sabíamos, não gosta de povo. Tem medo do povo. Foge do povo. Apesar de, paternalista, gostar de dizer que é "o provedor do povo". Quem não se lembra, por exemplo, dos verdadeiros cordões sanitários impostos de cada vez que o então primeiro-ministro fazia incursões à praia neste país de brandos costumes?
Esta semana, mais uma vez, tal como em tantas outras ao longo da sua vida política, Cavaco Silva escondeu-se. Não o fez atrás de uma fatia de bolo-rei, como em dezembro de 1995, ou refugiando-se no Pulo do Lobo, como em maio de 1994. Agora, acantonou-se, à semelhança das últimas semanas, no Palácio de Belém. Assustado com uma micromanifestação de adolescentes à porta da António Arroio, em Lisboa, que protestavam contra os preços do passe social para estudantes ou a falta de condições de uma cantina que os obriga a comer nas escadas da escola, o Presidente decidiu, à última hora, cancelar a visita que tinha programada. O mesmo Presidente que, há um ano, incentivava os jovens a manifestarem-se em defesa da escola. O mesmo Presidente que, no seu discurso de posse para o segundo mandato, apelou, em vésperas da manifestação dos indignados, ao "sobressalto cívico" da juventude.
Era esta a primeira vez que saía à rua, em ambiente não controlado, depois da lamúria pública, há quase um mês, das suas pensões, que lhe valeu a censura do povo em Guimarães e a erosão de popularidade em todas as sondagens. Cavaco mostrou, mais uma vez, a sua verdadeira natureza. É piegas, muito piegas.
De Belém, qual estrela guia, surgiu a justificação. "Um impedimento", explicou fonte oficial. Ora, impedimento significa obstáculo, embaraço, proibição, estorvo. Mas impedimento - caso não surja qualquer explicação substancial - arrisca-se a ser também agora, no léxico cavaquista, falta de coragem, medo, fuga, incapacidade de lidar com a crítica ou o descontentamento legítimo de quem procura no Presidente da República um referencial de esperança.
No seu primeiro mandato, e quando procurava garantir a reeleição, Cavaco Silva orgulhava-se dos milhares de quilómetros percorridos em Portugal a ouvir o povo. Dos roteiros inspirados nas presidências abertas de Mário Soares. Ontem, trancado no Palácio da Cidadela, em Cascais, inaugurou um novo formato para estas intervenções. Voltam os perímetros de segurança em jeito de cordão sanitário, que impedem qualquer tipo de aproximação ao Presidente.
Assim será, aliás, daqui para a frente. Depois da vaia em Guimarães, Belém não arrisca um milímetro. Os novos roteiros presidenciais acontecerão sempre à porta fechada, com admissão por convite e sem contactos com a população ou com a imprensa.
Trata-se, pois, de uma Presidência sequestrada e refém das gafes, do medo da rua e da obsessão com a imagem deste Presidente. Ou, na formulação da jornalista São José Almeida, do "início de um novo ciclo político que poderá ficar para a história como o da Presidência fechada".
Num país que ultrapassou a barreira do milhão e meio de desempregados reais, em que o salário médio não chega a 800 euros mensais e o salário mínimo é de 485 euros, em que a austeridade é cada vez maior e os sacrifícios se tornam insuportáveis para uma fatia muito significativa dos cidadãos, um Presidente da República inacessível a todos os portugueses que jurou representar, que se esconde e vive barricado no Palácio de Belém, torna-se inútil. Nem vale sequer a pena tentar ajudá-lo a prosseguir o seu mandato com dignidade. Porque quem se esconde desta maneira não se dá ao respeito e não é digno do mandato que lhe foi conferido pelo povo.
No fundo no fundo, Cavaco é apenas e só vítima da sua própria incoerência.
In DN
Um Presidente barricado
por NUNO SARAIVA
Ontem
O Presidente da República, já o sabíamos, não gosta de povo. Tem medo do povo. Foge do povo. Apesar de, paternalista, gostar de dizer que é "o provedor do povo". Quem não se lembra, por exemplo, dos verdadeiros cordões sanitários impostos de cada vez que o então primeiro-ministro fazia incursões à praia neste país de brandos costumes?
Esta semana, mais uma vez, tal como em tantas outras ao longo da sua vida política, Cavaco Silva escondeu-se. Não o fez atrás de uma fatia de bolo-rei, como em dezembro de 1995, ou refugiando-se no Pulo do Lobo, como em maio de 1994. Agora, acantonou-se, à semelhança das últimas semanas, no Palácio de Belém. Assustado com uma micromanifestação de adolescentes à porta da António Arroio, em Lisboa, que protestavam contra os preços do passe social para estudantes ou a falta de condições de uma cantina que os obriga a comer nas escadas da escola, o Presidente decidiu, à última hora, cancelar a visita que tinha programada. O mesmo Presidente que, há um ano, incentivava os jovens a manifestarem-se em defesa da escola. O mesmo Presidente que, no seu discurso de posse para o segundo mandato, apelou, em vésperas da manifestação dos indignados, ao "sobressalto cívico" da juventude.
Era esta a primeira vez que saía à rua, em ambiente não controlado, depois da lamúria pública, há quase um mês, das suas pensões, que lhe valeu a censura do povo em Guimarães e a erosão de popularidade em todas as sondagens. Cavaco mostrou, mais uma vez, a sua verdadeira natureza. É piegas, muito piegas.
De Belém, qual estrela guia, surgiu a justificação. "Um impedimento", explicou fonte oficial. Ora, impedimento significa obstáculo, embaraço, proibição, estorvo. Mas impedimento - caso não surja qualquer explicação substancial - arrisca-se a ser também agora, no léxico cavaquista, falta de coragem, medo, fuga, incapacidade de lidar com a crítica ou o descontentamento legítimo de quem procura no Presidente da República um referencial de esperança.
No seu primeiro mandato, e quando procurava garantir a reeleição, Cavaco Silva orgulhava-se dos milhares de quilómetros percorridos em Portugal a ouvir o povo. Dos roteiros inspirados nas presidências abertas de Mário Soares. Ontem, trancado no Palácio da Cidadela, em Cascais, inaugurou um novo formato para estas intervenções. Voltam os perímetros de segurança em jeito de cordão sanitário, que impedem qualquer tipo de aproximação ao Presidente.
Assim será, aliás, daqui para a frente. Depois da vaia em Guimarães, Belém não arrisca um milímetro. Os novos roteiros presidenciais acontecerão sempre à porta fechada, com admissão por convite e sem contactos com a população ou com a imprensa.
Trata-se, pois, de uma Presidência sequestrada e refém das gafes, do medo da rua e da obsessão com a imagem deste Presidente. Ou, na formulação da jornalista São José Almeida, do "início de um novo ciclo político que poderá ficar para a história como o da Presidência fechada".
Num país que ultrapassou a barreira do milhão e meio de desempregados reais, em que o salário médio não chega a 800 euros mensais e o salário mínimo é de 485 euros, em que a austeridade é cada vez maior e os sacrifícios se tornam insuportáveis para uma fatia muito significativa dos cidadãos, um Presidente da República inacessível a todos os portugueses que jurou representar, que se esconde e vive barricado no Palácio de Belém, torna-se inútil. Nem vale sequer a pena tentar ajudá-lo a prosseguir o seu mandato com dignidade. Porque quem se esconde desta maneira não se dá ao respeito e não é digno do mandato que lhe foi conferido pelo povo.
No fundo no fundo, Cavaco é apenas e só vítima da sua própria incoerência.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
O país das grandes incertezas
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O país das grandes incertezas
por BAPTISTA-BASTOS
oje
Ninguém esperava que o País chegasse a isto. Embora alguns, não muitos, demonstrassem um cepticismo próximo da negação absoluta. Estava no Diário Popular, quando Marcelo Caetano se rendeu. Andei pelo Carmo, a rondar e a sondar, corri para o jornal, e disse ao José de Freitas: "Zé: o fascismo caiu." José de Freitas era um notável jornalista, sonhara os sonhos impossíveis da grande geração a que pertencia, e fora marcado por toda a gama de desesperos. Respondeu-me, as lágrimas a rolarem-lhe pela face: "Vamos lá ver... Vamos lá ver..."
As frases toldadas causaram-me surpresa próxima da perplexidade. "Caiu, Zé; o fascismo caiu." E ele: "És muito novo, ainda", talvez para justificar a minha pobre ingenuidade. Ele tinha razão. Não se extirpa, de um momento para o outro, uma mentalidade timbrada pelo temor reverencial, ou as características serviçais que revelam índoles pouco corajosas. Alie-se a estas debilidades a ignorância larvar, e a tendência para deixar correr as coisas. E algumas traições, aparentemente inverosímeis.
O sonho, como se sabe, durou pouco mais de ano e meio. Normalizou-se uma democracia que nem sequer sabia que o era. Depois, fomos tropeçando, à medida das nossas resignações e incapacidades. Se calhar, não gostamos do risco de pensar, e damo-nos mal com a democracia, que nos incita a isso. Se calhar.
Vejamos: um homem como Nuno Crato, procedente da extrema-esquerda e rendido às sereias da Direita, autor de lúcidos textos de análise reflexiva, como, por exemplo, O Eduquês em Discurso Directo, livro de referência; matemático distinto, não é assaltado por nenhum sobressalto das antigas inquietações?, quando sabe que está a decrescer o número de alunos do secundário e do universitário, e o conhecimento se torna cada vez mais distante, não? Crato não ignora que o ensino se defronta com cada vez maiores dificuldades; cortes, reduções e limitações dos mais absurdos, fazendo do estudo apenas uma possibilidade para elites endinheiradas. Para se obter uma bolsa quase é necessário atestado de esmoler. Abre caminho a tese da dr.ª Ferreira Leite, segundo a qual quem não tem posses não faz hemodiálise.
Os Governos encheram a boca de orgulho, com o elevado grau de qualificações dos nossos estudantes, afirmação que me pareceu exagerada, por desassociada da verdade. As qualificações são específicas: quanto a cultura geral a soma e o resto não se alteraram, em comparação com gerações anteriores.
Nuno Crato teria uma palavra de esclarecimento a dizer-nos, ele, que sempre recusara a metáfora como esconderijo. Há algo de impudor nesta combinação que mata, de torpeza e de discurso contingente. Estamos a ser, progressivamente, desafectados dos sentimentos e das razões formativas, com a cumplicidade relevante de pessoas que havíamos estimado e admirado.
In DN
O país das grandes incertezas
por BAPTISTA-BASTOS
oje
Ninguém esperava que o País chegasse a isto. Embora alguns, não muitos, demonstrassem um cepticismo próximo da negação absoluta. Estava no Diário Popular, quando Marcelo Caetano se rendeu. Andei pelo Carmo, a rondar e a sondar, corri para o jornal, e disse ao José de Freitas: "Zé: o fascismo caiu." José de Freitas era um notável jornalista, sonhara os sonhos impossíveis da grande geração a que pertencia, e fora marcado por toda a gama de desesperos. Respondeu-me, as lágrimas a rolarem-lhe pela face: "Vamos lá ver... Vamos lá ver..."
As frases toldadas causaram-me surpresa próxima da perplexidade. "Caiu, Zé; o fascismo caiu." E ele: "És muito novo, ainda", talvez para justificar a minha pobre ingenuidade. Ele tinha razão. Não se extirpa, de um momento para o outro, uma mentalidade timbrada pelo temor reverencial, ou as características serviçais que revelam índoles pouco corajosas. Alie-se a estas debilidades a ignorância larvar, e a tendência para deixar correr as coisas. E algumas traições, aparentemente inverosímeis.
O sonho, como se sabe, durou pouco mais de ano e meio. Normalizou-se uma democracia que nem sequer sabia que o era. Depois, fomos tropeçando, à medida das nossas resignações e incapacidades. Se calhar, não gostamos do risco de pensar, e damo-nos mal com a democracia, que nos incita a isso. Se calhar.
Vejamos: um homem como Nuno Crato, procedente da extrema-esquerda e rendido às sereias da Direita, autor de lúcidos textos de análise reflexiva, como, por exemplo, O Eduquês em Discurso Directo, livro de referência; matemático distinto, não é assaltado por nenhum sobressalto das antigas inquietações?, quando sabe que está a decrescer o número de alunos do secundário e do universitário, e o conhecimento se torna cada vez mais distante, não? Crato não ignora que o ensino se defronta com cada vez maiores dificuldades; cortes, reduções e limitações dos mais absurdos, fazendo do estudo apenas uma possibilidade para elites endinheiradas. Para se obter uma bolsa quase é necessário atestado de esmoler. Abre caminho a tese da dr.ª Ferreira Leite, segundo a qual quem não tem posses não faz hemodiálise.
Os Governos encheram a boca de orgulho, com o elevado grau de qualificações dos nossos estudantes, afirmação que me pareceu exagerada, por desassociada da verdade. As qualificações são específicas: quanto a cultura geral a soma e o resto não se alteraram, em comparação com gerações anteriores.
Nuno Crato teria uma palavra de esclarecimento a dizer-nos, ele, que sempre recusara a metáfora como esconderijo. Há algo de impudor nesta combinação que mata, de torpeza e de discurso contingente. Estamos a ser, progressivamente, desafectados dos sentimentos e das razões formativas, com a cumplicidade relevante de pessoas que havíamos estimado e admirado.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Brincar à criticazinha
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Brincar à criticazinha
por JOÃO CÉSAR DAS NEVES
20 Fevereiro 2012
A crise em Portugal cria graves problemas de pobreza logo na altura em que a Segurança Social, espartilhada na emergência financeira, está menos capaz de lhes acudir. Muitos dão o Estado-providência como falido. Isso não é verdade. O sector público terá sempre um lugar indispensável no apoio social. O que faliu foi o seu totalitarismo assistencial.
Há décadas que, por opções ideológicas e populismo eleitoral, os poderes públicos nacionalizam as esmolas. Metem-se entre pobres e benfeitores, tributando os segundos para ter o mérito de ajudar os primeiros. A fúria regulatória de uma burocracia crescente persegue qualquer obra de solidariedade, enquanto cria alternativas estatais para as estrangular. Foi este suposto Estado-providência que se mostrou insustentável. Agora os poderes públicos têm de encontrar o seu lugar subsidiário numa sociedade equilibrada.
A inelutável necessidade de contar com a sociedade e Igreja no apoio aos necessitados exige também que se reveja a antiga campanha cultural que preparou o assalto público à assistência social. Há décadas que várias forças se dedicam à tarefa de denegrir as multisseculares instituições de caridade cristã, atacando em nome dos pobres aqueles que mais se esforçam para os ajudar. Alguns casos ficaram famosos.
O professor José Barata Moura, reputado académico e antigo reitor da Universidade de Lisboa, é autor de algumas das melhores canções infantis e de intervenção da língua portuguesa. O seu primeiro disco, Caridadezinha (Orfeu, 1973), incluía um dos temas mais famosos e poderosos nesta questão: Vamos brincar à caridadezinha. Nele o cantor ridiculariza a "festa, canasta e boa comidinha" onde, com "os desportistas da caridade", se "rouba muito mas dá prenda, e ao peito terá uma comenda".
Há mais exemplos. O genial Quino (Joaquín Salvador Lavado), criador argentino de Mafalda, a contestatária, numa das suas hilariantes e lúcidas tiras pôs Susaninha a dizer à amiga: "Também fico com a alma ferida quando vejo os pobrezinhos, acredita! Mas quando formos senhoras faremos uma associação de caridade. E organizaremos chás e banquetes com perú, lagosta, leitão... para arranjarmos fundos para comprarmos farinha, massa, pão e essas coisas que comem os pobres" (Quino, 1973, 13 anos com a Mafalda, Publicações Dom Quixote, 1983, p.128).
A crítica social é compreensível. É sempre fácil ridicularizar os opulentos e todos ficamos chocados pelo contraste entre luxo e miséria. Mas se pensarmos um pouco vemos como esta censura é nociva e contraproducente. Afinal, se há muita coisa a reprovar nos endinheirados, uma das poucas em que os devemos louvar é precisamente quando ajudam os necessitados. Esta ferroada atinge os pomposos quando fazem o bem.
Tais repreensões não são feitas do ponto de vista dos desgraçados, os quais, independentemente da motivação da ajuda, ganham muito com ela. Se queremos ajudar os pobres, é bom não desdenhar o dinheiro de quem o tem. Eles ficariam muito prejudicados com a promessa final da canção: "não vamos brincar à caridadezinha."
Além disso, o mesmo contraste estético que motiva a crítica ressurge claramente nas alternativas. Havia "chás e banquetes" na URSS e já recebi folhetos de congressos sobre a pobreza em hotéis de luxo. Pior, o sucesso destas críticas acabou por ir para lá do pretendido. Não só "estragaram" a palavra caridade, como se costuma hoje ouvir a cada passo, preferindo-se expressões anódinas e vazias, como solidariedade ou assistência, mas tiveram efeito claramente redutor nos esforços de apoio social. É comum ainda hoje, 40 anos depois, ouvir a crítica de "caridadezinha" cada vez que alguém cria uma iniciativa de auxílio. A gargalhada destrói sempre mais do que quer.
Claro que a justificação do remoque era mais profunda. Preconizava-se uma revolução social, que garantisse a todos os cidadãos o direito a certo rendimento, seguro pelo Estado. É isso que falha sucessiva e fragorosamente desde 1973, confirmando a maior força social da humanidade, a caridade cristã.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
Brincar à criticazinha
por JOÃO CÉSAR DAS NEVES
20 Fevereiro 2012
A crise em Portugal cria graves problemas de pobreza logo na altura em que a Segurança Social, espartilhada na emergência financeira, está menos capaz de lhes acudir. Muitos dão o Estado-providência como falido. Isso não é verdade. O sector público terá sempre um lugar indispensável no apoio social. O que faliu foi o seu totalitarismo assistencial.
Há décadas que, por opções ideológicas e populismo eleitoral, os poderes públicos nacionalizam as esmolas. Metem-se entre pobres e benfeitores, tributando os segundos para ter o mérito de ajudar os primeiros. A fúria regulatória de uma burocracia crescente persegue qualquer obra de solidariedade, enquanto cria alternativas estatais para as estrangular. Foi este suposto Estado-providência que se mostrou insustentável. Agora os poderes públicos têm de encontrar o seu lugar subsidiário numa sociedade equilibrada.
A inelutável necessidade de contar com a sociedade e Igreja no apoio aos necessitados exige também que se reveja a antiga campanha cultural que preparou o assalto público à assistência social. Há décadas que várias forças se dedicam à tarefa de denegrir as multisseculares instituições de caridade cristã, atacando em nome dos pobres aqueles que mais se esforçam para os ajudar. Alguns casos ficaram famosos.
O professor José Barata Moura, reputado académico e antigo reitor da Universidade de Lisboa, é autor de algumas das melhores canções infantis e de intervenção da língua portuguesa. O seu primeiro disco, Caridadezinha (Orfeu, 1973), incluía um dos temas mais famosos e poderosos nesta questão: Vamos brincar à caridadezinha. Nele o cantor ridiculariza a "festa, canasta e boa comidinha" onde, com "os desportistas da caridade", se "rouba muito mas dá prenda, e ao peito terá uma comenda".
Há mais exemplos. O genial Quino (Joaquín Salvador Lavado), criador argentino de Mafalda, a contestatária, numa das suas hilariantes e lúcidas tiras pôs Susaninha a dizer à amiga: "Também fico com a alma ferida quando vejo os pobrezinhos, acredita! Mas quando formos senhoras faremos uma associação de caridade. E organizaremos chás e banquetes com perú, lagosta, leitão... para arranjarmos fundos para comprarmos farinha, massa, pão e essas coisas que comem os pobres" (Quino, 1973, 13 anos com a Mafalda, Publicações Dom Quixote, 1983, p.128).
A crítica social é compreensível. É sempre fácil ridicularizar os opulentos e todos ficamos chocados pelo contraste entre luxo e miséria. Mas se pensarmos um pouco vemos como esta censura é nociva e contraproducente. Afinal, se há muita coisa a reprovar nos endinheirados, uma das poucas em que os devemos louvar é precisamente quando ajudam os necessitados. Esta ferroada atinge os pomposos quando fazem o bem.
Tais repreensões não são feitas do ponto de vista dos desgraçados, os quais, independentemente da motivação da ajuda, ganham muito com ela. Se queremos ajudar os pobres, é bom não desdenhar o dinheiro de quem o tem. Eles ficariam muito prejudicados com a promessa final da canção: "não vamos brincar à caridadezinha."
Além disso, o mesmo contraste estético que motiva a crítica ressurge claramente nas alternativas. Havia "chás e banquetes" na URSS e já recebi folhetos de congressos sobre a pobreza em hotéis de luxo. Pior, o sucesso destas críticas acabou por ir para lá do pretendido. Não só "estragaram" a palavra caridade, como se costuma hoje ouvir a cada passo, preferindo-se expressões anódinas e vazias, como solidariedade ou assistência, mas tiveram efeito claramente redutor nos esforços de apoio social. É comum ainda hoje, 40 anos depois, ouvir a crítica de "caridadezinha" cada vez que alguém cria uma iniciativa de auxílio. A gargalhada destrói sempre mais do que quer.
Claro que a justificação do remoque era mais profunda. Preconizava-se uma revolução social, que garantisse a todos os cidadãos o direito a certo rendimento, seguro pelo Estado. É isso que falha sucessiva e fragorosamente desde 1973, confirmando a maior força social da humanidade, a caridade cristã.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Discussão num copo de água
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Discussão num copo de água
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
PSD e PS podem radicalizar as suas posições? A questão não é líquida. Ou melhor, é: os socialistas querem que a água consumida no Parlamento seja da torneira e os do PSD são adeptos da água engarrafada. Há vários meses que se discute por uma ou outra das causas! Até agora os argumentos eram ecológicos. O plástico, a não reciclagem, etc. Mas isso era no tempo da outra senhora, quando éramos ricos. Com isto da troika e do fechar da torneira, perdão, esta imagem faz confusão nesta discussão engarrafada, perdão, outra imagem confusa, com isto da austeridade, dizia eu, os argumentos passaram a praticar o novo desporto nacional: a análise financeira. Custos da coisa, pois. Aqui chegados, parece que a torneira venceria a rolha, certo? Errado. O Conselho de Administração da Assembleia da República calculou o preço da água saída das torneiras, acrescentou-lhe o dos funcionários para o enchimento do vasilhame, a limpeza e o arrumo, e concluiu que ficava em 2730 euros mensais. Já a água engarrafada ficava a 259,20 euros, dez vezes menos... Esta guerra da garrafa e da torneira, ridícula em si, pode também ter desarrolhado outra questão. Reparem, as contas indiciam que os serviços prestados na água engarrafada (onde também há enchimento, transporte...), feitos por operários do sector privado, são bem mais baratos que o serviço dos funcionários parlamentares. Entre dois goles, o PSD levou água ao seu moinho para defender o liberalismo.
In DN
Discussão num copo de água
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
PSD e PS podem radicalizar as suas posições? A questão não é líquida. Ou melhor, é: os socialistas querem que a água consumida no Parlamento seja da torneira e os do PSD são adeptos da água engarrafada. Há vários meses que se discute por uma ou outra das causas! Até agora os argumentos eram ecológicos. O plástico, a não reciclagem, etc. Mas isso era no tempo da outra senhora, quando éramos ricos. Com isto da troika e do fechar da torneira, perdão, esta imagem faz confusão nesta discussão engarrafada, perdão, outra imagem confusa, com isto da austeridade, dizia eu, os argumentos passaram a praticar o novo desporto nacional: a análise financeira. Custos da coisa, pois. Aqui chegados, parece que a torneira venceria a rolha, certo? Errado. O Conselho de Administração da Assembleia da República calculou o preço da água saída das torneiras, acrescentou-lhe o dos funcionários para o enchimento do vasilhame, a limpeza e o arrumo, e concluiu que ficava em 2730 euros mensais. Já a água engarrafada ficava a 259,20 euros, dez vezes menos... Esta guerra da garrafa e da torneira, ridícula em si, pode também ter desarrolhado outra questão. Reparem, as contas indiciam que os serviços prestados na água engarrafada (onde também há enchimento, transporte...), feitos por operários do sector privado, são bem mais baratos que o serviço dos funcionários parlamentares. Entre dois goles, o PSD levou água ao seu moinho para defender o liberalismo.
In DN
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Saudade e 'Schadenfreude'
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Saudade e 'Schadenfreude'
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Ando a ter muita Schadenfreude. Vocês sabem, aquela palavra alemã que significa ter alegria com o mal dos outros. Eu tive de explicar em frase, mas os alemães precisam de uma só palavra para definir a coisa. Muito eficientes os alemães, sobretudo em motores e estados de alma. A primeira vez que senti ter Schadenfreude foi quando soube que os alemães tinham uma palavra para aquilo. Como ando de há uns tempos para cá irritado com os alemães, fiquei contente com o mal deles, fiquei com Schadenfreude por eles terem a palavra Schadenfreude. Só mesmo eles, disse-me. Agora li que o Deutsche Bank (olha, outra coisa em que eles são bons, bancos) tem um fundo de investimento chamado Life Kompass 3. Este é tão fácil de explicar como empurrar uma velhota escada abaixo. Há um painel de 500 pessoas, verdadeiras e americanas, entre os 70 e 90 anos, a quem o banco determina uma dada esperança de vida. Se morrerem antes, os investidores ganham mais, se morrem depois, o banco paga menos aos investidores. Como se pode ver, o Deutsche Bank tem aqui o papel humanitário, tem interesse em que os velhotes vivam mais tempo. Já os investidores alemães apostam na morte da manada dos 500 o mais cedo possível. Esta aposta na morte deu-me outra vez Schadenfreude pelos alemães. Eu sei que o sentimento é de alegria, mas não gosto. Já tenho saudade de ser português, isto é, meter explicações longas numa só palavra e esta não fazer mal aos outros.
In DN
Saudade e 'Schadenfreude'
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Ando a ter muita Schadenfreude. Vocês sabem, aquela palavra alemã que significa ter alegria com o mal dos outros. Eu tive de explicar em frase, mas os alemães precisam de uma só palavra para definir a coisa. Muito eficientes os alemães, sobretudo em motores e estados de alma. A primeira vez que senti ter Schadenfreude foi quando soube que os alemães tinham uma palavra para aquilo. Como ando de há uns tempos para cá irritado com os alemães, fiquei contente com o mal deles, fiquei com Schadenfreude por eles terem a palavra Schadenfreude. Só mesmo eles, disse-me. Agora li que o Deutsche Bank (olha, outra coisa em que eles são bons, bancos) tem um fundo de investimento chamado Life Kompass 3. Este é tão fácil de explicar como empurrar uma velhota escada abaixo. Há um painel de 500 pessoas, verdadeiras e americanas, entre os 70 e 90 anos, a quem o banco determina uma dada esperança de vida. Se morrerem antes, os investidores ganham mais, se morrem depois, o banco paga menos aos investidores. Como se pode ver, o Deutsche Bank tem aqui o papel humanitário, tem interesse em que os velhotes vivam mais tempo. Já os investidores alemães apostam na morte da manada dos 500 o mais cedo possível. Esta aposta na morte deu-me outra vez Schadenfreude pelos alemães. Eu sei que o sentimento é de alegria, mas não gosto. Já tenho saudade de ser português, isto é, meter explicações longas numa só palavra e esta não fazer mal aos outros.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Amigo maior que o pensamento
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Amigo maior que o pensamento
por JOSÉ MANUEL PUREZA
Hoje
A morte adoça a agrura das tensões e das disputas. Vezes sem conta, os consensos póstumos mascaram o ostracismo a que a vida foi votada por incómoda, por dissidente, por provocadora.
Assim é com José Afonso, 25 anos depois de morto. As expressões de admiração unânime por ele e pelo seu trabalho que por estes dias se têm exibido são de uma artificialidade e de uma falsidade sem limite. Os ordeiros de hoje e os normalizadores de ontem dão as mãos e debitam, entre o alívio e a pose, frases feitas de homenagem a quem querem crer que já não os poderá inquietar mais. A sua estratégia é a da desmemória que pasteuriza o passado como se ele tivesse sido feito de tranquilidade e de cordialidade palacianas.
Pois não foi, com José Afonso não foi. Ele não foi apenas o autor de "trovas e cantigas muito belas / trovas e cantigas de embalar". José Afonso foi sempre, mais do que tudo, um cultor inquebrantável da subversão, um castigador impiedoso do conservadorismo político, moral e cultural. Numa entrevista a Viriato Teles, em 1985, estilhaçou a quietude: "O que é preciso é criar desassossego. Quando começamos a criar álibis para justificar o nosso conformismo, então está tudo lixado! (...) Acho que, acima de tudo, é preciso agitar, não ficar parado, ter coragem, quer se trate de música ou de política. E nós, neste país, somos tão pouco corajosos que, qualquer dia, estamos reduzidos à condição de 'homenzinhos' e 'mulherzinhas'. Temos é que ser gente, pá!"
A música foi apenas a ferramenta que ele usou para trabalhar essa exigente atitude cívica marcada pelo princípio da dissidência. Por estas e por outras, a paga que teve foi a proibição de ensinar e a censura à sua escrita de palavras e de melodias. Contra a mitificação consensual de hoje, ele nunca teve a simpatia dos poderes - fossem políticos, económicos ou culturais - porque nunca quis ser outra coisa senão "a formiga no carreiro que vinha em sentido contrário" e que não abdicou de dizer ao formigueiro "mudem de rumo! mudem de rumo!"
"Não me arrependo de nada do que fiz. Mais: eu sou aquilo que fiz. Embora com reservas acreditava o suficiente no que estava a fazer, e isso é que fica. Quando as pessoas param, há como que um pacto implícito com o inimigo, tanto no campo político, como no campo estético e cultural. E, por vezes, o inimigo somos nós próprios, a nossa própria consciência e os álibis de que nos servimos para justificar a modorra e o abandono dos campos de luta", afirmou numa entrevista de 1984. Pois é. José Afonso nunca transigiu, porque ele sabia que "não há bandeira sem luta, não há luta sem batalha". Foi isso mesmo que fez ao longo da sua vida. Mostrando a denúncia como imperativo moral e político essencial ("mulher na democracia não é biombo de sala"). Apelando à vigilância ("se alguém se engana com seu ar sisudo e lhes franqueia as portas à chegada"...) contra os velhos e novos poderes que "vêm em bandos, com pés de veludo, chupar o sangue fresco da manada". E tudo sempre em vista dessa "cidade sem muros nem ameias / gente igual por dentro / gente igual por fora".
A democracia que se quer cultura e não liturgia tem uma dívida de reconhecimento para com José Afonso: a de ter mostrado a cidadania como intolerância para com a injustiça e o atavismo. Nós, que somos filhos da madrugada, sabemos que a nossa paga só pode ser a de abrirmos caminho a uma "terra da fraternidade", onde "o povo é quem mais ordena". E dessa terra lá no horizonte "ouvem-se já os rumores / ouvem-se já os clamores / ouvem-se já os tambores".
In DN
Amigo maior que o pensamento
por JOSÉ MANUEL PUREZA
Hoje
A morte adoça a agrura das tensões e das disputas. Vezes sem conta, os consensos póstumos mascaram o ostracismo a que a vida foi votada por incómoda, por dissidente, por provocadora.
Assim é com José Afonso, 25 anos depois de morto. As expressões de admiração unânime por ele e pelo seu trabalho que por estes dias se têm exibido são de uma artificialidade e de uma falsidade sem limite. Os ordeiros de hoje e os normalizadores de ontem dão as mãos e debitam, entre o alívio e a pose, frases feitas de homenagem a quem querem crer que já não os poderá inquietar mais. A sua estratégia é a da desmemória que pasteuriza o passado como se ele tivesse sido feito de tranquilidade e de cordialidade palacianas.
Pois não foi, com José Afonso não foi. Ele não foi apenas o autor de "trovas e cantigas muito belas / trovas e cantigas de embalar". José Afonso foi sempre, mais do que tudo, um cultor inquebrantável da subversão, um castigador impiedoso do conservadorismo político, moral e cultural. Numa entrevista a Viriato Teles, em 1985, estilhaçou a quietude: "O que é preciso é criar desassossego. Quando começamos a criar álibis para justificar o nosso conformismo, então está tudo lixado! (...) Acho que, acima de tudo, é preciso agitar, não ficar parado, ter coragem, quer se trate de música ou de política. E nós, neste país, somos tão pouco corajosos que, qualquer dia, estamos reduzidos à condição de 'homenzinhos' e 'mulherzinhas'. Temos é que ser gente, pá!"
A música foi apenas a ferramenta que ele usou para trabalhar essa exigente atitude cívica marcada pelo princípio da dissidência. Por estas e por outras, a paga que teve foi a proibição de ensinar e a censura à sua escrita de palavras e de melodias. Contra a mitificação consensual de hoje, ele nunca teve a simpatia dos poderes - fossem políticos, económicos ou culturais - porque nunca quis ser outra coisa senão "a formiga no carreiro que vinha em sentido contrário" e que não abdicou de dizer ao formigueiro "mudem de rumo! mudem de rumo!"
"Não me arrependo de nada do que fiz. Mais: eu sou aquilo que fiz. Embora com reservas acreditava o suficiente no que estava a fazer, e isso é que fica. Quando as pessoas param, há como que um pacto implícito com o inimigo, tanto no campo político, como no campo estético e cultural. E, por vezes, o inimigo somos nós próprios, a nossa própria consciência e os álibis de que nos servimos para justificar a modorra e o abandono dos campos de luta", afirmou numa entrevista de 1984. Pois é. José Afonso nunca transigiu, porque ele sabia que "não há bandeira sem luta, não há luta sem batalha". Foi isso mesmo que fez ao longo da sua vida. Mostrando a denúncia como imperativo moral e político essencial ("mulher na democracia não é biombo de sala"). Apelando à vigilância ("se alguém se engana com seu ar sisudo e lhes franqueia as portas à chegada"...) contra os velhos e novos poderes que "vêm em bandos, com pés de veludo, chupar o sangue fresco da manada". E tudo sempre em vista dessa "cidade sem muros nem ameias / gente igual por dentro / gente igual por fora".
A democracia que se quer cultura e não liturgia tem uma dívida de reconhecimento para com José Afonso: a de ter mostrado a cidadania como intolerância para com a injustiça e o atavismo. Nós, que somos filhos da madrugada, sabemos que a nossa paga só pode ser a de abrirmos caminho a uma "terra da fraternidade", onde "o povo é quem mais ordena". E dessa terra lá no horizonte "ouvem-se já os rumores / ouvem-se já os clamores / ouvem-se já os tambores".
In DN
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Colapso presidencial?
.
Colapso presidencial?
por MANUEL MARIA CARRILHO
Ontem
As dificuldades de Cavaco Silva não são matéria que se deva abordar com ligeireza, dada a importância nuclear das funções do Presidente da República no funcionamento da nossa democracia.
Mas a situação é grave. E é preciso dizê-lo claramente, porque Cavaco Silva está à beira de conseguir um feito inédito: o de se tornar, como todas as últimas sondagens e estudos de opinião têm mostrado, um Presidente impopular e sem credibilidade.
Cavaco Silva não pode cometer mais erros e tem de reparar os que cometeu. Não será fácil, mas, com cerca de quatro anos de mandato ainda por cumprir, é essencial que o faça - por si e por todos nós.
Como é que se chegou aqui? Pouco talhado para a função, Cavaco Silva apresentou-se em 2006 como um candidato que, mais do que uma visão de futuro para País, exibia um currículo e uma imagem de rigor que prometiam proteger-nos das derivas que o País tinha na memória mais recente.
A estratégia falhou. As derivas (diferentes, é verdade) continuaram, ele dedicou-se a minudências, esquecendo o essencial, e acabou a fazer o impensável no momento em que a crise nacional e internacional mais se agudizava: dar posse a um Governo minoritário, que é sempre - como se sabe - um governo a prazo, sem força, que pensa mais na sua sobrevivência do que nos problemas do País.
A crise, entretanto, mudou também a forma como muitos portugueses olham para a herança do cavaquismo. A reputação de Cavaco Silva assentava, em boa parte, na "sua" obra, realizada na "sua" década. Ora, o que agora se foi tornando evidente foi que muitas decisões tomadas entre 1985 e 1995 estão na origem, remota mas real, de grande parte dos problemas que hoje o País enfrenta.
O modelo de desenvolvimento que então se estabeleceu, essencialmente assente no betão e nos seus interesses, deixou-nos com escassos argumentos para enfrentar o futuro, e com o sabor amargo de se ter perdido uma oportunidade histórica para realmente mudar o País.
Perante isto, Cavaco Silva prometeu um segundo mandato revigorado por uma magistratura de influência "mais ativa". Contudo, depois de um previsível discurso de posse, que marcou a sua rutura com o Governo minoritário de José Sócrates, a ideia que foi dando foi mais de paralisia do que propriamente de mudança...
Esta acabou por vir do Governo da coligação PSD/PP, e com ela de novo Cavaco Silva perdeu o pé, multiplicando declarações contraditórias, entre o apoio sem convicção e a crítica sem consequências, acabando por escorregar depois em afirmações desajeitadas e de uma infelicidade quase provocadora, a propósito das suas pensões.
O problema - grave problema, repito - é que em vez de procurar arrepiar caminho, o que se impõe com urgência, Cavaco Silva parece algo esquivo à realidade, procurando proteger-se ora com tiques de autoridade, ora com poses de recolhimento, havendo já quem pressinta uma presidência doravante fechada ou, no mínimo - como aqui no DN escreveu Nuno Saraiva -, uma presidência bloqueada.
O Presidente tem de dar a volta à situação, percebendo que as exigências de escrutínio e de transparência que se tornaram comuns nas democracias contemporâneas, e se têm naturalmente radicalizado com a crise, introduziram novas dimensões na vida política, levando à erosão do argumento de autoridade, seja qual for a sua forma: de função, de representação ou de estatuto.
Nos tempos que correm, exercer o poder é difícil - mas incarná-lo não o é menos. Às conhecidas características da sociedade do espetáculo, que a democracia incorporou nas últimas décadas, juntam-se agora as de uma sociedade do contacto (de proximidade e de emoção), marcada por um individualismo sobretudo expressivo, e pelo progressivo desaparecimento de quase todas as formas de distância e de quase todos os dispositivos de protocolo.
A situação não se resolve, pois, com brejeirices, como se tivéssemos entrado na época do "tiro ao Cavaco", como disse Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente deve saber que (como há muito o estabeleceu a teoria dos speech acts) em política "dizer é fazer" - até porque, sendo professor, tem a dupla experiência dessa realidade. "Dizer" um disparate ou uma asneira é, em qualquer dessas funções, "fazer" um disparate ou uma asneira.
E agora? Agora, é preciso que o Presidente da República reinvente o seu estatuto, tanto no que diz como no que faz. Ajudaria se optasse pelo salário das suas funções, em detrimento das suas legítimas pensões. E ajudaria ainda mais se encontrasse a disponibilidade e a força interior necessárias para confraternizar regularmente com a angústia e o sofrimento dos portugueses. Só um golpe de asa genuinamente solidário evitará o colapso presidencial.
In DN
Colapso presidencial?
por MANUEL MARIA CARRILHO
Ontem
As dificuldades de Cavaco Silva não são matéria que se deva abordar com ligeireza, dada a importância nuclear das funções do Presidente da República no funcionamento da nossa democracia.
Mas a situação é grave. E é preciso dizê-lo claramente, porque Cavaco Silva está à beira de conseguir um feito inédito: o de se tornar, como todas as últimas sondagens e estudos de opinião têm mostrado, um Presidente impopular e sem credibilidade.
Cavaco Silva não pode cometer mais erros e tem de reparar os que cometeu. Não será fácil, mas, com cerca de quatro anos de mandato ainda por cumprir, é essencial que o faça - por si e por todos nós.
Como é que se chegou aqui? Pouco talhado para a função, Cavaco Silva apresentou-se em 2006 como um candidato que, mais do que uma visão de futuro para País, exibia um currículo e uma imagem de rigor que prometiam proteger-nos das derivas que o País tinha na memória mais recente.
A estratégia falhou. As derivas (diferentes, é verdade) continuaram, ele dedicou-se a minudências, esquecendo o essencial, e acabou a fazer o impensável no momento em que a crise nacional e internacional mais se agudizava: dar posse a um Governo minoritário, que é sempre - como se sabe - um governo a prazo, sem força, que pensa mais na sua sobrevivência do que nos problemas do País.
A crise, entretanto, mudou também a forma como muitos portugueses olham para a herança do cavaquismo. A reputação de Cavaco Silva assentava, em boa parte, na "sua" obra, realizada na "sua" década. Ora, o que agora se foi tornando evidente foi que muitas decisões tomadas entre 1985 e 1995 estão na origem, remota mas real, de grande parte dos problemas que hoje o País enfrenta.
O modelo de desenvolvimento que então se estabeleceu, essencialmente assente no betão e nos seus interesses, deixou-nos com escassos argumentos para enfrentar o futuro, e com o sabor amargo de se ter perdido uma oportunidade histórica para realmente mudar o País.
Perante isto, Cavaco Silva prometeu um segundo mandato revigorado por uma magistratura de influência "mais ativa". Contudo, depois de um previsível discurso de posse, que marcou a sua rutura com o Governo minoritário de José Sócrates, a ideia que foi dando foi mais de paralisia do que propriamente de mudança...
Esta acabou por vir do Governo da coligação PSD/PP, e com ela de novo Cavaco Silva perdeu o pé, multiplicando declarações contraditórias, entre o apoio sem convicção e a crítica sem consequências, acabando por escorregar depois em afirmações desajeitadas e de uma infelicidade quase provocadora, a propósito das suas pensões.
O problema - grave problema, repito - é que em vez de procurar arrepiar caminho, o que se impõe com urgência, Cavaco Silva parece algo esquivo à realidade, procurando proteger-se ora com tiques de autoridade, ora com poses de recolhimento, havendo já quem pressinta uma presidência doravante fechada ou, no mínimo - como aqui no DN escreveu Nuno Saraiva -, uma presidência bloqueada.
O Presidente tem de dar a volta à situação, percebendo que as exigências de escrutínio e de transparência que se tornaram comuns nas democracias contemporâneas, e se têm naturalmente radicalizado com a crise, introduziram novas dimensões na vida política, levando à erosão do argumento de autoridade, seja qual for a sua forma: de função, de representação ou de estatuto.
Nos tempos que correm, exercer o poder é difícil - mas incarná-lo não o é menos. Às conhecidas características da sociedade do espetáculo, que a democracia incorporou nas últimas décadas, juntam-se agora as de uma sociedade do contacto (de proximidade e de emoção), marcada por um individualismo sobretudo expressivo, e pelo progressivo desaparecimento de quase todas as formas de distância e de quase todos os dispositivos de protocolo.
A situação não se resolve, pois, com brejeirices, como se tivéssemos entrado na época do "tiro ao Cavaco", como disse Marcelo Rebelo de Sousa. O Presidente deve saber que (como há muito o estabeleceu a teoria dos speech acts) em política "dizer é fazer" - até porque, sendo professor, tem a dupla experiência dessa realidade. "Dizer" um disparate ou uma asneira é, em qualquer dessas funções, "fazer" um disparate ou uma asneira.
E agora? Agora, é preciso que o Presidente da República reinvente o seu estatuto, tanto no que diz como no que faz. Ajudaria se optasse pelo salário das suas funções, em detrimento das suas legítimas pensões. E ajudaria ainda mais se encontrasse a disponibilidade e a força interior necessárias para confraternizar regularmente com a angústia e o sofrimento dos portugueses. Só um golpe de asa genuinamente solidário evitará o colapso presidencial.
In DN
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Pontapear o analfabetismo
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Pontapear o analfabetismo
por FERREIRA FERNANDES
Ontem
Perguntaram a Joaquim Evangelista, sindicalista do futebol, sobre racismo. Erraram na pessoa, foi como pedirem para eu testemunhar sobre dores de parto. Um dia, um presidente de clube, arrogante, disse que os futebolistas hoje em dia já sabem comer de faca e garfo. Não sei como se portam à mesa mas no campo e à vista de todos, sei - e há muito. Garoto e de passagem por Matosinhos, fui ver um treino do Leixões. Entre dois guardas-fiscais, apareceu um jovem negro. Era são-tomense, apanhado clandestino num navio. Viera à Metrópole tentar a sorte de futebolista. O seu treino no pelado do velho campo de Santana foi penoso. "Estavas habituado ao relvado, oh tição?", gozavam da bancada os filhos dos pescadores. Mas, no campo, os colegas de treino olhavam-no como colega. Tinha jeito ou não?, era o que lhes interessava. Esfomeado e nervoso, o jovem disparatava com os pés mas nem uma só vez vi um sorriso trocista entre os jogadores. Por essa altura, havia no Benfica um capitão negro a quem os colegas brancos se dirigiam assim: "Posso marcar o livre, senhor Coluna?" Muito tempo de abraços depois dos golos, de respeito entre iguais, dá nisso: iguais. Os futebolistas portugueses têm essa Universidade há décadas. Mas eu gostaria de mais. Ver um futebolista, sei lá, um João Moutinho, correr para o adversário Balotelli e abraçá-lo quando as claques de analfabetos macaqueiam. Quem é culto tem obrigação de ensinar os pobres diabos.
In DN
Pontapear o analfabetismo
por FERREIRA FERNANDES
Ontem
Perguntaram a Joaquim Evangelista, sindicalista do futebol, sobre racismo. Erraram na pessoa, foi como pedirem para eu testemunhar sobre dores de parto. Um dia, um presidente de clube, arrogante, disse que os futebolistas hoje em dia já sabem comer de faca e garfo. Não sei como se portam à mesa mas no campo e à vista de todos, sei - e há muito. Garoto e de passagem por Matosinhos, fui ver um treino do Leixões. Entre dois guardas-fiscais, apareceu um jovem negro. Era são-tomense, apanhado clandestino num navio. Viera à Metrópole tentar a sorte de futebolista. O seu treino no pelado do velho campo de Santana foi penoso. "Estavas habituado ao relvado, oh tição?", gozavam da bancada os filhos dos pescadores. Mas, no campo, os colegas de treino olhavam-no como colega. Tinha jeito ou não?, era o que lhes interessava. Esfomeado e nervoso, o jovem disparatava com os pés mas nem uma só vez vi um sorriso trocista entre os jogadores. Por essa altura, havia no Benfica um capitão negro a quem os colegas brancos se dirigiam assim: "Posso marcar o livre, senhor Coluna?" Muito tempo de abraços depois dos golos, de respeito entre iguais, dá nisso: iguais. Os futebolistas portugueses têm essa Universidade há décadas. Mas eu gostaria de mais. Ver um futebolista, sei lá, um João Moutinho, correr para o adversário Balotelli e abraçá-lo quando as claques de analfabetos macaqueiam. Quem é culto tem obrigação de ensinar os pobres diabos.
In DN
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O Papa e as intrigas no Vaticano
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O Papa e as intrigas no Vaticano
por ANSELMO BORGES
Hoje
Dizia-me uma vez em Bruxelas, admirado e pesaroso, um ilustre teólogo da Universidade de Lovaina (Joseph Ratzinger até o cita num dos seus livros sobre Jesus de Nazaré; não é herege): "Como é que foi possível o movimento desencadeado por Jesus, essa figura simples e amiga dos pobres, que acabou crucificado, desembocar no Vaticano, com um Papa chefe do Estado?" Entende-se, quando se estuda a História, mas é preciso reconhecer a tremenda ambiguidade da situação e o perigo constante de traição da mensagem cristã.
Hoje, concretamente, como já aqui chamei a atenção, citando o livro de Hans Küng, Ist die Kirche noch zu retten? (A Igreja ainda tem salvação?), a Igreja Católica, a maior, a mais poderosa, a mais internacional Igreja, essa grande comunidade de fé, está "realmente doente", "sofre do sistema romano de poder", que se caracteriza pelo monopólio da verdade, pelo juridicismo e clericalismo, pelo medo do sexo e da mulher, pela violência espiritual.
Ora, a Igreja não pode entender-se como um aparelho de poder ou uma empresa religiosa; só como povo de Deus e comunidade do Espírito nos diferentes lugares e no mundo. O papado não tem de desaparecer, mas o Papa não pode ser visto como "um autocrata espiritual", antes como o bispo que tem o primado pastoral, vinculado colegialmente com os outros bispos.
A Igreja tem de fortalecer as suas funções nucleares: oferecer aos homens e mulheres de hoje a mensagem cristã, de modo compreensível, sem arcaísmos nem dogmatismos escolásticos, e celebrar os sacramentos, sem esquecer o dever de assumir as suas responsabilidades sociais, apresentando à sociedade, sem partidarismos, opções fundamentais, orientações para um futuro melhor.
Não se trata de acabar com a Cúria Romana, mas de reformá-la segundo o Evangelho. Essa reforma implica humildade evangélica (renúncia a títulos como: Monsignori, Excelências, Reverências, Eminências...), simplicidade evangélica, fraternidade evangélica, liberdade evangélica. E é necessário mais pessoal profissional, acabando com o favoritismo. De facto, esta Igreja é altamente hierarquizada e ao mesmo tempo caótica. Quem manda no Vaticano? "Conselheiros independentes haverá poucos." Precisa-se de transparência nas finanças da Igreja.
Acima de tudo e em primeiro lugar, é preciso voltar a Jesus Cristo, ao que ele foi, é, quis e quer. De facto, em síntese, a Igreja é a comunidade dos que acreditam em Cristo: "A comunidade dos que se entregaram a Jesus Cristo e à sua causa e a testemunham com energia como esperança para o mundo. A Igreja torna-se crível, se disser a mensagem cristã não em primeiro lugar aos outros, mas a si mesma e, portanto, não pregar apenas, mas cumprir as exigências de Jesus. Toda a sua credibilidade depende da fidelidade a Jesus Cristo."
Problema maior é a Cúria. O cardeal Walter Kasper, referindo o actual péssimo clima no Vaticano, que causa "confusão" entre os fiéis, disse que Bento XVI anda "muito triste". E tem razões para isso. O paradoxo é este: o papado é a última monarquia absoluta do Ocidente, mas o Papa não controla a Cúria. Duas cartas do núncio apostólico nos Estados Unidos denunciam corrupção ao mais alto nível no Vaticano. Agora, em finais de pontificado, começaram já as intrigas maquiavélicas e as lutas pelo poder, no sentido de manobrar a sucessão, tendo-se chegado até a falar numa conspiração para matar o Papa.
Neste contexto, o Papa lembrou, no passado Sábado, aos novos cardeais que "domínio e serviço, egoísmo e altruísmo, posse e dádiva, interesse próprio e generosidade: estas lógicas profundamente opostas confrontam-se em todas as épocas e em todos os lugares. E não há dúvida nenhuma sobre a via escolhida por Jesus". Recomendou que "renunciem ao estilo mundano de poder e de glória". "O serviço de Deus e a doação de si é a lógica da fé, que está em contradição com o estilo mundano."
Desculpem, Reverências e Eminências, mas a Igreja não vai com púrpura, barretes cardinalícios e intrigas de poder. Só com o Evangelho.
In DN
O Papa e as intrigas no Vaticano
por ANSELMO BORGES
Hoje
Dizia-me uma vez em Bruxelas, admirado e pesaroso, um ilustre teólogo da Universidade de Lovaina (Joseph Ratzinger até o cita num dos seus livros sobre Jesus de Nazaré; não é herege): "Como é que foi possível o movimento desencadeado por Jesus, essa figura simples e amiga dos pobres, que acabou crucificado, desembocar no Vaticano, com um Papa chefe do Estado?" Entende-se, quando se estuda a História, mas é preciso reconhecer a tremenda ambiguidade da situação e o perigo constante de traição da mensagem cristã.
Hoje, concretamente, como já aqui chamei a atenção, citando o livro de Hans Küng, Ist die Kirche noch zu retten? (A Igreja ainda tem salvação?), a Igreja Católica, a maior, a mais poderosa, a mais internacional Igreja, essa grande comunidade de fé, está "realmente doente", "sofre do sistema romano de poder", que se caracteriza pelo monopólio da verdade, pelo juridicismo e clericalismo, pelo medo do sexo e da mulher, pela violência espiritual.
Ora, a Igreja não pode entender-se como um aparelho de poder ou uma empresa religiosa; só como povo de Deus e comunidade do Espírito nos diferentes lugares e no mundo. O papado não tem de desaparecer, mas o Papa não pode ser visto como "um autocrata espiritual", antes como o bispo que tem o primado pastoral, vinculado colegialmente com os outros bispos.
A Igreja tem de fortalecer as suas funções nucleares: oferecer aos homens e mulheres de hoje a mensagem cristã, de modo compreensível, sem arcaísmos nem dogmatismos escolásticos, e celebrar os sacramentos, sem esquecer o dever de assumir as suas responsabilidades sociais, apresentando à sociedade, sem partidarismos, opções fundamentais, orientações para um futuro melhor.
Não se trata de acabar com a Cúria Romana, mas de reformá-la segundo o Evangelho. Essa reforma implica humildade evangélica (renúncia a títulos como: Monsignori, Excelências, Reverências, Eminências...), simplicidade evangélica, fraternidade evangélica, liberdade evangélica. E é necessário mais pessoal profissional, acabando com o favoritismo. De facto, esta Igreja é altamente hierarquizada e ao mesmo tempo caótica. Quem manda no Vaticano? "Conselheiros independentes haverá poucos." Precisa-se de transparência nas finanças da Igreja.
Acima de tudo e em primeiro lugar, é preciso voltar a Jesus Cristo, ao que ele foi, é, quis e quer. De facto, em síntese, a Igreja é a comunidade dos que acreditam em Cristo: "A comunidade dos que se entregaram a Jesus Cristo e à sua causa e a testemunham com energia como esperança para o mundo. A Igreja torna-se crível, se disser a mensagem cristã não em primeiro lugar aos outros, mas a si mesma e, portanto, não pregar apenas, mas cumprir as exigências de Jesus. Toda a sua credibilidade depende da fidelidade a Jesus Cristo."
Problema maior é a Cúria. O cardeal Walter Kasper, referindo o actual péssimo clima no Vaticano, que causa "confusão" entre os fiéis, disse que Bento XVI anda "muito triste". E tem razões para isso. O paradoxo é este: o papado é a última monarquia absoluta do Ocidente, mas o Papa não controla a Cúria. Duas cartas do núncio apostólico nos Estados Unidos denunciam corrupção ao mais alto nível no Vaticano. Agora, em finais de pontificado, começaram já as intrigas maquiavélicas e as lutas pelo poder, no sentido de manobrar a sucessão, tendo-se chegado até a falar numa conspiração para matar o Papa.
Neste contexto, o Papa lembrou, no passado Sábado, aos novos cardeais que "domínio e serviço, egoísmo e altruísmo, posse e dádiva, interesse próprio e generosidade: estas lógicas profundamente opostas confrontam-se em todas as épocas e em todos os lugares. E não há dúvida nenhuma sobre a via escolhida por Jesus". Recomendou que "renunciem ao estilo mundano de poder e de glória". "O serviço de Deus e a doação de si é a lógica da fé, que está em contradição com o estilo mundano."
Desculpem, Reverências e Eminências, mas a Igreja não vai com púrpura, barretes cardinalícios e intrigas de poder. Só com o Evangelho.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Globalização desregulada
.
Globalização desregulada
por MÁRIO SOARES
Hoje
1. A globalização económica desregulada não trouxe ao Mundo, como se esperava, uma nova ordem mundial, nem paz, nem qualquer progresso social. Ainda se está para ver como vão evoluir os novos Estados ditos emergentes, que se tornaram colossos económicos - ou talvez melhor, financeiros - sem que os Direitos Humanos, das respetivas populações, fossem respeitados e houvesse nos Estados qualquer aprofundamento democrático. Talvez com a única exceção do Brasil.
A corrida às armas voltou a ser uma preocupação dos Estados, tanto dos grandes, a Rússia, a China, os Estados Unidos, que as fabricam e vendem, aos países mais pequenos, incluindo as armas nucleares, que continuam a proliferar. Um perigo e uma vergonha!
O tempo corre, os progressos científicos são uma indiscutível realidade, em praticamente todos os domínios da Ciência, mas não surge uma nova ordem mundial, capaz de fortalecer a ONU, como se esperava, nos anos finais do século passado, e ponha termo aos conflitos armados que se vão manifestando, com mais ou menos força, em todos os Continentes. Os Objetivos do Milénio, assinados por quase todos os lideres políticos mundiais, do tempo, foram esquecidos e ficaram no papel, se não foram, pura e simplesmente, para o caixote do lixo da história...
Os grupos dos Estados mais poderosos - o G2, o G7, o G20, etc. - foram criados, entre os Estados mais ricos, para enfraquecerem a ONU. Mas a verdade é que deles nada resultou, para além do barulho da comunicação social que propagaram, sem objetividade, os diferentes Gs.
Qualquer estudo sobre as primeiras décadas do novo século mostrará o recuo civilizacional que tem afetado o Planeta, dadas as crises financeira e económica, mas também social, política e até moral, que nos têm vindo a envolver.
As perspetivas que nos chegam neste ano aziago de 2012, estão longe de serem boas. Pelo contrário. No entanto, os Estados Unidos parecem estar a melhorar, ligeiramente, no que se refere ao crescimento económico e à baixa do desemprego. Se em Novembro próximo, Barack Obama, ganhar as eleições, aos fanáticos republicanos, então sim, espero que se abram, ao Ocidente, novas perspetivas.
Pelo contrário, quanto à União Europeia, a impressão que nos dá é que vai de mal a pior, talvez a caminho de uma catástrofe anunciada... A última Cimeira foi tão só um novo passo dado em vão. Veremos a próxima, que se aproxima. Nunca houve tantas Cimeiras para tão poucos resultados...
É certo que temos eleições presidenciais na França, que podem vir a constituir uma viragem política importante, se François Hollande ganhar, como espero, a Nicolas Sarkozy. E em 2013 haverá eleições na Alemanha, que deverão ser fatais para a Chanceler Merkel. O SPD voltará, creio, ao poder. Nessa hipótese, bastante provável, consumar-se-ia, necessariamente, uma mudança à Esquerda que levaria a União Europeia a ser de novo uma referência política, social e económica, em termos mundiais.
2. O Ocidente conta muito menos. A Rússia e a China, conjugadas, impediram que o Conselho de Segurança da ONU, aplicasse - como devia - sanções à Síria, para terminar com a carnificina intolerável imposta pelo ditador Bashar al-Assad. Seguiu, aliás, na linha do seu falecido pai, que conheci, pessoalmente, numa missão da Internacional Socialista em que participei.
A Síria está, assim, a desintegrar-se como sucedeu ao Iraque, com a passagem para o campo insurrecto de muitas centenas de soldados, antes fiéis ao regime. A Liga Árabe que, felizmente, adotou uma linha de paz, ficou um pouco paralisada com o veto da Rússia e da China. Dadas as divergências religiosas que enfraquecem o regime baasita, não me parece fácil que o governo sírio, se possa aguentar muito mais tempo. Mas o que se segirá, não é fácil de prever, dados os exemplos da Líbia, do Egito e mesmo do Iraque...
3. A primavera islâmica. 2011, parecia indicar uma grande viragem democrática no universo islâmico. No entanto, só a Tunísia, até agora, foi um sucesso pacífico. Porque tanto a Líbia, que perdeu o seu ditador Kadafi, como o Egito, o Estado charneira da Região, que está a julgar Moubarak, apesar das mortandades a que deram lugar, não é fácil saber como vão evoluir.
De qualquer modo, a semente democrática ficou e tudo vai ser diferente daqui para o futuro. Muito do que se vai passar terá a ver com o preço do petróleo e as guerrilhas religiosas no universo islâmico. A Argélia e Marrocos, que parecem ter percebido a necessidade de se aliarem, e a Mauritânia, no Magrebe, bem como uma certa confusão que vai no Próximo Oriente, da Jordânia à Arábia Saudita, do Líbano aos Emiratos e à Palestina, têm uma evolução imprevisível.
Essa imprevisibilidade tem a ver com o Irão, República Islâmica xiita, que é hoje um Estado muito complexo e diferente dos outros, até pelo seu tamanho e riqueza, mas também por estar próximo, segundo dizem os meios americanos, de fabricar a bomba atómica, vive em conflito latente com Israel, Estado que tem há muito tempo armas atómicas, dadas pela América. É, pois, muito difícil perceber com uma situação tão difícil, vai evoluir.
Quanto a Israel, penso que está a fazer uma política agressiva, baseada nos apoios do lobby judaico americano, que pode, no futuro, vir a tornar-se menos colaborante do que tem sido. A União Europeia, embora internacionalmente paralisada, também tem dado sinais no mesmo sentido, isto é: de que Israel não pode fazer tudo quanto lhe apeteça, sem concertar antes a sua política com os seus aliados... De políticos irresponsáveis estamos todos fartos.
A verdade é que certos Estados da Região: a Síria, o Irão, a Palestina, Israel e o Egito se poderão tornar explosivos de um momento para o outro, tendo como temos uma ONU indecisa e com pouco poder de intervenção.
4. A Igreja Católica em crise. Também a Igreja, apesar das aparências, parece estar com problemas. O Papa Bento XVI, há dias, presidiu a uma cerimónia de proclamação de 22 novos Cardeais, de maioria europeia. Portugal ganhou mais um Cardeal. A Europa, aos olhos do Papa, que vai fazer 85 anos e tem problemas de saúde, no que toca à sua mobilidade, é considerada uma "terra de missão". Porque deseja cortar cerce com o que chama "o declive do catolicismo europeu".
É certo que, nos últimos tempos, nos diferentes Estados europeus, mas não só, foram descobertos vários escândalos de abusos sexuais e relativamente aos negócios da Igreja. Mas, independentemente desses casos, o Papa tem outras preocupações: as sociedades materialistas do nosso tempo, a falta de valores éticos e um sistema económico em que só conta o dinheiro (tráfico de armas e de drogas, a ignorância dos Direitos Humanos e das questões ambientais). Por isso o Papa disse que "a Europa é uma vinha devastada por javalis".
Na verdade a Igreja não pode deixar de se sentir mal com o capitalismo de casino, do tempo que vivemos. A doutrina social da Igreja, que esteve na base de uma das famílias políticas - a democracia cristã - que construíram a União Europeia (a outra, foi o socialismo democrático ou a social democracia) passou a ser completamente ignorada nos seus valores, quando os Partidos se tornaram populistas, conservadores e neoliberais (isto é, PPs), os quais, hoje, dominam a grande maioria dos Estados europeus.
L'Osservatore Romano, periódico oficial da Santa Sé, descreve, num artigo recente, o Supremo Pontifície como "um pacífico pastor, rodeado de lobos". Nesta breve frase se sente o mal-estar do Vaticano, nesta Europa materialista e insegura em que vivemos, quando há, obviamente, uma crise de fé. Por isso, talvez, Frei Bento Dominges, no seu habitual artigo de Domingo, no Público, escreveu "a hora do Concílio é hoje". E acrescenta: "Tornar a sério a interfecundidade do diálogo com ateus, agnósticos, com outras configurações religiosas do Oriente e do Ocidente, com outras Igrejas cristãs, é um imperativo para um novo Concílio". Oxalá assim seja, diz um agnóstico, como eu...
5. Crise profunda do capitalismo. Não sou eu que o diz. É Michel Rocard, socialista e ex-primeiro-ministro de França, na época de François Mitterrand. Com 82 anos, acaba de publicar um livro intitulado "Mes points sur les i". Não o li ainda, porque não chegou às livrarias portuguesas. Mas permito-me refletir sobre uma entrevista que deu a Le Monde de 27 de Fevereiro último. Diz ele: "o capitalismo entrou numa crise profunda, sem nenhum regresso à normalidade. Nada será como antes". E acrescenta "a Direita acredita que podemos trabalhar mais e voltar a ter crescimento. É falso. A sociedade de amanhã será radicalmente nova. Será menos mercantil e menos cúpida".
Não quer isto dizer que o capitalismo vai desaparecer, como tal, visto que ainda não se encontrou maneira de o substituir. Mas vai mudar radicalmente, "declarando guerra às finanças, tais como estão", como disse François Hollande, que aliás é o autor do prefácio do livro de Rocard. E cita o exemplo de Franklin Roosevelt que pôs a finança toda contra ele, por ter imposto a separação absoluta entre os bancos de depósito e os de investimento. E a verdade é que durante sessenta anos o Mundo viveu ao abrigo de crises financeiras. A própria Inglaterra, "a pérfida Albion", que é a casa-mãe do pensamento monetarista, começa a querer proteger-se dos excessos que contribuíram para criar a crise que hoje nos aflige. Cameron, o primeiro-ministro do Reino Unido, parece querer voltar à União Europeia, mas fazendo dela uma EFTA em ponto grande...
Numa palavra, não é o capitalismo, em si mesmo, que está em causa. É a sua desregulação monetarista, que tem de mudar, obedecendo a valores éticos, dominando os mercados especulativos e impondo as conquistas sociais, que trouxeram à Europa sessenta anos de bem-estar.
In DN
Globalização desregulada
por MÁRIO SOARES
Hoje
1. A globalização económica desregulada não trouxe ao Mundo, como se esperava, uma nova ordem mundial, nem paz, nem qualquer progresso social. Ainda se está para ver como vão evoluir os novos Estados ditos emergentes, que se tornaram colossos económicos - ou talvez melhor, financeiros - sem que os Direitos Humanos, das respetivas populações, fossem respeitados e houvesse nos Estados qualquer aprofundamento democrático. Talvez com a única exceção do Brasil.
A corrida às armas voltou a ser uma preocupação dos Estados, tanto dos grandes, a Rússia, a China, os Estados Unidos, que as fabricam e vendem, aos países mais pequenos, incluindo as armas nucleares, que continuam a proliferar. Um perigo e uma vergonha!
O tempo corre, os progressos científicos são uma indiscutível realidade, em praticamente todos os domínios da Ciência, mas não surge uma nova ordem mundial, capaz de fortalecer a ONU, como se esperava, nos anos finais do século passado, e ponha termo aos conflitos armados que se vão manifestando, com mais ou menos força, em todos os Continentes. Os Objetivos do Milénio, assinados por quase todos os lideres políticos mundiais, do tempo, foram esquecidos e ficaram no papel, se não foram, pura e simplesmente, para o caixote do lixo da história...
Os grupos dos Estados mais poderosos - o G2, o G7, o G20, etc. - foram criados, entre os Estados mais ricos, para enfraquecerem a ONU. Mas a verdade é que deles nada resultou, para além do barulho da comunicação social que propagaram, sem objetividade, os diferentes Gs.
Qualquer estudo sobre as primeiras décadas do novo século mostrará o recuo civilizacional que tem afetado o Planeta, dadas as crises financeira e económica, mas também social, política e até moral, que nos têm vindo a envolver.
As perspetivas que nos chegam neste ano aziago de 2012, estão longe de serem boas. Pelo contrário. No entanto, os Estados Unidos parecem estar a melhorar, ligeiramente, no que se refere ao crescimento económico e à baixa do desemprego. Se em Novembro próximo, Barack Obama, ganhar as eleições, aos fanáticos republicanos, então sim, espero que se abram, ao Ocidente, novas perspetivas.
Pelo contrário, quanto à União Europeia, a impressão que nos dá é que vai de mal a pior, talvez a caminho de uma catástrofe anunciada... A última Cimeira foi tão só um novo passo dado em vão. Veremos a próxima, que se aproxima. Nunca houve tantas Cimeiras para tão poucos resultados...
É certo que temos eleições presidenciais na França, que podem vir a constituir uma viragem política importante, se François Hollande ganhar, como espero, a Nicolas Sarkozy. E em 2013 haverá eleições na Alemanha, que deverão ser fatais para a Chanceler Merkel. O SPD voltará, creio, ao poder. Nessa hipótese, bastante provável, consumar-se-ia, necessariamente, uma mudança à Esquerda que levaria a União Europeia a ser de novo uma referência política, social e económica, em termos mundiais.
2. O Ocidente conta muito menos. A Rússia e a China, conjugadas, impediram que o Conselho de Segurança da ONU, aplicasse - como devia - sanções à Síria, para terminar com a carnificina intolerável imposta pelo ditador Bashar al-Assad. Seguiu, aliás, na linha do seu falecido pai, que conheci, pessoalmente, numa missão da Internacional Socialista em que participei.
A Síria está, assim, a desintegrar-se como sucedeu ao Iraque, com a passagem para o campo insurrecto de muitas centenas de soldados, antes fiéis ao regime. A Liga Árabe que, felizmente, adotou uma linha de paz, ficou um pouco paralisada com o veto da Rússia e da China. Dadas as divergências religiosas que enfraquecem o regime baasita, não me parece fácil que o governo sírio, se possa aguentar muito mais tempo. Mas o que se segirá, não é fácil de prever, dados os exemplos da Líbia, do Egito e mesmo do Iraque...
3. A primavera islâmica. 2011, parecia indicar uma grande viragem democrática no universo islâmico. No entanto, só a Tunísia, até agora, foi um sucesso pacífico. Porque tanto a Líbia, que perdeu o seu ditador Kadafi, como o Egito, o Estado charneira da Região, que está a julgar Moubarak, apesar das mortandades a que deram lugar, não é fácil saber como vão evoluir.
De qualquer modo, a semente democrática ficou e tudo vai ser diferente daqui para o futuro. Muito do que se vai passar terá a ver com o preço do petróleo e as guerrilhas religiosas no universo islâmico. A Argélia e Marrocos, que parecem ter percebido a necessidade de se aliarem, e a Mauritânia, no Magrebe, bem como uma certa confusão que vai no Próximo Oriente, da Jordânia à Arábia Saudita, do Líbano aos Emiratos e à Palestina, têm uma evolução imprevisível.
Essa imprevisibilidade tem a ver com o Irão, República Islâmica xiita, que é hoje um Estado muito complexo e diferente dos outros, até pelo seu tamanho e riqueza, mas também por estar próximo, segundo dizem os meios americanos, de fabricar a bomba atómica, vive em conflito latente com Israel, Estado que tem há muito tempo armas atómicas, dadas pela América. É, pois, muito difícil perceber com uma situação tão difícil, vai evoluir.
Quanto a Israel, penso que está a fazer uma política agressiva, baseada nos apoios do lobby judaico americano, que pode, no futuro, vir a tornar-se menos colaborante do que tem sido. A União Europeia, embora internacionalmente paralisada, também tem dado sinais no mesmo sentido, isto é: de que Israel não pode fazer tudo quanto lhe apeteça, sem concertar antes a sua política com os seus aliados... De políticos irresponsáveis estamos todos fartos.
A verdade é que certos Estados da Região: a Síria, o Irão, a Palestina, Israel e o Egito se poderão tornar explosivos de um momento para o outro, tendo como temos uma ONU indecisa e com pouco poder de intervenção.
4. A Igreja Católica em crise. Também a Igreja, apesar das aparências, parece estar com problemas. O Papa Bento XVI, há dias, presidiu a uma cerimónia de proclamação de 22 novos Cardeais, de maioria europeia. Portugal ganhou mais um Cardeal. A Europa, aos olhos do Papa, que vai fazer 85 anos e tem problemas de saúde, no que toca à sua mobilidade, é considerada uma "terra de missão". Porque deseja cortar cerce com o que chama "o declive do catolicismo europeu".
É certo que, nos últimos tempos, nos diferentes Estados europeus, mas não só, foram descobertos vários escândalos de abusos sexuais e relativamente aos negócios da Igreja. Mas, independentemente desses casos, o Papa tem outras preocupações: as sociedades materialistas do nosso tempo, a falta de valores éticos e um sistema económico em que só conta o dinheiro (tráfico de armas e de drogas, a ignorância dos Direitos Humanos e das questões ambientais). Por isso o Papa disse que "a Europa é uma vinha devastada por javalis".
Na verdade a Igreja não pode deixar de se sentir mal com o capitalismo de casino, do tempo que vivemos. A doutrina social da Igreja, que esteve na base de uma das famílias políticas - a democracia cristã - que construíram a União Europeia (a outra, foi o socialismo democrático ou a social democracia) passou a ser completamente ignorada nos seus valores, quando os Partidos se tornaram populistas, conservadores e neoliberais (isto é, PPs), os quais, hoje, dominam a grande maioria dos Estados europeus.
L'Osservatore Romano, periódico oficial da Santa Sé, descreve, num artigo recente, o Supremo Pontifície como "um pacífico pastor, rodeado de lobos". Nesta breve frase se sente o mal-estar do Vaticano, nesta Europa materialista e insegura em que vivemos, quando há, obviamente, uma crise de fé. Por isso, talvez, Frei Bento Dominges, no seu habitual artigo de Domingo, no Público, escreveu "a hora do Concílio é hoje". E acrescenta: "Tornar a sério a interfecundidade do diálogo com ateus, agnósticos, com outras configurações religiosas do Oriente e do Ocidente, com outras Igrejas cristãs, é um imperativo para um novo Concílio". Oxalá assim seja, diz um agnóstico, como eu...
5. Crise profunda do capitalismo. Não sou eu que o diz. É Michel Rocard, socialista e ex-primeiro-ministro de França, na época de François Mitterrand. Com 82 anos, acaba de publicar um livro intitulado "Mes points sur les i". Não o li ainda, porque não chegou às livrarias portuguesas. Mas permito-me refletir sobre uma entrevista que deu a Le Monde de 27 de Fevereiro último. Diz ele: "o capitalismo entrou numa crise profunda, sem nenhum regresso à normalidade. Nada será como antes". E acrescenta "a Direita acredita que podemos trabalhar mais e voltar a ter crescimento. É falso. A sociedade de amanhã será radicalmente nova. Será menos mercantil e menos cúpida".
Não quer isto dizer que o capitalismo vai desaparecer, como tal, visto que ainda não se encontrou maneira de o substituir. Mas vai mudar radicalmente, "declarando guerra às finanças, tais como estão", como disse François Hollande, que aliás é o autor do prefácio do livro de Rocard. E cita o exemplo de Franklin Roosevelt que pôs a finança toda contra ele, por ter imposto a separação absoluta entre os bancos de depósito e os de investimento. E a verdade é que durante sessenta anos o Mundo viveu ao abrigo de crises financeiras. A própria Inglaterra, "a pérfida Albion", que é a casa-mãe do pensamento monetarista, começa a querer proteger-se dos excessos que contribuíram para criar a crise que hoje nos aflige. Cameron, o primeiro-ministro do Reino Unido, parece querer voltar à União Europeia, mas fazendo dela uma EFTA em ponto grande...
Numa palavra, não é o capitalismo, em si mesmo, que está em causa. É a sua desregulação monetarista, que tem de mudar, obedecendo a valores éticos, dominando os mercados especulativos e impondo as conquistas sociais, que trouxeram à Europa sessenta anos de bem-estar.
In DN
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Os salários da Alemanha, de Portugal e da China
.
Os salários da Alemanha, de Portugal e da China
por PEDRO TADEU
Hoje
Um titular do por acaso não existente Prémio Nobel da Economia, Paul Krugman, esteve em Portugal para receber três doutoramentos honoris causa. Das várias coisas interessantes que disse geraram-se dois títulos para os jornais.
O primeiro foi este: "Portugal tem de baixar os salários para um nível 30% inferior aos da Alemanha." Foi uma carga de nervos por aí. O segundo foi "Portugal não tem que baixar os salários ao nível da China." Nos mesmos locais onde antes corações palpitavam ataques cardíacos, suspirou-se um alívio descompressor.
O que me interessa trazer aqui não é a profundidade das reflexões que sugestionaram os jornalistas a titularem desta forma os seus artigos. O que me interessa é a simplicidade desses títulos, que revelam espanto - o sentimento que está na base de todas as verdadeiras notícias - sobre este assunto. Esse espanto, apertado numa tituleira, poderia ser resumido assim: "Portugal está mesmo nas mãos da globalização." E isto, que não deveria ser notícia porque se pressupõe apreendido, afinal é ainda matéria dada como relevante.
Toda a gente já deveria ter percebido que a União Europeia se construiu numa tentativa artificial e mecanicamente mal solucionada de tornar iguais economias que são diferentes. A frase de Krugman que compara salários portugueses e alemães mostra-nos isso.
Toda gente já deveria ter percebido que neste lado do mundo, o lado europeu ocidental e norte- -americano, viveu-se até agora com uma riqueza e uma qualidade muito superiores, obscenamente superiores, às dos países do Leste, da Ásia, da América Latina, de África. A frase de Krugman que compara salários portugueses e chineses recorda-nos isso.
Toda a gente já deveria ter percebido que a crise que se vive, na sua manifestação mais profunda, mais não é do que um reacerto dessas diferenças planetárias que, se nada inverter o seu percurso, resultará numa perda de riqueza e qualidade de vida dos países que, comparado à média mundial, estavam no topo face a outros que, até agora, estavam no fundo da tabela.
Tudo isto é muito básico, mas ainda nos espanta. Porquê? Porque esse nivelamento está a ser feito "por baixo" - diminuindo conquistas que, há apenas dois ou três anos, dizíamos serem civilizacionais - em vez de ser feito "por cima" - isto é, levando essas conquistas a mais pessoas no planeta. Para já, limitamo-nos a mudar a riqueza, a empobrecer o mundo de um lado e a aboná-lo do outro, sem distribuir também, de forma mais equilibrada, os padrões que definiram a nossa antiga qualidade de vida. Isso é suicida.
In DN
Os salários da Alemanha, de Portugal e da China
por PEDRO TADEU
Hoje
Um titular do por acaso não existente Prémio Nobel da Economia, Paul Krugman, esteve em Portugal para receber três doutoramentos honoris causa. Das várias coisas interessantes que disse geraram-se dois títulos para os jornais.
O primeiro foi este: "Portugal tem de baixar os salários para um nível 30% inferior aos da Alemanha." Foi uma carga de nervos por aí. O segundo foi "Portugal não tem que baixar os salários ao nível da China." Nos mesmos locais onde antes corações palpitavam ataques cardíacos, suspirou-se um alívio descompressor.
O que me interessa trazer aqui não é a profundidade das reflexões que sugestionaram os jornalistas a titularem desta forma os seus artigos. O que me interessa é a simplicidade desses títulos, que revelam espanto - o sentimento que está na base de todas as verdadeiras notícias - sobre este assunto. Esse espanto, apertado numa tituleira, poderia ser resumido assim: "Portugal está mesmo nas mãos da globalização." E isto, que não deveria ser notícia porque se pressupõe apreendido, afinal é ainda matéria dada como relevante.
Toda a gente já deveria ter percebido que a União Europeia se construiu numa tentativa artificial e mecanicamente mal solucionada de tornar iguais economias que são diferentes. A frase de Krugman que compara salários portugueses e alemães mostra-nos isso.
Toda gente já deveria ter percebido que neste lado do mundo, o lado europeu ocidental e norte- -americano, viveu-se até agora com uma riqueza e uma qualidade muito superiores, obscenamente superiores, às dos países do Leste, da Ásia, da América Latina, de África. A frase de Krugman que compara salários portugueses e chineses recorda-nos isso.
Toda a gente já deveria ter percebido que a crise que se vive, na sua manifestação mais profunda, mais não é do que um reacerto dessas diferenças planetárias que, se nada inverter o seu percurso, resultará numa perda de riqueza e qualidade de vida dos países que, comparado à média mundial, estavam no topo face a outros que, até agora, estavam no fundo da tabela.
Tudo isto é muito básico, mas ainda nos espanta. Porquê? Porque esse nivelamento está a ser feito "por baixo" - diminuindo conquistas que, há apenas dois ou três anos, dizíamos serem civilizacionais - em vez de ser feito "por cima" - isto é, levando essas conquistas a mais pessoas no planeta. Para já, limitamo-nos a mudar a riqueza, a empobrecer o mundo de um lado e a aboná-lo do outro, sem distribuir também, de forma mais equilibrada, os padrões que definiram a nossa antiga qualidade de vida. Isso é suicida.
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Voltar à racionalidade
.
Voltar à racionalidade
por ADRIANO MOREIRA
Hoje
Alguns comentários, logo aligeirados pelas conveniências diplomáticas, sobre o facto de a China ter sido preferida à Alemanha no caso da venda de uma parte do capital de uma empresa portuguesa de relevo, não podem ser ignorados.
Não se trata de um desabafo de circunstância, para ser esquecido, mas antes de um sinal a meditar sobre a irracionalidade sustentada da atitude de algumas potências sobre a crise mundial, no caso português reforçada por comentários, também de estranheza europeia, sobre a relação de Portugal com Angola, na área da crise financeira. O que, do ponto de vista que fica livre aos pequenos países, obriga a insistir sobre a irracionalidade em que a perceção da realidade anda embaraçada pelos impulsos diretórios, por enquanto de fraca intensidade.
Em primeiro lugar não são tais impulsos diretórios que, no supercomplexo globalismo em que nos encontramos, reforçam a resposta da União perante os movimentos sem avaliação conhecida a que tem de procurar atender para ultrapassar a fraqueza em que visivelmente se encontra. Não se trata apenas da sua própria crise financeira e económica, nem apenas da sua dependência em matérias-primas e energias renováveis, também no que se refere às dúvidas sobre o euro, por exemplo, porque é necessário somar, designadamente, os efeitos colaterais que sofre da falta de governança mundial dos mercados, da proliferação das armas nucleares, dos severos riscos derivados do terrorismo, dos cataclismos sem previsão ao alcance das instâncias responsáveis.
O que se evidencia são ambiguidades do G20, ou arreganhos que agravam as contradições internas da União, esquecendo, como lembra Montbrial na sua habitual análise anual, que é "multiplicando as passagens e não os muros que a humanidade chega a criar as condições da sua tranquilidade duradoira". É surpreendente que países europeus de economias supostas dominantes, e que procuram, a bem do seu interesse, expandir-se para além das frágeis fronteiras europeias, considerem criticáveis esforços dirigidos à viabilização da Euráfrica pelas vias pacíficas que ultrapassam as memórias da dominação colonial.
Ou que procuram contribuir para reatar laços de cooperação, e não atitudes de confronto, com os povos envolvidos no turbilhão do Mediterrâneo, ou que simplesmente consideram, com fundamento, que a partilha de soberanias europeias não afetou a cada uma todas as janelas de liberdade, não lhes tolhem os esforços no sentido de ultrapassarem ambiguidades do globalismo, mantendo vivos, como acontece com Portugal, os laços tecidos com o Oriente longínquo.
Com isso estão a aligeirar a procura, apenas no interior europeu, de recursos penosamente obtidos em negociações cujos resultados não conseguem ficar sempre nos limites do respeito pelas especificidades de cada país envolvido.
No caso português, sem poder ignorar o processo evolutivo do Brasil, que prudentemente avalia a escolha de futuros entre os compromissos com o regionalismo sul-americano e a sua própria afirmação de grande potência, a solidariedade procurada entre os países de língua portuguesa, na organização que espera mais atenção e desenvolvimento, que é a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), é uma contribuição sua. Não apenas para a racionalização do globalismo, e para o património imaterial de que se ocupa a UNESCO, mas também para o interesse desta Europa, à procura de objetivo estratégico convictamente partilhado, de governança finalmente racionalizada, com imaginação criadora e lideranças credíveis.
Tudo para que a Euráfrica não seja apenas um sonho que a realidade semeie de pontos de interrogação, a que lembranças revitalizadas do passado impeçam de encontrar respostas construtivas. Na circunstância atual, não é fazendo renascer o espírito de cidadelas na União que a fraqueza desta encontrará remédio, porque não poderá dispensar os esforços ordenados para dominar a irracionalidade do globalismo.
In DN
Voltar à racionalidade
por ADRIANO MOREIRA
Hoje
Alguns comentários, logo aligeirados pelas conveniências diplomáticas, sobre o facto de a China ter sido preferida à Alemanha no caso da venda de uma parte do capital de uma empresa portuguesa de relevo, não podem ser ignorados.
Não se trata de um desabafo de circunstância, para ser esquecido, mas antes de um sinal a meditar sobre a irracionalidade sustentada da atitude de algumas potências sobre a crise mundial, no caso português reforçada por comentários, também de estranheza europeia, sobre a relação de Portugal com Angola, na área da crise financeira. O que, do ponto de vista que fica livre aos pequenos países, obriga a insistir sobre a irracionalidade em que a perceção da realidade anda embaraçada pelos impulsos diretórios, por enquanto de fraca intensidade.
Em primeiro lugar não são tais impulsos diretórios que, no supercomplexo globalismo em que nos encontramos, reforçam a resposta da União perante os movimentos sem avaliação conhecida a que tem de procurar atender para ultrapassar a fraqueza em que visivelmente se encontra. Não se trata apenas da sua própria crise financeira e económica, nem apenas da sua dependência em matérias-primas e energias renováveis, também no que se refere às dúvidas sobre o euro, por exemplo, porque é necessário somar, designadamente, os efeitos colaterais que sofre da falta de governança mundial dos mercados, da proliferação das armas nucleares, dos severos riscos derivados do terrorismo, dos cataclismos sem previsão ao alcance das instâncias responsáveis.
O que se evidencia são ambiguidades do G20, ou arreganhos que agravam as contradições internas da União, esquecendo, como lembra Montbrial na sua habitual análise anual, que é "multiplicando as passagens e não os muros que a humanidade chega a criar as condições da sua tranquilidade duradoira". É surpreendente que países europeus de economias supostas dominantes, e que procuram, a bem do seu interesse, expandir-se para além das frágeis fronteiras europeias, considerem criticáveis esforços dirigidos à viabilização da Euráfrica pelas vias pacíficas que ultrapassam as memórias da dominação colonial.
Ou que procuram contribuir para reatar laços de cooperação, e não atitudes de confronto, com os povos envolvidos no turbilhão do Mediterrâneo, ou que simplesmente consideram, com fundamento, que a partilha de soberanias europeias não afetou a cada uma todas as janelas de liberdade, não lhes tolhem os esforços no sentido de ultrapassarem ambiguidades do globalismo, mantendo vivos, como acontece com Portugal, os laços tecidos com o Oriente longínquo.
Com isso estão a aligeirar a procura, apenas no interior europeu, de recursos penosamente obtidos em negociações cujos resultados não conseguem ficar sempre nos limites do respeito pelas especificidades de cada país envolvido.
No caso português, sem poder ignorar o processo evolutivo do Brasil, que prudentemente avalia a escolha de futuros entre os compromissos com o regionalismo sul-americano e a sua própria afirmação de grande potência, a solidariedade procurada entre os países de língua portuguesa, na organização que espera mais atenção e desenvolvimento, que é a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), é uma contribuição sua. Não apenas para a racionalização do globalismo, e para o património imaterial de que se ocupa a UNESCO, mas também para o interesse desta Europa, à procura de objetivo estratégico convictamente partilhado, de governança finalmente racionalizada, com imaginação criadora e lideranças credíveis.
Tudo para que a Euráfrica não seja apenas um sonho que a realidade semeie de pontos de interrogação, a que lembranças revitalizadas do passado impeçam de encontrar respostas construtivas. Na circunstância atual, não é fazendo renascer o espírito de cidadelas na União que a fraqueza desta encontrará remédio, porque não poderá dispensar os esforços ordenados para dominar a irracionalidade do globalismo.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Quem te manda a ti sapateiro tocar rabecão
.
Quem te manda a ti sapateiro tocar rabecão
por PEDRO MARQUES LOPES
26 Fevereiro 2012
Miguel Relvas, na TVI24, mostrou a sua revolta contra alguns municípios que devem milhões e mesmo assim tiveram o desplante de dar tolerância de ponto no Carnaval.
Pode-se acusar o ministro de muita coisa, mas não se pode dizer que estivesse a ser incoerente com o que é a linha de actuação do Governo. Vem, aliás, na sequência da decisão de acabar com feriados, com a proposta abandonada de aumentar meia hora a jornada laboral, da redução de férias e outras medidas que visam aumentar a permanência dos trabalhadores no posto de trabalho.
O pensamento político - se é que lhe podemos chamar político ou sequer pensamento - subjacente a esta estratégia é evidente: uma das principais razões para a crise que vivemos é o facto de nós, portugueses, trabalharmos pouco.
Como qualquer pessoa que utiliza a fé para tomar decisões, é perfeitamente indiferente falar de factos. Não valerá a pena informar o Governo de que os portugueses são dos povos europeus que mais horas trabalham ou, pelo menos, os que são obrigados a passar mais horas nos seus locais de trabalho. Também será inútil lembrar que os portugueses que trabalham em empresas estrangeiras, em Portugal ou no estrangeiro, são considerados excelentes trabalhadores e distinguem-se pela sua qualidade.
Não, Relvas e o Governo estão convencidos de que os trabalhadores portugueses são um bando de preguiçosos que é forçoso pôr a trabalhar. Mais, devem ser agora castigados por terem passado tantos anos de papo para o ar. Gostaria muito de saber o que pensará um qualquer operário que leva uma hora e meia para chegar à empresa onde trabalha e mais hora e meia para regressar a casa, depois de ter trabalhado nove ou dez horas, para no fim do mês receber oitocentos euros, deste tipo de pensamento. Enfim...
Pois é, foi o facilitismo e a preguiça que nos trouxeram ao actual estado de coisas. Isso e os Governos anteriores, bem entendido. Quanto aos Governos anteriores terá o ministro Relvas alguma razão. Não há dúvidas de que os últimos vinte ou trinta anos contribuíram, e de que maneira, para o péssimo estado do País. Mas ver a segunda figura do Governo ignorar olimpicamente esse pequeno detalhe da crise europeia, o ataque às dívidas soberanas, o quase colapso do sistema financeiro internacional, a cegueira criminosa dos dirigentes europeus na condução dos destinos europeus, a semelhança da nossa situação com a de quase todos os países da Europa e explicar tudo com os anteriores Governos e os facilitismos e quejandos é, pura e simplesmente, arrepiante. Bom, não seria de esperar muito mais de Miguel Relvas, cujo entendimento da política se resume na habilidade em angariar apoios de secções partidárias e em pôr notícias em jornais. Mas que diabo, pensar que é ele o coordenador da acção política do Governo é, no mínimo, assustador.
Talvez seja pedir demais, mas talvez também não fosse má ideia que Miguel Relvas esquecesse por momentos a propaganda e percebesse alguns dos problemas que as nossas empresas (é escusado pedir isso ao ministro Álvaro, pois já todos percebemos que ele sabe tanto de empresas e dos seus problemas como de lagares de azeite) enfrentam, e que estão longe, muito longe, de qualquer tipo de preguiça dos trabalhadores.
Em vez de estar a perder tempo com comissões interministeriais, que mais não são do que poeira para atirar aos olhos dos mais incautos, podia-se tentar informar dos problemas graves de formação, de capacidade de gestão e de organizar o trabalho de parte significativa dos nossos empresários. Das dificuldades que o Estado lhes impõe com as constantes mudanças de legislação, da kafkiana burocracia, da falta de crédito que lhes está a destruir as empresas, dos preços absolutamente exorbitantes que têm de pagar por electricidade, gás e petróleo que não lhes permite ser competitivos com os concorrentes estrangeiros, da carga fiscal asfixiante ou do inexistente sistema de justiça que faz que as dívidas sejam perdas.
Mas a verdade é que os sapateiros não são bons tocadores de rabecão.
In DN
Quem te manda a ti sapateiro tocar rabecão
por PEDRO MARQUES LOPES
26 Fevereiro 2012
Miguel Relvas, na TVI24, mostrou a sua revolta contra alguns municípios que devem milhões e mesmo assim tiveram o desplante de dar tolerância de ponto no Carnaval.
Pode-se acusar o ministro de muita coisa, mas não se pode dizer que estivesse a ser incoerente com o que é a linha de actuação do Governo. Vem, aliás, na sequência da decisão de acabar com feriados, com a proposta abandonada de aumentar meia hora a jornada laboral, da redução de férias e outras medidas que visam aumentar a permanência dos trabalhadores no posto de trabalho.
O pensamento político - se é que lhe podemos chamar político ou sequer pensamento - subjacente a esta estratégia é evidente: uma das principais razões para a crise que vivemos é o facto de nós, portugueses, trabalharmos pouco.
Como qualquer pessoa que utiliza a fé para tomar decisões, é perfeitamente indiferente falar de factos. Não valerá a pena informar o Governo de que os portugueses são dos povos europeus que mais horas trabalham ou, pelo menos, os que são obrigados a passar mais horas nos seus locais de trabalho. Também será inútil lembrar que os portugueses que trabalham em empresas estrangeiras, em Portugal ou no estrangeiro, são considerados excelentes trabalhadores e distinguem-se pela sua qualidade.
Não, Relvas e o Governo estão convencidos de que os trabalhadores portugueses são um bando de preguiçosos que é forçoso pôr a trabalhar. Mais, devem ser agora castigados por terem passado tantos anos de papo para o ar. Gostaria muito de saber o que pensará um qualquer operário que leva uma hora e meia para chegar à empresa onde trabalha e mais hora e meia para regressar a casa, depois de ter trabalhado nove ou dez horas, para no fim do mês receber oitocentos euros, deste tipo de pensamento. Enfim...
Pois é, foi o facilitismo e a preguiça que nos trouxeram ao actual estado de coisas. Isso e os Governos anteriores, bem entendido. Quanto aos Governos anteriores terá o ministro Relvas alguma razão. Não há dúvidas de que os últimos vinte ou trinta anos contribuíram, e de que maneira, para o péssimo estado do País. Mas ver a segunda figura do Governo ignorar olimpicamente esse pequeno detalhe da crise europeia, o ataque às dívidas soberanas, o quase colapso do sistema financeiro internacional, a cegueira criminosa dos dirigentes europeus na condução dos destinos europeus, a semelhança da nossa situação com a de quase todos os países da Europa e explicar tudo com os anteriores Governos e os facilitismos e quejandos é, pura e simplesmente, arrepiante. Bom, não seria de esperar muito mais de Miguel Relvas, cujo entendimento da política se resume na habilidade em angariar apoios de secções partidárias e em pôr notícias em jornais. Mas que diabo, pensar que é ele o coordenador da acção política do Governo é, no mínimo, assustador.
Talvez seja pedir demais, mas talvez também não fosse má ideia que Miguel Relvas esquecesse por momentos a propaganda e percebesse alguns dos problemas que as nossas empresas (é escusado pedir isso ao ministro Álvaro, pois já todos percebemos que ele sabe tanto de empresas e dos seus problemas como de lagares de azeite) enfrentam, e que estão longe, muito longe, de qualquer tipo de preguiça dos trabalhadores.
Em vez de estar a perder tempo com comissões interministeriais, que mais não são do que poeira para atirar aos olhos dos mais incautos, podia-se tentar informar dos problemas graves de formação, de capacidade de gestão e de organizar o trabalho de parte significativa dos nossos empresários. Das dificuldades que o Estado lhes impõe com as constantes mudanças de legislação, da kafkiana burocracia, da falta de crédito que lhes está a destruir as empresas, dos preços absolutamente exorbitantes que têm de pagar por electricidade, gás e petróleo que não lhes permite ser competitivos com os concorrentes estrangeiros, da carga fiscal asfixiante ou do inexistente sistema de justiça que faz que as dívidas sejam perdas.
Mas a verdade é que os sapateiros não são bons tocadores de rabecão.
In DN
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As ideias comandam os factos
.
As ideias comandam os factos
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
O líder da oposição portuguesa publicou ontem no New York Times um texto de opinião. E, também ontem, ele foi distinguido em Lisboa com um doutoramento honoris causa. Falo, claro, de Paul Krugman, Nobel da Economia e porta-voz contra a austeridade. Em Lisboa, ele lembrou que há curas que matam. A austeridade pode ser necessária como uma sangria, mas insistindo nela depois de o doente piorar, sangrando mais um bocadinho, o doente piora ainda mais... Nos últimos meses, há sábios que garantem que Portugal tem de sair do euro (ping) e não menos sábios que juram que não precisará de sair (pong), o que me basta para confirmar que a economia é um jogo que causa torcicolos. No artigo do New York Times, escrito para os americanos, Krugman diz que a crise europeia tem uma "narrativa Republicana" (isto é, da direita americana): a culpa é da intervenção do Estado. Nessa América, a indústria automóvel estava falida há quatro anos. O Presidente Obama enxertou dinheiro público em Detroit e a General Motors acaba de ultrapassar a Toyota como a maior produtora mundial. Porém, os candidatos republicanos, tão divididos entre si, continuam unânimes nisto: o bom é menos intervenção estatal. O que me convence é que nesta história o único errado é o velho Bill Clinton: "É a Economia, estúpido!", disse ele um dia. Errado, é a política que comanda as mezinhas, a economia é mero
In DN
As ideias comandam os factos
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
O líder da oposição portuguesa publicou ontem no New York Times um texto de opinião. E, também ontem, ele foi distinguido em Lisboa com um doutoramento honoris causa. Falo, claro, de Paul Krugman, Nobel da Economia e porta-voz contra a austeridade. Em Lisboa, ele lembrou que há curas que matam. A austeridade pode ser necessária como uma sangria, mas insistindo nela depois de o doente piorar, sangrando mais um bocadinho, o doente piora ainda mais... Nos últimos meses, há sábios que garantem que Portugal tem de sair do euro (ping) e não menos sábios que juram que não precisará de sair (pong), o que me basta para confirmar que a economia é um jogo que causa torcicolos. No artigo do New York Times, escrito para os americanos, Krugman diz que a crise europeia tem uma "narrativa Republicana" (isto é, da direita americana): a culpa é da intervenção do Estado. Nessa América, a indústria automóvel estava falida há quatro anos. O Presidente Obama enxertou dinheiro público em Detroit e a General Motors acaba de ultrapassar a Toyota como a maior produtora mundial. Porém, os candidatos republicanos, tão divididos entre si, continuam unânimes nisto: o bom é menos intervenção estatal. O que me convence é que nesta história o único errado é o velho Bill Clinton: "É a Economia, estúpido!", disse ele um dia. Errado, é a política que comanda as mezinhas, a economia é mero
In DN
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Um livro para Passos Coelho ler
.
Um livro para Passos Coelho ler
por BAPTISTA-BASTOS
Hoje
Estamos enfraquecidos e aterrorizados. O pior ainda não chegou, avisa-nos o Governo, que já desempregou não só milhares de portugueses, como a própria generosidade. A banalidade das advertências quase deixou de nos comover. Aceitamos as coisas com a resignação de quem entende que valores mais poderosos se levantam. Como há tempos me disse o meu amigo João Lopes, deixámos de alimentar a compaixão, sem a qual nem sequer sobrevivemos: vegetamos. Mas vale a pena insistir na notícia desta desgraça? Creio que sim; de contrário estaríamos a ressuscitar a fantasia de que, se tudo não está bem, vai melhorar. Não vai. Pedro Passos Coelho pressagiou o nosso em-pobrecimento; agora, pede-nos energia. Anda, notoriamente, desorientado. E não sabe a quem se dirige, por desconhecimento de quem somos. Mas não somos matéria vaga.
Leio em Montesquieu: "Não há desgosto que uma hora de leitura não desvaneça." Faço-o, há muitos anos. Claro que o desgosto não se desvanece. Mas a leitura reconforta-nos. E permite-nos estabelecer comparações. É o que devia fazer o Governo: ler. Há, nele, uma encantadora ausência de livros, sobretudo de História. Os discursos chãos, vazios de sentido, escassos de virtude quanto cheios de ignorância, fornecem-nos a dimensão cultural e moral destes senhores. Não se pode governar estranhando a natureza de quem é governado.
Um volume recente, o terceiro da História de Portugal, de António Borges Coelho, ergue-nos o ânimo e alivia-nos dos pesares. Recomendo a Passos, que parece tão desviado de nós, a leitura de Largada das Naus, que nos sacode a sonolência de espírito e nos convoca a inteligência e a coragem. É um texto extraordinário pela beleza da prosa, pelo rigor da pesquisa, pela grandeza da proposta. Como nos dois tomos anteriores, Donde Viemos e Portugal Medievo, o grande historiador não oculta a paixão pelo povo, a contribuição inapagável e sem preço de uma gente fervorosa, amante e entusiasta, violenta e terna, que troca "gestos, cerimónias, roupas, vocábulos" e que experimenta "as armas e os corpos". Nós.
Como poucos, António Borges Coelho fornece-nos a dimensão de um tempo e a espessura de uma população que construiu o país com a rudeza de uma vontade quase inexplicável. Como é possível desconhecer esta gente?, que criou um leito de nações, enquanto consolidava a sua própria, com o génio e o montante, a poesia e o sangue.
Não se deve falar connosco na linguagem da displicência. É imoral. Afinal pertencemos a uma estirpe que, para citar o etnólogo brasileiro Luís da Câmara Cascudo, outro maior, "levou nas naus o coração batente e a pedra de Pêro Pinheiro, mas, também, a língua e a força da aprendizagem". Essa força transformadora que, na repressão, no opróbrio e na desdita não foi nunca dominada.
In DN
Um livro para Passos Coelho ler
por BAPTISTA-BASTOS
Hoje
Estamos enfraquecidos e aterrorizados. O pior ainda não chegou, avisa-nos o Governo, que já desempregou não só milhares de portugueses, como a própria generosidade. A banalidade das advertências quase deixou de nos comover. Aceitamos as coisas com a resignação de quem entende que valores mais poderosos se levantam. Como há tempos me disse o meu amigo João Lopes, deixámos de alimentar a compaixão, sem a qual nem sequer sobrevivemos: vegetamos. Mas vale a pena insistir na notícia desta desgraça? Creio que sim; de contrário estaríamos a ressuscitar a fantasia de que, se tudo não está bem, vai melhorar. Não vai. Pedro Passos Coelho pressagiou o nosso em-pobrecimento; agora, pede-nos energia. Anda, notoriamente, desorientado. E não sabe a quem se dirige, por desconhecimento de quem somos. Mas não somos matéria vaga.
Leio em Montesquieu: "Não há desgosto que uma hora de leitura não desvaneça." Faço-o, há muitos anos. Claro que o desgosto não se desvanece. Mas a leitura reconforta-nos. E permite-nos estabelecer comparações. É o que devia fazer o Governo: ler. Há, nele, uma encantadora ausência de livros, sobretudo de História. Os discursos chãos, vazios de sentido, escassos de virtude quanto cheios de ignorância, fornecem-nos a dimensão cultural e moral destes senhores. Não se pode governar estranhando a natureza de quem é governado.
Um volume recente, o terceiro da História de Portugal, de António Borges Coelho, ergue-nos o ânimo e alivia-nos dos pesares. Recomendo a Passos, que parece tão desviado de nós, a leitura de Largada das Naus, que nos sacode a sonolência de espírito e nos convoca a inteligência e a coragem. É um texto extraordinário pela beleza da prosa, pelo rigor da pesquisa, pela grandeza da proposta. Como nos dois tomos anteriores, Donde Viemos e Portugal Medievo, o grande historiador não oculta a paixão pelo povo, a contribuição inapagável e sem preço de uma gente fervorosa, amante e entusiasta, violenta e terna, que troca "gestos, cerimónias, roupas, vocábulos" e que experimenta "as armas e os corpos". Nós.
Como poucos, António Borges Coelho fornece-nos a dimensão de um tempo e a espessura de uma população que construiu o país com a rudeza de uma vontade quase inexplicável. Como é possível desconhecer esta gente?, que criou um leito de nações, enquanto consolidava a sua própria, com o génio e o montante, a poesia e o sangue.
Não se deve falar connosco na linguagem da displicência. É imoral. Afinal pertencemos a uma estirpe que, para citar o etnólogo brasileiro Luís da Câmara Cascudo, outro maior, "levou nas naus o coração batente e a pedra de Pêro Pinheiro, mas, também, a língua e a força da aprendizagem". Essa força transformadora que, na repressão, no opróbrio e na desdita não foi nunca dominada.
In DN
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Engolir um sapo
.
Engolir um sapo
por PEDRO MARQUES LOPES
Ontem
1- Esqueçamos as mudanças de opinião do Presidente da República sobre as agências de rating. As tais que em Julho de 2010 não podiam ser recriminadas mas que nesta semana, em entrevista à TSF, foram severamente criticadas por Cavaco Silva, que até chamou cobardes aos líderes europeus que pactuam com elas.
Esqueçamos que o Presidente da República ignorou a crise do euro e o ataque às dívidas soberanas e só há poucos meses acordou para esses problemas. Esqueçamos que o termo "crise sistémica" é recente no discurso do Presidente da República e que, apesar de agora criticar os dirigentes europeus por terem percebido tardiamente as verdadeiras origem da crise, também ele chegou atrasado, muito atrasado.
Pronto: nuns casos, o Presidente mudou mesmo de opinião, noutros ou se esqueceu de nos informar dos seus pontos de vista a tempo e horas ou também a sua opinião, digamos assim, evoluiu. Todos sabemos o que esta malfadada crise fez a muitas das nossas convicções, e só os burros é que teimam em ir contra o óbvio.
Finjamos estar esquecidos do gravíssimo caso das escutas que num país civilizado abriria uma gigantesca crise institucional. Podemos da árvore da nossa memória o infelicíssimo caso das pensões e do insulto que nos foi dirigido pelo Presidente da República.
Eu e muitos, acredito, gostaríamos de ter o voto que demos a Cavaco Silva de volta, mas a coisa não funciona assim. Temos de engolir mais um sapo, pois.
Hoje por hoje temos um primeiro-ministro que quer cumprir o acordo com a troika custe o que custar e não enjeita mais medidas de austeridade, que apregoa aos sete ventos que não somos a Grécia, que se revê na sra. Merkel, que não quer mais tempo nem mais dinheiro, que acredita que o BCE deve estar como está, que não tem uma palavra para falar da necessidade dos países com excedentes terem políticas expansionistas ou de solidariedade intereuropeia ou de planos de crescimento económico, que assume o desemprego como uma inevitabilidade. Do outro lado temos um Presidente da República que fala dos novos pobres e na necessidade de coesão social, que insiste no drama do desemprego, que não aceita mais sacrifícios para os portugueses, que afirma que devemos ser solidários com a Grécia, que põe em causa o directório franco-germânico, que tem um discurso para a Europa muito próximo do de Monti (já não é mau), que desde o seu célebre discurso em Florença está mais preocupado com o emprego e o crescimento do que com a inflação, que quer o BCE como um novo desenho, que não aceita que se critique apenas Portugal, a Irlanda e a Grécia mas sim a Europa como um todo.
Obviamente que Passos Coelho e Cavaco Silva querem o melhor para o País e para os portugueses, mas isso é comum a todos os políticos dignos desse nome. O que está em causa são os métodos para atingir esse objectivo, ou seja, as escolhas políticas. E neste aspecto é evidente que Passos Coelho e Cavaco Silva têm visões muito diferentes da situação da Europa e de Portugal e de quais devem ser as políticas a seguir para sair da crise. Mais, com o tempo e o aprofundamento dos problemas cada vez isso vai ser mais notório e a separação entre os dois se vai acentuar.
Ter o Presidente da República como líder da oposição é o melhor dos cenários? Não, não é. Deve ser o Presidente o líder da oposição? Não, não deve. Mas quem não tem cão, caça com gato. E, faltando oposição, é o que nos resta. Pior do que esta situação seria chegarmos ao ponto a que vamos, infelizmente, chegar, de aprofundamento da crise económica com uma inevitável crise política, sem uma voz institucional que corporizasse o descontentamento e mostrasse um novo caminho. Pior ainda seria no momento em que a crise política se agudizar termos um Presidente da República descredibilizado na opinião pública e fragilizado na sua acção.
Bem sabemos quantas vezes na nossa vida temos de fazer um esforço para utilizarmos a memória não para lembrar mas para esquecer. Este é um desses momentos. Vamos lá a ver é se o Presidente da República não volta a mudar de opinião e se não nos obriga a desistirmos também dele.
2 - O desemprego já vai em 14,8% e vamos ter mais recessão. Segundo Vítor Gaspar e a troika está tudo a correr às mil maravilhas. Há aqui qualquer coisa que me escapa, mas a culpa deve ser minha.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
Engolir um sapo
por PEDRO MARQUES LOPES
Ontem
1- Esqueçamos as mudanças de opinião do Presidente da República sobre as agências de rating. As tais que em Julho de 2010 não podiam ser recriminadas mas que nesta semana, em entrevista à TSF, foram severamente criticadas por Cavaco Silva, que até chamou cobardes aos líderes europeus que pactuam com elas.
Esqueçamos que o Presidente da República ignorou a crise do euro e o ataque às dívidas soberanas e só há poucos meses acordou para esses problemas. Esqueçamos que o termo "crise sistémica" é recente no discurso do Presidente da República e que, apesar de agora criticar os dirigentes europeus por terem percebido tardiamente as verdadeiras origem da crise, também ele chegou atrasado, muito atrasado.
Pronto: nuns casos, o Presidente mudou mesmo de opinião, noutros ou se esqueceu de nos informar dos seus pontos de vista a tempo e horas ou também a sua opinião, digamos assim, evoluiu. Todos sabemos o que esta malfadada crise fez a muitas das nossas convicções, e só os burros é que teimam em ir contra o óbvio.
Finjamos estar esquecidos do gravíssimo caso das escutas que num país civilizado abriria uma gigantesca crise institucional. Podemos da árvore da nossa memória o infelicíssimo caso das pensões e do insulto que nos foi dirigido pelo Presidente da República.
Eu e muitos, acredito, gostaríamos de ter o voto que demos a Cavaco Silva de volta, mas a coisa não funciona assim. Temos de engolir mais um sapo, pois.
Hoje por hoje temos um primeiro-ministro que quer cumprir o acordo com a troika custe o que custar e não enjeita mais medidas de austeridade, que apregoa aos sete ventos que não somos a Grécia, que se revê na sra. Merkel, que não quer mais tempo nem mais dinheiro, que acredita que o BCE deve estar como está, que não tem uma palavra para falar da necessidade dos países com excedentes terem políticas expansionistas ou de solidariedade intereuropeia ou de planos de crescimento económico, que assume o desemprego como uma inevitabilidade. Do outro lado temos um Presidente da República que fala dos novos pobres e na necessidade de coesão social, que insiste no drama do desemprego, que não aceita mais sacrifícios para os portugueses, que afirma que devemos ser solidários com a Grécia, que põe em causa o directório franco-germânico, que tem um discurso para a Europa muito próximo do de Monti (já não é mau), que desde o seu célebre discurso em Florença está mais preocupado com o emprego e o crescimento do que com a inflação, que quer o BCE como um novo desenho, que não aceita que se critique apenas Portugal, a Irlanda e a Grécia mas sim a Europa como um todo.
Obviamente que Passos Coelho e Cavaco Silva querem o melhor para o País e para os portugueses, mas isso é comum a todos os políticos dignos desse nome. O que está em causa são os métodos para atingir esse objectivo, ou seja, as escolhas políticas. E neste aspecto é evidente que Passos Coelho e Cavaco Silva têm visões muito diferentes da situação da Europa e de Portugal e de quais devem ser as políticas a seguir para sair da crise. Mais, com o tempo e o aprofundamento dos problemas cada vez isso vai ser mais notório e a separação entre os dois se vai acentuar.
Ter o Presidente da República como líder da oposição é o melhor dos cenários? Não, não é. Deve ser o Presidente o líder da oposição? Não, não deve. Mas quem não tem cão, caça com gato. E, faltando oposição, é o que nos resta. Pior do que esta situação seria chegarmos ao ponto a que vamos, infelizmente, chegar, de aprofundamento da crise económica com uma inevitável crise política, sem uma voz institucional que corporizasse o descontentamento e mostrasse um novo caminho. Pior ainda seria no momento em que a crise política se agudizar termos um Presidente da República descredibilizado na opinião pública e fragilizado na sua acção.
Bem sabemos quantas vezes na nossa vida temos de fazer um esforço para utilizarmos a memória não para lembrar mas para esquecer. Este é um desses momentos. Vamos lá a ver é se o Presidente da República não volta a mudar de opinião e se não nos obriga a desistirmos também dele.
2 - O desemprego já vai em 14,8% e vamos ter mais recessão. Segundo Vítor Gaspar e a troika está tudo a correr às mil maravilhas. Há aqui qualquer coisa que me escapa, mas a culpa deve ser minha.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
O Álvaro é uma vítima
.
O Álvaro é uma vítima
por PAULO BALDAIA
Ontem
O Álvaro é uma vítima da gula partidária, da falta de experiência na economia real, da guerra de competências e protagonismos, da demagogia com que foi dada dimensão ao seu ministério só para haver menos ministérios. É até vítima do São Pedro que lhe rouba a chuva, mas é também vítima de si próprio. A começar pela modernice com que entendeu convencer-nos a todos que lá fora toda a gente é tratada pelo nome próprio. Como isso nem sequer é verdade, no resto desta crónica vou passar a tratá-lo pela dignidade do cargo que ocupa.
O ministro da Economia e do Emprego está em maus lençóis há já muito tempo. Vivemos até com a sensação que ele está no ministério há anos, mas o Governo só tomou posse há oito meses. De lá até cá, o senhor ministro já perdeu poder nas privatizações, nas PPP e no emprego para jovens. Agora querem tirar-lhe o QREN. Não tarda nada e passa a ser o ministro das falências e aí pode entrar em poupança e diminuir o número de secretários de Estado, actualmente são seis.
Bem sei que com menos de um ano de existência mudar a orgânica do Executivo parece um disparate, mas isso já está a acontecer pela calada e, portanto, não vinha mal ao mundo se o primeiro-ministro se arrependesse da estrutura que montou e a refizesse. Não é de agora que se discute a ingovernabilidade deste ministério. Em Outubro do ano passado, o insuspeito Rui Rio considerava que "nem que se ponha lá um super-homem" este ministério podia ser governado. Rio incluía nesta ingovernabilidade o MAMAOT (Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território) de Assunção Cristas e a verdade é que a opinião publicada também já começou a perder a fé nesta ministra.
Neste esvaziamento de competências há razões de fundo para o comum dos mortais entender que não é considerado no seio da equipa e dar lugar a outro, demitindo-se. Mas temos de admitir que o jovem ministro (40 anos) ainda mantenha mais prós que contras para a decisão de continuar no Governo. O que não é possível que ele não saiba, como sabemos todos, é que o seu mandato tem tudo para acabar mal. E o que parece certo como o destino é que, não querendo sair pelo seu pé, sairá empurrado antes do fim da legislatura. No PSD há muito que decidiram que, em circunstâncias normais, ele será o primeiro a ser remodelado.
Nesta guerra pelo controle dos milhões do QREN o que se espera é que, independentemente do ministro que ficar a tutelar a futura comissão interministerial, não vença a tese de que não gastar é o melhor dos caminhos. É absolutamente possível gastar melhor os fundos comunitários, mas que o Executivo não argumente com a falta de dinheiro para políticas de crescimento da economia, se a alternativa é fechar o dinheiro num cofre.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
In DTM
O Álvaro é uma vítima
por PAULO BALDAIA
Ontem
O Álvaro é uma vítima da gula partidária, da falta de experiência na economia real, da guerra de competências e protagonismos, da demagogia com que foi dada dimensão ao seu ministério só para haver menos ministérios. É até vítima do São Pedro que lhe rouba a chuva, mas é também vítima de si próprio. A começar pela modernice com que entendeu convencer-nos a todos que lá fora toda a gente é tratada pelo nome próprio. Como isso nem sequer é verdade, no resto desta crónica vou passar a tratá-lo pela dignidade do cargo que ocupa.
O ministro da Economia e do Emprego está em maus lençóis há já muito tempo. Vivemos até com a sensação que ele está no ministério há anos, mas o Governo só tomou posse há oito meses. De lá até cá, o senhor ministro já perdeu poder nas privatizações, nas PPP e no emprego para jovens. Agora querem tirar-lhe o QREN. Não tarda nada e passa a ser o ministro das falências e aí pode entrar em poupança e diminuir o número de secretários de Estado, actualmente são seis.
Bem sei que com menos de um ano de existência mudar a orgânica do Executivo parece um disparate, mas isso já está a acontecer pela calada e, portanto, não vinha mal ao mundo se o primeiro-ministro se arrependesse da estrutura que montou e a refizesse. Não é de agora que se discute a ingovernabilidade deste ministério. Em Outubro do ano passado, o insuspeito Rui Rio considerava que "nem que se ponha lá um super-homem" este ministério podia ser governado. Rio incluía nesta ingovernabilidade o MAMAOT (Ministério da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território) de Assunção Cristas e a verdade é que a opinião publicada também já começou a perder a fé nesta ministra.
Neste esvaziamento de competências há razões de fundo para o comum dos mortais entender que não é considerado no seio da equipa e dar lugar a outro, demitindo-se. Mas temos de admitir que o jovem ministro (40 anos) ainda mantenha mais prós que contras para a decisão de continuar no Governo. O que não é possível que ele não saiba, como sabemos todos, é que o seu mandato tem tudo para acabar mal. E o que parece certo como o destino é que, não querendo sair pelo seu pé, sairá empurrado antes do fim da legislatura. No PSD há muito que decidiram que, em circunstâncias normais, ele será o primeiro a ser remodelado.
Nesta guerra pelo controle dos milhões do QREN o que se espera é que, independentemente do ministro que ficar a tutelar a futura comissão interministerial, não vença a tese de que não gastar é o melhor dos caminhos. É absolutamente possível gastar melhor os fundos comunitários, mas que o Executivo não argumente com a falta de dinheiro para políticas de crescimento da economia, se a alternativa é fechar o dinheiro num cofre.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
In DTM
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Coragem em Madrid
.
Coragem em Madrid
por VIRIATO SOROMENHO-MARQUES
Hoje
Quando se esperava do Conselho Europeu o entoar de loas ao patético Pacto de Disciplina Orçamental, que espelha as mentes alucinadas que dominam em Berlim e em Bruxelas, o foco da atenção não foi para uma Merkel triunfante, mas sim para Mariano Rajoy. O chefe do Governo espanhol, cujo currículo está longe de ser brilhante, teve, contudo, o ato mais frontal que já se escutou nestes dois anos de circo da "crise das dívidas soberanas": falou verdade. Numa altura em que toda a gente mente na Europa. Sobre a Grécia, sobre o (in) sucesso dos planos de resgate, sobre o futuro, Rajoy olhou a realidade de frente. Embora Madrid esteja comprometida com a consolidação das finanças públicas, não o pode fazer pondo em perigo a coesão social de uma nação com 23% a 24% de desempregados. Passar de um défice de 8,5% para um de 4,4% seria um salto mortal. A Espanha promete baixar para 5,8% (o que é já um esforço duríssimo). Rajoy não vai guerrear o seu povo para agradar aos seus homólogos, ou à burocracia de Bruxelas, que já entrou no infame modo de "sobreviver sob qualquer amo e a qualquer custo". Rajoy respeitou a verdade factual. O seu gesto significa que o Pacto Orçamental já nasceu morto. Madrid mostrou que se queremos salvar a União é preciso dizer a Berlim e a Bruxelas que a sua estratégia vai rebentar com a Europa, e ninguém ficará a salvo. Portugal não é a Espanha, que é a quinta economia da União. Mas para Lisboa, a Espanha é o maior credor e o maior parceiro comercial. Se nos obrigarem a mudar de rumo, a embarcar na jangada de Saramago, em direção às Américas e às Áfricas, portugueses e espanhóis estarão juntos nessa viagem. Só a via da coragem política, de que Madrid deu testemunho, evitará essa viagem de último recurso, salvando a Europa do medo que a asfixia.
In DN
Coragem em Madrid
por VIRIATO SOROMENHO-MARQUES
Hoje
Quando se esperava do Conselho Europeu o entoar de loas ao patético Pacto de Disciplina Orçamental, que espelha as mentes alucinadas que dominam em Berlim e em Bruxelas, o foco da atenção não foi para uma Merkel triunfante, mas sim para Mariano Rajoy. O chefe do Governo espanhol, cujo currículo está longe de ser brilhante, teve, contudo, o ato mais frontal que já se escutou nestes dois anos de circo da "crise das dívidas soberanas": falou verdade. Numa altura em que toda a gente mente na Europa. Sobre a Grécia, sobre o (in) sucesso dos planos de resgate, sobre o futuro, Rajoy olhou a realidade de frente. Embora Madrid esteja comprometida com a consolidação das finanças públicas, não o pode fazer pondo em perigo a coesão social de uma nação com 23% a 24% de desempregados. Passar de um défice de 8,5% para um de 4,4% seria um salto mortal. A Espanha promete baixar para 5,8% (o que é já um esforço duríssimo). Rajoy não vai guerrear o seu povo para agradar aos seus homólogos, ou à burocracia de Bruxelas, que já entrou no infame modo de "sobreviver sob qualquer amo e a qualquer custo". Rajoy respeitou a verdade factual. O seu gesto significa que o Pacto Orçamental já nasceu morto. Madrid mostrou que se queremos salvar a União é preciso dizer a Berlim e a Bruxelas que a sua estratégia vai rebentar com a Europa, e ninguém ficará a salvo. Portugal não é a Espanha, que é a quinta economia da União. Mas para Lisboa, a Espanha é o maior credor e o maior parceiro comercial. Se nos obrigarem a mudar de rumo, a embarcar na jangada de Saramago, em direção às Américas e às Áfricas, portugueses e espanhóis estarão juntos nessa viagem. Só a via da coragem política, de que Madrid deu testemunho, evitará essa viagem de último recurso, salvando a Europa do medo que a asfixia.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Portugal dá a volta
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Portugal dá a volta
por JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Hoje
A falta de relatórios da Fundação Richard Zwentzerg (FRZ) tem gerado inquietação. A instituição dedicada aos estudos lusitanos continuou as suas actividades, mas desde Junho de 2010 mantém silêncio, sem publicar os textos, que só são acessíveis através do DN.
Na entrevista de apresentação do último título, o actual presidente da FRZ, o milionário guatemalteco Oskar Papadiván, parecia quase aliviado. "A falta de intervenção da fundação em momento tão difícil da vida portuguesa deveu-se a uma clivagem interna na nossa comissão científica", explicou. "Felizmente está ultrapassada."
"Quero dizer que a maioria do grupo nunca duvidou de que o ajustamento da economia e sociedade portuguesas teria sucesso", afirmou Papadiván. "Aliás, quisemos publicar este resultado há um ano, meses antes do pedido de ajuda. Mas um pequeno número dos nossos membros tinha hesitações fundamentadas que não podíamos ignorar. Hoje, o consenso regressou e apresentamos com confiança estas conclusões."
O relatório afirma que se vive o momento mais negro e incerto da crise. "Foram muitos erros durante muito tempo. São inevitáveis meses de sofrimento." Apesar disso, é já evidente que haverá uma recuperação sólida e equilibrada da conjuntura. "Não será fácil, mas Portugal voltará ao equilíbrio."
"As alternativas a considerar na situação portuguesa", diz adiante, "não estão entre seguir a miséria grega ou o sucesso irlandês, mas entre copiar os desastres de 1834 e 1910 ou os êxitos de 1978 e 1983. Em todos havia grave crise, mas as revoluções liberal e republicana mergulharam o País em dé-cadas de caos, enquanto os acordos do FMI conseguiram aprofundar a democracia e o progresso".
Hoje, o sinal mais promissor do sucesso é a calma social. "A serenidade é uma condição decisiva para a recuperação e, ao contrário da Grécia e até da Itália e da Espanha, Portugal e Irlanda têm-na. Apesar da natural indignação, dos esforços compreensíveis de forças de agitação e dos sucessivos avisos de revoltas por intelectuais, os portugueses mantêm-se estoicamente pacíficos. O sofrimento é muito, mas as pessoas e os grupos compreendem que nada têm a ganhar com protestos e distúrbios. É preciso trabalhar, poupar, encontrar novas alternativas." O texto chega mesmo a teorizar: "As pessoas não se revoltam quando perdem muito, mas quando nada têm a perder. Os lusitanos sabem que a recusa aos sacrifícios e os protestos paralisantes só aumentariam ainda mais o sofrimento."
O tom optimista do texto surpreende face ao cepticismo do capítulo relativo às políticas. A Fundação desconfia da capacidade do Governo em cumprir o prometido. "Os grupos de pressão têm as suas influências no PSD e no CDS, como tinham no PS. Conseguir eliminar o gigantismo do aparelho e a obsessão regulamentar é um mito", garante. A timidez das medidas já tomadas mostra-o à evidência: "Nas reformas estruturais vê-se pouco e intui-se desorientação, aselhice, ignorância. O Estado tem feito algum jejum, mas não muda hábitos nem leis. Pior, sem distinguir as críticas sérias e justificadas das queixas interesseiras e ciumentas, o Governo faz bandeira de tolices (redução de feriados), meias-medidas (lei das rendas) ou velhas ideias (programas escolares)."
Como pode então a FRZ assegurar o êxito? Por confiança na população. "As empresas portuguesas vivem dificuldades há dez anos e começaram a ajustar-se à nova situação logo em 2008, ao contrário do aparelho estatal e de grupos de pressão, que parecem ainda mal ter percebido a situação. Basta que as imposições do memorando consigam parar os erros e aliviar os estrangulamentos fiscal e regulamentar das empresas, o qual tem crescido sucessivamente nos últimos anos, para a recuperação ter êxito."
O texto justifica: "Este foi sempre o segredo do sucesso português ao longo dos séculos. Ao lado de uma elite pedante e parasita existe um povo espantoso que consegue dar a volta. Ao contrário das desgraças de 1834 e 1910, os programas externos de 1978 e 1983 aliviaram o povo um pouco do peso dos parasitas. Isso chegou."
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
Portugal dá a volta
por JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Hoje
A falta de relatórios da Fundação Richard Zwentzerg (FRZ) tem gerado inquietação. A instituição dedicada aos estudos lusitanos continuou as suas actividades, mas desde Junho de 2010 mantém silêncio, sem publicar os textos, que só são acessíveis através do DN.
Na entrevista de apresentação do último título, o actual presidente da FRZ, o milionário guatemalteco Oskar Papadiván, parecia quase aliviado. "A falta de intervenção da fundação em momento tão difícil da vida portuguesa deveu-se a uma clivagem interna na nossa comissão científica", explicou. "Felizmente está ultrapassada."
"Quero dizer que a maioria do grupo nunca duvidou de que o ajustamento da economia e sociedade portuguesas teria sucesso", afirmou Papadiván. "Aliás, quisemos publicar este resultado há um ano, meses antes do pedido de ajuda. Mas um pequeno número dos nossos membros tinha hesitações fundamentadas que não podíamos ignorar. Hoje, o consenso regressou e apresentamos com confiança estas conclusões."
O relatório afirma que se vive o momento mais negro e incerto da crise. "Foram muitos erros durante muito tempo. São inevitáveis meses de sofrimento." Apesar disso, é já evidente que haverá uma recuperação sólida e equilibrada da conjuntura. "Não será fácil, mas Portugal voltará ao equilíbrio."
"As alternativas a considerar na situação portuguesa", diz adiante, "não estão entre seguir a miséria grega ou o sucesso irlandês, mas entre copiar os desastres de 1834 e 1910 ou os êxitos de 1978 e 1983. Em todos havia grave crise, mas as revoluções liberal e republicana mergulharam o País em dé-cadas de caos, enquanto os acordos do FMI conseguiram aprofundar a democracia e o progresso".
Hoje, o sinal mais promissor do sucesso é a calma social. "A serenidade é uma condição decisiva para a recuperação e, ao contrário da Grécia e até da Itália e da Espanha, Portugal e Irlanda têm-na. Apesar da natural indignação, dos esforços compreensíveis de forças de agitação e dos sucessivos avisos de revoltas por intelectuais, os portugueses mantêm-se estoicamente pacíficos. O sofrimento é muito, mas as pessoas e os grupos compreendem que nada têm a ganhar com protestos e distúrbios. É preciso trabalhar, poupar, encontrar novas alternativas." O texto chega mesmo a teorizar: "As pessoas não se revoltam quando perdem muito, mas quando nada têm a perder. Os lusitanos sabem que a recusa aos sacrifícios e os protestos paralisantes só aumentariam ainda mais o sofrimento."
O tom optimista do texto surpreende face ao cepticismo do capítulo relativo às políticas. A Fundação desconfia da capacidade do Governo em cumprir o prometido. "Os grupos de pressão têm as suas influências no PSD e no CDS, como tinham no PS. Conseguir eliminar o gigantismo do aparelho e a obsessão regulamentar é um mito", garante. A timidez das medidas já tomadas mostra-o à evidência: "Nas reformas estruturais vê-se pouco e intui-se desorientação, aselhice, ignorância. O Estado tem feito algum jejum, mas não muda hábitos nem leis. Pior, sem distinguir as críticas sérias e justificadas das queixas interesseiras e ciumentas, o Governo faz bandeira de tolices (redução de feriados), meias-medidas (lei das rendas) ou velhas ideias (programas escolares)."
Como pode então a FRZ assegurar o êxito? Por confiança na população. "As empresas portuguesas vivem dificuldades há dez anos e começaram a ajustar-se à nova situação logo em 2008, ao contrário do aparelho estatal e de grupos de pressão, que parecem ainda mal ter percebido a situação. Basta que as imposições do memorando consigam parar os erros e aliviar os estrangulamentos fiscal e regulamentar das empresas, o qual tem crescido sucessivamente nos últimos anos, para a recuperação ter êxito."
O texto justifica: "Este foi sempre o segredo do sucesso português ao longo dos séculos. Ao lado de uma elite pedante e parasita existe um povo espantoso que consegue dar a volta. Ao contrário das desgraças de 1834 e 1910, os programas externos de 1978 e 1983 aliviaram o povo um pouco do peso dos parasitas. Isso chegou."
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
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