Verdades que doem
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Verdades que doem
Relembrando a primeira mensagem :
.
O Presidente Pilatos
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
1. Segundo a sua própria doutrina, Cavaco Silva dá uns recados em privado aos primeiros-ministros. Se de facto assim for, Passos Coelhos ouviu das boas na última reunião com o Presidente da República. Disse ao primeiro-pinistro que "o corte nos subsídios violava as mais básicas regras de equidade", que "a austeridade orçamental não garante que, no futuro, o País se encontrará numa trajectória de crescimento", que "ajustamentos baseados numa trajectória recessiva são insustentáveis", que "o sucesso, em boa parte, não depende só de nós, depende da conjuntura internacional e da capacidade que a UE demonstrar para resolver a crise financeira da Zona Euro". Também não se deve ter esquecido de dizer que não vê espelhadas no Orçamento quaisquer reformas estruturais e que sem elas todos os sacrifícios serão em vão. Mas, mais que tudo, disse ao primeiro-ministro que o caminho escolhido não é o único possível e mostrou-lhe alternativas que não passam pela destruição completa da nossa economia, pela falência de milhares de empresas, por um ainda maior défice, pela criação da maior taxa de desemprego jamais vista e pela fuga em massa dos melhores elementos da administração pública. Enfim, deve ter dito a Passos Coelho o que disse no discurso na Ordem dos Economistas e numa conversa (!) com jornalistas.
Pode ser até que lhe tenha mostrado o artigo do Pedro Lains no Jornal de Negócios onde o economista, insuspeito de qualquer tipo de carinho pela antiga governação, escreve que a estratégia de Passos Coelho "está profundamente desactualizada e mesmo errada" e que "a dimensão do "ajustamento", como lhe querem chamar, é de tal forma grande, é de tal forma brutal que, como é evidente, ultrapassa qualquer estrago que tenha sido feito pelo Governo anterior".
Ora, o primeiro-ministro ouviu isto tudo e fez orelhas moucas. O Presidente da República, que pode ter muitos defeitos mas não embarca em suicídios colectivos, resolveu não esperar cinco anos, como fez com Sócrates, e bastaram-lhe quatro meses para se demarcar publicamente do Governo.
É bem verdade que a monstruosidade da proposta orçamental não deixava grande espaço de manobra a Cavaco Silva. Ele sabe como qualquer pessoa que não esteja completamente cega por fidelidades partidárias ou que acredita na patranha do "vivemos acima das nossas possibilidades", "gorduras" e afins, que a estrada escolhida nos conduz directamente para o inferno. Mas, mais cedo ou mais tarde, o conflito iria instalar-se entre o primeiro-ministro e o Presidente da República. Pena é que tenha sido esta a razão. A retórica utilizada por Passos Coelho enquanto candidato era diametralmente oposta à de Cavaco (infelizmente, Passos Coelho pré-candidato a primeiro-ministro também não tem rigorosamente nada a ver com o Passos Coelho primeiro-ministro). Nada os unia. Nem convicções ideológicas, nem costumes, nem valores, nada. Enquanto o objectivo era afastar o antigo primeiro-ministro, não existiam problemas europeus, nem crise internacional, nem de-sequilíbrios estruturais: era tudo culpa do antigo Governo.
Apenas a existência de um inimigo comum juntou, por breves instantes, Cavaco e Passos Coelho. O fim de Sócrates seria sempre o fim de uma impossível relação.
Foi a cooperação institucional mais curta da história da nossa democracia.
2. O "eu avisei" vai marcar para sempre o mandato de Cavaco Silva. Seja através das suas mensagens no Facebook, seja em discursos que ninguém ouviu, seja por o ter dito em particular, o Presidente da República previu todas as desgraças e apontou sempre os melhores caminhos. Cavaco pensa que fica bem na fotografia por dizer umas coisas, sem que actue em função das suas palavras. Troca os seus poderes constitucionais por um negligente conforto pessoal mascarado de aviso, convencido de que assim fica a salvo de críticas quando o caos se instalar.
O que o Presidente da República fez esta semana pode ser resumido numa frase: "o caminho proposto pelo Governo vai desembocar numa catástrofe, depois não digam que não avisei". E o que vai fazer além de ter verbalizado a sua oposição? Rigorosamente nada. Pilatos não faria melhor.
3. António José Seguro, quando ouviu as palavras de Cavaco Silva, deve ter sido assolado por sentimentos confusos. O primeiro foi de alegria. Em vez de andar perdido em disparates como o código de ética e o pacote requentado contra a corrupção, copia na íntegra as declarações do Presidente e, pronto, já tem discurso. Por outro lado, também deve ter percebido que continua a não ser o líder da oposição. Até aqui foram algumas vozes do PSD, agora é o próprio Presidente da República.
In DN
.
O Presidente Pilatos
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
1. Segundo a sua própria doutrina, Cavaco Silva dá uns recados em privado aos primeiros-ministros. Se de facto assim for, Passos Coelhos ouviu das boas na última reunião com o Presidente da República. Disse ao primeiro-pinistro que "o corte nos subsídios violava as mais básicas regras de equidade", que "a austeridade orçamental não garante que, no futuro, o País se encontrará numa trajectória de crescimento", que "ajustamentos baseados numa trajectória recessiva são insustentáveis", que "o sucesso, em boa parte, não depende só de nós, depende da conjuntura internacional e da capacidade que a UE demonstrar para resolver a crise financeira da Zona Euro". Também não se deve ter esquecido de dizer que não vê espelhadas no Orçamento quaisquer reformas estruturais e que sem elas todos os sacrifícios serão em vão. Mas, mais que tudo, disse ao primeiro-ministro que o caminho escolhido não é o único possível e mostrou-lhe alternativas que não passam pela destruição completa da nossa economia, pela falência de milhares de empresas, por um ainda maior défice, pela criação da maior taxa de desemprego jamais vista e pela fuga em massa dos melhores elementos da administração pública. Enfim, deve ter dito a Passos Coelho o que disse no discurso na Ordem dos Economistas e numa conversa (!) com jornalistas.
Pode ser até que lhe tenha mostrado o artigo do Pedro Lains no Jornal de Negócios onde o economista, insuspeito de qualquer tipo de carinho pela antiga governação, escreve que a estratégia de Passos Coelho "está profundamente desactualizada e mesmo errada" e que "a dimensão do "ajustamento", como lhe querem chamar, é de tal forma grande, é de tal forma brutal que, como é evidente, ultrapassa qualquer estrago que tenha sido feito pelo Governo anterior".
Ora, o primeiro-ministro ouviu isto tudo e fez orelhas moucas. O Presidente da República, que pode ter muitos defeitos mas não embarca em suicídios colectivos, resolveu não esperar cinco anos, como fez com Sócrates, e bastaram-lhe quatro meses para se demarcar publicamente do Governo.
É bem verdade que a monstruosidade da proposta orçamental não deixava grande espaço de manobra a Cavaco Silva. Ele sabe como qualquer pessoa que não esteja completamente cega por fidelidades partidárias ou que acredita na patranha do "vivemos acima das nossas possibilidades", "gorduras" e afins, que a estrada escolhida nos conduz directamente para o inferno. Mas, mais cedo ou mais tarde, o conflito iria instalar-se entre o primeiro-ministro e o Presidente da República. Pena é que tenha sido esta a razão. A retórica utilizada por Passos Coelho enquanto candidato era diametralmente oposta à de Cavaco (infelizmente, Passos Coelho pré-candidato a primeiro-ministro também não tem rigorosamente nada a ver com o Passos Coelho primeiro-ministro). Nada os unia. Nem convicções ideológicas, nem costumes, nem valores, nada. Enquanto o objectivo era afastar o antigo primeiro-ministro, não existiam problemas europeus, nem crise internacional, nem de-sequilíbrios estruturais: era tudo culpa do antigo Governo.
Apenas a existência de um inimigo comum juntou, por breves instantes, Cavaco e Passos Coelho. O fim de Sócrates seria sempre o fim de uma impossível relação.
Foi a cooperação institucional mais curta da história da nossa democracia.
2. O "eu avisei" vai marcar para sempre o mandato de Cavaco Silva. Seja através das suas mensagens no Facebook, seja em discursos que ninguém ouviu, seja por o ter dito em particular, o Presidente da República previu todas as desgraças e apontou sempre os melhores caminhos. Cavaco pensa que fica bem na fotografia por dizer umas coisas, sem que actue em função das suas palavras. Troca os seus poderes constitucionais por um negligente conforto pessoal mascarado de aviso, convencido de que assim fica a salvo de críticas quando o caos se instalar.
O que o Presidente da República fez esta semana pode ser resumido numa frase: "o caminho proposto pelo Governo vai desembocar numa catástrofe, depois não digam que não avisei". E o que vai fazer além de ter verbalizado a sua oposição? Rigorosamente nada. Pilatos não faria melhor.
3. António José Seguro, quando ouviu as palavras de Cavaco Silva, deve ter sido assolado por sentimentos confusos. O primeiro foi de alegria. Em vez de andar perdido em disparates como o código de ética e o pacote requentado contra a corrupção, copia na íntegra as declarações do Presidente e, pronto, já tem discurso. Por outro lado, também deve ter percebido que continua a não ser o líder da oposição. Até aqui foram algumas vozes do PSD, agora é o próprio Presidente da República.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
A lei dos fantasmas
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A lei dos fantasmas
por Fernanda Câncio
Hoje
Quando em Julho de 2008 Manuela Ferreira Leite, disse que o casamento não devia ser possível a casais do mesmo sexo por "se destinar à procriação", foi a pateada geral. Mesmo no partido de MFL muitos foram os que dela se demarcaram, a começar por Passos Coelho, que se disse a favor do casamento das pessoas do mesmo sexo e da adoção por casais de homossexuais.
Três anos e meio após o pronunciamento de MFL, de resto muito atreita a dar voz às ideias mais cavernosas, com a vantagem não despicienda de as trazer à luz, o parlamento agendou uma atualização da lei de procriação medicamente assistida (PMA). Em causa estão quatro projectos de lei: dois do PS, um do PSD e outro do BE. O debate deveria ter tido lugar ontem mas foi adiado a pedido do PSD, que ainda não finalizou o seu diploma. Consensualizado sabe-se já estar o levantamento da interdição da maternidade de substituição, ou seja, o "empréstimo" do útero de uma mulher para albergar a gravidez de outra que esteja dela impedida. O grande debate vai ser pois entre os que defendem o acesso de qualquer mulher às técnicas de PMA(os projectos do BE e da JS) e os que, como o presidente do grupo parlamentar socialista, Carlos Zorrinho, e da ex-ministra da Igualdade Maria de Belém (primeiros subscritores do outro projecto do PS), querem manter a restrição desse acesso a casais heterossexuais, casados ou em união de facto.
Já incompreensível (e provavelmente inconstitucional)em 2006, esta restrição surge seis anos depois em contradição insanável com a legislação existente e, vinda do PS, como total incongruência. O partido que em 2007, na descriminalização do aborto até às 10 semanas, afirmou confiar às mulheres e só a elas a decisão de terminar ou não uma gravidez demonstra assim não as considerar capazes para tomarem a decisão de iniciar e se responsabilizarem por uma; o partido que se bateu pela igualdade de acesso ao casamento e ridicularizou a ideia de que este visaria "apenas a procriação" diz agora que a procriação só deve suceder em casal heterossexual.
E que interesse, pergunta-se, visa esta restrição proteger? Sabe-se qual a resposta do costume: "o de uma criança crescer com mãe e pai". A isso, porém, não se precisa sequer contraditar com a diferente, e fundamentada, opinião de dezenas de estudos sobre o desenvolvimento harmonioso de filhos criados só por uma mãe, só por um pai, por duas mães ou por dois pais; basta lembrar que a lei já permite a inseminação de uma mulher com o embrião resultante de um processo de PMA no qual "participou" um homem entretanto morto.
A ideia de quem defende esta restrição só pode então ser a de impedir o nascimento de (mais) crianças desejadas. E certificar a Ferreira Leite que, afinal, quem tanto a gozou estava afinal a disfarçar, na vozearia, o comprometimento com o mais ultramontano preconceito e com a mais básica discriminação.Os seus fantasmas, em suma.
In DN
A lei dos fantasmas
por Fernanda Câncio
Hoje
Quando em Julho de 2008 Manuela Ferreira Leite, disse que o casamento não devia ser possível a casais do mesmo sexo por "se destinar à procriação", foi a pateada geral. Mesmo no partido de MFL muitos foram os que dela se demarcaram, a começar por Passos Coelho, que se disse a favor do casamento das pessoas do mesmo sexo e da adoção por casais de homossexuais.
Três anos e meio após o pronunciamento de MFL, de resto muito atreita a dar voz às ideias mais cavernosas, com a vantagem não despicienda de as trazer à luz, o parlamento agendou uma atualização da lei de procriação medicamente assistida (PMA). Em causa estão quatro projectos de lei: dois do PS, um do PSD e outro do BE. O debate deveria ter tido lugar ontem mas foi adiado a pedido do PSD, que ainda não finalizou o seu diploma. Consensualizado sabe-se já estar o levantamento da interdição da maternidade de substituição, ou seja, o "empréstimo" do útero de uma mulher para albergar a gravidez de outra que esteja dela impedida. O grande debate vai ser pois entre os que defendem o acesso de qualquer mulher às técnicas de PMA(os projectos do BE e da JS) e os que, como o presidente do grupo parlamentar socialista, Carlos Zorrinho, e da ex-ministra da Igualdade Maria de Belém (primeiros subscritores do outro projecto do PS), querem manter a restrição desse acesso a casais heterossexuais, casados ou em união de facto.
Já incompreensível (e provavelmente inconstitucional)em 2006, esta restrição surge seis anos depois em contradição insanável com a legislação existente e, vinda do PS, como total incongruência. O partido que em 2007, na descriminalização do aborto até às 10 semanas, afirmou confiar às mulheres e só a elas a decisão de terminar ou não uma gravidez demonstra assim não as considerar capazes para tomarem a decisão de iniciar e se responsabilizarem por uma; o partido que se bateu pela igualdade de acesso ao casamento e ridicularizou a ideia de que este visaria "apenas a procriação" diz agora que a procriação só deve suceder em casal heterossexual.
E que interesse, pergunta-se, visa esta restrição proteger? Sabe-se qual a resposta do costume: "o de uma criança crescer com mãe e pai". A isso, porém, não se precisa sequer contraditar com a diferente, e fundamentada, opinião de dezenas de estudos sobre o desenvolvimento harmonioso de filhos criados só por uma mãe, só por um pai, por duas mães ou por dois pais; basta lembrar que a lei já permite a inseminação de uma mulher com o embrião resultante de um processo de PMA no qual "participou" um homem entretanto morto.
A ideia de quem defende esta restrição só pode então ser a de impedir o nascimento de (mais) crianças desejadas. E certificar a Ferreira Leite que, afinal, quem tanto a gozou estava afinal a disfarçar, na vozearia, o comprometimento com o mais ultramontano preconceito e com a mais básica discriminação.Os seus fantasmas, em suma.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Quando as palavras lhes caem em cima
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Quando as palavras lhes caem em cima
por Filomena Martins
Hoje
Já o disse: o novo carro de Mota Soares não teria sido notícia para tanto destaque se o ministro não tivesse feito gala em mostrar-se de Vespa. Agora repito-o para os casos mais recentes: foi o que os protagonistas disseram,em gritos de moralismo, que lhe deu ainda maior projeção (e alguns já eram escandalosos q. b.).
O patriotismo de Soares dos Santos.
A mudança da Jerónimo Martins para a Holanda também seria apenas mais uma, totalmente defensável numa empresa privada que serve os interesses dos acionistas, se Soares dos Santos não tivesse passado o verão a desdobrar-se em apelos ao patriotismo e críticas à falta dele.
Os p... ormenores de Catroga
Eduardo Catroga até podia alegar ter o melhor currículo do mundo para estar à frente do Conselho Geral de Supervisão da EDP e merecer todos os euros dos 45 mil que vai ganhar por mês se não tivesse adiado as suas férias para redigir o programa eleitoral do PSD e as negociações com a troika, em que defendeu, sem p..., cortes nos salários para fazer face à dívida e dar competitividade à nossa economia.
As águas turvas de Frexes
Passos Coelho não se veria obrigado a ter de explicar aos portugueses, com números e listas pormenorizadas, todas as últimas nomeações contestadas se não se tivesse gritado a alta voz que os seus boys não iriam ao pote, quando se veem casos como o de Manuel Frexes, a trocar a câmara, onde não podia renovar o mandato, por um ordenado triplicado de gestor numa empresa que pôs em tribunal.
As vendas da maçonaria
Todos os maçons estariam em condições de elogiar a transparência e valores da sua organização se não tivessem começado por negar fazer parte dela, escondendo o seu envolvimento em ligações suspeitas e caindo no ridículo de dizer que só foram a sete ou oito reuniões ou que apenas têm afinidades matrimoniais.
As exceções do Banco de Portugal
E até Cavaco Silva podia beneficiar, em silêncio e sem nenhum gesto ético de que estamos à espera, do regime extraordinário e perfeitamente legítimo que vai deixar os pensionistas do Banco de Portugal (BdP) com subsídio de Natal e de férias se não tivesse andado a alardear à necessidade de equidade e justiça social em todos os seus últimos discursos. E claro que o governador do BdP até podia abrir para o Presidente e muitos outros esta exceção legal, se ainda há mês não andasse a clamar por contenção salarial para salvar o País.
Um "se" com características românticas e utópicas só se aplica aos poemas, como o do Nobel Rudyard Kipling. Na política, os "ses" são, no mínimo, suspeitos e obrigam sempre alguém a justificá-los.
A máxima de que "palavras leva-as o vento" morreu há muito tempo, às mãos de uma globalização que encerra muitos perigos, mas também tornou o mundo mais justo. Agora, as palavras são como as promessas eleitorais: para cobrar. Estão gravadas, publicadas e à distância de um clique. Mudaram muitos chavões - já não basta parecer, é preciso ser, e já não chega dizer, é preciso fazer -, e há um que se mantém atualíssimo: quem cospe para o ar arrisca sempre.
In DN
Quando as palavras lhes caem em cima
por Filomena Martins
Hoje
Já o disse: o novo carro de Mota Soares não teria sido notícia para tanto destaque se o ministro não tivesse feito gala em mostrar-se de Vespa. Agora repito-o para os casos mais recentes: foi o que os protagonistas disseram,em gritos de moralismo, que lhe deu ainda maior projeção (e alguns já eram escandalosos q. b.).
O patriotismo de Soares dos Santos.
A mudança da Jerónimo Martins para a Holanda também seria apenas mais uma, totalmente defensável numa empresa privada que serve os interesses dos acionistas, se Soares dos Santos não tivesse passado o verão a desdobrar-se em apelos ao patriotismo e críticas à falta dele.
Os p... ormenores de Catroga
Eduardo Catroga até podia alegar ter o melhor currículo do mundo para estar à frente do Conselho Geral de Supervisão da EDP e merecer todos os euros dos 45 mil que vai ganhar por mês se não tivesse adiado as suas férias para redigir o programa eleitoral do PSD e as negociações com a troika, em que defendeu, sem p..., cortes nos salários para fazer face à dívida e dar competitividade à nossa economia.
As águas turvas de Frexes
Passos Coelho não se veria obrigado a ter de explicar aos portugueses, com números e listas pormenorizadas, todas as últimas nomeações contestadas se não se tivesse gritado a alta voz que os seus boys não iriam ao pote, quando se veem casos como o de Manuel Frexes, a trocar a câmara, onde não podia renovar o mandato, por um ordenado triplicado de gestor numa empresa que pôs em tribunal.
As vendas da maçonaria
Todos os maçons estariam em condições de elogiar a transparência e valores da sua organização se não tivessem começado por negar fazer parte dela, escondendo o seu envolvimento em ligações suspeitas e caindo no ridículo de dizer que só foram a sete ou oito reuniões ou que apenas têm afinidades matrimoniais.
As exceções do Banco de Portugal
E até Cavaco Silva podia beneficiar, em silêncio e sem nenhum gesto ético de que estamos à espera, do regime extraordinário e perfeitamente legítimo que vai deixar os pensionistas do Banco de Portugal (BdP) com subsídio de Natal e de férias se não tivesse andado a alardear à necessidade de equidade e justiça social em todos os seus últimos discursos. E claro que o governador do BdP até podia abrir para o Presidente e muitos outros esta exceção legal, se ainda há mês não andasse a clamar por contenção salarial para salvar o País.
Um "se" com características românticas e utópicas só se aplica aos poemas, como o do Nobel Rudyard Kipling. Na política, os "ses" são, no mínimo, suspeitos e obrigam sempre alguém a justificá-los.
A máxima de que "palavras leva-as o vento" morreu há muito tempo, às mãos de uma globalização que encerra muitos perigos, mas também tornou o mundo mais justo. Agora, as palavras são como as promessas eleitorais: para cobrar. Estão gravadas, publicadas e à distância de um clique. Mudaram muitos chavões - já não basta parecer, é preciso ser, e já não chega dizer, é preciso fazer -, e há um que se mantém atualíssimo: quem cospe para o ar arrisca sempre.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
O pastel do Álvaro
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O pastel do Álvaro
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
Um cavalheiro que conhece as empresas e os empresários portuguesas através duns livros que leu na sua zona de conforto, lá para os lados da América do Norte, teve uma ideia brilhante: é preciso exportar o pastel de nata. Claro que não se preocupou em explicar como é que a coisa se faria, nem entrou em minudências como procurar saber se já se vendem os tais bolos por esse mundo fora e demais pormenores sem importância. Bastou-lhe dar o exemplo da sul-africana Nando's. Às tantas, essa companhia deixa uns milhares de euros todos os anos em Portugal e ninguém sabia.
Para mim, este tipo de ideias geniais não são propriamente uma novidade. Já ouvi essa conversa uns milhares de vezes. Ouvi-a em táxis, em jantares bem regados, durante paleios de café em soalheiros domingos de manhã, em programas de rádio e TV em que as pessoas desabafam e até em palestras universitárias muitíssimo sérias.
Estou convencido de que o cavalheiro ainda não frequentou com a assiduidade necessária esses locais. Só assim se explica não ter referido que o nosso café é o melhor do mundo, que não se percebe porque é que o nosso azeite não rega todos os alimentos do universo, que as nossas laranjas dão dez a zero às espanholas, porque diabo não exportamos sardinhas e o nosso extra- ordinário peixe ou o verdadeiro clássico: porque é que não se encontram garrafas do nosso vinho em todos os restaurantes e supermercados da terra.
Normalmente, depois da douta reflexão, vem a esperada conclusão: os nossos empresários são um bando de idiotas. Ali, defronte deles, a oportunidade de exportar, de ganhar dinheiro, e eles... nada. Uns nabos.
Escusado será dizer que todos aqueles sobredotados que mudariam o rumo das empresas portuguesas não fazem a mais pequena ideia do que estão a dizer, nunca arriscaram um tostão que fosse num empreendimento empresarial e têm raiva de quem arriscou e ganhou e desprezam quem apostou e perdeu. Claro que não é grave. No fundo é apenas converseta para matar o tempo e não passa disso mesmo.
A coisa muda de figura quando um ministro da Economia fala deste tipo de assuntos com uma leveza própria dum adolescente deslumbrado, ainda para mais em frente dos mais importantes empresários e gestores nacionais, como aconteceu na conferência Made in Portugal organizada por este jornal na passada quinta-feira.
A princípio, até dava para rir com o rol de piadas que o ministro dizia de cada vez que aparecia. Ele foi o corte brutal na TSU, o impagável plano para os transportes, a rede de postos de gasolina low cost, o fim da crise para 2012. Mas, pronto, aquilo eram erros de principiante, ele não conhecia bem o País nem o funcionamento da nossa economia. Também nunca tinha trabalhado com uma equipa tão grande como a que agora tinha (se é que alguma vez tinha trabalhado fosse com que equipa fosse), nem conhecia a administração pública, nem o nosso tecido empresarial. Mas tinha escrito um livro que, pelos vistos, tinha fascinado meio mundo, e, assim sendo, um génio daquela envergadura aprenderia depressa. Afinal não, Álvaro Santos Pereira foi tão-somente um gigantesco erro de casting. A verdade é que ter, no período que atravessamos ou em qualquer outro, um personagem como Álvaro Santos Pereira à frente do Ministério da Economia não é inconsciência, é suicídio.
O pior é que Passos Coelho já percebeu o erro, e mesmo assim insiste em não fazer o que é evidente: enviar o ministro de volta para o Canadá ou pô-lo a vender pastéis de nata. Não é por acaso que não passa uma semana sem tirar dossiers a Santos Pereira. Hoje por hoje, o ministro é o responsável por um megaministério - que nem com um verdadeiro génio a geri-lo tinha condições para funcionar - que tem muitas pastas atribuídas mas pouco ou nada dentro delas. Há quem trate das privatizações, do QREN, da Concertação Social, da AICEP. Um dia destes, quando o Álvaro chegar ao ministério, pode acontecer que tenham mudado a morada sem que ninguém lhe tenha dito nada.
Tenho para mim que muitos dos empresários presentes na conferência do DN ao ouvir o ministro da Economia devem ter pensado: "Este tipo nem para porteiro lá do escritório servia." Segundo o primeiro-ministro, pelos vistos, para tutelar a Economia portuguesa serve. São escolhas.
In DN
O pastel do Álvaro
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
Um cavalheiro que conhece as empresas e os empresários portuguesas através duns livros que leu na sua zona de conforto, lá para os lados da América do Norte, teve uma ideia brilhante: é preciso exportar o pastel de nata. Claro que não se preocupou em explicar como é que a coisa se faria, nem entrou em minudências como procurar saber se já se vendem os tais bolos por esse mundo fora e demais pormenores sem importância. Bastou-lhe dar o exemplo da sul-africana Nando's. Às tantas, essa companhia deixa uns milhares de euros todos os anos em Portugal e ninguém sabia.
Para mim, este tipo de ideias geniais não são propriamente uma novidade. Já ouvi essa conversa uns milhares de vezes. Ouvi-a em táxis, em jantares bem regados, durante paleios de café em soalheiros domingos de manhã, em programas de rádio e TV em que as pessoas desabafam e até em palestras universitárias muitíssimo sérias.
Estou convencido de que o cavalheiro ainda não frequentou com a assiduidade necessária esses locais. Só assim se explica não ter referido que o nosso café é o melhor do mundo, que não se percebe porque é que o nosso azeite não rega todos os alimentos do universo, que as nossas laranjas dão dez a zero às espanholas, porque diabo não exportamos sardinhas e o nosso extra- ordinário peixe ou o verdadeiro clássico: porque é que não se encontram garrafas do nosso vinho em todos os restaurantes e supermercados da terra.
Normalmente, depois da douta reflexão, vem a esperada conclusão: os nossos empresários são um bando de idiotas. Ali, defronte deles, a oportunidade de exportar, de ganhar dinheiro, e eles... nada. Uns nabos.
Escusado será dizer que todos aqueles sobredotados que mudariam o rumo das empresas portuguesas não fazem a mais pequena ideia do que estão a dizer, nunca arriscaram um tostão que fosse num empreendimento empresarial e têm raiva de quem arriscou e ganhou e desprezam quem apostou e perdeu. Claro que não é grave. No fundo é apenas converseta para matar o tempo e não passa disso mesmo.
A coisa muda de figura quando um ministro da Economia fala deste tipo de assuntos com uma leveza própria dum adolescente deslumbrado, ainda para mais em frente dos mais importantes empresários e gestores nacionais, como aconteceu na conferência Made in Portugal organizada por este jornal na passada quinta-feira.
A princípio, até dava para rir com o rol de piadas que o ministro dizia de cada vez que aparecia. Ele foi o corte brutal na TSU, o impagável plano para os transportes, a rede de postos de gasolina low cost, o fim da crise para 2012. Mas, pronto, aquilo eram erros de principiante, ele não conhecia bem o País nem o funcionamento da nossa economia. Também nunca tinha trabalhado com uma equipa tão grande como a que agora tinha (se é que alguma vez tinha trabalhado fosse com que equipa fosse), nem conhecia a administração pública, nem o nosso tecido empresarial. Mas tinha escrito um livro que, pelos vistos, tinha fascinado meio mundo, e, assim sendo, um génio daquela envergadura aprenderia depressa. Afinal não, Álvaro Santos Pereira foi tão-somente um gigantesco erro de casting. A verdade é que ter, no período que atravessamos ou em qualquer outro, um personagem como Álvaro Santos Pereira à frente do Ministério da Economia não é inconsciência, é suicídio.
O pior é que Passos Coelho já percebeu o erro, e mesmo assim insiste em não fazer o que é evidente: enviar o ministro de volta para o Canadá ou pô-lo a vender pastéis de nata. Não é por acaso que não passa uma semana sem tirar dossiers a Santos Pereira. Hoje por hoje, o ministro é o responsável por um megaministério - que nem com um verdadeiro génio a geri-lo tinha condições para funcionar - que tem muitas pastas atribuídas mas pouco ou nada dentro delas. Há quem trate das privatizações, do QREN, da Concertação Social, da AICEP. Um dia destes, quando o Álvaro chegar ao ministério, pode acontecer que tenham mudado a morada sem que ninguém lhe tenha dito nada.
Tenho para mim que muitos dos empresários presentes na conferência do DN ao ouvir o ministro da Economia devem ter pensado: "Este tipo nem para porteiro lá do escritório servia." Segundo o primeiro-ministro, pelos vistos, para tutelar a Economia portuguesa serve. São escolhas.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
São todos iguais?
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São todos iguais?
por PAULO BALDAIA
Hoje
Não tem a ver com este Governo ou com o anterior, tem a ver com todos. No regabofe dos amiguismos quem paga as jantaradas são os contribuintes e quem se diverte é o Zé do pagode. As nomeações sem critério, onde se misturam bons currículos com a falta deles, faz mais mal à democracia do que 50 planos de austeridade e a perda de soberania em favor de quem nos empresta dinheiro.
Os políticos não gostam das generalizações que o povo faz, que olha para eles como sendo "todos iguais", mas são os políticos que chegam ao poder que se mostram todos iguais. Não temos como nos admirar pela abstenção eleitoral ser cada vez maior.
O que nós vemos é que há centenas de cargos com salários de milhares de euros para distribuir e, mudando o governo, eles são redistribuídos. A característica mais comum nas nomeações é a experiência na área para as quais são nomeados? Não, nem sempre é. São, muitas vezes, as relações pessoais com quem está no poder.
A desfaçatez é tanta que a coisa não se fica pelos cargos públicos, até nos privados isso acontece. Já se esqueceram da mudança de administração do BCP com a acusação de que o PS estava a tomar de "assalto" a banca? Podemos assobiar para o lado com a privatizadíssima EDP? Não podemos e menos ainda podemos deixar passar em claro as nomeações para a empresa Águas de Portugal (AdP), que, brevemente, também será privatizada.
Sim, senhor primeiro-ministro. Percebemos a justificação que nos deu, na conferência do DN, sobre a quantidade de reconduções infinitamente maior do que as novas nomeações, como acreditamos quando nos diz que avisou os chineses que não queria ter nada a ver com as escolhas para a EDP, mas é mais difícil de perceber o caso da AdP.
Adiante, cada caso é um caso. Todos os nomeados, garantiu o primeiro-ministro, sabem que ocuparão o lugar apenas até ao momento em que lei permita avançar com os concursos. Respiramos de alívio. Ainda não foi desta, mas brevemente só a competência contará para ocupar os milionários lugares. Eu, que ouvi ao vivo as explicações de Passos Coelho, quero acreditar que as coisas vão mesmo mudar. Até porque a alternativa é engrossar a fileira dos que acreditam que os políticos são todos iguais.
Eu sei que os políticos não são todos iguais, como não são iguais os nomeados para os melhores salários do ano. Eu sei que há políticos que utilizam o poder em benefício da causa pública, como sei que há gestores na EDP ou na AdP que são bons gestores nestas empresas, como seriam noutra empresa qualquer do mundo. E é porque sei que a generalização é o cancro de qualquer análise que me sinto incomodado quando vejo o poder dar argumentos aos que pensam que "eles são todos iguais".
In DN
São todos iguais?
por PAULO BALDAIA
Hoje
Não tem a ver com este Governo ou com o anterior, tem a ver com todos. No regabofe dos amiguismos quem paga as jantaradas são os contribuintes e quem se diverte é o Zé do pagode. As nomeações sem critério, onde se misturam bons currículos com a falta deles, faz mais mal à democracia do que 50 planos de austeridade e a perda de soberania em favor de quem nos empresta dinheiro.
Os políticos não gostam das generalizações que o povo faz, que olha para eles como sendo "todos iguais", mas são os políticos que chegam ao poder que se mostram todos iguais. Não temos como nos admirar pela abstenção eleitoral ser cada vez maior.
O que nós vemos é que há centenas de cargos com salários de milhares de euros para distribuir e, mudando o governo, eles são redistribuídos. A característica mais comum nas nomeações é a experiência na área para as quais são nomeados? Não, nem sempre é. São, muitas vezes, as relações pessoais com quem está no poder.
A desfaçatez é tanta que a coisa não se fica pelos cargos públicos, até nos privados isso acontece. Já se esqueceram da mudança de administração do BCP com a acusação de que o PS estava a tomar de "assalto" a banca? Podemos assobiar para o lado com a privatizadíssima EDP? Não podemos e menos ainda podemos deixar passar em claro as nomeações para a empresa Águas de Portugal (AdP), que, brevemente, também será privatizada.
Sim, senhor primeiro-ministro. Percebemos a justificação que nos deu, na conferência do DN, sobre a quantidade de reconduções infinitamente maior do que as novas nomeações, como acreditamos quando nos diz que avisou os chineses que não queria ter nada a ver com as escolhas para a EDP, mas é mais difícil de perceber o caso da AdP.
Adiante, cada caso é um caso. Todos os nomeados, garantiu o primeiro-ministro, sabem que ocuparão o lugar apenas até ao momento em que lei permita avançar com os concursos. Respiramos de alívio. Ainda não foi desta, mas brevemente só a competência contará para ocupar os milionários lugares. Eu, que ouvi ao vivo as explicações de Passos Coelho, quero acreditar que as coisas vão mesmo mudar. Até porque a alternativa é engrossar a fileira dos que acreditam que os políticos são todos iguais.
Eu sei que os políticos não são todos iguais, como não são iguais os nomeados para os melhores salários do ano. Eu sei que há políticos que utilizam o poder em benefício da causa pública, como sei que há gestores na EDP ou na AdP que são bons gestores nestas empresas, como seriam noutra empresa qualquer do mundo. E é porque sei que a generalização é o cancro de qualquer análise que me sinto incomodado quando vejo o poder dar argumentos aos que pensam que "eles são todos iguais".
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Época de caça
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Época de caça
por ALBERTO GONÇALVES
Hoje
Um destes dias, não me perguntem porquê, violei uma das regras essenciais da decência e liguei o televisor durante a manhã, para cúmulo sintonizado num canal nacional. Pior ainda, fiquei a ver. O programa em causa consistia num "fórum" dedicado ao eventual agravamento das restrições ao tabaco, com moderadora e convida- dos em estúdio e espectadores ao telefone. A maioria destes escorria ódio.
O ódio não era endereçado aos responsáveis pela crise económica ou a estações televisivas que preenchem a programação com intervenções de gente não remunerada: era endereçado aos fumadores. Segundo percebi, esta subespécie ocupa o topo na lista das criaturas repugnantes, imediatamente antes da lampreia e do peixe bolha. Não só desrespeitam os demais como os sujeitam, por pura crueldade, aos malefícios do fumo. Não só arruínam a saúde própria e alheia como se revelam esteticamente nocivos, ao praticarem o seu imundo vício à porta de estabelecimentos privados e edifícios públicos. Não só são um perigo como devem passar a ser um alvo, perseguido, capturado e exibido em jaulas sem cinzeiro.
É verdade que também apareceram espectadores avessos ao reforço da proibição do tabaco, embora apenas na medida em que preferem prevenir outras doenças e proibir outras calamidades: os automóveis, as gorduras, os fritos, a exposição solar, etc. Sem vestígios de ironia, a moderadora do programa achou "engraçado" (cito) que o debate de uma interdição seja capaz de inspirar resmas de interdições adicionais. Desde que se impeça alguém de fazer alguma coisa, estamos todos de acordo.
Todos, incluindo os responsáveis pelo estudo que motivou o referido "fórum". O estudo, realizado pela Faculdade de Medicina de Lisboa e financiado pela Direcção-Geral da Saúde, não passa de uma rajada de simpáticas "recomendações": proibido fumar nos restaurantes e afins que se mantiveram espaços de fumadores; proibido fumar nos restaurantes e afins que criaram espaços parciais para fumadores; proibido fumar no exterior (no exterior!) dos restaurantes e afins; proibido atender em restaurantes e afins indivíduos que fumaram um cigarro nas seis horas anteriores.
A última "recomendação" é invenção minha. Porém, é provável que em breve venha a ser lei, já que o gozo da caça está no processo, não na perdiz estufada: estes avanços civilizacionais acontecem por fases para permitir que o prazer de subjugar o próximo se repita periódica e redobradamente.
Conforme nos explicaram à época, as normas impostas em 2008 removiam os fumadores do contacto com os cidadãos inocentes e resolviam o problema. Conforme se previa, as normas não pretendiam resolver problema nenhum. Resignados à intromissão brutal na propriedade que julgavam pertencer-lhes, os donos dos restaurantes e cafés que não faliram devido à falta de clientela investiram nos sistemas de extracção do fumo que as autoridades prescreveram, fiscalizaram e aprovaram. Passados quatro anos, descobrem que o dinheiro gasto só pagou o divertimento dos fanáticos. Agora, os fanáticos querem mais. Vão sempre querer mais. Por definição, os fanáticos são assim, são imensos e, dado que não pecam, nunca morrem.
Manuela Ferreira Leite padece de dois problemas. Um é a falta de clareza naquilo que diz. O outro é a falta de noção de ridículo dos que interpretam o que diz. É pena. Sobretudo porque as opiniões da senhora, embora nem sempre emitidas no português mais linear, representam uma reserva de lucidez quase inexistente num meio em que a dissimulação é estado de espírito.
No tempo em que liderava a oposição, a dra. Ferreira Leite fartou-se de avisar para o buraco em que o país acabou por cair. Apesar de a realidade lhe ter dado razão, o que a memória guarda dos avisos é a histeria subsequente a cada um, devidamente truncado e reduzido ao grotesco. Hoje, quando a dra. Ferreira Leite não lidera coisa nenhuma, continua a ser das poucas pessoas a notar a tendência do actual Governo para reduzir o défice à custa do contribuinte e não à custa do Estado. Escusado dizer, a tendência passa incólume, mas as limitações orais da dra. Ferreira Leite e os inevitáveis gritinhos de repulsa, não.
O mais recente "equívoco" aconteceu num debate televisivo, no qual a dra. Ferreira Leite quis dizer que o SNS só poderia manter-se gratuito para alguns se outros o pagassem, disse que, caso contrário, os insuficientes renais arriscariam perder a hemodiálise subsidiada e foi citada como tendo dito que os velhinhos doentes deviam morrer e pronto.
Seguiu-se o habitual concurso para apurar quem insulta a dra. Ferreira Leite com maior violência, prova que invariavelmente termina com a satisfação de todos os participantes. No fundo, trata-se do popular "bater no ceguinho", excepto que, no caso, a senhora costuma estar certa e cegos são os que preferem a patranha, ainda que perigosa, à respectiva denúncia, ainda que confusa.
É ridículo que Álvaro Santos Pereira tenha ido à conferência do DN "Made in Portugal" sugerir, a título de exemplo, o franchise global dos pastéis de nata? Não acho, mas a "inteligência" indígena irrompeu em imediata galhofa. É razoável que, na mesma ocasião, o dr. Santos Pereira se aliviasse de frases ocas acerca do "orgulho" em ser português, da "aposta" nas exportações e da "estratégia" de internacionalização? Não acho, mas a "inteligência" indígena tipicamente ignorou tamanhos clichés. É por isso que, por cá, a inteligência anda sempre entre aspas.
Toda a gente se ri de uma ideia plausível, ou pelo menos tão plausível quanto a dos italianos que lançaram a cadeia de cafés Costa, a do americano que inventou a Kentucky Fried Chicken ou a do mexicano que difundiu o H1N1. Ninguém acha piada a que um homem adulto se afirme patriota. Ninguém acha absurdo que, num regime dito democrático, um governante pretenda orientar as massas acerca dos passos que devem ou não devem dar. Ninguém acha estranho que haja um ministro da Economia.
A culpa do dr. Santos Pereira é apenas a de reproduzir os tiques comuns aos seus antecessores e não perceber a contradição entre apelar à iniciativa individual e, simultaneamente, teimar nas "apostas" e nas "estratégias" em que o fatal Estado possui a última palavra. Talvez porque muitos empresários insistem em ser salvos pelo Governo, o Governo insiste em salvar os empresários, donde os "apoios", os "fundos", os "incentivos", os "programas", os "quadros" e, preferência pessoal, as divertidas excursões de estadistas e "agentes económicos" a tiracolo, que sem notarem o paradoxo rumam regularmente ao estrangeiro a fim de espantar os locais com o nosso "empreendedorismo" e o nosso descaramento. Na conferência do DN, o dr. Santos Pereira anunciou visita próxima ao Magrebe.
E para quê, Deus meu? Para engrossar a lista de falhanços patrocinados pela crença de que compete aos poderes públicos "dinamizar" os interesses privados em vez de, simples e literalmente, desamparar-lhes a loja. A lista é longa e próspera. Há dois anos, os noticiários babavam fervor nacionalista ao descrever a actriz da série Mad Men que desfilou na cerimónia dos Emmy vestida por uma marca portuguesa, naturalmente subsidiada para conquistar a Terra. Esta semana soube-se que a marca em causa faliu, soterrada em dívidas às entidades que lhe sustentaram o capricho. Chamava-se Papo d'Anjo, que também é nome de doce. Como o pastel de nata, cujo franchise aliás já existe na Ásia, a cargo de um inglês que fez pela vida e espantosamente dispensou as estratégias do sr. ministro.
In DN
Época de caça
por ALBERTO GONÇALVES
Hoje
Um destes dias, não me perguntem porquê, violei uma das regras essenciais da decência e liguei o televisor durante a manhã, para cúmulo sintonizado num canal nacional. Pior ainda, fiquei a ver. O programa em causa consistia num "fórum" dedicado ao eventual agravamento das restrições ao tabaco, com moderadora e convida- dos em estúdio e espectadores ao telefone. A maioria destes escorria ódio.
O ódio não era endereçado aos responsáveis pela crise económica ou a estações televisivas que preenchem a programação com intervenções de gente não remunerada: era endereçado aos fumadores. Segundo percebi, esta subespécie ocupa o topo na lista das criaturas repugnantes, imediatamente antes da lampreia e do peixe bolha. Não só desrespeitam os demais como os sujeitam, por pura crueldade, aos malefícios do fumo. Não só arruínam a saúde própria e alheia como se revelam esteticamente nocivos, ao praticarem o seu imundo vício à porta de estabelecimentos privados e edifícios públicos. Não só são um perigo como devem passar a ser um alvo, perseguido, capturado e exibido em jaulas sem cinzeiro.
É verdade que também apareceram espectadores avessos ao reforço da proibição do tabaco, embora apenas na medida em que preferem prevenir outras doenças e proibir outras calamidades: os automóveis, as gorduras, os fritos, a exposição solar, etc. Sem vestígios de ironia, a moderadora do programa achou "engraçado" (cito) que o debate de uma interdição seja capaz de inspirar resmas de interdições adicionais. Desde que se impeça alguém de fazer alguma coisa, estamos todos de acordo.
Todos, incluindo os responsáveis pelo estudo que motivou o referido "fórum". O estudo, realizado pela Faculdade de Medicina de Lisboa e financiado pela Direcção-Geral da Saúde, não passa de uma rajada de simpáticas "recomendações": proibido fumar nos restaurantes e afins que se mantiveram espaços de fumadores; proibido fumar nos restaurantes e afins que criaram espaços parciais para fumadores; proibido fumar no exterior (no exterior!) dos restaurantes e afins; proibido atender em restaurantes e afins indivíduos que fumaram um cigarro nas seis horas anteriores.
A última "recomendação" é invenção minha. Porém, é provável que em breve venha a ser lei, já que o gozo da caça está no processo, não na perdiz estufada: estes avanços civilizacionais acontecem por fases para permitir que o prazer de subjugar o próximo se repita periódica e redobradamente.
Conforme nos explicaram à época, as normas impostas em 2008 removiam os fumadores do contacto com os cidadãos inocentes e resolviam o problema. Conforme se previa, as normas não pretendiam resolver problema nenhum. Resignados à intromissão brutal na propriedade que julgavam pertencer-lhes, os donos dos restaurantes e cafés que não faliram devido à falta de clientela investiram nos sistemas de extracção do fumo que as autoridades prescreveram, fiscalizaram e aprovaram. Passados quatro anos, descobrem que o dinheiro gasto só pagou o divertimento dos fanáticos. Agora, os fanáticos querem mais. Vão sempre querer mais. Por definição, os fanáticos são assim, são imensos e, dado que não pecam, nunca morrem.
Manuela Ferreira Leite padece de dois problemas. Um é a falta de clareza naquilo que diz. O outro é a falta de noção de ridículo dos que interpretam o que diz. É pena. Sobretudo porque as opiniões da senhora, embora nem sempre emitidas no português mais linear, representam uma reserva de lucidez quase inexistente num meio em que a dissimulação é estado de espírito.
No tempo em que liderava a oposição, a dra. Ferreira Leite fartou-se de avisar para o buraco em que o país acabou por cair. Apesar de a realidade lhe ter dado razão, o que a memória guarda dos avisos é a histeria subsequente a cada um, devidamente truncado e reduzido ao grotesco. Hoje, quando a dra. Ferreira Leite não lidera coisa nenhuma, continua a ser das poucas pessoas a notar a tendência do actual Governo para reduzir o défice à custa do contribuinte e não à custa do Estado. Escusado dizer, a tendência passa incólume, mas as limitações orais da dra. Ferreira Leite e os inevitáveis gritinhos de repulsa, não.
O mais recente "equívoco" aconteceu num debate televisivo, no qual a dra. Ferreira Leite quis dizer que o SNS só poderia manter-se gratuito para alguns se outros o pagassem, disse que, caso contrário, os insuficientes renais arriscariam perder a hemodiálise subsidiada e foi citada como tendo dito que os velhinhos doentes deviam morrer e pronto.
Seguiu-se o habitual concurso para apurar quem insulta a dra. Ferreira Leite com maior violência, prova que invariavelmente termina com a satisfação de todos os participantes. No fundo, trata-se do popular "bater no ceguinho", excepto que, no caso, a senhora costuma estar certa e cegos são os que preferem a patranha, ainda que perigosa, à respectiva denúncia, ainda que confusa.
É ridículo que Álvaro Santos Pereira tenha ido à conferência do DN "Made in Portugal" sugerir, a título de exemplo, o franchise global dos pastéis de nata? Não acho, mas a "inteligência" indígena irrompeu em imediata galhofa. É razoável que, na mesma ocasião, o dr. Santos Pereira se aliviasse de frases ocas acerca do "orgulho" em ser português, da "aposta" nas exportações e da "estratégia" de internacionalização? Não acho, mas a "inteligência" indígena tipicamente ignorou tamanhos clichés. É por isso que, por cá, a inteligência anda sempre entre aspas.
Toda a gente se ri de uma ideia plausível, ou pelo menos tão plausível quanto a dos italianos que lançaram a cadeia de cafés Costa, a do americano que inventou a Kentucky Fried Chicken ou a do mexicano que difundiu o H1N1. Ninguém acha piada a que um homem adulto se afirme patriota. Ninguém acha absurdo que, num regime dito democrático, um governante pretenda orientar as massas acerca dos passos que devem ou não devem dar. Ninguém acha estranho que haja um ministro da Economia.
A culpa do dr. Santos Pereira é apenas a de reproduzir os tiques comuns aos seus antecessores e não perceber a contradição entre apelar à iniciativa individual e, simultaneamente, teimar nas "apostas" e nas "estratégias" em que o fatal Estado possui a última palavra. Talvez porque muitos empresários insistem em ser salvos pelo Governo, o Governo insiste em salvar os empresários, donde os "apoios", os "fundos", os "incentivos", os "programas", os "quadros" e, preferência pessoal, as divertidas excursões de estadistas e "agentes económicos" a tiracolo, que sem notarem o paradoxo rumam regularmente ao estrangeiro a fim de espantar os locais com o nosso "empreendedorismo" e o nosso descaramento. Na conferência do DN, o dr. Santos Pereira anunciou visita próxima ao Magrebe.
E para quê, Deus meu? Para engrossar a lista de falhanços patrocinados pela crença de que compete aos poderes públicos "dinamizar" os interesses privados em vez de, simples e literalmente, desamparar-lhes a loja. A lista é longa e próspera. Há dois anos, os noticiários babavam fervor nacionalista ao descrever a actriz da série Mad Men que desfilou na cerimónia dos Emmy vestida por uma marca portuguesa, naturalmente subsidiada para conquistar a Terra. Esta semana soube-se que a marca em causa faliu, soterrada em dívidas às entidades que lhe sustentaram o capricho. Chamava-se Papo d'Anjo, que também é nome de doce. Como o pastel de nata, cujo franchise aliás já existe na Ásia, a cargo de um inglês que fez pela vida e espantosamente dispensou as estratégias do sr. ministro.
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Bochimanes, como nós
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Bochimanes, como nós
por VIRIATO SOROMENHO MARQUES
Hoje
Um estudo recente da Comissão Europeia, dedicado ao impacto social da austeridade em seis países europeus (os três com programas de ajustamento, mais o Reino Unido, a Espanha e a Estónia) revelava como, também nesta era de declínio, a atávica desigualdade do nosso país se faz sentir: embora todos os segmentos da população tenham perdido rendimento, essa perda é mais forte nos 10% de portugueses com menor rendimento (erosão avaliada em 6%), contra uma perda de 3% no decil de compatriotas que se encontram no topo da pirâmide social. A RTP ilustrava esta situação: imagens na sala de um casal de idosos. O homem lia uma carta da Segurança Social, informando-o de que, de acordo com uma lei de 2007, o complemento da sua pensão seria reduzido em 50 euros. Num total de cerca de 500 euros mensais... Lembrei-me do grande e saudoso Manuel Viegas Guerreiro (1912-1997). De uma história, passada nos anos 60, no Sul de Angola, comovidamente partilhada comigo. Seguia o etnólogo, há semanas, um grupo de bochimanes - povo a que dedicou uma tese de doutoramento - quando, numa madrugada, dormindo no seu jipe, a uma distância respeitosa do acampamento dos nómadas, foi acordado por um súbito burburinho. Ao olhar foi surpreendido por um cruel espetáculo. O grupo, com uns vinte indivíduos, tinha levantado amarras pela calada da noite, deixando para trás, ainda adormecido, um casal de idosos. Os anciãos ergueram-se, ignorando completamente a ajuda que o estranho lhes pudesse prestar, e prosseguiram no rasto dos companheiros. Viegas Guerreiro testemunhou o modo como nas condições inóspitas do deserto se resolve o problema da terceira idade. Esperemos que aquilo a que chamamos civilização não seja um frágil verniz a estilhaçar, sob os golpes das austeridades.
In DN
Bochimanes, como nós
por VIRIATO SOROMENHO MARQUES
Hoje
Um estudo recente da Comissão Europeia, dedicado ao impacto social da austeridade em seis países europeus (os três com programas de ajustamento, mais o Reino Unido, a Espanha e a Estónia) revelava como, também nesta era de declínio, a atávica desigualdade do nosso país se faz sentir: embora todos os segmentos da população tenham perdido rendimento, essa perda é mais forte nos 10% de portugueses com menor rendimento (erosão avaliada em 6%), contra uma perda de 3% no decil de compatriotas que se encontram no topo da pirâmide social. A RTP ilustrava esta situação: imagens na sala de um casal de idosos. O homem lia uma carta da Segurança Social, informando-o de que, de acordo com uma lei de 2007, o complemento da sua pensão seria reduzido em 50 euros. Num total de cerca de 500 euros mensais... Lembrei-me do grande e saudoso Manuel Viegas Guerreiro (1912-1997). De uma história, passada nos anos 60, no Sul de Angola, comovidamente partilhada comigo. Seguia o etnólogo, há semanas, um grupo de bochimanes - povo a que dedicou uma tese de doutoramento - quando, numa madrugada, dormindo no seu jipe, a uma distância respeitosa do acampamento dos nómadas, foi acordado por um súbito burburinho. Ao olhar foi surpreendido por um cruel espetáculo. O grupo, com uns vinte indivíduos, tinha levantado amarras pela calada da noite, deixando para trás, ainda adormecido, um casal de idosos. Os anciãos ergueram-se, ignorando completamente a ajuda que o estranho lhes pudesse prestar, e prosseguiram no rasto dos companheiros. Viegas Guerreiro testemunhou o modo como nas condições inóspitas do deserto se resolve o problema da terceira idade. Esperemos que aquilo a que chamamos civilização não seja um frágil verniz a estilhaçar, sob os golpes das austeridades.
In DN
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Parece que AAA é o Luxemburgo (pois...)
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Parece que AAA é o Luxemburgo (pois...)
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Quando o Egito ocupou o canal do Suez (1956), para-quedistas ingleses e franceses intervieram. A União Soviética ameaçou apoiar Nasser, o líder egípcio. O presidente Eisenhower, o general das forças americanas ao lado da Inglaterra e da França na II Guerra Mundial, puxou o tapete aos seus antigos aliados e obrigou-os a sair do Suez com o rabo entre as pernas. O que sucedera? O trivial na política internacional: cada um por si. Na região, o adversário para os Estados Unidos não eram os soviéticos, eram os antigos imperialistas europeus que os americanos precisavam de afastar para ocupar o lugar deles. E o Próximo Oriente, designação europeia para a região, passou a chamar-se nos noticiários Médio Oriente, fórmula americana - mudança de nome que ilustrava os factos (o que tem Beirute de próximo para Washington?). O trivial na política internacional. A ação das agências de rating é da mesma lógica: a União Europeia está a ser sabotada. Ponto. Claro que há razões financeiras para descer de AAA para BBB este ou aquele, até porque em finanças há sempre argumentos para mostrar que um I é um T que se esqueceu do telhado. Parece que a França está em estado de choque pelo seu A perdido. A direita (no governo) está espantada; a esquerda (na oposição) diz que saberia fazer melhor. Nós que já vimos o filme ao contrário (ontem) e ao contrário do contrário (hoje) deveríamos saber: ou a Europa reage ou sai do mundo como já saiu do Suez.
In DN
http://www.trasosmontes.com/forum/images/smilies/smilie31.gif
Parece que AAA é o Luxemburgo (pois...)
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Quando o Egito ocupou o canal do Suez (1956), para-quedistas ingleses e franceses intervieram. A União Soviética ameaçou apoiar Nasser, o líder egípcio. O presidente Eisenhower, o general das forças americanas ao lado da Inglaterra e da França na II Guerra Mundial, puxou o tapete aos seus antigos aliados e obrigou-os a sair do Suez com o rabo entre as pernas. O que sucedera? O trivial na política internacional: cada um por si. Na região, o adversário para os Estados Unidos não eram os soviéticos, eram os antigos imperialistas europeus que os americanos precisavam de afastar para ocupar o lugar deles. E o Próximo Oriente, designação europeia para a região, passou a chamar-se nos noticiários Médio Oriente, fórmula americana - mudança de nome que ilustrava os factos (o que tem Beirute de próximo para Washington?). O trivial na política internacional. A ação das agências de rating é da mesma lógica: a União Europeia está a ser sabotada. Ponto. Claro que há razões financeiras para descer de AAA para BBB este ou aquele, até porque em finanças há sempre argumentos para mostrar que um I é um T que se esqueceu do telhado. Parece que a França está em estado de choque pelo seu A perdido. A direita (no governo) está espantada; a esquerda (na oposição) diz que saberia fazer melhor. Nós que já vimos o filme ao contrário (ontem) e ao contrário do contrário (hoje) deveríamos saber: ou a Europa reage ou sai do mundo como já saiu do Suez.
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Sexta-feira 13, um dia aziago
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Sexta-feira 13, um dia aziago
por MÁRIO SOARES
Hoje
1 Os portugueses têm de compreender que a situação difícil que os aflige depende, fundamentalmente, de como a União Europeia vai evoluir. E aí residem as grandes dificuldades. Porque a União está, paulatinamente, a deixar de o ser; a dupla Merkozy está a distanciar-se - as eleições presidenciais francesas estão à porta - e é difícil fazer previsões consistentes quanto a um futuro tão incerto.
É verdade que tenho vindo sempre a alertar para as debilidades da União, citando autoridades como Helmut Schmidt, Kohl e Delors que, salvo erro, foram quem denunciou primeiro que a União estava à beira do abismo. É exato. Mas nunca acreditei - até hoje e ainda não creio - que os dirigentes europeus sejam tão incapazes que não impeçam que a catástrofe se verifique, com todas as nefastas consequências que daí viriam, como a destruição do euro e a correspondente desintegração da União, pelo menos da Zona Euro.
Na sexta-feira à tarde, 13 de janeiro, deflagrou uma "bomba" antieuropeia de grandes proporções. Foi a agência de rating, Standard & Poor's, de má memória, que a lançou, com as suas ridículas avaliações, retirando um A aos três que a França tanto se orgulhava de ostentar... Isto a cem dias das próximas eleições presidenciais, que tanto preocupam - e com razão - Nicolas Sarkozy.
Mas não foi só a França que perdeu prestígio e sofre com as especulações dos mercados e das agências americanas de avaliação. Foi também a Áustria, que parecia tão certinha, que perdeu um A, a Espanha, que tinha dois A e também perdeu um, a Itália, que passou de A a B, e os sete países da Zona Euro que desceram das suas posições. O que obriga a que os Estados, espero, reflitam e reajam quanto ao caminho que a Europa deve seguir.
No mesmo dia aziago - sexta-feira, 13 - as negociações em curso entre o Governo grego e os bancos foram suspensas, o que criou um problema suplementar e muito sério a todos os Estados da Zona Euro. A Grécia, tenho-o dito e repetido, não é um Estado qualquer. É o berço da nossa civilização. Seria, por isso, um péssimo sinal se a União Europeia, já tão desprestigiada, pelas constantes tergiversações dos seus líderes, viesse a cair, forçando a Grécia a sair da Zona Euro. Uma situação inimaginável para qualquer europeu, com um mínimo de cultura.
A verdade é que o tempo está a passar e líderes como a chanceler Merkel ou o Presidente Sarkozy parecem continuar cegos para compreender as realidades que cada vez mais os cercam inexoravelmente. Quererão ser os coveiros da Europa? Que tremendo disparate, sobretudo para uma alemã, que devia lembrar-se das responsabilidades do nazismo e também do que fez a União Europeia para a libertar do totalitarismo alemão, da Alemanha de Leste...
2 Portugal é lixo? Permitam-me que responda aos anónimos da Standard & Poor's: lixo são eles. E do pior! Porque estão ao serviço de sórdidos interesses materiais, até agora irresponsavelmente e com total impunidade. O Estado português reagiu, por intermédio do ministro das Finanças, mas fê-lo um pouco a medo. Deverá talvez ter ficado engasgado com o desplante dos anónimos de empresas de rating, que aliás partilham da mesma ideologia do ministro, visto que também põem os mercados - e o dinheiro - acima das pessoas, dos Estados e dos valores éticos...
Por mim, se representasse o Estado português, poria uma ação contra a empresa Standard & Poor's, reclamando uma pesada indemnização, a pagar ao Estado português, dados os malefícios que efetivamente lhe causou, com essa simples frase, tão desagradável para Portugal, reproduzida em toda a comunicação social do mundo inteiro.
Lembro que Portugal, como a Grécia, a Itália ou a Espanha, também não são Estados quaisquer, no quadro da União Europeia. A Itália, pelo seu passado histórico, émulo da Grécia. E Portugal e Espanha porque, citando Camões, "deram novos mundos ao mundo". Isto é: levaram a nossa civilização e religião ao mundo inteiro e deram a conhecer à Europa os quatro continentes que desconheciam.
Portugal encontra-se hoje numa situação financeira muito difícil, como tantos dos seus parceiros europeus da Zona Euro. Foi importada dos Estados Unidos e comunicou-se à União Europeia, que a tem deixado agravar e não a soube tratar, como poderia - e deveria ter feito - desde o início.
Obviamente que cada Estado soberano tem as suas próprias responsabilidades, públicas e privadas, um certo despesismo e uma má gestão das suas finanças. Mas, perante isso, as instituições europeias ficaram paralisadas e os Estados mais ricos, como a Alemanha e a França, por egoísmos nacionais e falta de uma visão estratégica de conjunto, foram adiando as soluções possíveis e deixando correr. Hoje, com a Europa à beira do abismo, ou os dirigentes mudam urgentemente os seus comportamentos ou a União entra em irreversível decadência, numa fase do mundo em que todos os continentes deixaram de olhar para a Europa como uma referência e sem o antigo respeito.
3 As medidas de austeridade. Num tal contexto, é legítimo perguntarmo-nos: para que servem as medidas de austeridade, que estão a estrangular as empresas e os cidadãos, a paralisar o crescimento económico, a fazer crescer o desemprego e as desigualdades sociais. Necessariamente põem em causa a coesão nacional, porventura o nosso bem mais precioso.
Num momento de aflição, quando estávamos, em Portugal, à beira da bancarrota, fomos obrigados a pedir emprestado à União Europeia dinheiro, a juros altíssimos. Foi quando veio a troika e nos impôs medidas de austeridade verdadeiramente draconianas. Mas então nasceu outro problema maior talvez que o primeiro: a recessão económica, que paralisa o nosso crescimento, sem remédio, e faz aumentar, desmesuradamente, o desemprego. Quer dizer: o ano em curso - 2012 - vai ser pior que o anterior e as dificuldades impostas pela troika agravarão a situação. A verdade é que em vez de melhorarem e resolverem os problemas, vão piorá-los consideravelmente. Isto é: estaremos a caminhar para a destruição do nosso próprio país. Ora, isso não é aceitável. A própria agência Standard & Poor's, curiosamente, escreveu no seu relatório - vide Le Monde de 16 de janeiro - "cremos que um pacote de reformas que repouse apenas sobre o pilar da austeridade monetária corra o risco de se tornar autodestrutivo". Só os mercados especulativos e sem ética é que ganham com este estranho negócio!
Como sair então deste imbróglio? Note-se que não nos afeta só a nós, mas também a bastantes Estados da Zona Euro - alguns importantes - que estão nas mesmas ou até bem piores circunstâncias. Só há uma resposta: a União Europeia tem de mudar de paradigma, isto é: de política financeira e fiscal, pôr em ordem os mercados especulativos e acabar com as economias virtuais e as negociatas feitas através dos paraísos fiscais.
Não pense a Alemanha que, por ser um país hoje rico, vai escapar às grandes dificuldades que estão a sofrer os outros seus parceiros europeus. Antes pelo contrário: vão-lhe ser imputadas medidas que agravam muitas das dificuldades que, porventura, não lhe pertencem...
Não se julgue que os povos da Europa vão aceitar que se lhes retirem, sem grandes protestos e lutas talvez fratricidas, as conquistas sociais - a educação, os serviços de saúde, as pensões de re- forma, para os idosos ou para os doentes, a concertação social e a dignidade do trabalho - que lhes deram seis décadas de paz, de democracia, de bem-estar e de prosperidade. Para quê? Para engordar os especuladores e os ricos e destruir os Estados sociais? No passado foram situações parecidas que criaram as condições para as duas guerras mundiais que sofremos no último século. A Alemanha sabe-o bem.
Por isso, é preciso que os líderes europeus acordem e tenham consciência do perigo em que estão a incorrer. Enquanto é tempo...
4 Será que voltámos aos boys? A última semana foi difícil, também pelas questões que se levantaram, denunciadas pela comunicação social, de exclusiva raiz nacional. Houve nomeações de altos postos de gestão, com ordenados milionários, em que estiveram envolvidas personalidades dos partidos do Governo. Venderam-se ou concertaram-se vendas, das chamadas "joias da coroa" - que enfraquecem o património nacional -, sem que os portugueses fossem devidamente informados do que se ganhou e onde vai ser gasto esse dinheiro.
Fica a impressão de que não há um plano estratégico de conjunto, explicado aos portugueses, para o que se está a passar com as nomeações de novos gestores e as privatizações vendidas ao estrangeiro e como irá ser gasto o dinheiro recolhido? Entretanto, os portugueses, que não têm nada de parvos, para sobreviverem apostam na economia paralela. Grave situação!
A qualquer observador minimamente atento, o Governo parece não querer explicar, com total transparência, as medidas que estão a ser tomadas e se são verdadeiras reformas ou simples contrarreformas. Há a impressão, que se está a generalizar, da ideia de que o Serviço Nacional de Saúde está a ser paulatinamente destruído, o que é péssimo se assim vier a acontecer. Por outro lado, também se está a formar a convicção de que as medidas de austeridade só se aplicam aos pobres e às classes médias menos abastadas. É que não são feitos esforços, do lado do Governo, para se conseguir chegar a um mínimo de concertação social, como era útil que acontecesse.
São maus prenúncios que podem vir a ter grandes custos para o Governo. Atenção, pois. Numa situação tão difícil como a que atravessamos, é preciso que, aos olhos dos mais carecidos, o poder político seja visto como estando preocupado com as desigualdades sociais, não permitindo que a ostentação da riqueza o possa envolver.
In DN
Sexta-feira 13, um dia aziago
por MÁRIO SOARES
Hoje
1 Os portugueses têm de compreender que a situação difícil que os aflige depende, fundamentalmente, de como a União Europeia vai evoluir. E aí residem as grandes dificuldades. Porque a União está, paulatinamente, a deixar de o ser; a dupla Merkozy está a distanciar-se - as eleições presidenciais francesas estão à porta - e é difícil fazer previsões consistentes quanto a um futuro tão incerto.
É verdade que tenho vindo sempre a alertar para as debilidades da União, citando autoridades como Helmut Schmidt, Kohl e Delors que, salvo erro, foram quem denunciou primeiro que a União estava à beira do abismo. É exato. Mas nunca acreditei - até hoje e ainda não creio - que os dirigentes europeus sejam tão incapazes que não impeçam que a catástrofe se verifique, com todas as nefastas consequências que daí viriam, como a destruição do euro e a correspondente desintegração da União, pelo menos da Zona Euro.
Na sexta-feira à tarde, 13 de janeiro, deflagrou uma "bomba" antieuropeia de grandes proporções. Foi a agência de rating, Standard & Poor's, de má memória, que a lançou, com as suas ridículas avaliações, retirando um A aos três que a França tanto se orgulhava de ostentar... Isto a cem dias das próximas eleições presidenciais, que tanto preocupam - e com razão - Nicolas Sarkozy.
Mas não foi só a França que perdeu prestígio e sofre com as especulações dos mercados e das agências americanas de avaliação. Foi também a Áustria, que parecia tão certinha, que perdeu um A, a Espanha, que tinha dois A e também perdeu um, a Itália, que passou de A a B, e os sete países da Zona Euro que desceram das suas posições. O que obriga a que os Estados, espero, reflitam e reajam quanto ao caminho que a Europa deve seguir.
No mesmo dia aziago - sexta-feira, 13 - as negociações em curso entre o Governo grego e os bancos foram suspensas, o que criou um problema suplementar e muito sério a todos os Estados da Zona Euro. A Grécia, tenho-o dito e repetido, não é um Estado qualquer. É o berço da nossa civilização. Seria, por isso, um péssimo sinal se a União Europeia, já tão desprestigiada, pelas constantes tergiversações dos seus líderes, viesse a cair, forçando a Grécia a sair da Zona Euro. Uma situação inimaginável para qualquer europeu, com um mínimo de cultura.
A verdade é que o tempo está a passar e líderes como a chanceler Merkel ou o Presidente Sarkozy parecem continuar cegos para compreender as realidades que cada vez mais os cercam inexoravelmente. Quererão ser os coveiros da Europa? Que tremendo disparate, sobretudo para uma alemã, que devia lembrar-se das responsabilidades do nazismo e também do que fez a União Europeia para a libertar do totalitarismo alemão, da Alemanha de Leste...
2 Portugal é lixo? Permitam-me que responda aos anónimos da Standard & Poor's: lixo são eles. E do pior! Porque estão ao serviço de sórdidos interesses materiais, até agora irresponsavelmente e com total impunidade. O Estado português reagiu, por intermédio do ministro das Finanças, mas fê-lo um pouco a medo. Deverá talvez ter ficado engasgado com o desplante dos anónimos de empresas de rating, que aliás partilham da mesma ideologia do ministro, visto que também põem os mercados - e o dinheiro - acima das pessoas, dos Estados e dos valores éticos...
Por mim, se representasse o Estado português, poria uma ação contra a empresa Standard & Poor's, reclamando uma pesada indemnização, a pagar ao Estado português, dados os malefícios que efetivamente lhe causou, com essa simples frase, tão desagradável para Portugal, reproduzida em toda a comunicação social do mundo inteiro.
Lembro que Portugal, como a Grécia, a Itália ou a Espanha, também não são Estados quaisquer, no quadro da União Europeia. A Itália, pelo seu passado histórico, émulo da Grécia. E Portugal e Espanha porque, citando Camões, "deram novos mundos ao mundo". Isto é: levaram a nossa civilização e religião ao mundo inteiro e deram a conhecer à Europa os quatro continentes que desconheciam.
Portugal encontra-se hoje numa situação financeira muito difícil, como tantos dos seus parceiros europeus da Zona Euro. Foi importada dos Estados Unidos e comunicou-se à União Europeia, que a tem deixado agravar e não a soube tratar, como poderia - e deveria ter feito - desde o início.
Obviamente que cada Estado soberano tem as suas próprias responsabilidades, públicas e privadas, um certo despesismo e uma má gestão das suas finanças. Mas, perante isso, as instituições europeias ficaram paralisadas e os Estados mais ricos, como a Alemanha e a França, por egoísmos nacionais e falta de uma visão estratégica de conjunto, foram adiando as soluções possíveis e deixando correr. Hoje, com a Europa à beira do abismo, ou os dirigentes mudam urgentemente os seus comportamentos ou a União entra em irreversível decadência, numa fase do mundo em que todos os continentes deixaram de olhar para a Europa como uma referência e sem o antigo respeito.
3 As medidas de austeridade. Num tal contexto, é legítimo perguntarmo-nos: para que servem as medidas de austeridade, que estão a estrangular as empresas e os cidadãos, a paralisar o crescimento económico, a fazer crescer o desemprego e as desigualdades sociais. Necessariamente põem em causa a coesão nacional, porventura o nosso bem mais precioso.
Num momento de aflição, quando estávamos, em Portugal, à beira da bancarrota, fomos obrigados a pedir emprestado à União Europeia dinheiro, a juros altíssimos. Foi quando veio a troika e nos impôs medidas de austeridade verdadeiramente draconianas. Mas então nasceu outro problema maior talvez que o primeiro: a recessão económica, que paralisa o nosso crescimento, sem remédio, e faz aumentar, desmesuradamente, o desemprego. Quer dizer: o ano em curso - 2012 - vai ser pior que o anterior e as dificuldades impostas pela troika agravarão a situação. A verdade é que em vez de melhorarem e resolverem os problemas, vão piorá-los consideravelmente. Isto é: estaremos a caminhar para a destruição do nosso próprio país. Ora, isso não é aceitável. A própria agência Standard & Poor's, curiosamente, escreveu no seu relatório - vide Le Monde de 16 de janeiro - "cremos que um pacote de reformas que repouse apenas sobre o pilar da austeridade monetária corra o risco de se tornar autodestrutivo". Só os mercados especulativos e sem ética é que ganham com este estranho negócio!
Como sair então deste imbróglio? Note-se que não nos afeta só a nós, mas também a bastantes Estados da Zona Euro - alguns importantes - que estão nas mesmas ou até bem piores circunstâncias. Só há uma resposta: a União Europeia tem de mudar de paradigma, isto é: de política financeira e fiscal, pôr em ordem os mercados especulativos e acabar com as economias virtuais e as negociatas feitas através dos paraísos fiscais.
Não pense a Alemanha que, por ser um país hoje rico, vai escapar às grandes dificuldades que estão a sofrer os outros seus parceiros europeus. Antes pelo contrário: vão-lhe ser imputadas medidas que agravam muitas das dificuldades que, porventura, não lhe pertencem...
Não se julgue que os povos da Europa vão aceitar que se lhes retirem, sem grandes protestos e lutas talvez fratricidas, as conquistas sociais - a educação, os serviços de saúde, as pensões de re- forma, para os idosos ou para os doentes, a concertação social e a dignidade do trabalho - que lhes deram seis décadas de paz, de democracia, de bem-estar e de prosperidade. Para quê? Para engordar os especuladores e os ricos e destruir os Estados sociais? No passado foram situações parecidas que criaram as condições para as duas guerras mundiais que sofremos no último século. A Alemanha sabe-o bem.
Por isso, é preciso que os líderes europeus acordem e tenham consciência do perigo em que estão a incorrer. Enquanto é tempo...
4 Será que voltámos aos boys? A última semana foi difícil, também pelas questões que se levantaram, denunciadas pela comunicação social, de exclusiva raiz nacional. Houve nomeações de altos postos de gestão, com ordenados milionários, em que estiveram envolvidas personalidades dos partidos do Governo. Venderam-se ou concertaram-se vendas, das chamadas "joias da coroa" - que enfraquecem o património nacional -, sem que os portugueses fossem devidamente informados do que se ganhou e onde vai ser gasto esse dinheiro.
Fica a impressão de que não há um plano estratégico de conjunto, explicado aos portugueses, para o que se está a passar com as nomeações de novos gestores e as privatizações vendidas ao estrangeiro e como irá ser gasto o dinheiro recolhido? Entretanto, os portugueses, que não têm nada de parvos, para sobreviverem apostam na economia paralela. Grave situação!
A qualquer observador minimamente atento, o Governo parece não querer explicar, com total transparência, as medidas que estão a ser tomadas e se são verdadeiras reformas ou simples contrarreformas. Há a impressão, que se está a generalizar, da ideia de que o Serviço Nacional de Saúde está a ser paulatinamente destruído, o que é péssimo se assim vier a acontecer. Por outro lado, também se está a formar a convicção de que as medidas de austeridade só se aplicam aos pobres e às classes médias menos abastadas. É que não são feitos esforços, do lado do Governo, para se conseguir chegar a um mínimo de concertação social, como era útil que acontecesse.
São maus prenúncios que podem vir a ter grandes custos para o Governo. Atenção, pois. Numa situação tão difícil como a que atravessamos, é preciso que, aos olhos dos mais carecidos, o poder político seja visto como estando preocupado com as desigualdades sociais, não permitindo que a ostentação da riqueza o possa envolver.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
A peste branca
.
A peste branca
por ADRIANO MOREIRA
Hoje
Em 1976, talvez a nota mais importante dos acontecimentos registados pela imprensa, sem omitir o desaparecimento de Chou En-lai, a chegada dos cubanos a Angola, a democratização do poder político em Portugal, as mortes de Mao Tsé-tung e de André Malraux, terá sido a outorga do Prémio Nobel a Milton Friedman, que afirmava que as maiores crises económicas resultam, segundo uma das notícias que o resumiam, de erros dos responsáveis financeiros, políticos e administrativos.
Não está ali previsto que essa acumulação de erros levaria à crise mundial das finanças e da economia, sem qualquer responsável identificado entre as categorias enumeradas pelo sábio, tudo atribuído ao disfuncionamento do sistema.
Nesse mesmo ano, vivendo um clima de sociedade de abundância e do consumismo na área ocidental, Pierre Chaunu, Professor da Universidade de Paris - Sorbonne, e Georges Suffert, redator do jornal Point, publicavam uma entrevista na qual o professor anunciava a peste branca aos ocidentais distraídos da perda de hegemonia sobre o resto do mundo, guardando a imagem das supremacias perdidas enquanto a realidade evoluía para as circunstâncias catastróficas em que entramos no III Milénio.
O uso da expressão - peste - era aparentemente usado para lembrar as catástrofes medievais que dizimavam as populações indefesas contra o flagelo. Mas tinha em vista destacar dois imperativos, que o entrevistador considerou categóricos, a sobrevivência de uma área geográfica, a Europa, onde as liberdades públicas continuam a ser a pedra angular do sistema social, e a necessidade absoluta de inverter a curva demográfica.
Por essa data não se tornara comum a previsão do aumento de um bilião de habitantes do globo em cada década, mas já era evidente que o declínio da população europeia se agravava. A necessidade de reagir contra esta relação quantitativa, que a supremacia política exercida não deixara antever, tinha como adversário o que chamou peste branca, de efeitos diferentes, mas de igual gravidade à peste negra de 1348.
A imagem, e a mensagem implícita, teve em primeiro lugar que ver com o global crescimento da população mundial, que não deixou de acentuar a debilidade europeia. Na data, porém, a preocupação estava limitada à população europeia, mas não tinha ainda em conta o grupo que, diferenciado da sociedade civil do conceito europeu, é por vezes designado por multidão e constituído pela heterogenia da composição dos emigrantes, legalmente entrados, ou clandestinamente instalados, cuja taxa de natalidade é superior e crescente.
Mas a peste anunciada, tal como os factos estão a demonstrar, abrange outros aspetos, que aumentaram de evidência e de importância. Além dos riscos evidentes, e largamente comentados e discutidos, para o desenvolvimento do processo de unidade europeia, a peste envolve crescentemente o espírito dos europeus perante os desafios da circunstância.
Na expressão usada naquela data, depois de lembrar o passado de sonhos, grandezas e perdas da história europeia, definia uma situação vigente de "três mil milhões e meio de seres humanos que adormeciam cada noite sob a proteção de satélites, radares e bombas". Mas, prevendo a longa investigação que seria necessária "para retardar o envelhecimento, liquidar o cancro, vencer a penúria alimentar, crescer o nível global da cultura, numa palavra preparar uma nova etapa na história do homem", concluía que esta área a que pertencemos estava ameaçada na sua sobrevivência e que "os homens que a compõem sentem-na e resignam-se ao desespero. É a peste branca", bem mais grave do que a de 1348. Não é frequente que as previsões antecipem tão aproximadamente o futuro, e a supercomplexidade a que chegámos torna ainda menos possível prospetivar com êxito. Mas o presente doloroso em que nos encontramos exige uma rigorosa luta contra essa falta de esperança. Para o que é indispensável aparecerem lideranças fiáveis.
In DN
A peste branca
por ADRIANO MOREIRA
Hoje
Em 1976, talvez a nota mais importante dos acontecimentos registados pela imprensa, sem omitir o desaparecimento de Chou En-lai, a chegada dos cubanos a Angola, a democratização do poder político em Portugal, as mortes de Mao Tsé-tung e de André Malraux, terá sido a outorga do Prémio Nobel a Milton Friedman, que afirmava que as maiores crises económicas resultam, segundo uma das notícias que o resumiam, de erros dos responsáveis financeiros, políticos e administrativos.
Não está ali previsto que essa acumulação de erros levaria à crise mundial das finanças e da economia, sem qualquer responsável identificado entre as categorias enumeradas pelo sábio, tudo atribuído ao disfuncionamento do sistema.
Nesse mesmo ano, vivendo um clima de sociedade de abundância e do consumismo na área ocidental, Pierre Chaunu, Professor da Universidade de Paris - Sorbonne, e Georges Suffert, redator do jornal Point, publicavam uma entrevista na qual o professor anunciava a peste branca aos ocidentais distraídos da perda de hegemonia sobre o resto do mundo, guardando a imagem das supremacias perdidas enquanto a realidade evoluía para as circunstâncias catastróficas em que entramos no III Milénio.
O uso da expressão - peste - era aparentemente usado para lembrar as catástrofes medievais que dizimavam as populações indefesas contra o flagelo. Mas tinha em vista destacar dois imperativos, que o entrevistador considerou categóricos, a sobrevivência de uma área geográfica, a Europa, onde as liberdades públicas continuam a ser a pedra angular do sistema social, e a necessidade absoluta de inverter a curva demográfica.
Por essa data não se tornara comum a previsão do aumento de um bilião de habitantes do globo em cada década, mas já era evidente que o declínio da população europeia se agravava. A necessidade de reagir contra esta relação quantitativa, que a supremacia política exercida não deixara antever, tinha como adversário o que chamou peste branca, de efeitos diferentes, mas de igual gravidade à peste negra de 1348.
A imagem, e a mensagem implícita, teve em primeiro lugar que ver com o global crescimento da população mundial, que não deixou de acentuar a debilidade europeia. Na data, porém, a preocupação estava limitada à população europeia, mas não tinha ainda em conta o grupo que, diferenciado da sociedade civil do conceito europeu, é por vezes designado por multidão e constituído pela heterogenia da composição dos emigrantes, legalmente entrados, ou clandestinamente instalados, cuja taxa de natalidade é superior e crescente.
Mas a peste anunciada, tal como os factos estão a demonstrar, abrange outros aspetos, que aumentaram de evidência e de importância. Além dos riscos evidentes, e largamente comentados e discutidos, para o desenvolvimento do processo de unidade europeia, a peste envolve crescentemente o espírito dos europeus perante os desafios da circunstância.
Na expressão usada naquela data, depois de lembrar o passado de sonhos, grandezas e perdas da história europeia, definia uma situação vigente de "três mil milhões e meio de seres humanos que adormeciam cada noite sob a proteção de satélites, radares e bombas". Mas, prevendo a longa investigação que seria necessária "para retardar o envelhecimento, liquidar o cancro, vencer a penúria alimentar, crescer o nível global da cultura, numa palavra preparar uma nova etapa na história do homem", concluía que esta área a que pertencemos estava ameaçada na sua sobrevivência e que "os homens que a compõem sentem-na e resignam-se ao desespero. É a peste branca", bem mais grave do que a de 1348. Não é frequente que as previsões antecipem tão aproximadamente o futuro, e a supercomplexidade a que chegámos torna ainda menos possível prospetivar com êxito. Mas o presente doloroso em que nos encontramos exige uma rigorosa luta contra essa falta de esperança. Para o que é indispensável aparecerem lideranças fiáveis.
In DN
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Um preâmbulo para começar
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Um preâmbulo para começar
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Duas entidades míticas. Uma, mítica, mítica, que vive no Olimpo e nunca foi vista, mas conhecem-se-lhe os efeitos, os mercados. Outra, mítica assim-assim, pois tem tabuleta à porta, mas com poderes tremendos, as agências de rating. Estas existem, diz-se, para dar aos do Olimpo dados sobre os humildes países - distribuem letras que os divinos mercados saboreiam como ambrósia (AAA) ou rejeitam como lixo (curtos BB ou nojento C). Acontece, porém, que as agências mais do que fornecer "dados", palavra designando coisa feita (do passado e do presente), têm a ambição dos semideuses: adivinhar o futuro. Em vez de darem aos divinos mercados a oportunidade de eles exercerem a sua sábia justiça - permitindo que premeiem os bons e castiguem os maus -, as agências empurram os mercados para os palpites delas. Se eu fosse aos mercados haveria de as processar por publicidade enganosa. Mas não sou, sou simples porção ínfima de um pequeno país. Não me permito adivinhações mas só exercer política de cidadão. Esta diz-me que se AAA só forem a Alemanha, a Holanda, o Luxemburgo e a Finlândia - um país médio, os portos desse país, um offshore e uma marca tecnológica em crise -, então, a curto prazo e neste mundo moderno, esse grupo é lixo. E, então, quem inventa esses AAA tem de ser varrido como lixo. Feito isso, temos de produzir mais do que gastamos - noção que qualquer bom governo, de patrão de traineira a dona de casa, tem.
In DN
Um preâmbulo para começar
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Duas entidades míticas. Uma, mítica, mítica, que vive no Olimpo e nunca foi vista, mas conhecem-se-lhe os efeitos, os mercados. Outra, mítica assim-assim, pois tem tabuleta à porta, mas com poderes tremendos, as agências de rating. Estas existem, diz-se, para dar aos do Olimpo dados sobre os humildes países - distribuem letras que os divinos mercados saboreiam como ambrósia (AAA) ou rejeitam como lixo (curtos BB ou nojento C). Acontece, porém, que as agências mais do que fornecer "dados", palavra designando coisa feita (do passado e do presente), têm a ambição dos semideuses: adivinhar o futuro. Em vez de darem aos divinos mercados a oportunidade de eles exercerem a sua sábia justiça - permitindo que premeiem os bons e castiguem os maus -, as agências empurram os mercados para os palpites delas. Se eu fosse aos mercados haveria de as processar por publicidade enganosa. Mas não sou, sou simples porção ínfima de um pequeno país. Não me permito adivinhações mas só exercer política de cidadão. Esta diz-me que se AAA só forem a Alemanha, a Holanda, o Luxemburgo e a Finlândia - um país médio, os portos desse país, um offshore e uma marca tecnológica em crise -, então, a curto prazo e neste mundo moderno, esse grupo é lixo. E, então, quem inventa esses AAA tem de ser varrido como lixo. Feito isso, temos de produzir mais do que gastamos - noção que qualquer bom governo, de patrão de traineira a dona de casa, tem.
In DN
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Parem as máquinas!
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Parem as máquinas!
por ANDRÉ MACEDO
Hoje
Há uma semana, Álvaro Santos Pereira não soube explicar uma coisa simples que metia pastéis de nata - uma metáfora que teria funcionado se tivesse sido bem contada - e foi enxovalhado. O mesmo ministro, conhecido por não ser económico nas gafes, fechou um acordo histórico com os parceiros sociais e permitiu ao Governo colher uma mão-cheia de elogios explícitos ou embaraçados - como os do PS -, mas todos eles inevitáveis e importantes.
A mudança da lei das rendas tinha sido o prenúncio de que Passos Coelho se estava a mexer. Nem tudo correu bem nesta reforma e tornou-se claro que, a prazo, a ministra Assunção Cristas terá de corrigir alguns erros e omissões para garantir a aplicação equilibrada da lei. No entanto, as rendas são um vespeiro de conflitos quase insanáveis e, por isso, nenhum partido se tinha aventurado numa mudança espinhosa que condenou durante décadas as cidades portuguesas a um triste declínio - além de incentivar o endividamento excessivo das famílias, naturalmente obcecadas com a compra de casa própria. Quem diria que ter casa própria se transformaria numa prisão ou num risco - por causa dos juros e da dificuldade em recuperar o investimento e, também, por serem um travão à mobilidade - em vez de ser, como se dizia, uma espécie de carimbo para a liberdade?
Assunção Cristas demorou seis meses a pôr a lei na rua, mas os efeitos no mercado de arrendamento, embora não instantâneos, vão ajudar Portugal a melhorar nos próximos anos. Não haverá milagres, o centro de Lisboa ou do Porto, por exemplo, terão de fazer o seu caminho até refletirem as novas condições de mercado. No entanto, o enquadramento legal favorecerá a reabilitação urbana, em vez de dar guarida apenas aos interesses dos construtores e das câmaras que deram cabo do País.
Depois das rendas, seguiu-se esta semana o improvável acordo com os parceiros sociais. O êxito desta reforma dependerá muito de como for concretizada na lei - o perigo de uma redação labiríntica pode deitar tudo a perder -, mas quem ler o documento percebe que as mudanças fazem sentido, muitas delas espelham o que já acontece nas empresas e, por tudo isto, permitem dar um passo em frente. Claro, muito dependerá também da forma como os gestores e os empresários - e os tribunais - olharem para este novo instrumento legal que passaram a ter. Haverá abusos - como há com os despedimentos coletivos -, mas é certo que as empresas ficam melhor (poupam dinheiro, ganham flexibilidade) e, por causa disso, os trabalhadores também podem ficar melhor; ou seja, com mais oportunidades e em empresas mais saudáveis. Veremos se será mesmo assim.
Finalmente, não interessa se a reforma só foi para a frente por causa da troika - interessa a consequência, não a causa, até porque a causa infantiliza o País. E interessa, acima de tudo, a expectativa que fica no ar: que Passos se comprometa a fazer a reforma que mais ajudará a economia - a reforma tributária. Sem ela, sem redução de impostos e simplificação fiscal, tudo o resto perde força e legitimidade. Até lá, o liberalismo do Governo estará sob suspeita.
In DN
Parem as máquinas!
por ANDRÉ MACEDO
Hoje
Há uma semana, Álvaro Santos Pereira não soube explicar uma coisa simples que metia pastéis de nata - uma metáfora que teria funcionado se tivesse sido bem contada - e foi enxovalhado. O mesmo ministro, conhecido por não ser económico nas gafes, fechou um acordo histórico com os parceiros sociais e permitiu ao Governo colher uma mão-cheia de elogios explícitos ou embaraçados - como os do PS -, mas todos eles inevitáveis e importantes.
A mudança da lei das rendas tinha sido o prenúncio de que Passos Coelho se estava a mexer. Nem tudo correu bem nesta reforma e tornou-se claro que, a prazo, a ministra Assunção Cristas terá de corrigir alguns erros e omissões para garantir a aplicação equilibrada da lei. No entanto, as rendas são um vespeiro de conflitos quase insanáveis e, por isso, nenhum partido se tinha aventurado numa mudança espinhosa que condenou durante décadas as cidades portuguesas a um triste declínio - além de incentivar o endividamento excessivo das famílias, naturalmente obcecadas com a compra de casa própria. Quem diria que ter casa própria se transformaria numa prisão ou num risco - por causa dos juros e da dificuldade em recuperar o investimento e, também, por serem um travão à mobilidade - em vez de ser, como se dizia, uma espécie de carimbo para a liberdade?
Assunção Cristas demorou seis meses a pôr a lei na rua, mas os efeitos no mercado de arrendamento, embora não instantâneos, vão ajudar Portugal a melhorar nos próximos anos. Não haverá milagres, o centro de Lisboa ou do Porto, por exemplo, terão de fazer o seu caminho até refletirem as novas condições de mercado. No entanto, o enquadramento legal favorecerá a reabilitação urbana, em vez de dar guarida apenas aos interesses dos construtores e das câmaras que deram cabo do País.
Depois das rendas, seguiu-se esta semana o improvável acordo com os parceiros sociais. O êxito desta reforma dependerá muito de como for concretizada na lei - o perigo de uma redação labiríntica pode deitar tudo a perder -, mas quem ler o documento percebe que as mudanças fazem sentido, muitas delas espelham o que já acontece nas empresas e, por tudo isto, permitem dar um passo em frente. Claro, muito dependerá também da forma como os gestores e os empresários - e os tribunais - olharem para este novo instrumento legal que passaram a ter. Haverá abusos - como há com os despedimentos coletivos -, mas é certo que as empresas ficam melhor (poupam dinheiro, ganham flexibilidade) e, por causa disso, os trabalhadores também podem ficar melhor; ou seja, com mais oportunidades e em empresas mais saudáveis. Veremos se será mesmo assim.
Finalmente, não interessa se a reforma só foi para a frente por causa da troika - interessa a consequência, não a causa, até porque a causa infantiliza o País. E interessa, acima de tudo, a expectativa que fica no ar: que Passos se comprometa a fazer a reforma que mais ajudará a economia - a reforma tributária. Sem ela, sem redução de impostos e simplificação fiscal, tudo o resto perde força e legitimidade. Até lá, o liberalismo do Governo estará sob suspeita.
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A ENR: causas e consequências
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A ENR: causas e consequências
por CELESTE CARDONA
Hoje
O conceito de economia paralela pode ser definido como o conjunto de actividades económicas que, embora realizadas no território nacional, não se reflectem no produto do respectivo país, não tem qualquer correspondência na contabilidade nacional e não entra na quantificação do PIB.
O OBEGEF [Observatório de Economia e Gestão de Fraude], que recentemente deu a conhecer o seu último relatório sobre o tema, denomina este fenómeno como ENR [Índice da Economia Não Registada], ou seja, a parte correspondente da economia que, por diversas razões, não é avaliada pela contabilidade nacional.
Do ponto de vista dos dados comparativos com os restantes países da OCDE, da leitura deste importante relatório resulta que a média de ENR naqueles países é de 18%, enquanto em Portugal, desde 1970 até 2009, a ENR cresceu de 9,3% até 24,2%.
Temos, pois, que uma parte muito significativa da produção realizada em território nacional, quer seja ilegal, oculta, informal ou para uso próprio, tem profundas implicações negativas no grau de eficiência da actividade económica global.
Destacamos, nas consequências negativas, entre outras, a da não arrecadação dos impostos devidos por via da impossibilidade de detecção e identificação deste fenómeno.
Dos vários métodos avançados, o método monetário, o método de indicador global e o método de variável latente, o OBEGEF parece adoptar na sua investigação este último (método directo, indirecto e misto), resultando da respectiva aplicação os valores relevantes da ENR.
A nosso ver, a questão mais importante para o conhecimento deste fenómeno radica na identificação das respectivas causas, justamente porque será a partir daí que, potencialmente, podem ser encontradas medidas que permitam o seu englobamento no conjunto da economia.
São várias as causas avançadas no relatório identificado, de que destacamos a evolução do mercado de trabalho, a carga de regulação bem como a carga fiscal em impostos directos, indirectos e contribuições para a Segurança Social.
De acordo com os dados mais recentes, sabe-se que a carga fiscal em Portugal, neste momento, acompanha ou é até superior à dos restantes países da OCDE.
Como refere Medina Carreira, da comparação entre aqueles países, designadamente em termos de funcionamento da economia, de prestações sociais e de condições de trabalho, decorre que a "identidade" é apenas a da carga fiscal incidente sobre as pessoas e as empresas.
Ou seja, mesmo com uma carga fiscal idêntica (e é superior), é mais oneroso, porque "custa mais" pagar impostos em Portugal do que na generalidade dos países nossos parceiros.
Aliás, em artigo subscrito por mim e publicado neste mesmo jornal foi referida a questão da Curva de Laffer, no sentido em que à medida que a taxas de imposto aumenta, os indivíduos tendem a substituir as actividades mais tributadas pelas menos tributadas e a diminuir a intensidade de utilização dos factores de substituição, ou seja, os impostos reduzem os incentivos a trabalhar, poupar e investir, desacelerando o crescimento económico.
Há quem sustente que em Portugal esta curva já foi atingida e que o esforço fiscal que está a ser pedido a empresas, famílias pensionistas e pessoas singulares vai ter como consequências a redução do valor da arrecadação de receita, diminuição da procura, do consumo e da poupança.
E, entre outros, o relatório da OBEGEF corrobora, na parte em que estuda o tema, que a principal causa da ENR em Portugal é inequivocamente o peso dos impostos directos e das contribuições para a Segurança Social.
Sabemos por outro lado que a ENR desempenha um papel "amortecedor" em situações de crise económica, como é salientado naquele relatório, o que nos leva a considerar que podemos estar perante a quadratura do círculo, no sentido em que é, porventura, de admitir uma "convivência" com a economia paralela em situações de crise como a que se vive actualmente, do mesmo passo que é urgente criar sistemas e modelos tendentes a conhecer este fenómeno de tão graves consequências para as economias, nomeadamente os que se traduzem em fraude e produção ilícita de bens e serviços.
É este o desafio que se impõe a todos nós!
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
A ENR: causas e consequências
por CELESTE CARDONA
Hoje
O conceito de economia paralela pode ser definido como o conjunto de actividades económicas que, embora realizadas no território nacional, não se reflectem no produto do respectivo país, não tem qualquer correspondência na contabilidade nacional e não entra na quantificação do PIB.
O OBEGEF [Observatório de Economia e Gestão de Fraude], que recentemente deu a conhecer o seu último relatório sobre o tema, denomina este fenómeno como ENR [Índice da Economia Não Registada], ou seja, a parte correspondente da economia que, por diversas razões, não é avaliada pela contabilidade nacional.
Do ponto de vista dos dados comparativos com os restantes países da OCDE, da leitura deste importante relatório resulta que a média de ENR naqueles países é de 18%, enquanto em Portugal, desde 1970 até 2009, a ENR cresceu de 9,3% até 24,2%.
Temos, pois, que uma parte muito significativa da produção realizada em território nacional, quer seja ilegal, oculta, informal ou para uso próprio, tem profundas implicações negativas no grau de eficiência da actividade económica global.
Destacamos, nas consequências negativas, entre outras, a da não arrecadação dos impostos devidos por via da impossibilidade de detecção e identificação deste fenómeno.
Dos vários métodos avançados, o método monetário, o método de indicador global e o método de variável latente, o OBEGEF parece adoptar na sua investigação este último (método directo, indirecto e misto), resultando da respectiva aplicação os valores relevantes da ENR.
A nosso ver, a questão mais importante para o conhecimento deste fenómeno radica na identificação das respectivas causas, justamente porque será a partir daí que, potencialmente, podem ser encontradas medidas que permitam o seu englobamento no conjunto da economia.
São várias as causas avançadas no relatório identificado, de que destacamos a evolução do mercado de trabalho, a carga de regulação bem como a carga fiscal em impostos directos, indirectos e contribuições para a Segurança Social.
De acordo com os dados mais recentes, sabe-se que a carga fiscal em Portugal, neste momento, acompanha ou é até superior à dos restantes países da OCDE.
Como refere Medina Carreira, da comparação entre aqueles países, designadamente em termos de funcionamento da economia, de prestações sociais e de condições de trabalho, decorre que a "identidade" é apenas a da carga fiscal incidente sobre as pessoas e as empresas.
Ou seja, mesmo com uma carga fiscal idêntica (e é superior), é mais oneroso, porque "custa mais" pagar impostos em Portugal do que na generalidade dos países nossos parceiros.
Aliás, em artigo subscrito por mim e publicado neste mesmo jornal foi referida a questão da Curva de Laffer, no sentido em que à medida que a taxas de imposto aumenta, os indivíduos tendem a substituir as actividades mais tributadas pelas menos tributadas e a diminuir a intensidade de utilização dos factores de substituição, ou seja, os impostos reduzem os incentivos a trabalhar, poupar e investir, desacelerando o crescimento económico.
Há quem sustente que em Portugal esta curva já foi atingida e que o esforço fiscal que está a ser pedido a empresas, famílias pensionistas e pessoas singulares vai ter como consequências a redução do valor da arrecadação de receita, diminuição da procura, do consumo e da poupança.
E, entre outros, o relatório da OBEGEF corrobora, na parte em que estuda o tema, que a principal causa da ENR em Portugal é inequivocamente o peso dos impostos directos e das contribuições para a Segurança Social.
Sabemos por outro lado que a ENR desempenha um papel "amortecedor" em situações de crise económica, como é salientado naquele relatório, o que nos leva a considerar que podemos estar perante a quadratura do círculo, no sentido em que é, porventura, de admitir uma "convivência" com a economia paralela em situações de crise como a que se vive actualmente, do mesmo passo que é urgente criar sistemas e modelos tendentes a conhecer este fenómeno de tão graves consequências para as economias, nomeadamente os que se traduzem em fraude e produção ilícita de bens e serviços.
É este o desafio que se impõe a todos nós!
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Sob suspeita
.
Sob suspeita
por MANUEL MARIA CARRILHO
Hoje
Portugal tem hoje dois inimigos tremendos. Um deles é local e bem conhecido: chama-se clientelismo. O outro é global. O deslumbramento nacional com o crédito fácil permitiu-lhe ganhar terreno durante décadas, e só agora, com a crise, o País consegue ver bem a sua dimensão. Chama-se financismo, é o poder dos agentes financeiros e especulativos sem qualquer controlo.
A última semana trouxe más notícias em relação ao combate que, em ambos os casos, precisamos de vencer. No plano global, tudo se complicou com a baixa generalizada dos ratings da Zona Euro. Desta vez atingiu a França e separou-a, pela primeira vez na história, da Alemanha. Pôs a zona monetária a quatro velocidades e deixou seriamente fragilizado o Fundo Europeu de Estabilização Financeira, um instrumento vital para a estratégia europeia, que é garantido a 20% pela França.
Porquê esta notação? A Standard & Poor's diz não acreditar nas soluções que a União Europeia teima em prosseguir e afirma que "um pacote de reformas que só assente no pilar da austeridade orçamental corre o risco de se tornar autodestrutivo". Vindo de quem vem, nada disto é para tomar à letra. Mas é interessante notar que é justamente isto o que o Conselho Europeu se prepara para ratificar de cruz, no próximo dia 30, sem qualquer verdadeira discussão.
A diabolização dos "mercados" não nos leva a lado nenhum. É tempo de perceber que o verdadeiro inimigo das economias e dos povos é o financismo, e não - só por si - os mercados. Foram políticos imprudentes quem abriu caminho a este descontrolado poder da finança, ao incentivarem medidas que puseram nas mãos dos especuladores quase todas as poupanças do mundo, bem como quase todos os critérios da sua gestão.
E como não há (como se tem visto) moralização ou refundação do capitalismo que ponha cobro a isto, terá de ser a política - desta vez, esperemos, com mais lucidez e mais coragem - a corrigir os erros cometidos nas últimas duas décadas. E nesses erros é também preciso incluir a incompreensão sobre a verdadeira "guerra de moedas" que se tem vindo a travar no mundo, e de que o ano de 2012 vai certamente dar eloquentes provas.
Na frente interna, e independentemente do que se pense do mérito ou demérito das políticas adotadas, tocou-se num ponto de descrédito político e ético que dificilmente terá volta atrás. Depois de seis meses a fazer, em nome de uma duvidosa surpresa, o contrário do que se prometeu no domínio da gestão das finanças públicas, descobre-se agora que a imperativa mudança que se prometera ao País em termos de transparência, de independência e de competência dos escolhidos para a administração pública e empresarial não passou de mais uma ... promessa eleitoral!
Esboroa-se assim, mais uma vez, a expectativa de uma indispensável despartidarização do Estado e das suas áreas de influência, que não passou de umas avulsas medidas simbólicas de princípio de mandato. É pena. Sobretudo porque se fizeram agora alterações que há muito se impunham no estatuto dos gestores públicos e na lei-quadro dos institutos públicos.
O País vive uma austeridade que é mais consentida por medo do que aceite por convicção. E os portugueses estão a perder as suas últimas ilusões com uma classe política que se revela tão incapaz como voraz, e que parece ver no povo um mero pretexto para justificar a sua cada vez mais inútil - quando não danosa - atividade.
Não "são todos iguais", é certo. Mas convenhamos que faltam bons exemplos. A começar pelo do Presidente da República, que num contexto de tão dramáticas dificuldades, que de resto ele permanentemente enfatiza, não esteve à altura da dignidade do cargo quando decidiu optar pelas suas pensões de reforma, em vez de assumir o salário das funções que o povo português lhe confiou diretamente pelo voto.
E sobram exemplos lamentáveis, como os que o jornalista António Sérgio Azenha analisa com objetividade no seu tão silenciado livro Como os políticos enriquecem em Portugal (ed. Lua de Papel, 2011), em que mostra como a passagem pela política pode viabilizar aumentos salariais de 3000%, ao mesmo tempo que transfigura alguns vulgares militantes partidários em inesperados "senadores" da República...
Sob suspeita. Eis, em síntese, como está a generalidade da classe política e aparentados, aos olhos de um país que vive sacrifícios e sofrimentos sem fim nem saídas, num círculo de ferro feito de austeridade e de clientelismo.
In DN
Sob suspeita
por MANUEL MARIA CARRILHO
Hoje
Portugal tem hoje dois inimigos tremendos. Um deles é local e bem conhecido: chama-se clientelismo. O outro é global. O deslumbramento nacional com o crédito fácil permitiu-lhe ganhar terreno durante décadas, e só agora, com a crise, o País consegue ver bem a sua dimensão. Chama-se financismo, é o poder dos agentes financeiros e especulativos sem qualquer controlo.
A última semana trouxe más notícias em relação ao combate que, em ambos os casos, precisamos de vencer. No plano global, tudo se complicou com a baixa generalizada dos ratings da Zona Euro. Desta vez atingiu a França e separou-a, pela primeira vez na história, da Alemanha. Pôs a zona monetária a quatro velocidades e deixou seriamente fragilizado o Fundo Europeu de Estabilização Financeira, um instrumento vital para a estratégia europeia, que é garantido a 20% pela França.
Porquê esta notação? A Standard & Poor's diz não acreditar nas soluções que a União Europeia teima em prosseguir e afirma que "um pacote de reformas que só assente no pilar da austeridade orçamental corre o risco de se tornar autodestrutivo". Vindo de quem vem, nada disto é para tomar à letra. Mas é interessante notar que é justamente isto o que o Conselho Europeu se prepara para ratificar de cruz, no próximo dia 30, sem qualquer verdadeira discussão.
A diabolização dos "mercados" não nos leva a lado nenhum. É tempo de perceber que o verdadeiro inimigo das economias e dos povos é o financismo, e não - só por si - os mercados. Foram políticos imprudentes quem abriu caminho a este descontrolado poder da finança, ao incentivarem medidas que puseram nas mãos dos especuladores quase todas as poupanças do mundo, bem como quase todos os critérios da sua gestão.
E como não há (como se tem visto) moralização ou refundação do capitalismo que ponha cobro a isto, terá de ser a política - desta vez, esperemos, com mais lucidez e mais coragem - a corrigir os erros cometidos nas últimas duas décadas. E nesses erros é também preciso incluir a incompreensão sobre a verdadeira "guerra de moedas" que se tem vindo a travar no mundo, e de que o ano de 2012 vai certamente dar eloquentes provas.
Na frente interna, e independentemente do que se pense do mérito ou demérito das políticas adotadas, tocou-se num ponto de descrédito político e ético que dificilmente terá volta atrás. Depois de seis meses a fazer, em nome de uma duvidosa surpresa, o contrário do que se prometeu no domínio da gestão das finanças públicas, descobre-se agora que a imperativa mudança que se prometera ao País em termos de transparência, de independência e de competência dos escolhidos para a administração pública e empresarial não passou de mais uma ... promessa eleitoral!
Esboroa-se assim, mais uma vez, a expectativa de uma indispensável despartidarização do Estado e das suas áreas de influência, que não passou de umas avulsas medidas simbólicas de princípio de mandato. É pena. Sobretudo porque se fizeram agora alterações que há muito se impunham no estatuto dos gestores públicos e na lei-quadro dos institutos públicos.
O País vive uma austeridade que é mais consentida por medo do que aceite por convicção. E os portugueses estão a perder as suas últimas ilusões com uma classe política que se revela tão incapaz como voraz, e que parece ver no povo um mero pretexto para justificar a sua cada vez mais inútil - quando não danosa - atividade.
Não "são todos iguais", é certo. Mas convenhamos que faltam bons exemplos. A começar pelo do Presidente da República, que num contexto de tão dramáticas dificuldades, que de resto ele permanentemente enfatiza, não esteve à altura da dignidade do cargo quando decidiu optar pelas suas pensões de reforma, em vez de assumir o salário das funções que o povo português lhe confiou diretamente pelo voto.
E sobram exemplos lamentáveis, como os que o jornalista António Sérgio Azenha analisa com objetividade no seu tão silenciado livro Como os políticos enriquecem em Portugal (ed. Lua de Papel, 2011), em que mostra como a passagem pela política pode viabilizar aumentos salariais de 3000%, ao mesmo tempo que transfigura alguns vulgares militantes partidários em inesperados "senadores" da República...
Sob suspeita. Eis, em síntese, como está a generalidade da classe política e aparentados, aos olhos de um país que vive sacrifícios e sofrimentos sem fim nem saídas, num círculo de ferro feito de austeridade e de clientelismo.
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Questão de constituição
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Questão de constituição
por FERNANDA CÂNCIO
Hoje
Nunca entendi o critério que etiqueta certos temas como "de consciência" - os que envolvem alguma crença ou preconceito religiosos, como se a consciência fosse monopólio de igrejas. E não, não vem isto a propósito da votação da alteração à lei de PMA que tem hoje lugar, mas do Orçamento do Estado.
Um grupo de deputados do PS propôs-se reunir as assinaturas necessárias para levar o corte dos subsídios de férias e de Natal do sector público à fiscalização do Tribunal Constitucional, obtendo a adesão do grupo parlamentar do BE. O PCP, li ontem, já afirmou não assinar; grande parte da bancada do PS também não o fará. É certo que o PS se absteve na votação, e que parece (e é) contraditório deputados que se abstiveram solicitarem agora aos juízes do TC que se debrucem sobre a admissibilidade da norma. Mas é igualmente certo que o que está em causa sobreleva calculismos partidários. É que se há, se alguma vez houve, uma questão de consciência colocada aos deputados da nação é esta: rasgar ou não rasgar a Constituição?
E porque é que isto é tão importante, perguntar-se-á, se o País está em estado de emergência? Ora é mesmo para momentos destes, quando os direitos mais essenciais - liberdade, igualdade, integridade do indivíduo - estão em perigo, que mais precisamos da Constituição. Ela é a fronteira que nos protege da arbitrariedade, do poder discricionário; a legitimação ética do regime. Podemos, é claro, debatê-la, discordar dela, alterá-la (com dois terços dos deputados). Mas o que não devemos - e o que nem deputados nem o PR podem, porque entre as suas funções essenciais está defendê-la e zelar pelo seu cumprimento - é fingir que não existe.
É claro que cabia a Cavaco, que fez questão de dizer que os cortes põem em causa a equidade fiscal - ou seja, ferem o princípio da igualdade e portanto são inconstitucionais -, enviar o Orçamento para fiscalização preventiva (coisa que só o PR pode fazer). Não o fez. Isto não só significa que mesmo reputando os cortes de inconstitucionais Cavaco os acha necessários e portanto concorda com eles, como também que incumpriu gravemente o seu dever. Mas contra isso batatas: nada se pode fazer a um Presidente que viola a sua jura solene. A Constituição não prevê sanções para isso (e devia). Resta pois, porque o TC não pode de motu proprio analisar diplomas (outra coisa a pensar), a possibilidade de um grupo de deputados - ou o provedor de Justiça - solicitar a fiscalização.
É isso ou aceitar que a proposta de revisão da Constituição que Passos apresentou e meteu na gaveta perante a reação adversa da maioria dos portugueses é posta em prática sem sequer ir a votos no Parlamento; que o regime em que vivemos desde 1976 acabou sem um ai. No país em que, diz um estudo recente, só 56% defendem a superioridade da democracia, que haja quem por ela se atravesse - quem, constitucionalmente, não seja capaz de a trocar por outra coisa qualquer.
In DN
Questão de constituição
por FERNANDA CÂNCIO
Hoje
Nunca entendi o critério que etiqueta certos temas como "de consciência" - os que envolvem alguma crença ou preconceito religiosos, como se a consciência fosse monopólio de igrejas. E não, não vem isto a propósito da votação da alteração à lei de PMA que tem hoje lugar, mas do Orçamento do Estado.
Um grupo de deputados do PS propôs-se reunir as assinaturas necessárias para levar o corte dos subsídios de férias e de Natal do sector público à fiscalização do Tribunal Constitucional, obtendo a adesão do grupo parlamentar do BE. O PCP, li ontem, já afirmou não assinar; grande parte da bancada do PS também não o fará. É certo que o PS se absteve na votação, e que parece (e é) contraditório deputados que se abstiveram solicitarem agora aos juízes do TC que se debrucem sobre a admissibilidade da norma. Mas é igualmente certo que o que está em causa sobreleva calculismos partidários. É que se há, se alguma vez houve, uma questão de consciência colocada aos deputados da nação é esta: rasgar ou não rasgar a Constituição?
E porque é que isto é tão importante, perguntar-se-á, se o País está em estado de emergência? Ora é mesmo para momentos destes, quando os direitos mais essenciais - liberdade, igualdade, integridade do indivíduo - estão em perigo, que mais precisamos da Constituição. Ela é a fronteira que nos protege da arbitrariedade, do poder discricionário; a legitimação ética do regime. Podemos, é claro, debatê-la, discordar dela, alterá-la (com dois terços dos deputados). Mas o que não devemos - e o que nem deputados nem o PR podem, porque entre as suas funções essenciais está defendê-la e zelar pelo seu cumprimento - é fingir que não existe.
É claro que cabia a Cavaco, que fez questão de dizer que os cortes põem em causa a equidade fiscal - ou seja, ferem o princípio da igualdade e portanto são inconstitucionais -, enviar o Orçamento para fiscalização preventiva (coisa que só o PR pode fazer). Não o fez. Isto não só significa que mesmo reputando os cortes de inconstitucionais Cavaco os acha necessários e portanto concorda com eles, como também que incumpriu gravemente o seu dever. Mas contra isso batatas: nada se pode fazer a um Presidente que viola a sua jura solene. A Constituição não prevê sanções para isso (e devia). Resta pois, porque o TC não pode de motu proprio analisar diplomas (outra coisa a pensar), a possibilidade de um grupo de deputados - ou o provedor de Justiça - solicitar a fiscalização.
É isso ou aceitar que a proposta de revisão da Constituição que Passos apresentou e meteu na gaveta perante a reação adversa da maioria dos portugueses é posta em prática sem sequer ir a votos no Parlamento; que o regime em que vivemos desde 1976 acabou sem um ai. No país em que, diz um estudo recente, só 56% defendem a superioridade da democracia, que haja quem por ela se atravesse - quem, constitucionalmente, não seja capaz de a trocar por outra coisa qualquer.
In DN
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As duas confianças
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As duas confianças
por JOSÉ MANUEL PUREZA
Hoje
A retórica da confiança e da estabilidade tem sido um dispositivo importantíssimo da ação política do Governo. "O caminho é restaurar a confiança. Porque nós só vamos conseguir crescer quando os investidores começarem a acreditar na recuperação." A fórmula, declinada em versões várias, mostra ao que vem: a dita confiança é seletiva, é a confiança dos "investidores". E a estabilidade virá, enfim, quando os ditos "investidores" tiverem a confiança toda.
Neste discurso há dois silêncios estridentes. O primeiro é o que cala a instabilidade indesmentível dos "investidores". O segundo é o que cala a falta de confiança crescente dos "não investidores" no seu próprio futuro. Vamos por partes.
A confiança dos mercados (versão José Sócrates) ou dos investidores (versão Passos Coelho) é uma questão de fé. Está difícil, não se vislumbra, mas os crentes estão certos de que um dia ela virá. E para antecipar essa vinda, os oficiantes do deus mercado oferecem os sacrifícios que forem necessários. E sobretudo os que forem desnecessários. Sacrifícios dos outros, claro, nunca dos próprios. E esse é precisamente um primeiro silêncio espesso deste tempo. O discurso da direita sobre a confiança faz-se para manter intocado algo que é, por definição, tudo menos digno de confiança: o primado dos mercados financeiros. É uma escolha ideológica disfarçada de imposição da história. Em vez de apontar para uma confiança sólida, socialmente partilhada, que implicaria medidas corajosas para poupar a sociedade às febres especulativas dos "investidores", o que o Governo nos vem dizer é que a confiança é algo reservado aos que vivem dessas febres, é a confiança deles a única que devemos salvaguardar. E que toda a política - isto é, todas as escolhas decisivas para a comunidade - se deve assumir como refém desse privilégio de alguns poucos.
Ora, o outro lado da confiança dos "investidores" é a perda de confiança dos "não investidores" na sua vida quotidiana e no futuro. Um trabalhador que vê o seu salário diminuído (quer pela baixa do custo horário do seu desempenho quer pela supressão de dias de férias e feriados), uma bolseira que tem a sua precariedade laboral eternizada, um desempregado cujo subsídio para que descontou lhe é reduzido, uma reformada que deixa de receber parte da pensão já de si paupérrima - todos experimentam atónitos o incumprimento dos compromissos elementares que a sociedade tinha com eles estabelecido. Há um contrato em que assentaram as nossas vidas e que é rasgado súbita e unilateralmente. Que confiança podemos ter? Diz-nos a direita que, como em todos os contratos, a alteração substancial das circunstâncias pode ditar a sua alteração. Pois seja. Mas porque é que só dita para os "não investidores"? Porque é que essa alteração substancial das circunstâncias não para de reforçar a satisfação de tudo quanto é vontade (real ou presumida) dos "investidores"?
Ontem mesmo era tornado público um estudo com uma conclusão preocupante: só pouco mais de metade dos portugueses acham que a democracia é melhor do que um governo autoritário. Essa é a expressão maior da perda de confiança da generalidade das pessoas - os "não investidores" - em que lhes será permitido ter uma vida digna. Que o mesmo estudo revele que 89% dos inquiridos entendem que o que é mesmo importante na democracia é haver um nível de vida digno para todos os cidadãos, mostra as razões fundas da desconfiança crescente na democracia. Para os "investidores" isto pode até ser uma boa notícia - um Estado autoritário dá- -lhes garantias acrescidas de confiança.
In DN
As duas confianças
por JOSÉ MANUEL PUREZA
Hoje
A retórica da confiança e da estabilidade tem sido um dispositivo importantíssimo da ação política do Governo. "O caminho é restaurar a confiança. Porque nós só vamos conseguir crescer quando os investidores começarem a acreditar na recuperação." A fórmula, declinada em versões várias, mostra ao que vem: a dita confiança é seletiva, é a confiança dos "investidores". E a estabilidade virá, enfim, quando os ditos "investidores" tiverem a confiança toda.
Neste discurso há dois silêncios estridentes. O primeiro é o que cala a instabilidade indesmentível dos "investidores". O segundo é o que cala a falta de confiança crescente dos "não investidores" no seu próprio futuro. Vamos por partes.
A confiança dos mercados (versão José Sócrates) ou dos investidores (versão Passos Coelho) é uma questão de fé. Está difícil, não se vislumbra, mas os crentes estão certos de que um dia ela virá. E para antecipar essa vinda, os oficiantes do deus mercado oferecem os sacrifícios que forem necessários. E sobretudo os que forem desnecessários. Sacrifícios dos outros, claro, nunca dos próprios. E esse é precisamente um primeiro silêncio espesso deste tempo. O discurso da direita sobre a confiança faz-se para manter intocado algo que é, por definição, tudo menos digno de confiança: o primado dos mercados financeiros. É uma escolha ideológica disfarçada de imposição da história. Em vez de apontar para uma confiança sólida, socialmente partilhada, que implicaria medidas corajosas para poupar a sociedade às febres especulativas dos "investidores", o que o Governo nos vem dizer é que a confiança é algo reservado aos que vivem dessas febres, é a confiança deles a única que devemos salvaguardar. E que toda a política - isto é, todas as escolhas decisivas para a comunidade - se deve assumir como refém desse privilégio de alguns poucos.
Ora, o outro lado da confiança dos "investidores" é a perda de confiança dos "não investidores" na sua vida quotidiana e no futuro. Um trabalhador que vê o seu salário diminuído (quer pela baixa do custo horário do seu desempenho quer pela supressão de dias de férias e feriados), uma bolseira que tem a sua precariedade laboral eternizada, um desempregado cujo subsídio para que descontou lhe é reduzido, uma reformada que deixa de receber parte da pensão já de si paupérrima - todos experimentam atónitos o incumprimento dos compromissos elementares que a sociedade tinha com eles estabelecido. Há um contrato em que assentaram as nossas vidas e que é rasgado súbita e unilateralmente. Que confiança podemos ter? Diz-nos a direita que, como em todos os contratos, a alteração substancial das circunstâncias pode ditar a sua alteração. Pois seja. Mas porque é que só dita para os "não investidores"? Porque é que essa alteração substancial das circunstâncias não para de reforçar a satisfação de tudo quanto é vontade (real ou presumida) dos "investidores"?
Ontem mesmo era tornado público um estudo com uma conclusão preocupante: só pouco mais de metade dos portugueses acham que a democracia é melhor do que um governo autoritário. Essa é a expressão maior da perda de confiança da generalidade das pessoas - os "não investidores" - em que lhes será permitido ter uma vida digna. Que o mesmo estudo revele que 89% dos inquiridos entendem que o que é mesmo importante na democracia é haver um nível de vida digno para todos os cidadãos, mostra as razões fundas da desconfiança crescente na democracia. Para os "investidores" isto pode até ser uma boa notícia - um Estado autoritário dá- -lhes garantias acrescidas de confiança.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Então e a verdade?
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Então e a verdade?
por Pedro Marques Lopes
Hoje
O homem que inúmeras vezes apareceu perante os portugueses exigindo que se falasse verdade não falou verdade. O homem que afirmou solenemente que quem o acusava de condutas menos próprias na condução de alguns negócios particulares teria de nascer dez vezes para ser mais sério do que ele não foi sério. Deliberadamente, escondeu uma parte do que ganha. E não foi sério quando disse que não sabia quanto seria o valor total das suas pensões.
O homem frontal, que faz gala de que a sua vida seja um livro aberto, omitiu. Omitiu ou disse uma meia-verdade, que como toda a gente sabe é sempre uma redonda mentira, quando, sem um pingo de vergonha, fingiu ter de livre e espontânea vontade prescindido do seu salário como Presidente da República. Todos nós sabemos que lhe estava vedado por lei acumular as suas pensões com esse salário. Decidiu omitir que a escolha que fez foi entre receber cerca de dez mil euros mensais das reformas ou aproximadamente sete mil de salário.
Mas estou disposto a, pelo menos, negar parte do que acabo de escrever e admitir que, de facto, além de tudo isso, Cavaco Silva não consegue pagar as suas despesas, que dez mil euros não chegam para cobrir os seus gastos. Nesse caso tinha-nos enganado quando nos fez crer que era um homem austero e prudente nos seus investimentos, avesso a gastos desnecessários, que utilizava mantinhas em sua casa para não desperdiçar dinheiro em aquecimento central e que tinha um padrão de vida pautado pela contenção e sobriedade. É que, convenhamos, ganhar os tais dez mil euros somados aos oitocentos da sua mulher (será?), não pagar refeições, gasolina, telefones e demais despesas correntes, como é direito de um presidente da República, e, mesmo assim, não lhe sobrar dinheiro, é próprio de um verdadeiro estroina que anda para aí a deitar dinheiro à rua. Temo pelos seus seiscentos e cinquenta e um mil euros que até agora poupou e ainda conserva em vários bancos. Bom, não é que já não tivéssemos indícios de alguma negligência na condição das suas finanças. Como todos nos recordamos, Cavaco Silva comprou e vendeu acções da SLN, mas não sabia como o negócio tinha sido feito nem do que teria auferido em mais-valias.
O homem que se reclama do povo, que veio do povo, que sente que o povo está a escutar a sua mensagem, não tem pejo em dizer que só à custa das suas poupanças consegue sobreviver. Pois, não sei a que povo se está a referir. O povo que eu conheço não se indignará com os rendimentos dele, são fruto do seu trabalho e com certeza fez por os merecer. Não gostará é, estou certo, de que brinquem com ele. Não apreciará que um homem rico, e Cavaco Silva pelos padrões portugueses é um homem rico, insinue que está a fazer os mesmos sacrifícios que o povo a que diz pertencer.
É que esse povo é constituído por mais de seiscentos mil desempregados, por um milhão e meio de pessoas que trazem para casa quinhentos euros por mês, por trabalhadores por conta de outrem que ganham em média oitocentos euros mensais. Ninguém pediria ao Presidente da República que vivesse com oitocentos euros. Pedir-se-ia sim que compreendesse os sacrifícios, as terríveis condições de vida, a angústia dos que vivem desesperados por não verem perspectivas para os seus filhos e que se pusesse ao lado deles, que os guiasse para uma vida mais digna. Mas não, Cavaco Silva preferiu muito simplesmente gozar com o seu povo.
Pode ser, no entanto, pior. Às tantas, o político profissional com mais anos de carreira não conhece a real situação dos portugueses. O homem que foi eleito primeiro--ministro três vezes e Presidente da República duas, ignora como os cidadãos vivem. Nesse caso, o problema, infelizmente, não é dele, é nosso, pois temos votado num indivíduo que se está borrifando para nós e para a nossa vida.
Anteontem tive vergonha de ter votado algumas vezes neste senhor.
In DN
Então e a verdade?
por Pedro Marques Lopes
Hoje
O homem que inúmeras vezes apareceu perante os portugueses exigindo que se falasse verdade não falou verdade. O homem que afirmou solenemente que quem o acusava de condutas menos próprias na condução de alguns negócios particulares teria de nascer dez vezes para ser mais sério do que ele não foi sério. Deliberadamente, escondeu uma parte do que ganha. E não foi sério quando disse que não sabia quanto seria o valor total das suas pensões.
O homem frontal, que faz gala de que a sua vida seja um livro aberto, omitiu. Omitiu ou disse uma meia-verdade, que como toda a gente sabe é sempre uma redonda mentira, quando, sem um pingo de vergonha, fingiu ter de livre e espontânea vontade prescindido do seu salário como Presidente da República. Todos nós sabemos que lhe estava vedado por lei acumular as suas pensões com esse salário. Decidiu omitir que a escolha que fez foi entre receber cerca de dez mil euros mensais das reformas ou aproximadamente sete mil de salário.
Mas estou disposto a, pelo menos, negar parte do que acabo de escrever e admitir que, de facto, além de tudo isso, Cavaco Silva não consegue pagar as suas despesas, que dez mil euros não chegam para cobrir os seus gastos. Nesse caso tinha-nos enganado quando nos fez crer que era um homem austero e prudente nos seus investimentos, avesso a gastos desnecessários, que utilizava mantinhas em sua casa para não desperdiçar dinheiro em aquecimento central e que tinha um padrão de vida pautado pela contenção e sobriedade. É que, convenhamos, ganhar os tais dez mil euros somados aos oitocentos da sua mulher (será?), não pagar refeições, gasolina, telefones e demais despesas correntes, como é direito de um presidente da República, e, mesmo assim, não lhe sobrar dinheiro, é próprio de um verdadeiro estroina que anda para aí a deitar dinheiro à rua. Temo pelos seus seiscentos e cinquenta e um mil euros que até agora poupou e ainda conserva em vários bancos. Bom, não é que já não tivéssemos indícios de alguma negligência na condição das suas finanças. Como todos nos recordamos, Cavaco Silva comprou e vendeu acções da SLN, mas não sabia como o negócio tinha sido feito nem do que teria auferido em mais-valias.
O homem que se reclama do povo, que veio do povo, que sente que o povo está a escutar a sua mensagem, não tem pejo em dizer que só à custa das suas poupanças consegue sobreviver. Pois, não sei a que povo se está a referir. O povo que eu conheço não se indignará com os rendimentos dele, são fruto do seu trabalho e com certeza fez por os merecer. Não gostará é, estou certo, de que brinquem com ele. Não apreciará que um homem rico, e Cavaco Silva pelos padrões portugueses é um homem rico, insinue que está a fazer os mesmos sacrifícios que o povo a que diz pertencer.
É que esse povo é constituído por mais de seiscentos mil desempregados, por um milhão e meio de pessoas que trazem para casa quinhentos euros por mês, por trabalhadores por conta de outrem que ganham em média oitocentos euros mensais. Ninguém pediria ao Presidente da República que vivesse com oitocentos euros. Pedir-se-ia sim que compreendesse os sacrifícios, as terríveis condições de vida, a angústia dos que vivem desesperados por não verem perspectivas para os seus filhos e que se pusesse ao lado deles, que os guiasse para uma vida mais digna. Mas não, Cavaco Silva preferiu muito simplesmente gozar com o seu povo.
Pode ser, no entanto, pior. Às tantas, o político profissional com mais anos de carreira não conhece a real situação dos portugueses. O homem que foi eleito primeiro--ministro três vezes e Presidente da República duas, ignora como os cidadãos vivem. Nesse caso, o problema, infelizmente, não é dele, é nosso, pois temos votado num indivíduo que se está borrifando para nós e para a nossa vida.
Anteontem tive vergonha de ter votado algumas vezes neste senhor.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Pobre presidente
.
Pobre presidente
por Alberto Gonçalves
Hoje
Um dia, é o primeiro-ministro que agradece a "discreta mas importante intervenção" do presidente da República no acordo chamado de concertação social. No dia seguinte, é o presidente da República que, voluntária ou involuntariamente, decide sabotar qualquer esforço de concerto, com "c" ou com "s".
A esta hora, já toda a gente conhece as declarações de Cavaco Silva sobre os seus ganhos e os seus gastos, as quais, a bem da clareza, merecem um par de ajustes face às paráfrases sarcásticas ou indignadas que circulam por aí. Cavaco Silva não afirmou que a sua reforma é de 1300 euros por mês, mas que a sua reforma enquanto professor universitário e investigador na Gulbenkian é de 1300 euros por mês (se juntarmos a do Banco de Portugal, a coisa parece ascender aos 8 mil). Cavaco Silva também não afirmou que não consegue pagar as despesas pessoais, mas que necessita de recorrer às poupanças que realizou para complementar os rendimentos periódicos.
De resto, é escusado distorcer as declarações em causa para torná-las absurdas. Há absurdo suficiente quando o chefe de um Estado falido e cujos cidadãos ganham, se ganharem de todo, uma média de 700 ou 800 euros, se lamenta de que 9 mil euros mensais não chegam para uma existência decente. A maçada, claro, não são os montantes: são os lamentos. Não acho que Cavaco Silva deva regular o nível de vida pelos padrões de quem aufere dez vezes menos, nem que se deva envergonhar das pensões que lhe cabem por direito, nem sequer que deva cair na recusa demagógica do respectivo salário (em que aliás caiu). Acho apenas que lhe convinha ter uma noção, ainda que vaga, do cargo que ocupa e daquilo que o rodeia. No mínimo, a tentativa de se aproximar do homem comum na pobreza material levou Cavaco Silva a suplantá-lo em pobreza de espírito.
Tamanho delírio custa mais porque a distância entre a classe política e o mundo real esteve precisamente na origem das loucuras que nos trouxeram à desgraça vigente. Após suportarmos governantes que cantaram loas à prosperidade enquanto esfarrapavam o país, dispensava-se um PR que admite a crise enquanto ignora as condições do país que a sofre. Após suportarmos a regular opinião de lunáticos que condenam a austeridade como se houvesse alternativa, dispensávamos um PR que confunde austeridade com abundância. Após suportarmos a popular lengalenga de que estrangeiros sombrios conspiram para esmagar uma nação inocente, dispensava-se um PR que atribui às agências de rating todos os males da pátria, não por acaso o que Cavaco Silva fez na exacta intervenção em que chorou a minguada reforma.
Por distracção ou inconveniência gerais, o escândalo subsequente ao segundo disparate abafou o primeiro. Dado que ambos são inseparáveis, foi pena: seria útil notar que, graças aos vultos políticos de que dispõe, Portugal é perfeitamente capaz de se desgraçar sozinho.
Segunda-feira, 16 de Janeiro
Tudo em família
Foram precisos dois milénios de cristandade para que a esquerda se pronunciasse contra os subsídios do Estado aos artistas, ou "artistas". Claro que o pronunciamento não aconteceu em sentido genérico e não aconteceu à toa, mas apenas porque, na história em causa, o Estado é o Instituto de Investigação Científica Tropical, presidido por Jorge Braga de Macedo, e a artista, ou "artista", é Ana de Macedo, por acaso ou desígnio filha do supracitado economista barra tropicalista. Segundo consta, o misterioso IICT apoiou uma exposição de "arte contemporânea" da senhora em Maputo, um português lá residente escreveu há seis meses um texto no seu blogue sobre o assunto e, agora, o Bloco de Esquerda insurge-se contra o arranjinho e questionou o Governo acerca do esbanjamento de dinheiros públicos.
Além de espanto, a iniciativa merece aplausos. E, se não for maçada, continuidade. A menos, note-se, que o Bloco pretenda limitar a sua indignação a casos de nepotismo e, dentro destes, a casos de nepotismo que envolvam figuras ligadas ao PSD, está aberto o precedente para que enfim se levantem duas ou três questões pertinentes ou, na verdade, uma única: a que título os contribuintes devem patrocinar, mediante extorsão de impostos, a arte, ou a "arte", que não consomem?
Estou certo de que, se procurar bem, a rapaziada do Bloco encontrará outros exemplos em que a atribuição de subvenções do género é contaminada pela existência de laços familiares, relações fraternas, compadrios, interesses mútuos ou meras simpatias entre quem decide o destino dos subsídios e quem os recebe. O difícil, se não impossível, é encontrar exemplos contrários.
Embora a revelação possa chocar muitos, nem o Estado tem carácter divino nem as benesses que distribui derivam de juízos iluminados: a distribuição resulta da opinião de pessoas, e as pessoas, principalmente em países pequeninos, tendem à promiscuidade. Se isto é válido para áreas relativamente permeáveis a escrutínio técnico, mais válido é para as artes, ou "artes", cuja relevância depende do teste do tempo e não do palpite de um cunhado, compincha ou interesse amoroso. É evidente que os parentes, vizinhos ou amantes do artista, ou "artista", X são livres de patrocinar os seus desabafos criativos. Não são, ou não deviam ser, livres de o fazer à custa de cidadãos que ignoram a obra de X ou que, quando a conhecem, preferiam não ter conhecido.
À cautela, o ideal era esquecer inclinações ideológicas ou gabarito dos subsidiados e alargar os escrúpulos com o dinheiro dos outros a toda a manifestação artística, ou "artística", desígnio que gostaria de ver defendido pelo Bloco e, sobretudo, pelo Estado.
Quarta-feira, 18 de Janeiro
O 'dumping' mental
A prestimosa Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), que de vez em quando promete processar-me mas que, decerto por deficiências organizativas, nunca cumpre a promessa, anda aflita com o lixo que as escolas servem às crianças. Naturalmente, o lixo em causa não é o curricular. Aliás, ainda estou para ver o dia em que essa seja uma batalha dos senhores que dirigem a Confap, os quais se preocupam imenso com a segurança dos meninos na escola (querem mais), com o tabaco e o álcool que os meninos consomem na escola (querem menos), com o tempo que os meninos passam na escola (querem mais), com a exigência dos testes que os meninos fazem na escola (querem menos), com os transportes que levam os meninos à escola (querem mais), com as leis retrógradas que permitem que os meninos reprovem na escola (querem menos) e com a participação das famílias dos meninos nas actividades da escola (querem mais). Os senhores da Confap preocupam-se com tudo, excepto com o português e a matemática que, definitivamente, os meninos não aprendem na escola.
Esta semana, a preocupação dos sujeitos prende-se com a comida. Na semana passada, também se prendia, embora aí o problema fossem os pais sem dinheiro para pagar as refeições escolares dos filhos. Agora, o drama são os preços das ditas refeições, demasiado baratos segundo os desconfiados padrões da Confap. O presidente da dita, Albino Almeida de sua graça (e tem bastante), não só julga falar por todos os progenitores do país como pelos vistos se convenceu de que possui o paladar de um gourmet. Vai daí, toca de desconfiar do mérito dos alimentos e apresentar aos media dois exemplos colhidos em estabelecimentos de ensino não identificados: o de uma sopa "sem qualidade" e o de um prato em que "as doses da carne eram manifestamente insuficientes". Em ambos os casos, o sr. Almeida afirma guardar fotografias destas autênticas machadadas na educação e na gastronomia. Assim de repente, ocorre-me um sítio onde poderíamos guardar o próprio sr. Almeida. Porém, não quero voltar a incomodar os advogados da criatura.
De resto, o pior nem são as preocupações com o dumping dos fornecedores das cantinas reveladas pela Confap, por definição representativa de um universo infantil. O pior é que a infantilidade e o pavor do dumping infectaram o mundo real e a ASAE já invade supermercados suspeitos de praticar preços baixos, hediono crime que justifica apreensão imediata do produto, por enquanto o leite, em breve qualquer coisa de que lóbis interessados, partidos ao serviço de clientelas ou simples malucos se lembrem. Aparentemente, o país reage ao custo de vida mediante o massacre daqueles a quem a vida custa mais. Grave, grave é o dumping mental.
In DN
Pobre presidente
por Alberto Gonçalves
Hoje
Um dia, é o primeiro-ministro que agradece a "discreta mas importante intervenção" do presidente da República no acordo chamado de concertação social. No dia seguinte, é o presidente da República que, voluntária ou involuntariamente, decide sabotar qualquer esforço de concerto, com "c" ou com "s".
A esta hora, já toda a gente conhece as declarações de Cavaco Silva sobre os seus ganhos e os seus gastos, as quais, a bem da clareza, merecem um par de ajustes face às paráfrases sarcásticas ou indignadas que circulam por aí. Cavaco Silva não afirmou que a sua reforma é de 1300 euros por mês, mas que a sua reforma enquanto professor universitário e investigador na Gulbenkian é de 1300 euros por mês (se juntarmos a do Banco de Portugal, a coisa parece ascender aos 8 mil). Cavaco Silva também não afirmou que não consegue pagar as despesas pessoais, mas que necessita de recorrer às poupanças que realizou para complementar os rendimentos periódicos.
De resto, é escusado distorcer as declarações em causa para torná-las absurdas. Há absurdo suficiente quando o chefe de um Estado falido e cujos cidadãos ganham, se ganharem de todo, uma média de 700 ou 800 euros, se lamenta de que 9 mil euros mensais não chegam para uma existência decente. A maçada, claro, não são os montantes: são os lamentos. Não acho que Cavaco Silva deva regular o nível de vida pelos padrões de quem aufere dez vezes menos, nem que se deva envergonhar das pensões que lhe cabem por direito, nem sequer que deva cair na recusa demagógica do respectivo salário (em que aliás caiu). Acho apenas que lhe convinha ter uma noção, ainda que vaga, do cargo que ocupa e daquilo que o rodeia. No mínimo, a tentativa de se aproximar do homem comum na pobreza material levou Cavaco Silva a suplantá-lo em pobreza de espírito.
Tamanho delírio custa mais porque a distância entre a classe política e o mundo real esteve precisamente na origem das loucuras que nos trouxeram à desgraça vigente. Após suportarmos governantes que cantaram loas à prosperidade enquanto esfarrapavam o país, dispensava-se um PR que admite a crise enquanto ignora as condições do país que a sofre. Após suportarmos a regular opinião de lunáticos que condenam a austeridade como se houvesse alternativa, dispensávamos um PR que confunde austeridade com abundância. Após suportarmos a popular lengalenga de que estrangeiros sombrios conspiram para esmagar uma nação inocente, dispensava-se um PR que atribui às agências de rating todos os males da pátria, não por acaso o que Cavaco Silva fez na exacta intervenção em que chorou a minguada reforma.
Por distracção ou inconveniência gerais, o escândalo subsequente ao segundo disparate abafou o primeiro. Dado que ambos são inseparáveis, foi pena: seria útil notar que, graças aos vultos políticos de que dispõe, Portugal é perfeitamente capaz de se desgraçar sozinho.
Segunda-feira, 16 de Janeiro
Tudo em família
Foram precisos dois milénios de cristandade para que a esquerda se pronunciasse contra os subsídios do Estado aos artistas, ou "artistas". Claro que o pronunciamento não aconteceu em sentido genérico e não aconteceu à toa, mas apenas porque, na história em causa, o Estado é o Instituto de Investigação Científica Tropical, presidido por Jorge Braga de Macedo, e a artista, ou "artista", é Ana de Macedo, por acaso ou desígnio filha do supracitado economista barra tropicalista. Segundo consta, o misterioso IICT apoiou uma exposição de "arte contemporânea" da senhora em Maputo, um português lá residente escreveu há seis meses um texto no seu blogue sobre o assunto e, agora, o Bloco de Esquerda insurge-se contra o arranjinho e questionou o Governo acerca do esbanjamento de dinheiros públicos.
Além de espanto, a iniciativa merece aplausos. E, se não for maçada, continuidade. A menos, note-se, que o Bloco pretenda limitar a sua indignação a casos de nepotismo e, dentro destes, a casos de nepotismo que envolvam figuras ligadas ao PSD, está aberto o precedente para que enfim se levantem duas ou três questões pertinentes ou, na verdade, uma única: a que título os contribuintes devem patrocinar, mediante extorsão de impostos, a arte, ou a "arte", que não consomem?
Estou certo de que, se procurar bem, a rapaziada do Bloco encontrará outros exemplos em que a atribuição de subvenções do género é contaminada pela existência de laços familiares, relações fraternas, compadrios, interesses mútuos ou meras simpatias entre quem decide o destino dos subsídios e quem os recebe. O difícil, se não impossível, é encontrar exemplos contrários.
Embora a revelação possa chocar muitos, nem o Estado tem carácter divino nem as benesses que distribui derivam de juízos iluminados: a distribuição resulta da opinião de pessoas, e as pessoas, principalmente em países pequeninos, tendem à promiscuidade. Se isto é válido para áreas relativamente permeáveis a escrutínio técnico, mais válido é para as artes, ou "artes", cuja relevância depende do teste do tempo e não do palpite de um cunhado, compincha ou interesse amoroso. É evidente que os parentes, vizinhos ou amantes do artista, ou "artista", X são livres de patrocinar os seus desabafos criativos. Não são, ou não deviam ser, livres de o fazer à custa de cidadãos que ignoram a obra de X ou que, quando a conhecem, preferiam não ter conhecido.
À cautela, o ideal era esquecer inclinações ideológicas ou gabarito dos subsidiados e alargar os escrúpulos com o dinheiro dos outros a toda a manifestação artística, ou "artística", desígnio que gostaria de ver defendido pelo Bloco e, sobretudo, pelo Estado.
Quarta-feira, 18 de Janeiro
O 'dumping' mental
A prestimosa Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), que de vez em quando promete processar-me mas que, decerto por deficiências organizativas, nunca cumpre a promessa, anda aflita com o lixo que as escolas servem às crianças. Naturalmente, o lixo em causa não é o curricular. Aliás, ainda estou para ver o dia em que essa seja uma batalha dos senhores que dirigem a Confap, os quais se preocupam imenso com a segurança dos meninos na escola (querem mais), com o tabaco e o álcool que os meninos consomem na escola (querem menos), com o tempo que os meninos passam na escola (querem mais), com a exigência dos testes que os meninos fazem na escola (querem menos), com os transportes que levam os meninos à escola (querem mais), com as leis retrógradas que permitem que os meninos reprovem na escola (querem menos) e com a participação das famílias dos meninos nas actividades da escola (querem mais). Os senhores da Confap preocupam-se com tudo, excepto com o português e a matemática que, definitivamente, os meninos não aprendem na escola.
Esta semana, a preocupação dos sujeitos prende-se com a comida. Na semana passada, também se prendia, embora aí o problema fossem os pais sem dinheiro para pagar as refeições escolares dos filhos. Agora, o drama são os preços das ditas refeições, demasiado baratos segundo os desconfiados padrões da Confap. O presidente da dita, Albino Almeida de sua graça (e tem bastante), não só julga falar por todos os progenitores do país como pelos vistos se convenceu de que possui o paladar de um gourmet. Vai daí, toca de desconfiar do mérito dos alimentos e apresentar aos media dois exemplos colhidos em estabelecimentos de ensino não identificados: o de uma sopa "sem qualidade" e o de um prato em que "as doses da carne eram manifestamente insuficientes". Em ambos os casos, o sr. Almeida afirma guardar fotografias destas autênticas machadadas na educação e na gastronomia. Assim de repente, ocorre-me um sítio onde poderíamos guardar o próprio sr. Almeida. Porém, não quero voltar a incomodar os advogados da criatura.
De resto, o pior nem são as preocupações com o dumping dos fornecedores das cantinas reveladas pela Confap, por definição representativa de um universo infantil. O pior é que a infantilidade e o pavor do dumping infectaram o mundo real e a ASAE já invade supermercados suspeitos de praticar preços baixos, hediono crime que justifica apreensão imediata do produto, por enquanto o leite, em breve qualquer coisa de que lóbis interessados, partidos ao serviço de clientelas ou simples malucos se lembrem. Aparentemente, o país reage ao custo de vida mediante o massacre daqueles a quem a vida custa mais. Grave, grave é o dumping mental.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Em defesa de Cavaco
.
Em defesa de Cavaco
por Paulo Baldaia
Hoje
Não rezo aos deuses, em que não acredito, não confio noutro ser humano mais do que confio em mim próprio e não passo cheques em branco nem cheques sem cobertura. Feita a minha declaração de interesses, quero acrescentar que têm razão os anarquistas quando dizem que só os peixes mortos seguem a corrente. Vem isto a propósito do "tsunami" criado pelas declarações infelizes do Presidente da República.
Ouvindo e sabendo tudo o que Cavaco Silva disse e fez esta semana, temos duas hipóteses. Ou seguimos a corrente e ficamos indignados porque caiu muito mal o choradinho do Presidente, cidadão da classe média alta, queixando-se da falta de dinheiro para pagar as despesas, ou descontamos essa infelicidade e atendemos ao papel relevante, mas discreto, que o Presidente da República teve e tem em matérias demasiado importantes para o futuro do País. Se seguimos a corrente estamos conversados, se queremos olhar para o que importa na nossa vida então temos de aplaudir o papel de Cavaco no sucesso da Concertação Social (foi sua a luta, por exemplo, para fazer cair a meia hora de trabalho a mais) e na tentativa de salvar a Madeira da bancarrota, arquipélago onde um louco político ameaça seguir para o abismo e levar toda a gente com ele.
Tudo isto é Democracia. É a critica às palavras infelizes do Presidente, o elogio à sua actuação política, os prós e os contra do Acordo de Concertação Social e até a loucura de Alberto João Jardim. É, se calhar, por tudo isto que um estudo sobre a qualidade da Democracia, feito por Pedro Magalhães e António Costa Pinto, mostra que apenas 56% dos portugueses acreditam que a Democracia é o melhor dos sistemas e mais de 75% dos entrevistados estão convencidos de que "os políticos se preocupam apenas com os seus próprios interesses". Há uma solução para gostarmos um pouco mais da Democracia, chama-se cidadania activa e apela a que cada um de nós comece por ser mais exigente consigo próprio para poder exigir mais do resto da sociedade. Implica que lutemos pela defesa dos nossos interesses, mas implica igualmente que saibamos ceder em defesa dos interesses colectivos.
A Democracia é o Presidente, o Governo e a Oposição, o sindicato que assina e o que não assina e é o patronato reunido em associação. Mas é, acima de tudo, a liberdade de cada um conduzir a sua vida no sentido que entender. A Democracia também serve para nos auto-responsabilizarmos pelo país que somos. É chegado o tempo de cada um dos que tem emprego trabalhar mais e melhor, porque essa é a única forma de criar riqueza que permita criar novos postos de trabalhos para os que estão no desemprego. Pode ser muito democrático, mas continuar a apontar o dedo aos outros não vos vai tirar do atoleiro onde nos metemos.
In DN
Em defesa de Cavaco
por Paulo Baldaia
Hoje
Não rezo aos deuses, em que não acredito, não confio noutro ser humano mais do que confio em mim próprio e não passo cheques em branco nem cheques sem cobertura. Feita a minha declaração de interesses, quero acrescentar que têm razão os anarquistas quando dizem que só os peixes mortos seguem a corrente. Vem isto a propósito do "tsunami" criado pelas declarações infelizes do Presidente da República.
Ouvindo e sabendo tudo o que Cavaco Silva disse e fez esta semana, temos duas hipóteses. Ou seguimos a corrente e ficamos indignados porque caiu muito mal o choradinho do Presidente, cidadão da classe média alta, queixando-se da falta de dinheiro para pagar as despesas, ou descontamos essa infelicidade e atendemos ao papel relevante, mas discreto, que o Presidente da República teve e tem em matérias demasiado importantes para o futuro do País. Se seguimos a corrente estamos conversados, se queremos olhar para o que importa na nossa vida então temos de aplaudir o papel de Cavaco no sucesso da Concertação Social (foi sua a luta, por exemplo, para fazer cair a meia hora de trabalho a mais) e na tentativa de salvar a Madeira da bancarrota, arquipélago onde um louco político ameaça seguir para o abismo e levar toda a gente com ele.
Tudo isto é Democracia. É a critica às palavras infelizes do Presidente, o elogio à sua actuação política, os prós e os contra do Acordo de Concertação Social e até a loucura de Alberto João Jardim. É, se calhar, por tudo isto que um estudo sobre a qualidade da Democracia, feito por Pedro Magalhães e António Costa Pinto, mostra que apenas 56% dos portugueses acreditam que a Democracia é o melhor dos sistemas e mais de 75% dos entrevistados estão convencidos de que "os políticos se preocupam apenas com os seus próprios interesses". Há uma solução para gostarmos um pouco mais da Democracia, chama-se cidadania activa e apela a que cada um de nós comece por ser mais exigente consigo próprio para poder exigir mais do resto da sociedade. Implica que lutemos pela defesa dos nossos interesses, mas implica igualmente que saibamos ceder em defesa dos interesses colectivos.
A Democracia é o Presidente, o Governo e a Oposição, o sindicato que assina e o que não assina e é o patronato reunido em associação. Mas é, acima de tudo, a liberdade de cada um conduzir a sua vida no sentido que entender. A Democracia também serve para nos auto-responsabilizarmos pelo país que somos. É chegado o tempo de cada um dos que tem emprego trabalhar mais e melhor, porque essa é a única forma de criar riqueza que permita criar novos postos de trabalhos para os que estão no desemprego. Pode ser muito democrático, mas continuar a apontar o dedo aos outros não vos vai tirar do atoleiro onde nos metemos.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
A questão do desemprego
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A questão do desemprego
por MÁRIO SOARES
Hoje
1 - Os jornais europeus começaram a falar com frequência do "combate ao desemprego", como uma necessidade urgente. Segundo dizem dois jornalistas baseados em Bruxelas, Andreu Missé e Miguel Mora, num artigo publicado no El País, do dia 20 do corrente mês de janeiro, "a chanceler Merkel e o Presidente Sarkozy propõem, na próxima Cimeira Europeia, do dia 30, a criação de um plano de crescimento e competitividade para afrontar o desemprego juvenil", que se está a tornar, com efeito, um flagelo europeu. E Portugal, como sabemos, não escapa à regra. Por isso, querem criar facilidades fronteiriças para os que procuram, nos outros países, trabalho que não encontram nos seus próprios Estados.
A questão do desemprego é, como todos sabem, um problema de primordial importância. Porque com um desemprego sempre a subir não há possibilidade de crescimento. E as medidas, chamadas de austeridade, receita principal da dupla Merkozy e da troika, não servirão para nada - bem pelo contrário - aos Estados em dificuldades, mas tão-só aos mercados especulativos. O que quer dizer que os Estados vítimas - que já não são só três, Grécia, Irlanda e Portugal, mas, pelo menos, sete (se contarmos também a Itália, a Espanha, a Eslovénia e, porventura a França) - irão arrastar os outros Estados da Zona Euro e, como parece começar a ser óbvio, a própria Alemanha.
Quem poderá afirmar, em plena recessão económica e com o desemprego a crescer, que o ano em que entrámos - 2012 - não vai acabar muito pior do que nos encontramos hoje? Para que servem então as medidas de austeridade, as contrarreformas que necessariamente acarretam, as destruições paulatinas dos Estados sociais europeus e todas as conquistas sociais, que fizeram, durante várias décadas, o bem-estar das classes menos abastadas e mais carentes da União Europeia?
A verdade é que a chanceler Merkel parece começar a querer ceder, no seu inaceitável dogmatismo neoliberal e mais ainda, por razões próprias, o seu súbdito, Nicolas Sarkozy? Aliás, as eleições presidenciais francesas estão a cem dias de vista e com grande probabilidade vão eleger o novo Presidente, que espero não seja Sarkozy, depois das gafes, erros e tergiversações que cometeu durante o seu primeiro mandato.
Os europeus, apesar de terem eleito, em todos os Estados da Zona Euro, governos ultraconservadores, o que explica muita coisa, começam a perceber que a política de mera austeridade leva à destruição dos Estados sociais e ao "emagrecimento" dos Estados, em defesa dos sacrossantos mercados, não podendo conduzir senão à recessão, que está a minar a União Europeia, aumentando em flecha o desemprego, o trabalho precário, e a própria inovação e competitividade económica. Mesmo a Alemanha começa a dar sinais de ter compreendido isso...
Curiosamente, os Estados Unidos da América - onde nasceu o neoliberalismo - tiveram a perceção disso a tempo, graças à Administração Obama, apesar do cerco político que os republicanos lhe têm feito, Tea Party incluído. Na verdade, o desemprego tem vindo a descer no último ano na América e a economia real parece dar sinais de crescimento, como o sector automóvel é um bom exemplo.
Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia, antigo presidente do Banco Mundial e conselheiro do ex-presidente Clinton, passou na semana passada por Lisboa e deu uma interessante entrevista ao Expresso de sábado passado. Aconselho vivamente a sua leitura. Disse ele: "A Europa não está a ajudar a Grécia (como podia e devia, digo eu) e está a tornar as coisas mais difíceis." E acrescenta: "A questão é: irão a Europa e a Alemanha mudar a sua posição? É uma decisão política e ninguém pode prever como a Alemanha vai decidir."
Permito-me lembrar os meus leitores - modéstia à parte - que há muitos meses tenho vindo a escrever, neste mesmo jornal, exatamente o mesmo, citando Stiglitz, Krugman e vários outros economistas de reputação mundial. Mas os dirigentes europeus, obcecados pelo "emagrecimento dos Estados" e pelo poder dos mercados, têm fechado os olhos à realidade. A Europa está agora - todos o reconhecem - à beira da catástrofe. Veremos o que nos traz a cimeira de 30 de janeiro. Porque o tempo urge...
2 - E Portugal? Teremos de reconhecer que a situação começa a ser muito difícil. Para os mais carecidos e os desempregados. O atual Governo, que tem escassos seis meses de existência, não parece ter definido ainda uma estratégia coerente para sair da crise. Parece aceitar, por razões ideológicas, o que a troika dita. Até pode ir um pouco mais além. As linhas necessárias do que devemos fazer, como "bom aluno" que o Governo se preza de ser, impõem medidas de austeridade em diversos planos, com cortes e mais cortes, que afetam os mais carentes, as classes médias, estão a fazer cair Portugal numa recessão profunda, com o desemprego a crescer como nunca, bem como a economia paralela. Para onde caminhamos? Não será para sair da crise, infelizmente, como nos prometeram, mas para a agravar cada vez mais. A esmagadora maioria da população está a perceber que é assim. Por isso, penso - e tenho-o afirmado em sucessivos artigos e conferências - que só a União Europeia nos pode salvar, se tiver a coragem de mudar radicalmente as políticas que tem vindo a aplicar. E puser na ordem os mercados especulativos e as agências de rating.
Na semana passada, o Governo conseguiu, em termos de Concertação Social, um acordo que considerou histórico. Julgo que não o será: terá quanto muito suscitado alguns recuos, em relação ao que inicialmente o Governo desejava. Atrevo-me, aliás, a dizer que não agradou nem ao comum dos trabalhadores nem aos patrões, porque não se vê que a economia real possa crescer nem o desemprego diminuir. E é na base desses dois objetivos fundamentais que se pode vir a ver alguma luz no fim do túnel. O resto é a poeira dos dias...
Não quero ser profeta da desgraça. Mas, sinceramente, não acho - e devo dizê-lo, por mais que me custe - que as contrarreformas que o Governo tem estado a promover, nos ministérios em que alguma coisa mexe - há outros que estão parados -, tentando emagrecer o Estado e as autarquias, está a destruir o Serviço Nacional de Saúde, a diminuir, sem critério, as pensões de reforma, a promover privatizações, entregando de qualquer maneira a grupos estrangeiros as joias do nosso património, a criar no comum dos portugueses - e nos próprios militares e forças de segurança - um descontentamento generalizado e uma falta de confiança nas nossas instituições políticas democráticas, extremamente perigosos para o futuro. Como diz o ditado: "Quem vos avisa vosso amigo é"...
A Itália parece estar a reagir através dos dois Mários - como escreveu num texto muito oportuno Teresa de Sousa, no seu habitual artigo de domingo no Público. Mario Monti, actual Presidente do Governo italiano, reputado tecnocrata, com provas dadas, e Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, que tem a chave na mão para algumas soluções. A mensagem do primeiro é clara: "A austeridade é necessária mas não chega, porque não se combate a dívida sem crescimento económico." E eu acrescento: e sem criar emprego e respeitar a dignidade dos trabalhadores. E o segundo, se tiver coragem para tanto, está na base da solução do problema.
Ora, é isso que o atual Governo tem de perceber rapidamente, pondo de lado - para vencer a crise - a sua conhecida base ideológica. Oiçam os parlamentares europeus portugueses e o que se começa a dizer alto em Bruxelas. A austeridade, sem crescimento económico, pode estimular os mercados especulativos, mas não resolver os problemas dos Estados soberanos nem a situação tão difícil da Europa do euro, no seu conjunto. Quer a Alemanha queira quer não... O Governo português tem de refletir sobre a situação em que o Estado se encontra, ouvir as vozes de bom senso e participar ativamente na cimeira de 30 do corrente, onde estes problemas irão finalmente ser discutidos, alinhando com os Estados vítimas e não com os que con- tinuam a piscar o olho aos mercados e às agências de rating, por mais mal que lhes façam. O momento é o indicado para o fazer, porque Sarkozy, tão respeitador da senhora Merkel, tem as eleições à vista e para as poder ganhar tem de mudar de políticas. A chanceler Merkel começa a ser muito criticada no seu próprio país, o Parlamento Europeu está a reagir e os próprios tecnocratas europeus começam a compreender que a União, se não muda de política, pode desagregar-se. Por isso, estamos no momento de intervir, pondo acima de tudo o interesse nacional, com objetividade e lucidez. Mas não bastam palavras. A hora é de agir.
3 - Há quem aposte na União Europeia. A Croácia, num referendo que ocorreu no domingo passado, decidiu aderir à União Europeia. Por ampla maioria, de resto: cerca de 67% dos votantes disseram sim. Foi algo de muito significativo. Porque quando tanta gente pensa que a União está em pleno descrédito - e está, se não mudar de política - há uma população responsável e com uma longa história que acredita no futuro da Europa e deseja participar nele, como povo europeu que é. Valham-nos estes exemplos!
In DN
A questão do desemprego
por MÁRIO SOARES
Hoje
1 - Os jornais europeus começaram a falar com frequência do "combate ao desemprego", como uma necessidade urgente. Segundo dizem dois jornalistas baseados em Bruxelas, Andreu Missé e Miguel Mora, num artigo publicado no El País, do dia 20 do corrente mês de janeiro, "a chanceler Merkel e o Presidente Sarkozy propõem, na próxima Cimeira Europeia, do dia 30, a criação de um plano de crescimento e competitividade para afrontar o desemprego juvenil", que se está a tornar, com efeito, um flagelo europeu. E Portugal, como sabemos, não escapa à regra. Por isso, querem criar facilidades fronteiriças para os que procuram, nos outros países, trabalho que não encontram nos seus próprios Estados.
A questão do desemprego é, como todos sabem, um problema de primordial importância. Porque com um desemprego sempre a subir não há possibilidade de crescimento. E as medidas, chamadas de austeridade, receita principal da dupla Merkozy e da troika, não servirão para nada - bem pelo contrário - aos Estados em dificuldades, mas tão-só aos mercados especulativos. O que quer dizer que os Estados vítimas - que já não são só três, Grécia, Irlanda e Portugal, mas, pelo menos, sete (se contarmos também a Itália, a Espanha, a Eslovénia e, porventura a França) - irão arrastar os outros Estados da Zona Euro e, como parece começar a ser óbvio, a própria Alemanha.
Quem poderá afirmar, em plena recessão económica e com o desemprego a crescer, que o ano em que entrámos - 2012 - não vai acabar muito pior do que nos encontramos hoje? Para que servem então as medidas de austeridade, as contrarreformas que necessariamente acarretam, as destruições paulatinas dos Estados sociais europeus e todas as conquistas sociais, que fizeram, durante várias décadas, o bem-estar das classes menos abastadas e mais carentes da União Europeia?
A verdade é que a chanceler Merkel parece começar a querer ceder, no seu inaceitável dogmatismo neoliberal e mais ainda, por razões próprias, o seu súbdito, Nicolas Sarkozy? Aliás, as eleições presidenciais francesas estão a cem dias de vista e com grande probabilidade vão eleger o novo Presidente, que espero não seja Sarkozy, depois das gafes, erros e tergiversações que cometeu durante o seu primeiro mandato.
Os europeus, apesar de terem eleito, em todos os Estados da Zona Euro, governos ultraconservadores, o que explica muita coisa, começam a perceber que a política de mera austeridade leva à destruição dos Estados sociais e ao "emagrecimento" dos Estados, em defesa dos sacrossantos mercados, não podendo conduzir senão à recessão, que está a minar a União Europeia, aumentando em flecha o desemprego, o trabalho precário, e a própria inovação e competitividade económica. Mesmo a Alemanha começa a dar sinais de ter compreendido isso...
Curiosamente, os Estados Unidos da América - onde nasceu o neoliberalismo - tiveram a perceção disso a tempo, graças à Administração Obama, apesar do cerco político que os republicanos lhe têm feito, Tea Party incluído. Na verdade, o desemprego tem vindo a descer no último ano na América e a economia real parece dar sinais de crescimento, como o sector automóvel é um bom exemplo.
Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia, antigo presidente do Banco Mundial e conselheiro do ex-presidente Clinton, passou na semana passada por Lisboa e deu uma interessante entrevista ao Expresso de sábado passado. Aconselho vivamente a sua leitura. Disse ele: "A Europa não está a ajudar a Grécia (como podia e devia, digo eu) e está a tornar as coisas mais difíceis." E acrescenta: "A questão é: irão a Europa e a Alemanha mudar a sua posição? É uma decisão política e ninguém pode prever como a Alemanha vai decidir."
Permito-me lembrar os meus leitores - modéstia à parte - que há muitos meses tenho vindo a escrever, neste mesmo jornal, exatamente o mesmo, citando Stiglitz, Krugman e vários outros economistas de reputação mundial. Mas os dirigentes europeus, obcecados pelo "emagrecimento dos Estados" e pelo poder dos mercados, têm fechado os olhos à realidade. A Europa está agora - todos o reconhecem - à beira da catástrofe. Veremos o que nos traz a cimeira de 30 de janeiro. Porque o tempo urge...
2 - E Portugal? Teremos de reconhecer que a situação começa a ser muito difícil. Para os mais carecidos e os desempregados. O atual Governo, que tem escassos seis meses de existência, não parece ter definido ainda uma estratégia coerente para sair da crise. Parece aceitar, por razões ideológicas, o que a troika dita. Até pode ir um pouco mais além. As linhas necessárias do que devemos fazer, como "bom aluno" que o Governo se preza de ser, impõem medidas de austeridade em diversos planos, com cortes e mais cortes, que afetam os mais carentes, as classes médias, estão a fazer cair Portugal numa recessão profunda, com o desemprego a crescer como nunca, bem como a economia paralela. Para onde caminhamos? Não será para sair da crise, infelizmente, como nos prometeram, mas para a agravar cada vez mais. A esmagadora maioria da população está a perceber que é assim. Por isso, penso - e tenho-o afirmado em sucessivos artigos e conferências - que só a União Europeia nos pode salvar, se tiver a coragem de mudar radicalmente as políticas que tem vindo a aplicar. E puser na ordem os mercados especulativos e as agências de rating.
Na semana passada, o Governo conseguiu, em termos de Concertação Social, um acordo que considerou histórico. Julgo que não o será: terá quanto muito suscitado alguns recuos, em relação ao que inicialmente o Governo desejava. Atrevo-me, aliás, a dizer que não agradou nem ao comum dos trabalhadores nem aos patrões, porque não se vê que a economia real possa crescer nem o desemprego diminuir. E é na base desses dois objetivos fundamentais que se pode vir a ver alguma luz no fim do túnel. O resto é a poeira dos dias...
Não quero ser profeta da desgraça. Mas, sinceramente, não acho - e devo dizê-lo, por mais que me custe - que as contrarreformas que o Governo tem estado a promover, nos ministérios em que alguma coisa mexe - há outros que estão parados -, tentando emagrecer o Estado e as autarquias, está a destruir o Serviço Nacional de Saúde, a diminuir, sem critério, as pensões de reforma, a promover privatizações, entregando de qualquer maneira a grupos estrangeiros as joias do nosso património, a criar no comum dos portugueses - e nos próprios militares e forças de segurança - um descontentamento generalizado e uma falta de confiança nas nossas instituições políticas democráticas, extremamente perigosos para o futuro. Como diz o ditado: "Quem vos avisa vosso amigo é"...
A Itália parece estar a reagir através dos dois Mários - como escreveu num texto muito oportuno Teresa de Sousa, no seu habitual artigo de domingo no Público. Mario Monti, actual Presidente do Governo italiano, reputado tecnocrata, com provas dadas, e Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, que tem a chave na mão para algumas soluções. A mensagem do primeiro é clara: "A austeridade é necessária mas não chega, porque não se combate a dívida sem crescimento económico." E eu acrescento: e sem criar emprego e respeitar a dignidade dos trabalhadores. E o segundo, se tiver coragem para tanto, está na base da solução do problema.
Ora, é isso que o atual Governo tem de perceber rapidamente, pondo de lado - para vencer a crise - a sua conhecida base ideológica. Oiçam os parlamentares europeus portugueses e o que se começa a dizer alto em Bruxelas. A austeridade, sem crescimento económico, pode estimular os mercados especulativos, mas não resolver os problemas dos Estados soberanos nem a situação tão difícil da Europa do euro, no seu conjunto. Quer a Alemanha queira quer não... O Governo português tem de refletir sobre a situação em que o Estado se encontra, ouvir as vozes de bom senso e participar ativamente na cimeira de 30 do corrente, onde estes problemas irão finalmente ser discutidos, alinhando com os Estados vítimas e não com os que con- tinuam a piscar o olho aos mercados e às agências de rating, por mais mal que lhes façam. O momento é o indicado para o fazer, porque Sarkozy, tão respeitador da senhora Merkel, tem as eleições à vista e para as poder ganhar tem de mudar de políticas. A chanceler Merkel começa a ser muito criticada no seu próprio país, o Parlamento Europeu está a reagir e os próprios tecnocratas europeus começam a compreender que a União, se não muda de política, pode desagregar-se. Por isso, estamos no momento de intervir, pondo acima de tudo o interesse nacional, com objetividade e lucidez. Mas não bastam palavras. A hora é de agir.
3 - Há quem aposte na União Europeia. A Croácia, num referendo que ocorreu no domingo passado, decidiu aderir à União Europeia. Por ampla maioria, de resto: cerca de 67% dos votantes disseram sim. Foi algo de muito significativo. Porque quando tanta gente pensa que a União está em pleno descrédito - e está, se não mudar de política - há uma população responsável e com uma longa história que acredita no futuro da Europa e deseja participar nele, como povo europeu que é. Valham-nos estes exemplos!
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
A especifidade chinesa
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A especifidade chinesa
por ADRIANO MOREIRA
Hoje
Talvez o pensamento e intervenção de Deng Xiaoping no governo da China, quando em 1992, numa viagem ao sul, anunciou uma abertura do regime, que mantinha o monopólio partidário do poder, mas se abria à pluralidade de regimes locais e ao que foi chamado socialismo de mercado, ainda seja a premissa de rutura do evolucionismo que a rodeou, e de conciliação possível entre a potência e a razão.
É certo que em relação a muitas potências ocidentais se verificou uma separação entre a capacidade geopolítica em recuo e a capacidade geoeconómica em luta pelo crescimento, isto no ambiente democrático dos ocidentais. Se, entre estes, os EUA foram os mais persistentes na política de manter ambas as capacidades, sem deixar de pregar os valores da democratização global, a China deu já mostras suficientes de que não pretende que, como no passado, o conceito de grande potência man- tenha o sentido apenas nominal que durante anos teve no Conselho de Segurança, e que pretende reunir ambas as capacidades, a geopolítica e a geoeconómica.
Com êxito, se lermos alguns sinais do comportamento dos ocidentais, designadamente no que toca ao 4 de junho de 1989, quando as forças armadas abriram fogo em Tiananmen contra os estudantes contestatários.
Durante largo tempo o clamor dos estadistas ocidentais contra a violação dos direitos humanos foi esmorecendo, até se tornar discreto, e substituído pela cortesia da diplomacia clássica, ficando os protestos ocasionais a cargo de analistas e doutrinadores.
De facto, o que a China demonstrou foi um esforço, progressivamente bem medido, de conciliar a política do poder com a política da razão, e, a partir da intervenção de Deng Xiaoping, a atenção à economia foi constante e recompensada pelo crescimento, embora seja frequentemente notado, mas não é caso único no mundo, que as margens marítimas destoam da interioridade, e se multipliquem avaliações das atividades públicas e privadas que não exibem práticas e qualificações jurídicas da mesma espécie das praticadas no Ocidente. Ali, em todo o caso, com a circunstância de a evolução do socialismo de mercado e a progressiva complexidade das relações internacionais em completa igualdade com as restantes potências não terem afetado a manutenção do poder pelo partido.
Por outro lado, quando recentemente a China lançou o seu primeiro porta-aviões, com surpresa confessa dos EUA, com este gesto tranquilo de mostrar a bandeira tornou bem claro o objetivo de conseguir manter a articulação da capacidade geopolítica com a capacidade geoeconómica, ao mesmo tempo que os centros académicos doutrinam o exercício da razoabilidade na redefinição da ordem internacional. A experiência geral confirma que especialmente o acento tónico colocado na economia e o recurso ao conhecimento dos avanços científicos e técnicos de uma época global sem precedente equivalente trarão modificações, algumas já visíveis, na desenvoltura da sociedade civil, e uma consciência crescente da distância entre o que foi chamado "primeira China", articulada com o exterior, e a interioridade que agudizará a questão social.
No entretanto as manifestações de força e de nacionalismo que inquietaram o resto do mundo foram-se amenizando, em termos de os EUA esquecerem os ideologismos em favor da debilidade financeira que defrontam, e isto é aviso suficiente de que algum novo equilíbrio está em curso, e espera-se que a favor da paz pelo exercício da razão.
É neste ambiente que a China toma uma posição significativa na estrutura empresarial portuguesa, facto que recorda a publicidade com que, pelos fins de 2005, o governo de Pequim delegou no governo de Macau desenvolver as relações com os países da CPLP, para aproveitar a herança portuguesa. Uma atitude que, nesta difícil época, desenvolve a relação secular entre os dois países, e deverá confirmar a digna forma como se processou a retirada da bandeira portuguesa de Macau. Um passo dado pela China, nesta data de crise aguda, em que estende a mão amigável naquela mais vasta e anunciada estratégia.
In DN
A especifidade chinesa
por ADRIANO MOREIRA
Hoje
Talvez o pensamento e intervenção de Deng Xiaoping no governo da China, quando em 1992, numa viagem ao sul, anunciou uma abertura do regime, que mantinha o monopólio partidário do poder, mas se abria à pluralidade de regimes locais e ao que foi chamado socialismo de mercado, ainda seja a premissa de rutura do evolucionismo que a rodeou, e de conciliação possível entre a potência e a razão.
É certo que em relação a muitas potências ocidentais se verificou uma separação entre a capacidade geopolítica em recuo e a capacidade geoeconómica em luta pelo crescimento, isto no ambiente democrático dos ocidentais. Se, entre estes, os EUA foram os mais persistentes na política de manter ambas as capacidades, sem deixar de pregar os valores da democratização global, a China deu já mostras suficientes de que não pretende que, como no passado, o conceito de grande potência man- tenha o sentido apenas nominal que durante anos teve no Conselho de Segurança, e que pretende reunir ambas as capacidades, a geopolítica e a geoeconómica.
Com êxito, se lermos alguns sinais do comportamento dos ocidentais, designadamente no que toca ao 4 de junho de 1989, quando as forças armadas abriram fogo em Tiananmen contra os estudantes contestatários.
Durante largo tempo o clamor dos estadistas ocidentais contra a violação dos direitos humanos foi esmorecendo, até se tornar discreto, e substituído pela cortesia da diplomacia clássica, ficando os protestos ocasionais a cargo de analistas e doutrinadores.
De facto, o que a China demonstrou foi um esforço, progressivamente bem medido, de conciliar a política do poder com a política da razão, e, a partir da intervenção de Deng Xiaoping, a atenção à economia foi constante e recompensada pelo crescimento, embora seja frequentemente notado, mas não é caso único no mundo, que as margens marítimas destoam da interioridade, e se multipliquem avaliações das atividades públicas e privadas que não exibem práticas e qualificações jurídicas da mesma espécie das praticadas no Ocidente. Ali, em todo o caso, com a circunstância de a evolução do socialismo de mercado e a progressiva complexidade das relações internacionais em completa igualdade com as restantes potências não terem afetado a manutenção do poder pelo partido.
Por outro lado, quando recentemente a China lançou o seu primeiro porta-aviões, com surpresa confessa dos EUA, com este gesto tranquilo de mostrar a bandeira tornou bem claro o objetivo de conseguir manter a articulação da capacidade geopolítica com a capacidade geoeconómica, ao mesmo tempo que os centros académicos doutrinam o exercício da razoabilidade na redefinição da ordem internacional. A experiência geral confirma que especialmente o acento tónico colocado na economia e o recurso ao conhecimento dos avanços científicos e técnicos de uma época global sem precedente equivalente trarão modificações, algumas já visíveis, na desenvoltura da sociedade civil, e uma consciência crescente da distância entre o que foi chamado "primeira China", articulada com o exterior, e a interioridade que agudizará a questão social.
No entretanto as manifestações de força e de nacionalismo que inquietaram o resto do mundo foram-se amenizando, em termos de os EUA esquecerem os ideologismos em favor da debilidade financeira que defrontam, e isto é aviso suficiente de que algum novo equilíbrio está em curso, e espera-se que a favor da paz pelo exercício da razão.
É neste ambiente que a China toma uma posição significativa na estrutura empresarial portuguesa, facto que recorda a publicidade com que, pelos fins de 2005, o governo de Pequim delegou no governo de Macau desenvolver as relações com os países da CPLP, para aproveitar a herança portuguesa. Uma atitude que, nesta difícil época, desenvolve a relação secular entre os dois países, e deverá confirmar a digna forma como se processou a retirada da bandeira portuguesa de Macau. Um passo dado pela China, nesta data de crise aguda, em que estende a mão amigável naquela mais vasta e anunciada estratégia.
In DN
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A camisa de onze varas
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A camisa de onze varas
por BAPTISTA-BASTOS
Hoje
O enredo causado pela assinatura tripartida do "acordo" de concertação social não se desembrulha, e as suas previsíveis consequências pairam no horizonte das nossas preocupações. É um documento nefasto, di-lo a maioria dos analistas. A decepção causada por João Proença está a dar origem a uma insatisfação permanente. E pode ele procurar justificações, em depoimentos tão absurdos como pueris, que as pessoas, os trabalhadores em geral, não querem ser assim governados, e muito menos por "eles."
A pergunta será: que pode levar um homem como Proença (independentemente de evasivas e ambiguidades passadas) a apor o nome num texto de natureza tão disforme e tão cáustica para o mundo do trabalho? Mudou de carril e aceitou a impulsão dominante, reduzindo-se a um dispositivo formal do poder do momento? Tudo leva a crer que sim, até pela simulação triste com que pretende suavizar a violência do documento.
O grande vencedor desta miséria é António Saraiva, cuja alegria coalhada parece indiferente à ruptura dos laços sociais, agora lacrada, como se de jubiloso acontecimento se tratasse, o que não passa de um acto aziago e vicioso. Saraiva, outrora operário aguerrido, mudou de causa e de bandeira, há muito, atraído pelo sortilégio do "mercado." A velha definição proposta por Camões aplica-se-lhe por inteiro.
O imbróglio não fechou. Proença afirma e reafirma que foi sugestionado por altos dirigentes "não socialistas" da CGTP a dar o nihil obstat ao "acordo". Quem são eles? Proença queda-se num mutismo intransponível. E Carvalho da Silva chama-o de "mentiroso", defendendo, no entanto, a manutenção de relações com a UGT. Se a literatura é o adjectivo, assim proclamava Azorín, a política é a metáfora como dissimulação, desejando ser um prolongamento de ideias. Entende-se a insistência de Carvalho da Silva: sempre defendeu a unidade entre contrários como meio fundamental da luta dos trabalhadores. Quem mente e quem fala verdade? Este antagonismo de afirmações tem de ser esclarecido, não como causalidade circular, sim como necessidade de clarificação moral. E qual o papel desempenhado pelo dr. Cavaco nesta indignidade?
Será Proença "sugestionável", com tantos anos de obstinadas convicções e astutas sabedorias? E "altos dirigentes" da CGTP serão capazes de uma contraconduta eticamente repugnante? As escolhas estão feitas, desde há muitos anos. Os ressentimentos, que deveriam estar apaziguados, regressam, ainda mais assanhados e vivos.
Uma questão final se nos intenta: o "acordo" impõe uma servidão (é este o termo apropriado) brutal; mas a sua própria índole, extremamente repressiva, poderá causar reacções, porventura inorgânicas. O patronato e o desconsolado Governo de Passos Coelho ganharam, por agora; mas enfiaram--se numa camisa de onze varas.
In DN
A camisa de onze varas
por BAPTISTA-BASTOS
Hoje
O enredo causado pela assinatura tripartida do "acordo" de concertação social não se desembrulha, e as suas previsíveis consequências pairam no horizonte das nossas preocupações. É um documento nefasto, di-lo a maioria dos analistas. A decepção causada por João Proença está a dar origem a uma insatisfação permanente. E pode ele procurar justificações, em depoimentos tão absurdos como pueris, que as pessoas, os trabalhadores em geral, não querem ser assim governados, e muito menos por "eles."
A pergunta será: que pode levar um homem como Proença (independentemente de evasivas e ambiguidades passadas) a apor o nome num texto de natureza tão disforme e tão cáustica para o mundo do trabalho? Mudou de carril e aceitou a impulsão dominante, reduzindo-se a um dispositivo formal do poder do momento? Tudo leva a crer que sim, até pela simulação triste com que pretende suavizar a violência do documento.
O grande vencedor desta miséria é António Saraiva, cuja alegria coalhada parece indiferente à ruptura dos laços sociais, agora lacrada, como se de jubiloso acontecimento se tratasse, o que não passa de um acto aziago e vicioso. Saraiva, outrora operário aguerrido, mudou de causa e de bandeira, há muito, atraído pelo sortilégio do "mercado." A velha definição proposta por Camões aplica-se-lhe por inteiro.
O imbróglio não fechou. Proença afirma e reafirma que foi sugestionado por altos dirigentes "não socialistas" da CGTP a dar o nihil obstat ao "acordo". Quem são eles? Proença queda-se num mutismo intransponível. E Carvalho da Silva chama-o de "mentiroso", defendendo, no entanto, a manutenção de relações com a UGT. Se a literatura é o adjectivo, assim proclamava Azorín, a política é a metáfora como dissimulação, desejando ser um prolongamento de ideias. Entende-se a insistência de Carvalho da Silva: sempre defendeu a unidade entre contrários como meio fundamental da luta dos trabalhadores. Quem mente e quem fala verdade? Este antagonismo de afirmações tem de ser esclarecido, não como causalidade circular, sim como necessidade de clarificação moral. E qual o papel desempenhado pelo dr. Cavaco nesta indignidade?
Será Proença "sugestionável", com tantos anos de obstinadas convicções e astutas sabedorias? E "altos dirigentes" da CGTP serão capazes de uma contraconduta eticamente repugnante? As escolhas estão feitas, desde há muitos anos. Os ressentimentos, que deveriam estar apaziguados, regressam, ainda mais assanhados e vivos.
Uma questão final se nos intenta: o "acordo" impõe uma servidão (é este o termo apropriado) brutal; mas a sua própria índole, extremamente repressiva, poderá causar reacções, porventura inorgânicas. O patronato e o desconsolado Governo de Passos Coelho ganharam, por agora; mas enfiaram--se numa camisa de onze varas.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Presidência insustentável
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Presidência insustentável
por FERNANDA CÂNCIO
Hoje
No momento em que inicio a escrita deste texto, a petição que pede a demissão de Cavaco tem 36 148 assinaturas. Mais 32 148 do que as 4000 necessárias para que o assunto seja debatido no plenário parlamentar, como é intenção dos promotores. Mas na terça o presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais (que tem como epígrafe "Direitos, Liberdades e Garantias"), o deputado do PSD Fernando Negrão, veio avisar os incautos de que a petição tem "um objeto impossível", porque "o Presidente não pode ser demitido nem responde perante outro órgão de soberania".
Fernando Negrão, que já foi juiz, deve saber que não é bem assim: não só o Presidente pode ser destituído ao sair do País sem autorização do Parlamento (!), como responde perante os tribunais se acusado de um crime grave e desde que dois terços dos parlamentares permitam essa acusação. Considerado culpado, será forçado a resignar - exatamente o mesmo que a Constituição espanhola prevê para o rei.
Ao contrário do que se passa por exemplo nos EUA, onde o poder legislativo pode impugnar o ocupante da presidência desde que considere haver motivos para tal, procedendo a um "julgamento" através de uma comissão presidida pelo presidente do Supremo Tribunal, no nosso país a Constituição trata o ocupante de Belém como entidade intocável e praticamente inimputável, que pode dizer e fazer quase tudo (menos tirar olhos, e mesmo assim, como vimos, só se os deputados não deixarem).
Temos, pois, uma Constituição que não só exime o PR de sindicâncias como não prevê qualquer situação em que se declare uma incapacidade superveniente para o cargo, como a que adviesse do conhecimento de factos do seu passado que pudessem comprometer irremediavelmente a sua credibilidade e autoridade, uma enfermidade que lhe diminuísse o discernimento ou qualquer outra circunstância adequada a pôr em causa a permanência no lugar. Não: a Constituição portuguesa confia ao PR ajuizar da sua aptidão, mesmo se for precisamente o seu juízo que se questiona.
Porque será que a figura do Presidente tem este desenho, tão pouco democrático e até tão pouco racional? É lícito, é desejável, é sustentável que se confira a alguém um estatuto tão blindado como este, comparável em tudo ao dos monarcas? Recorde--se que o direito (entre aspas) conferido a reis para o serem advém de uma distinção de sangue ungido, ou seja, do domínio do sagrado e, portanto, do inquestionável. Um presidente é um político eleito - com tudo o que isso implica de distinção mas também de humildade: está ali só e apenas porque se candidatou e foi escolhido; tem sempre de responder perante quem o elegeu.
Esta petição é pois uma oportunidade a não perder para pensar e debater o estatuto do PR. E para observar como a Lei Fundamental pode ser, no mesmo mês e pelos mesmos, desprezada a ponto de se ridicularizar o pedido de fiscalização do orçamento e fervorosamente invocada para defender Cavaco.
In DN
Presidência insustentável
por FERNANDA CÂNCIO
Hoje
No momento em que inicio a escrita deste texto, a petição que pede a demissão de Cavaco tem 36 148 assinaturas. Mais 32 148 do que as 4000 necessárias para que o assunto seja debatido no plenário parlamentar, como é intenção dos promotores. Mas na terça o presidente da Comissão dos Assuntos Constitucionais (que tem como epígrafe "Direitos, Liberdades e Garantias"), o deputado do PSD Fernando Negrão, veio avisar os incautos de que a petição tem "um objeto impossível", porque "o Presidente não pode ser demitido nem responde perante outro órgão de soberania".
Fernando Negrão, que já foi juiz, deve saber que não é bem assim: não só o Presidente pode ser destituído ao sair do País sem autorização do Parlamento (!), como responde perante os tribunais se acusado de um crime grave e desde que dois terços dos parlamentares permitam essa acusação. Considerado culpado, será forçado a resignar - exatamente o mesmo que a Constituição espanhola prevê para o rei.
Ao contrário do que se passa por exemplo nos EUA, onde o poder legislativo pode impugnar o ocupante da presidência desde que considere haver motivos para tal, procedendo a um "julgamento" através de uma comissão presidida pelo presidente do Supremo Tribunal, no nosso país a Constituição trata o ocupante de Belém como entidade intocável e praticamente inimputável, que pode dizer e fazer quase tudo (menos tirar olhos, e mesmo assim, como vimos, só se os deputados não deixarem).
Temos, pois, uma Constituição que não só exime o PR de sindicâncias como não prevê qualquer situação em que se declare uma incapacidade superveniente para o cargo, como a que adviesse do conhecimento de factos do seu passado que pudessem comprometer irremediavelmente a sua credibilidade e autoridade, uma enfermidade que lhe diminuísse o discernimento ou qualquer outra circunstância adequada a pôr em causa a permanência no lugar. Não: a Constituição portuguesa confia ao PR ajuizar da sua aptidão, mesmo se for precisamente o seu juízo que se questiona.
Porque será que a figura do Presidente tem este desenho, tão pouco democrático e até tão pouco racional? É lícito, é desejável, é sustentável que se confira a alguém um estatuto tão blindado como este, comparável em tudo ao dos monarcas? Recorde--se que o direito (entre aspas) conferido a reis para o serem advém de uma distinção de sangue ungido, ou seja, do domínio do sagrado e, portanto, do inquestionável. Um presidente é um político eleito - com tudo o que isso implica de distinção mas também de humildade: está ali só e apenas porque se candidatou e foi escolhido; tem sempre de responder perante quem o elegeu.
Esta petição é pois uma oportunidade a não perder para pensar e debater o estatuto do PR. E para observar como a Lei Fundamental pode ser, no mesmo mês e pelos mesmos, desprezada a ponto de se ridicularizar o pedido de fiscalização do orçamento e fervorosamente invocada para defender Cavaco.
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
O ponto de viragem
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O ponto de viragem
por JOSÉ MANUEL PUREZA
Hoje
A gestão das expetativas tornou-se no alfa e ómega da condução da política neste tempo de experimentação do receituário liberal. O Governo deixou de se referir à realidade real e passou a efabular uma realidade virtual com o objetivo de tranquilizar os intranquilos ou de estimular a confiança dos desconfiados. A cartilha seguida pela equipa de Passos Coelho é a de entrar em estado de negação e fazê-lo com tal firmeza que isso contagie o povo, na convicção de que se todos negarmos a realidade ela há-de negar-se a si mesma.
Há dias, o ministro das Finanças anunciou ao país que Portugal estaria à beira do "ponto de viragem" na crise. O pagamento de um juro de 5% por um empréstimo do Estado por 11 meses foi suficiente para que Vítor Gaspar esboçasse o seu melhor sorriso e desse ao país a boa nova: o turning point estava iminente. E logo, em coro épico, se lhe juntaram os condicionadores de opinião do costume.
A coisa seria só patética se não fosse trágica. Nem três dias volvidos, os juros exigidos pelos investidores para comprar dívida portuguesa a dois anos atingiram os 14,6% e os contraídos a cinco anos vergavam ao juro também recorde de 18,7%. E entretanto os números oficiais do desemprego batiam no máximo de 13,4% prometendo continuar a subir. Mas nada disto travou a encenação de Gaspar: o turning point estava ali à esquina. Que importa a previsão do seu próprio Governo de que a atividade económica sofrerá uma contração de 3% (bem mais, certamente) em 2012? Que importa que as exportações portuguesas para Espanha, o nosso principal mercado externo, estejam ao nível de 2008 e sejam proximamente atingidas pelo vendaval de retração da procura que o governo madrileno de direita se apresta a impor? Nada disto - meras realidades, afinal - demoveu o ministro de ensaiar mais um fingimento pedagógico. Afinal de contas, anunciar um turning point é a glória de qualquer ministro deste governo da troika.
A verdade é que Portugal está realmente a chegar a um ponto de viragem. Só que não é o dos amanhãs que cantam que o Governo nos quer fazer crer que chegarão numa próxima manhã de nevoeiro. Não, o ponto de viragem que está diante de nós é o da reestruturação da dívida. Foi negada e renegada, mas não há gestão de expetativas que possa evitar que ela se imponha. A banca internacional já fez mesmo as contas e fala à boca pequena de 35% de redução da dívida a exigir. O patronato nacional também não vai mais em realidades virtuais e admite publicamente que Portugal será forçado a renegociar com a troika mais um pacote de pelo menos 30 mil milhões de euros. É esse o ponto de viragem que está aí, inapelável. Estava aí há já muito, aliás: uma recessão agreste durante dois ou três anos, seguida de um crescimento que se prevê medíocre para muitos mais, tornam insustentável qualquer cenário de pagamento da dívida. Pelo contrário, ela aumentará. Enquanto a gestão de expetativas for mandamento supremo, continuará a prevalecer a negação desta inevitabilidade. E, quanto mais tempo passar, mais gravemente o país - leia-se os sacrificados de sempre - será penalizado com custos terríveis e de efeito prolongado.
Esta é a tragédia de um país em que se perpetua a ilusão de que quanto mais para o fundo for a viragem mais capazes de virar para rumo certo estaremos. Uma tragédia feita de milhões de tragédias diárias de quem está a pagar estes delírios experimentalistas do Governo. Sim, isto tem que virar. Só que a sério.
In DN
O ponto de viragem
por JOSÉ MANUEL PUREZA
Hoje
A gestão das expetativas tornou-se no alfa e ómega da condução da política neste tempo de experimentação do receituário liberal. O Governo deixou de se referir à realidade real e passou a efabular uma realidade virtual com o objetivo de tranquilizar os intranquilos ou de estimular a confiança dos desconfiados. A cartilha seguida pela equipa de Passos Coelho é a de entrar em estado de negação e fazê-lo com tal firmeza que isso contagie o povo, na convicção de que se todos negarmos a realidade ela há-de negar-se a si mesma.
Há dias, o ministro das Finanças anunciou ao país que Portugal estaria à beira do "ponto de viragem" na crise. O pagamento de um juro de 5% por um empréstimo do Estado por 11 meses foi suficiente para que Vítor Gaspar esboçasse o seu melhor sorriso e desse ao país a boa nova: o turning point estava iminente. E logo, em coro épico, se lhe juntaram os condicionadores de opinião do costume.
A coisa seria só patética se não fosse trágica. Nem três dias volvidos, os juros exigidos pelos investidores para comprar dívida portuguesa a dois anos atingiram os 14,6% e os contraídos a cinco anos vergavam ao juro também recorde de 18,7%. E entretanto os números oficiais do desemprego batiam no máximo de 13,4% prometendo continuar a subir. Mas nada disto travou a encenação de Gaspar: o turning point estava ali à esquina. Que importa a previsão do seu próprio Governo de que a atividade económica sofrerá uma contração de 3% (bem mais, certamente) em 2012? Que importa que as exportações portuguesas para Espanha, o nosso principal mercado externo, estejam ao nível de 2008 e sejam proximamente atingidas pelo vendaval de retração da procura que o governo madrileno de direita se apresta a impor? Nada disto - meras realidades, afinal - demoveu o ministro de ensaiar mais um fingimento pedagógico. Afinal de contas, anunciar um turning point é a glória de qualquer ministro deste governo da troika.
A verdade é que Portugal está realmente a chegar a um ponto de viragem. Só que não é o dos amanhãs que cantam que o Governo nos quer fazer crer que chegarão numa próxima manhã de nevoeiro. Não, o ponto de viragem que está diante de nós é o da reestruturação da dívida. Foi negada e renegada, mas não há gestão de expetativas que possa evitar que ela se imponha. A banca internacional já fez mesmo as contas e fala à boca pequena de 35% de redução da dívida a exigir. O patronato nacional também não vai mais em realidades virtuais e admite publicamente que Portugal será forçado a renegociar com a troika mais um pacote de pelo menos 30 mil milhões de euros. É esse o ponto de viragem que está aí, inapelável. Estava aí há já muito, aliás: uma recessão agreste durante dois ou três anos, seguida de um crescimento que se prevê medíocre para muitos mais, tornam insustentável qualquer cenário de pagamento da dívida. Pelo contrário, ela aumentará. Enquanto a gestão de expetativas for mandamento supremo, continuará a prevalecer a negação desta inevitabilidade. E, quanto mais tempo passar, mais gravemente o país - leia-se os sacrificados de sempre - será penalizado com custos terríveis e de efeito prolongado.
Esta é a tragédia de um país em que se perpetua a ilusão de que quanto mais para o fundo for a viragem mais capazes de virar para rumo certo estaremos. Uma tragédia feita de milhões de tragédias diárias de quem está a pagar estes delírios experimentalistas do Governo. Sim, isto tem que virar. Só que a sério.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
A autárquica aldrabice
.
A autárquica aldrabice
por PEDRO MARQUES LOPES
Ontem
Recordo-me bem do debate público que antecedeu a aprovação da lei 46/2005, a que estabeleceu limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais. Lembro-me dos discursos inflamados sobre a necessidade de renovar o pessoal político, das declarações sobre a criação de clientelas que inevitavelmente a permanência no poder por muito tempo acarreta, da inequívoca vontade de obstar a que as cumplicidades e os pequenos- -grandes poderes se perpetuassem. Sou capaz de jurar que ouvi responsáveis políticos a afirmar peremptoriamente que a guerra contra a corrupção passava pela aprovação deste tipo de medidas, que a qualidade da nossa democracia melhorava e que assim estavam a ser postos em prática os grandes valores éticos republicanos.
Mas a falta de vergonha, a confiança na pouca memória dos eleitores e a falta de respeito pelos cidadãos parece não ter limites, e vai daí o PSD e o PS preparam-se para ser cúmplices de uma enorme vigarice: um dado cavalheiro ou senhora não pode candidatar-se uma quarta vez à presidência do município onde esteve doze anos mas pode dar um saltinho para a câmara ao lado e ser de novo candidato às mesmas funções. Manuel Meirinhos, deputado do PSD, resumiu a questão: "Um presidente que exerceu três mandatos numa determinada câmara não poderá candidatar-se a outra, senão não há limitação de mandatos." Nada mais evidente. É quase um insulto à inteligência explicar esta fraude à lei e ao seu espírito. Grande renovação do pessoal político, grande tentativa de acabar com o clientelismo, se irá dar quando o presidente da edilidade se passar de armas e bagagens para a câmara contígua... A rede de funcionários, de construtores, de fornecedores habituais nem precisará de mudar de morada: o novo empregador, o cliente, continuará ali mesmo à mão de semear. Em alguns casos ficará até mais próximo da sua residência habitual.
Tudo o que foi anunciado como propósito para a feitura da lei, todos os argumentos aduzidos sobre a bondade e a necessidade deste tipo de normas soçobram, em razão do interesse das máquinas partidárias que há muito foram aprisionadas por gente que utiliza os partidos para construir gigantescas teias de interesses pouco claros e que desprezam o interesse público e o verdadeiro papel que as organizações partidárias têm de ter numa democracia. As sanguessugas da democracia necessitam dos empregos que as câmaras e as empresas municipais dão e da influência que estas têm sobre as companhias privadas e demais organizações regionais. O seu poder baseia-se na capacidade que têm para impor uma determinada pessoa que lhes garante a continuação desse mesmo poder. Esse cidadão, através das benesses distribuídas, terá depois créditos junto da máquina para impor a sua vontade. Criação e criador confundem- -se e tornam-se dependentes um do outro. Da habilidade de satisfazer estes caciques locais depende o poder dos que dominam centralmente os partidos. Quem quer reinar sobre a máquina tem de lhes agradar, quem quer liderar o PS ou o PSD não pode deixar de pactuar com eles. Mas se mesmo depois de terem chegado ao Governo continuam a deixar-se subjugar por eles é já uma opção. Aparentemente, e pelo escândalo das nomeações, Passos Coelho terá decidido não cortar as amarras que precisou de atar para ser eleito líder do PSD... mas isso é outra história. Não foi em vão que o homem que controla a máquina do PSD, Miguel Relvas, fez um intervalo naquela patética rábula que levou ao palco em Angola para, desde Luanda, defender o que a lei quer evitar, mal o assunto foi aflorado em alguns órgãos de comunicação social. Só os mais ingénuos se poderão surpreender quando o socialista e líder parlamentar Carlos Zorrinho, sem sequer sorrir, diz que pensa que a filosofia da lei apenas visava impedir mais de três candidaturas a uma câmara. Pois, se calhar andava distraído. Estamos perante uma manobra que visa apenas agradar às máquinas partidárias. Os dois maiores partidos portugueses vão fazer, pura e simplesmente, batota.
Em 2005 deu jeito pôr um ar moralista, rasgar as vestes prometendo mais transparência, renovação e alternância da classe política. Agora, quando é preciso passar à prática, reinterpreta-se a lei.
Pois claro, é fazendo-nos passar por parvos que vamos voltar a confiar nos partidos.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico
In DN
A autárquica aldrabice
por PEDRO MARQUES LOPES
Ontem
Recordo-me bem do debate público que antecedeu a aprovação da lei 46/2005, a que estabeleceu limites à renovação sucessiva de mandatos dos presidentes dos órgãos executivos das autarquias locais. Lembro-me dos discursos inflamados sobre a necessidade de renovar o pessoal político, das declarações sobre a criação de clientelas que inevitavelmente a permanência no poder por muito tempo acarreta, da inequívoca vontade de obstar a que as cumplicidades e os pequenos- -grandes poderes se perpetuassem. Sou capaz de jurar que ouvi responsáveis políticos a afirmar peremptoriamente que a guerra contra a corrupção passava pela aprovação deste tipo de medidas, que a qualidade da nossa democracia melhorava e que assim estavam a ser postos em prática os grandes valores éticos republicanos.
Mas a falta de vergonha, a confiança na pouca memória dos eleitores e a falta de respeito pelos cidadãos parece não ter limites, e vai daí o PSD e o PS preparam-se para ser cúmplices de uma enorme vigarice: um dado cavalheiro ou senhora não pode candidatar-se uma quarta vez à presidência do município onde esteve doze anos mas pode dar um saltinho para a câmara ao lado e ser de novo candidato às mesmas funções. Manuel Meirinhos, deputado do PSD, resumiu a questão: "Um presidente que exerceu três mandatos numa determinada câmara não poderá candidatar-se a outra, senão não há limitação de mandatos." Nada mais evidente. É quase um insulto à inteligência explicar esta fraude à lei e ao seu espírito. Grande renovação do pessoal político, grande tentativa de acabar com o clientelismo, se irá dar quando o presidente da edilidade se passar de armas e bagagens para a câmara contígua... A rede de funcionários, de construtores, de fornecedores habituais nem precisará de mudar de morada: o novo empregador, o cliente, continuará ali mesmo à mão de semear. Em alguns casos ficará até mais próximo da sua residência habitual.
Tudo o que foi anunciado como propósito para a feitura da lei, todos os argumentos aduzidos sobre a bondade e a necessidade deste tipo de normas soçobram, em razão do interesse das máquinas partidárias que há muito foram aprisionadas por gente que utiliza os partidos para construir gigantescas teias de interesses pouco claros e que desprezam o interesse público e o verdadeiro papel que as organizações partidárias têm de ter numa democracia. As sanguessugas da democracia necessitam dos empregos que as câmaras e as empresas municipais dão e da influência que estas têm sobre as companhias privadas e demais organizações regionais. O seu poder baseia-se na capacidade que têm para impor uma determinada pessoa que lhes garante a continuação desse mesmo poder. Esse cidadão, através das benesses distribuídas, terá depois créditos junto da máquina para impor a sua vontade. Criação e criador confundem- -se e tornam-se dependentes um do outro. Da habilidade de satisfazer estes caciques locais depende o poder dos que dominam centralmente os partidos. Quem quer reinar sobre a máquina tem de lhes agradar, quem quer liderar o PS ou o PSD não pode deixar de pactuar com eles. Mas se mesmo depois de terem chegado ao Governo continuam a deixar-se subjugar por eles é já uma opção. Aparentemente, e pelo escândalo das nomeações, Passos Coelho terá decidido não cortar as amarras que precisou de atar para ser eleito líder do PSD... mas isso é outra história. Não foi em vão que o homem que controla a máquina do PSD, Miguel Relvas, fez um intervalo naquela patética rábula que levou ao palco em Angola para, desde Luanda, defender o que a lei quer evitar, mal o assunto foi aflorado em alguns órgãos de comunicação social. Só os mais ingénuos se poderão surpreender quando o socialista e líder parlamentar Carlos Zorrinho, sem sequer sorrir, diz que pensa que a filosofia da lei apenas visava impedir mais de três candidaturas a uma câmara. Pois, se calhar andava distraído. Estamos perante uma manobra que visa apenas agradar às máquinas partidárias. Os dois maiores partidos portugueses vão fazer, pura e simplesmente, batota.
Em 2005 deu jeito pôr um ar moralista, rasgar as vestes prometendo mais transparência, renovação e alternância da classe política. Agora, quando é preciso passar à prática, reinterpreta-se a lei.
Pois claro, é fazendo-nos passar por parvos que vamos voltar a confiar nos partidos.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o Novo Acordo Ortográfico
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
A liberdade dos comentários no site do DN
.
A liberdade dos comentários no site do DN
por PEDRO TADEU
28 Janeiro
O texto que se segue é a resposta do subdirector do Diário de Notícias, Pedro Tadeu, a perguntas do Provedor do Leitor, Oscar Mascarenhas, sobre a gestão das caixas de comentários dos leitores no site do DN. A pedido do próprio Provedor é aqui publicado na íntegra. Na zona de artigos relacionados com este encontra o link para ler artigo sobre o tema escrito pelo Provedor.
Exm.º Provedor do Leitor do Diário de Notícias
As perguntas ao Provedor do Diário de Notícias levantam questões que há muito debatemos, inconclusivamente, no interior da redação e que gostariamos aqui de aprofundar um pouco, pois uma visão pouco amadurecida sobre a questão genérica das caixas de comentários poderá ter consequências nefastas para a relação dos media com os seus leitores.
Em primeiro lugar há que distinguir o meio: a comunicação de massas tradicional, em papel, rádio, ou TV, tem óbvias diferenças estruturais da que é feita através da Internet. Uma dessas características distintivas, relevante para este tema, é a inexistência na Internet de um real compromisso com a verdade, seja das narrativas ali expostas, seja da identidade dos seus utilizadores. Na Internet presume-se uma literal e radical noção de liberdade individual, onde tudo, ou quase tudo, é válido em termos de comunicação. Esse facto está intimamente ligado à génese da massificação da Internet, há mais de 20 anos, e não há qualquer razão para pensar que esse estatuto "irresponsável" possa vir a mudar ou, mais do que isso, seja bom ou necessário mudar.... Cada revolta do nosso tempo num país submetido a regime totalitário liquida, à partida, qualquer dúvida sobre isso.
Este estado radicalmente libertário da Internet traz grandes problemas ao jornalismo, que tem dificuldades em lidar com a autogestão de quem comunica na Internet, com a total ausência de edição e escolha (evita-se a palavra "censura") dos espaços comunicacionais que não controla. E o problema torna-se mesmo doloroso para o jornalista, treinado a separar, num oceano de informações, o trigo do joio, a procurar a relevância e a veracidade das informações, quando os leitores se apropriam do espaço que lhes é oferecido para fazer comentários e abordam os temas como muito bem entendem, inúmeras vezes à margem das notícias que era suposto comentarem.
O problema é clássico: se não queres ser lobo não lhe vistas a pele. Se o jornalismo quer utilizar um meio irreversivelmente libertário como o da Internet, não pode depois esperar obter algum controlo sobre ele. É, simplesmente, como a experiência demonstra, tarefa operacionalmente esgotante e frequentemente inglória mas, mais importante do que isso, corporiza um ato inevitavelmente violador da natureza do meio comunicacional que está a ser utilizado. Um ato de controlo sobre o que escrevem os leitores nas caixas de comentários é, por consequência, muitas vezes interpretado como um ato de traição do jornalismo aos próprios leitores, que esperam encontrar na imprensa que se apresenta como "livre" uma íntima cumplicidade com o estatuto libertário da Internet e não um agente ativo do seu (ainda por cima, aparentemente impossível) agrilhoamento. Essa "traição" pode ser fatal para o jornalismo profissional, rompendo um vínculo de confiança e cumplicidade com os leitores que é fundamental para a sua própria sobrevivência.
Este problema torna-se ainda mais grave por o espaço de total liberdade de expressão da Internet ter feito com que os leitores que frequentam as caixas de comentários sintam, legitimamente, que aquele espaço não é do jornal, mas sim seu, como qualquer outro espaço onde podem escrever livremente, tal como o facebook ou os blogues. Os leitores sentem-se donos e senhores das caixas de comentários, tendem a defender esse espaço com vigor e têm razão.
Sobre o anonimato, o jornalismo também vive uma dificuldade. A não permissão do anonimato nas caixas de comentários, para além de funcionalmente ser de praticabilidade difícil, volta a confrontar o jornal e os seus leitores com o estatuto libertário da Internet, pondo o jornal, inevitavelmente, do lado repressor de algo que as pessoas interiorizaram como um direito seu - até a simpática expressão "nickname" nasceu desta realidade que aceita, no mundo virtual, a legitimidade da ocultação. O exemplo do leitor que se queixa da usurpação da sua identidade por outro leitor, por exemplo, esquece que a sua própria identidade no site do DN não pode ser verificada de forma a que não suscite dúvidas, que pode haver outros leitores com o mesmo nome a quererem participar nos debates do site do DN, que há pessoas que assumem uma identidade nestas caixas de comentários diferente da sua identidade oficial (e que defendem essa identidade "virtual" com mais ardor do que a identidade "civil") e que bastaria ao leitor postar uma informação por baixo do alegado "usurpador" para esclarecer quem lê sobre o "quem é quem" na caixa de comentários do DN.
Também o argumento de que é preciso controlar os leitores para defender a credibilidade dos jornais me parece uma falácia. Na verdade, não conheço alguém que confunda o que é escrito nas caixas de comentários com a produção de conteúdos publicados num qualquer site pelo jornalismo profissional, sujeitos aos critérios éticos e deontológicos da profissão. Não havendo essa confusão, - e no site do DN não há - estando bem definida a fronteira entre o que é produzido pelos jornalistas e o que é produzido pelos leitores, a questão do respeito pela linha editorial do jornal, a defesa da sua credibilidade e da sua qualidade, a preservação da sua imagem pública estão manifestamente asseguradas. Pode, por exemplo, alguém defender seriamente que a imagem pública do Diário de Notícias está afetada pelos comentários dos leitores nas caixas de comentários, desde que elas foram abertas a uma participação livre, há mais de três anos? É uma evidência que não.
Há ainda a questão de que muitos comentários ofenderão a sensibilidade moral de outros leitores. Não temos dúvidas disso. Ofende a nossa, desde logo. Admito - e deixo aqui a sugestão - que tal como se faz nos filmes onde essa linguagem é utilizada, talvez se devesse fazer um aviso prévio aos leitores que querem ler comentários de que esse facto pode acontecer. O que não me parece correto é que a moral e a ética de uma parte dos leitores ou do próprio jornal se imponha unilateral e ditatorialmente a todos os leitores. Se alguém escreve uma frase cheia de palavrões, isso pode ser lido por uns como uma ofensa, pode ser olhado por outros com indiferença e pode ser interpretado por outros como relevante ou engraçado. Quem somos nós para decidir qual a leitura correta?
Qualquer estratégia de gestão dos comentários dos leitores não é neutra ou isenta. Tem sempre intenções específicas e consequências tangíveis. No entanto, estamos limitados, verdadeiramente, entre duas fronteiras: Ou aceitar que o espaço dos comentários é dado aos leitores, que eles são protagonistas e não meros espectadores desse espaço - tal como são em qualquer outro local na Internet - ou achar que temos de dominar a "besta". Não parece ser de aceitação fácil que um jornal possa olhar para os seus leitores - mesmo aqueles que escrevem palavrões, insultam ou se escondem no anonimato - como fazendo parte de uma "besta" que é preciso eliminar ou controlar... Como poderiamos, se assim pensássemos, trabalhar para os servir?
Antes de sermos jornalistas, somos cidadãos e não é aceitável que o jornalismo pense que os cidadãos não sabem avaliar os seus próprios interesses, nem defendê-los. É verdade que, por força da industrialização inevitável da produção jornalística, os jornais tendem a tratar o público como consumidores, indivíduos apolíticos e alheados da comunidade que toma e participa nas decisões. Mas aprofundar esse que já é um défice democrático para eliminar uns quantos disparates e palavrões que podem surgir nas caixas de comentários dos leitores é coisa que parece excessiva e que só pode trazer maus resultados para a sociedade.
Mesmo quem não partilhe destas opiniões sobre o tema terá, de qualquer forma, se quer ter autoridade para impôr regras limitativas às caixas de comentários, de ter respostas muito claras, sem sombras de dúvidas, para um leque enorme de questões complexas, como estas:. Qual a utilidade dos mecanismos automáticos de moderação? Devemos editar os comentários? Quais devem ser apagados? Devem ser apagados de todo? Quais as regras que devemos impôr para permitir o comentário a uma notícia? Quais os critérios para editar ou apagar um comentário? Quem está apto a fazê-lo? É de alguma forma possível o leitor, através da sua opinião, adulterar a linha editorial de um jornal? O comentário é uma manifestação racional? Os comentários são monólogos ou diálogos com os jornalistas? O anonimato é uma benção ou uma maldição da Internet? A interatividade é um contributo ou um problema? A influência dos comentários justifica os custos da moderação? Os comentários influenciam a formulação da opinião pública?
Grande parte destas perguntas foram colocadas recentemente ao editor do online do Diário de Notícias, Ricardo Simões Ferreira, no âmbito de uma investigação para uma tese de mestrado orientada pelo professor João Pissara Esteves, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. E o que estas questões nos revelam, portanto, são incertezas a que ninguém pode ainda responder definitivamente. Se é assim, como é que podemos atrever-nos a tomar decisões tão violentas como a de controlar a liberdade de expressão dos outros?
Falta analisar as funcionalidades de controlo dos comentários dos leitores que o DN dispõe e a forma como está neste momento a utilizá-las, mas antes disso - e como é provável que teremos de voltar ao tema - pensamos que estas questões inciais devem começar por ser debatidas e depois sim, poderemos ir, noutra ocasião, se o Provedor do Leitor assim o entender, atender às especificidades funcionais do site do Diário de Notícias.
Faltaria ainda analisar os problemas jurídicos desta questão mas, por um lado, não conhecemos casos concretos transitados em julgado que sirvam de modelo e, em segundo lugar, qualquer julgamento, mesmo estritamente jurídico, depende da visão que a sociedade tem das caixas de comentários, nomeadamente da sua relevância e influência na construção ou destruição de reputações, para então se poder elaborar um qualquer enquadramento regulatório e uma definição específica de penas a aplicar - e essa visão, como esta discussão comprova, é ainda muito incipiente. O que posso dizer é que desde setembro de 2010, quando iniciei funções no site do DN, não fui confrontado com qualquer queixa em tribunal por causa das caixas de comentários - e isto, provavelmente, diz tudo sobre a importância que a sociedade dá a este assunto: zero.
Um jornal nosso concorrente direto, com relevante tradição democrática, optou, há alguns meses, por um processo de controlo apertado dos comentários dos leitores, depois de um grande debate interno na redação sobre o tema. Foi criado um regulamento com várias limitações aos leitores. Uma das regras é a de não publicar comentários escritos em letras maiúsculas, por simbolizarem o grito. Para mim esta opção, que presumo não ter sido tomada de ânimo leve, simboliza o perigo maior que estamos a correr - quando os jornais não permitem que os leitores gritem, estão a abrir caminho para que um dia possam também ser impedidos de gritar.
Com os meus melhores cumprimentos
Pedro Tadeu
In DN
A liberdade dos comentários no site do DN
por PEDRO TADEU
28 Janeiro
O texto que se segue é a resposta do subdirector do Diário de Notícias, Pedro Tadeu, a perguntas do Provedor do Leitor, Oscar Mascarenhas, sobre a gestão das caixas de comentários dos leitores no site do DN. A pedido do próprio Provedor é aqui publicado na íntegra. Na zona de artigos relacionados com este encontra o link para ler artigo sobre o tema escrito pelo Provedor.
Exm.º Provedor do Leitor do Diário de Notícias
As perguntas ao Provedor do Diário de Notícias levantam questões que há muito debatemos, inconclusivamente, no interior da redação e que gostariamos aqui de aprofundar um pouco, pois uma visão pouco amadurecida sobre a questão genérica das caixas de comentários poderá ter consequências nefastas para a relação dos media com os seus leitores.
Em primeiro lugar há que distinguir o meio: a comunicação de massas tradicional, em papel, rádio, ou TV, tem óbvias diferenças estruturais da que é feita através da Internet. Uma dessas características distintivas, relevante para este tema, é a inexistência na Internet de um real compromisso com a verdade, seja das narrativas ali expostas, seja da identidade dos seus utilizadores. Na Internet presume-se uma literal e radical noção de liberdade individual, onde tudo, ou quase tudo, é válido em termos de comunicação. Esse facto está intimamente ligado à génese da massificação da Internet, há mais de 20 anos, e não há qualquer razão para pensar que esse estatuto "irresponsável" possa vir a mudar ou, mais do que isso, seja bom ou necessário mudar.... Cada revolta do nosso tempo num país submetido a regime totalitário liquida, à partida, qualquer dúvida sobre isso.
Este estado radicalmente libertário da Internet traz grandes problemas ao jornalismo, que tem dificuldades em lidar com a autogestão de quem comunica na Internet, com a total ausência de edição e escolha (evita-se a palavra "censura") dos espaços comunicacionais que não controla. E o problema torna-se mesmo doloroso para o jornalista, treinado a separar, num oceano de informações, o trigo do joio, a procurar a relevância e a veracidade das informações, quando os leitores se apropriam do espaço que lhes é oferecido para fazer comentários e abordam os temas como muito bem entendem, inúmeras vezes à margem das notícias que era suposto comentarem.
O problema é clássico: se não queres ser lobo não lhe vistas a pele. Se o jornalismo quer utilizar um meio irreversivelmente libertário como o da Internet, não pode depois esperar obter algum controlo sobre ele. É, simplesmente, como a experiência demonstra, tarefa operacionalmente esgotante e frequentemente inglória mas, mais importante do que isso, corporiza um ato inevitavelmente violador da natureza do meio comunicacional que está a ser utilizado. Um ato de controlo sobre o que escrevem os leitores nas caixas de comentários é, por consequência, muitas vezes interpretado como um ato de traição do jornalismo aos próprios leitores, que esperam encontrar na imprensa que se apresenta como "livre" uma íntima cumplicidade com o estatuto libertário da Internet e não um agente ativo do seu (ainda por cima, aparentemente impossível) agrilhoamento. Essa "traição" pode ser fatal para o jornalismo profissional, rompendo um vínculo de confiança e cumplicidade com os leitores que é fundamental para a sua própria sobrevivência.
Este problema torna-se ainda mais grave por o espaço de total liberdade de expressão da Internet ter feito com que os leitores que frequentam as caixas de comentários sintam, legitimamente, que aquele espaço não é do jornal, mas sim seu, como qualquer outro espaço onde podem escrever livremente, tal como o facebook ou os blogues. Os leitores sentem-se donos e senhores das caixas de comentários, tendem a defender esse espaço com vigor e têm razão.
Sobre o anonimato, o jornalismo também vive uma dificuldade. A não permissão do anonimato nas caixas de comentários, para além de funcionalmente ser de praticabilidade difícil, volta a confrontar o jornal e os seus leitores com o estatuto libertário da Internet, pondo o jornal, inevitavelmente, do lado repressor de algo que as pessoas interiorizaram como um direito seu - até a simpática expressão "nickname" nasceu desta realidade que aceita, no mundo virtual, a legitimidade da ocultação. O exemplo do leitor que se queixa da usurpação da sua identidade por outro leitor, por exemplo, esquece que a sua própria identidade no site do DN não pode ser verificada de forma a que não suscite dúvidas, que pode haver outros leitores com o mesmo nome a quererem participar nos debates do site do DN, que há pessoas que assumem uma identidade nestas caixas de comentários diferente da sua identidade oficial (e que defendem essa identidade "virtual" com mais ardor do que a identidade "civil") e que bastaria ao leitor postar uma informação por baixo do alegado "usurpador" para esclarecer quem lê sobre o "quem é quem" na caixa de comentários do DN.
Também o argumento de que é preciso controlar os leitores para defender a credibilidade dos jornais me parece uma falácia. Na verdade, não conheço alguém que confunda o que é escrito nas caixas de comentários com a produção de conteúdos publicados num qualquer site pelo jornalismo profissional, sujeitos aos critérios éticos e deontológicos da profissão. Não havendo essa confusão, - e no site do DN não há - estando bem definida a fronteira entre o que é produzido pelos jornalistas e o que é produzido pelos leitores, a questão do respeito pela linha editorial do jornal, a defesa da sua credibilidade e da sua qualidade, a preservação da sua imagem pública estão manifestamente asseguradas. Pode, por exemplo, alguém defender seriamente que a imagem pública do Diário de Notícias está afetada pelos comentários dos leitores nas caixas de comentários, desde que elas foram abertas a uma participação livre, há mais de três anos? É uma evidência que não.
Há ainda a questão de que muitos comentários ofenderão a sensibilidade moral de outros leitores. Não temos dúvidas disso. Ofende a nossa, desde logo. Admito - e deixo aqui a sugestão - que tal como se faz nos filmes onde essa linguagem é utilizada, talvez se devesse fazer um aviso prévio aos leitores que querem ler comentários de que esse facto pode acontecer. O que não me parece correto é que a moral e a ética de uma parte dos leitores ou do próprio jornal se imponha unilateral e ditatorialmente a todos os leitores. Se alguém escreve uma frase cheia de palavrões, isso pode ser lido por uns como uma ofensa, pode ser olhado por outros com indiferença e pode ser interpretado por outros como relevante ou engraçado. Quem somos nós para decidir qual a leitura correta?
Qualquer estratégia de gestão dos comentários dos leitores não é neutra ou isenta. Tem sempre intenções específicas e consequências tangíveis. No entanto, estamos limitados, verdadeiramente, entre duas fronteiras: Ou aceitar que o espaço dos comentários é dado aos leitores, que eles são protagonistas e não meros espectadores desse espaço - tal como são em qualquer outro local na Internet - ou achar que temos de dominar a "besta". Não parece ser de aceitação fácil que um jornal possa olhar para os seus leitores - mesmo aqueles que escrevem palavrões, insultam ou se escondem no anonimato - como fazendo parte de uma "besta" que é preciso eliminar ou controlar... Como poderiamos, se assim pensássemos, trabalhar para os servir?
Antes de sermos jornalistas, somos cidadãos e não é aceitável que o jornalismo pense que os cidadãos não sabem avaliar os seus próprios interesses, nem defendê-los. É verdade que, por força da industrialização inevitável da produção jornalística, os jornais tendem a tratar o público como consumidores, indivíduos apolíticos e alheados da comunidade que toma e participa nas decisões. Mas aprofundar esse que já é um défice democrático para eliminar uns quantos disparates e palavrões que podem surgir nas caixas de comentários dos leitores é coisa que parece excessiva e que só pode trazer maus resultados para a sociedade.
Mesmo quem não partilhe destas opiniões sobre o tema terá, de qualquer forma, se quer ter autoridade para impôr regras limitativas às caixas de comentários, de ter respostas muito claras, sem sombras de dúvidas, para um leque enorme de questões complexas, como estas:. Qual a utilidade dos mecanismos automáticos de moderação? Devemos editar os comentários? Quais devem ser apagados? Devem ser apagados de todo? Quais as regras que devemos impôr para permitir o comentário a uma notícia? Quais os critérios para editar ou apagar um comentário? Quem está apto a fazê-lo? É de alguma forma possível o leitor, através da sua opinião, adulterar a linha editorial de um jornal? O comentário é uma manifestação racional? Os comentários são monólogos ou diálogos com os jornalistas? O anonimato é uma benção ou uma maldição da Internet? A interatividade é um contributo ou um problema? A influência dos comentários justifica os custos da moderação? Os comentários influenciam a formulação da opinião pública?
Grande parte destas perguntas foram colocadas recentemente ao editor do online do Diário de Notícias, Ricardo Simões Ferreira, no âmbito de uma investigação para uma tese de mestrado orientada pelo professor João Pissara Esteves, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. E o que estas questões nos revelam, portanto, são incertezas a que ninguém pode ainda responder definitivamente. Se é assim, como é que podemos atrever-nos a tomar decisões tão violentas como a de controlar a liberdade de expressão dos outros?
Falta analisar as funcionalidades de controlo dos comentários dos leitores que o DN dispõe e a forma como está neste momento a utilizá-las, mas antes disso - e como é provável que teremos de voltar ao tema - pensamos que estas questões inciais devem começar por ser debatidas e depois sim, poderemos ir, noutra ocasião, se o Provedor do Leitor assim o entender, atender às especificidades funcionais do site do Diário de Notícias.
Faltaria ainda analisar os problemas jurídicos desta questão mas, por um lado, não conhecemos casos concretos transitados em julgado que sirvam de modelo e, em segundo lugar, qualquer julgamento, mesmo estritamente jurídico, depende da visão que a sociedade tem das caixas de comentários, nomeadamente da sua relevância e influência na construção ou destruição de reputações, para então se poder elaborar um qualquer enquadramento regulatório e uma definição específica de penas a aplicar - e essa visão, como esta discussão comprova, é ainda muito incipiente. O que posso dizer é que desde setembro de 2010, quando iniciei funções no site do DN, não fui confrontado com qualquer queixa em tribunal por causa das caixas de comentários - e isto, provavelmente, diz tudo sobre a importância que a sociedade dá a este assunto: zero.
Um jornal nosso concorrente direto, com relevante tradição democrática, optou, há alguns meses, por um processo de controlo apertado dos comentários dos leitores, depois de um grande debate interno na redação sobre o tema. Foi criado um regulamento com várias limitações aos leitores. Uma das regras é a de não publicar comentários escritos em letras maiúsculas, por simbolizarem o grito. Para mim esta opção, que presumo não ter sido tomada de ânimo leve, simboliza o perigo maior que estamos a correr - quando os jornais não permitem que os leitores gritem, estão a abrir caminho para que um dia possam também ser impedidos de gritar.
Com os meus melhores cumprimentos
Pedro Tadeu
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Louvor às caixas de comentários
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Louvor às caixas de comentários
por FERREIRA FERNANDES
Ontem
O género humano aprendeu há muito que o falar tudo é para malucos e por isso introduziu regras no falar. Por exemplo, em 1632 ninguém na Covilhã pedia um bilhete de comboio para Aveiro, até porque o comboio ainda não tinha sido inventado. Mas se um maluco insistisse em gritar pelo bilhete, seria enxotado da fila (que era provavelmente para comprar pão). Digo isto para concordar com o provedor do Leitor do DN, Oscar Mascarenhas, que ontem disse que permitir, nas caixas de comentários dos jornais, o que se escreve e desenha nas paredes das sentinas públicas nada tem a ver com liberdade. As caixas de comentários pertencem ao enorme passo da humanidade que nos trouxe a Internet. Esta pôs todos a falar, e todos a ouvir todos. Exatos ou treslendo, os comentários dos leitores já não permitem o por ou contra, são uma inevitabilidade. E boa: facilitam a opinião a quem não tinha acesso a ela, responsabilizam e emendam os jornalistas, fornecendo- -lhes, afinal, aquilo por que eles sempre suspiraram, o feedback (a apreciação dos leitores). Dito isto, quando há uma mãe negra a dar um beijo no seu bebé e a notícia é que o bebé acabou de morrer, e na caixa de comentário há um leitor que escreve: "Ainda bem, vamos pagar menos subsídios", eu tenho três certezas. Uma, é que aquilo não é uma caixa de comentários, é um esgoto; e, duas, aquilo não é um leitor, é um canalha. E a terceira é que ambos "aquilos" têm de ser extirpados.
In DN
Louvor às caixas de comentários
por FERREIRA FERNANDES
Ontem
O género humano aprendeu há muito que o falar tudo é para malucos e por isso introduziu regras no falar. Por exemplo, em 1632 ninguém na Covilhã pedia um bilhete de comboio para Aveiro, até porque o comboio ainda não tinha sido inventado. Mas se um maluco insistisse em gritar pelo bilhete, seria enxotado da fila (que era provavelmente para comprar pão). Digo isto para concordar com o provedor do Leitor do DN, Oscar Mascarenhas, que ontem disse que permitir, nas caixas de comentários dos jornais, o que se escreve e desenha nas paredes das sentinas públicas nada tem a ver com liberdade. As caixas de comentários pertencem ao enorme passo da humanidade que nos trouxe a Internet. Esta pôs todos a falar, e todos a ouvir todos. Exatos ou treslendo, os comentários dos leitores já não permitem o por ou contra, são uma inevitabilidade. E boa: facilitam a opinião a quem não tinha acesso a ela, responsabilizam e emendam os jornalistas, fornecendo- -lhes, afinal, aquilo por que eles sempre suspiraram, o feedback (a apreciação dos leitores). Dito isto, quando há uma mãe negra a dar um beijo no seu bebé e a notícia é que o bebé acabou de morrer, e na caixa de comentário há um leitor que escreve: "Ainda bem, vamos pagar menos subsídios", eu tenho três certezas. Uma, é que aquilo não é uma caixa de comentários, é um esgoto; e, duas, aquilo não é um leitor, é um canalha. E a terceira é que ambos "aquilos" têm de ser extirpados.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Porque Cavaco ainda poderá rir-se de Passos
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Porque Cavaco ainda poderá rir-se de Passos
por PEDRO TADEU
Hoje
Enquanto o fel dos portugueses, amargurados pela degradação acelerada das suas condições de vida, se vertia sobre o facto de Cavaco Silva dizer que os oito ou dez mil euros que recebe não dão para pagar as suas despesas - originando legítimos protestos indignados -, Passos Coelho viu liquidada a influência política da Presidência.
Cavaco tentava, desde que fora reeleito, aparecer junto dos portugueses como o líder da instituição que, aceitando o essencial das reformas económicas em curso, ditadas pela União Europeia, impunha limites aos excessos, com ponderação na linguagem e pedagogia professoral, feita através de uma intervenção pública saltitante a apontar pequenos erros e deficiências no processo, ou a deixar cair críticas soltas que chegaram a ter como alvo os dirigentes europeus.
Noutro plano, Cavaco Silva intervinha na negociação de bastidores com ministros, partidos, sindicatos, confederações. A conta-gotas chegava, a alguns jornais e jornalistas, informação sobre os resultados conseguidos nessas iniciativas - a que o próprio primeiro-ministro se referiu, para agradecer a ajudinha, quando conseguiu anunciar que a UGT aceitara assinar o acordo da Concertação Social com os patrões.
Do ponto de vista de imagem pública, o que transparecia era que o ocupante do Palácio de Belém conseguia moderar os ímpetos mais extremistas da política neoliberal do Executivo e da troika, impedindo com a sua intervenção alguns abusos sobre os direitos dos pobres.
Cavaco perdeu, para muito tempo, a credibilidade para voltar a falar em nome dos mais desfavorecidos - como fez com frequência nos últimos tempos -, desautorizado pelas suas contradições. Ouvi-lo agora, como ouvimos tantas vezes, exigir justa repartição de sacrifícios entre todos os portugueses soaria a anedota. Isto deixou satisfeito o Governo ou, pelo menos, alguns ministros deste Governo, que viram assim afastado mais um empecilho para o avanço de algumas das suas ideias mais radicais.
As notícias dos últimos dias oficializaram a guerra palaciana, ridícula nestes tempos brutais, entre cavaquistas e passistas. Os primeiros perdem nesta guerra que nada diz ao País. Mas Passos Coelho devia estar preocupado com o óbvio: o fim da credibilidade de Cavaco Silva junto das classes mais desfavorecidas tirou ao Governo, dentro da sua área partidária, o único fator de moderação do sentimento de revolta popular contra a política económica, o único contraponto catártico que as pessoas tinham para se agarrar à lógica de aceitação conformada da austeridade.
Se for maldoso, Cavaco Silva cala-se agora, manda calar os seus, e espera para se rir de Passos Coelho.
In DN
Porque Cavaco ainda poderá rir-se de Passos
por PEDRO TADEU
Hoje
Enquanto o fel dos portugueses, amargurados pela degradação acelerada das suas condições de vida, se vertia sobre o facto de Cavaco Silva dizer que os oito ou dez mil euros que recebe não dão para pagar as suas despesas - originando legítimos protestos indignados -, Passos Coelho viu liquidada a influência política da Presidência.
Cavaco tentava, desde que fora reeleito, aparecer junto dos portugueses como o líder da instituição que, aceitando o essencial das reformas económicas em curso, ditadas pela União Europeia, impunha limites aos excessos, com ponderação na linguagem e pedagogia professoral, feita através de uma intervenção pública saltitante a apontar pequenos erros e deficiências no processo, ou a deixar cair críticas soltas que chegaram a ter como alvo os dirigentes europeus.
Noutro plano, Cavaco Silva intervinha na negociação de bastidores com ministros, partidos, sindicatos, confederações. A conta-gotas chegava, a alguns jornais e jornalistas, informação sobre os resultados conseguidos nessas iniciativas - a que o próprio primeiro-ministro se referiu, para agradecer a ajudinha, quando conseguiu anunciar que a UGT aceitara assinar o acordo da Concertação Social com os patrões.
Do ponto de vista de imagem pública, o que transparecia era que o ocupante do Palácio de Belém conseguia moderar os ímpetos mais extremistas da política neoliberal do Executivo e da troika, impedindo com a sua intervenção alguns abusos sobre os direitos dos pobres.
Cavaco perdeu, para muito tempo, a credibilidade para voltar a falar em nome dos mais desfavorecidos - como fez com frequência nos últimos tempos -, desautorizado pelas suas contradições. Ouvi-lo agora, como ouvimos tantas vezes, exigir justa repartição de sacrifícios entre todos os portugueses soaria a anedota. Isto deixou satisfeito o Governo ou, pelo menos, alguns ministros deste Governo, que viram assim afastado mais um empecilho para o avanço de algumas das suas ideias mais radicais.
As notícias dos últimos dias oficializaram a guerra palaciana, ridícula nestes tempos brutais, entre cavaquistas e passistas. Os primeiros perdem nesta guerra que nada diz ao País. Mas Passos Coelho devia estar preocupado com o óbvio: o fim da credibilidade de Cavaco Silva junto das classes mais desfavorecidas tirou ao Governo, dentro da sua área partidária, o único fator de moderação do sentimento de revolta popular contra a política económica, o único contraponto catártico que as pessoas tinham para se agarrar à lógica de aceitação conformada da austeridade.
Se for maldoso, Cavaco Silva cala-se agora, manda calar os seus, e espera para se rir de Passos Coelho.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Espanha, aqui ao lado
.
Espanha, aqui ao lado
por MÁRIO SOARES
Hoje
1 -É conhecido que sou, e sempre fui, um amigo de Espanha, sem deixar de ser, naturalmente, um patriota português. Amigo e admirador de Espanha, porquê? Porque sou apaixonado pelo génio dos povos de Espanha, pelas suas paisagens e monumentos, pelas suas diferenças tão pronunciadas e criatividade. Devo muito à cultura de Espanha: à sua literatura, artes, ciência, pensamento e até música. Segui de perto, apesar de muito jovem, a guerra civil de Espanha, que politicamente me marcou. Depois, li e reli um livro do embaixador americano, Claude G. Bow-ers, enviado pelo Presidente Roosevelt, que viveu em Espanha de 1933 a 1939 e conheceu de perto todas as grandes figuras desse tempo apaixonante e terrível. Ensinou--me muita coisa e confirmou as minhas convicções. Pessoalmente, viajei muito por Espanha e, depois da morte de Franco, convivi com as grandes figuras políticas e intelectuais que participaram na transição democrática - a começar pelo Rei D. Juan Carlos - e depois, no mesmo dia em que os dois Es-tados ibéricos aderiram à então CEE, hoje União Europeia, as minhas relações com Espanha multiplicaram-se.
As populações espanholas e a portuguesa são profundamente europeístas, porque sabem bem o que devem à integração europeia. Mas, hoje, estão a ser vítimas de uma crise importada de fora e agora imposta pelos mercados especulativos, que estamos a viver.
Os dois Estados deixaram, em poucos meses, de ser governados por socialistas e passaram a ser por partidos conservadores, de ideologia neoliberal (não democratas- -cristãos). Mariano Rajoy veio recentemente a Lisboa encontrar-se com o primeiro-ministro, Passos Coelho, e declarou - o que foi simpático - que ia seguir o seu exemplo em matéria de medidas de austeridade, para reduzir a dívida.
Contudo, dias depois, no último fim de semana, as medidas de austeridade, ditas reformistas, têm vindo a tornar-se contrarreformas. As instituições europeias começaram a ser, finalmente, críticas. O Parlamento Europeu e o Banco central Europeu são exemplos dessa mudança. E por razões nacionais e eleitoralistas talvez, a dupla Merkozy esteja a dar sinais de mudar. Veremos quais são os remédios - se os houver - para salvar o euro que a Cimeira de Bruxelas tenha para apresentar. O jogo dos mercados especulativos atinge agora dois grandes países: a Espanha e a Itália. E com eles tudo fia mais fino.
Sucede que com a recessão que existe em Espanha o desemprego tem vindo a aumentar, sem freio nos dentes. Escreveu o El País de sábado passado: a recessão a crescer vai agravar o desemprego, que está a aumentar como nunca se viu. São já cinco milhões, 273 mil e 600 desempregados em todas as autonomias de Espanha, ou seja: 22,8% da população. Com a recessão a crescer, em virtude das medidas de austeridade, para que servem tais medidas, se iremos de mal a pior? Foi o que o FMI, pela voz da sua presidente, a francesa Christine Lagarde, ex-ministra das Finanças de França, já perguntou, sem papas na língua...
Rajoy quer reduzir o deficit a zero, a partir de 2020 - ou seja, a oito anos de vista -, e ameaça as autonomias não cumpridoras. É grave fazê-lo. Como estaremos nessa altura, se continuarmos com as políticas até hoje seguidas? Com os desempregados com pensões de miséria e sem casa nem serviços de saúde onde se possam acolher? A saúde, têm-nos dito nos últimos anos, é cara demais para poder tratar os pobres. Que morram!, dizem os ultraconsevadores. É a regra da seleção natural aplicada aos humanos. Os ricos sobrevivem e os pobres que morram... Não há humanismo nem valores. As pessoas não contam. Ora, não foi para isso que se criaram as democracias e as conquistas sociais que nos trouxeram.
2 - Vão desaparecer os Partidos de Esquerda? A crise europeia está a produzir o pessimismo. Alguns falam da "morte da Esquerda". E outros vão mais longe e dizem que "a Esquerda já morreu, porque morreu a sua linguagem". Vide o Público de sábado passado. A passagem da política para os mercados foi o que levou à destruição da Esquerda, com a "terceira via" de Tony Blair. Quando os partidos de Esquerda se põem a defender políticas da Direita é natural que o eleitorado comece a votar nos partidos da Direita. Foi o que aconteceu...
Mas a situação de crise está a obrigar, para se vencer, a inverter a tendência da Direita para a Esquerda. O Fórum de Davos tem vindo a dar sinais de que o capitalismo de casino está a ficar esgotado. Porque agrava a crise financeira que começa a ser política e, sobretudo, social. Estamos a voltar à luta de classes arrastando as classes médias, que tiveram um grande papel, enquanto as democracias não eram liberais (como os politicólogos americanos lhes chamam) mas sociais.
Não foi por acaso que o Presidente Nicolas Sarkozy há dois anos falava em "refundação do capitalismo", embora politicamente nada fizesse nesse sentido. Hoje, é o seu principal rival, François Hollande, a três meses de ser eleito presidente da República (leiam--se os jornais e as revistas franceses), que declarou aos franceses: "O meu inimigo não é Sarkozy, mas as Finanças." Percebeu que, com as classes médias à beira do desastre, é preciso não deixar morrer as conquistas sociais, que deram à Europa, pelo menos, quatro décadas de paz, de progresso social e de bem-estar...
É por isso que Hollande entende dever reforçar o papel do Estado, ao contrário daqueles que o querem destruir. Quer: reformular a fiscalidade, fazendo pagar os mais ricos; voltar a lutar pelo "pleno emprego"; auxiliar os jovens, através de um contrato geracional que relance o emprego; criar um grande banco de investimento público, para auxiliar as pequenas e médias empresas; relocalizar, em França, as grandes empresas; revalorizar, quanto ao ensino, as escolas profissionais e tecnológicas; reformular a autonomia das universidades; e, entre outras medidas, insistir nas políticas ambientais, nos últimos meses esquecidas.
Mas não são só os socialistas franceses que estão a sentir que é necessário refundar a Esquerda e dar-lhe um novo alento para que os europeus possam salvar o euro e dar às populações europeias um futuro melhor. Os social-democratas alemães pensam da mesma forma e têm-no dito, bem como em todos os Estados onde existem partidos socialistas responsáveis. Ora, para salvar o euro e desenvolver a União Europeia, num sentido federal, é necessário mudar de paradigma político e social.
3 - Há medo na Europa Quanto ao futuro do nosso continente? Não haja dúvida! Por falta de uma estratégia concertada para salvar o euro e a própria União. Haverá uma guerra das moedas, entre o dólar, a libra esterlina, o euro e yuan? Não creio, sinceramente, embora às vezes pareça que sim. O discurso de Obama, tão lúcido e finalmente intransigente para os ultraconservadores do partido Republicano, aponta em sentido contrário.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central Europeu (BCE) querem crescimento na União e luta contra o desemprego para salvar o euro. É óbvio. Mas as sucessivas troikas parecem desejar substituir-se aos governos legítimos. Uma vergonha inaceitável, de consequências extremamente negativas! Quando este artigo sair talvez já possamos saber se a Cimeira marcada conseguiu decidir mudar alguma coisa. Ou ficar, como de costume, tudo na mesma.
4 - Uma data a não esquecer. Sempre me pareceu um tanto ridículo a contra-dança dos feriados, civis e religiosos, ou seja: da religião maioritária. O 31 de Janeiro de 1891, que hoje passa, foi sempre festejado, quase como o 5 de Outubro, pelos republicanos, sobretudo no Porto, onde ocorreu a primeira revolta contra a monarquia, altamente desprestigiada pelo ultimatum inglês, uma humilhação feita a Portugal pela sua velha aliada! Foi, como se sabe, uma revolta frustrada, visto que foi vencida pelas tropas leais a D. Carlos. Mas nem por isso deixou de ficar na memória dos republicanos, vencedores do 5 de Outubro de 1910.
Não foi por acaso que as recentes comemorações do centenário da República - que marcaram a consciência republicana da maioria dos portugueses - começaram nesse dia 31 de Janeiro de 2010, no Porto. Aliás, mesmo durante a ditadura, provadamente antirrepublicana, a data sempre foi festejada, embora mais ou menos clandestinamente. Refiro-o em breves linhas para marcar este dia, que não é feriado, mas está no coração dos republicanos.
5 - "A democracia não pode ser destruída por falta de Justiça." Estas palavras foram-me dirigidas por Carlos Cruz, no fim de uma dedicatória que me ofereceu com o seu último livro, Inocente para além de qualquer Dúvida. Tem razão. É um livro impressionante da forma como, em Portugal, no século XXI, se pode tentar destruir, durante tantos anos, uma pessoa que se diz, com provas, inocente. Não obstante a presunção de inocência ser uma regra elementar. Enquanto não houver uma condenação, transitada em julgado, mantém-se a inocência.
Em 2004, Carlos Cruz tinha-me oferecido o seu primeiro livro Carlos Cruz, preso 374. Mas confesso que na altura não tive ocasião de o ler, embora lhe passasse os olhos e ficasse convencido da sua inocência. Passaram nove anos e a Justiça ainda não teve tempo de se pronunciar. É uma vergonha para Portugal!
No prefácio do atual livro, o grande jornalista e meu caro amigo Miguel Esteves Cardoso escreve de forma muito clara: "Leia este livro. Por favor. Esqueça quem é o autor e ponha-se no lugar dele. Apanhará um grande susto. Porque poderia muito bem ser Você." Dá que pensar!
Caros leitores, repito. Leia este livro. Vale a pena, porque revela como o carácter de um homem admirado por milhares de telespectadores tem vindo a resistir e a demonstrar a sua inocência.
In DN
Espanha, aqui ao lado
por MÁRIO SOARES
Hoje
1 -É conhecido que sou, e sempre fui, um amigo de Espanha, sem deixar de ser, naturalmente, um patriota português. Amigo e admirador de Espanha, porquê? Porque sou apaixonado pelo génio dos povos de Espanha, pelas suas paisagens e monumentos, pelas suas diferenças tão pronunciadas e criatividade. Devo muito à cultura de Espanha: à sua literatura, artes, ciência, pensamento e até música. Segui de perto, apesar de muito jovem, a guerra civil de Espanha, que politicamente me marcou. Depois, li e reli um livro do embaixador americano, Claude G. Bow-ers, enviado pelo Presidente Roosevelt, que viveu em Espanha de 1933 a 1939 e conheceu de perto todas as grandes figuras desse tempo apaixonante e terrível. Ensinou--me muita coisa e confirmou as minhas convicções. Pessoalmente, viajei muito por Espanha e, depois da morte de Franco, convivi com as grandes figuras políticas e intelectuais que participaram na transição democrática - a começar pelo Rei D. Juan Carlos - e depois, no mesmo dia em que os dois Es-tados ibéricos aderiram à então CEE, hoje União Europeia, as minhas relações com Espanha multiplicaram-se.
As populações espanholas e a portuguesa são profundamente europeístas, porque sabem bem o que devem à integração europeia. Mas, hoje, estão a ser vítimas de uma crise importada de fora e agora imposta pelos mercados especulativos, que estamos a viver.
Os dois Estados deixaram, em poucos meses, de ser governados por socialistas e passaram a ser por partidos conservadores, de ideologia neoliberal (não democratas- -cristãos). Mariano Rajoy veio recentemente a Lisboa encontrar-se com o primeiro-ministro, Passos Coelho, e declarou - o que foi simpático - que ia seguir o seu exemplo em matéria de medidas de austeridade, para reduzir a dívida.
Contudo, dias depois, no último fim de semana, as medidas de austeridade, ditas reformistas, têm vindo a tornar-se contrarreformas. As instituições europeias começaram a ser, finalmente, críticas. O Parlamento Europeu e o Banco central Europeu são exemplos dessa mudança. E por razões nacionais e eleitoralistas talvez, a dupla Merkozy esteja a dar sinais de mudar. Veremos quais são os remédios - se os houver - para salvar o euro que a Cimeira de Bruxelas tenha para apresentar. O jogo dos mercados especulativos atinge agora dois grandes países: a Espanha e a Itália. E com eles tudo fia mais fino.
Sucede que com a recessão que existe em Espanha o desemprego tem vindo a aumentar, sem freio nos dentes. Escreveu o El País de sábado passado: a recessão a crescer vai agravar o desemprego, que está a aumentar como nunca se viu. São já cinco milhões, 273 mil e 600 desempregados em todas as autonomias de Espanha, ou seja: 22,8% da população. Com a recessão a crescer, em virtude das medidas de austeridade, para que servem tais medidas, se iremos de mal a pior? Foi o que o FMI, pela voz da sua presidente, a francesa Christine Lagarde, ex-ministra das Finanças de França, já perguntou, sem papas na língua...
Rajoy quer reduzir o deficit a zero, a partir de 2020 - ou seja, a oito anos de vista -, e ameaça as autonomias não cumpridoras. É grave fazê-lo. Como estaremos nessa altura, se continuarmos com as políticas até hoje seguidas? Com os desempregados com pensões de miséria e sem casa nem serviços de saúde onde se possam acolher? A saúde, têm-nos dito nos últimos anos, é cara demais para poder tratar os pobres. Que morram!, dizem os ultraconsevadores. É a regra da seleção natural aplicada aos humanos. Os ricos sobrevivem e os pobres que morram... Não há humanismo nem valores. As pessoas não contam. Ora, não foi para isso que se criaram as democracias e as conquistas sociais que nos trouxeram.
2 - Vão desaparecer os Partidos de Esquerda? A crise europeia está a produzir o pessimismo. Alguns falam da "morte da Esquerda". E outros vão mais longe e dizem que "a Esquerda já morreu, porque morreu a sua linguagem". Vide o Público de sábado passado. A passagem da política para os mercados foi o que levou à destruição da Esquerda, com a "terceira via" de Tony Blair. Quando os partidos de Esquerda se põem a defender políticas da Direita é natural que o eleitorado comece a votar nos partidos da Direita. Foi o que aconteceu...
Mas a situação de crise está a obrigar, para se vencer, a inverter a tendência da Direita para a Esquerda. O Fórum de Davos tem vindo a dar sinais de que o capitalismo de casino está a ficar esgotado. Porque agrava a crise financeira que começa a ser política e, sobretudo, social. Estamos a voltar à luta de classes arrastando as classes médias, que tiveram um grande papel, enquanto as democracias não eram liberais (como os politicólogos americanos lhes chamam) mas sociais.
Não foi por acaso que o Presidente Nicolas Sarkozy há dois anos falava em "refundação do capitalismo", embora politicamente nada fizesse nesse sentido. Hoje, é o seu principal rival, François Hollande, a três meses de ser eleito presidente da República (leiam--se os jornais e as revistas franceses), que declarou aos franceses: "O meu inimigo não é Sarkozy, mas as Finanças." Percebeu que, com as classes médias à beira do desastre, é preciso não deixar morrer as conquistas sociais, que deram à Europa, pelo menos, quatro décadas de paz, de progresso social e de bem-estar...
É por isso que Hollande entende dever reforçar o papel do Estado, ao contrário daqueles que o querem destruir. Quer: reformular a fiscalidade, fazendo pagar os mais ricos; voltar a lutar pelo "pleno emprego"; auxiliar os jovens, através de um contrato geracional que relance o emprego; criar um grande banco de investimento público, para auxiliar as pequenas e médias empresas; relocalizar, em França, as grandes empresas; revalorizar, quanto ao ensino, as escolas profissionais e tecnológicas; reformular a autonomia das universidades; e, entre outras medidas, insistir nas políticas ambientais, nos últimos meses esquecidas.
Mas não são só os socialistas franceses que estão a sentir que é necessário refundar a Esquerda e dar-lhe um novo alento para que os europeus possam salvar o euro e dar às populações europeias um futuro melhor. Os social-democratas alemães pensam da mesma forma e têm-no dito, bem como em todos os Estados onde existem partidos socialistas responsáveis. Ora, para salvar o euro e desenvolver a União Europeia, num sentido federal, é necessário mudar de paradigma político e social.
3 - Há medo na Europa Quanto ao futuro do nosso continente? Não haja dúvida! Por falta de uma estratégia concertada para salvar o euro e a própria União. Haverá uma guerra das moedas, entre o dólar, a libra esterlina, o euro e yuan? Não creio, sinceramente, embora às vezes pareça que sim. O discurso de Obama, tão lúcido e finalmente intransigente para os ultraconservadores do partido Republicano, aponta em sentido contrário.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Central Europeu (BCE) querem crescimento na União e luta contra o desemprego para salvar o euro. É óbvio. Mas as sucessivas troikas parecem desejar substituir-se aos governos legítimos. Uma vergonha inaceitável, de consequências extremamente negativas! Quando este artigo sair talvez já possamos saber se a Cimeira marcada conseguiu decidir mudar alguma coisa. Ou ficar, como de costume, tudo na mesma.
4 - Uma data a não esquecer. Sempre me pareceu um tanto ridículo a contra-dança dos feriados, civis e religiosos, ou seja: da religião maioritária. O 31 de Janeiro de 1891, que hoje passa, foi sempre festejado, quase como o 5 de Outubro, pelos republicanos, sobretudo no Porto, onde ocorreu a primeira revolta contra a monarquia, altamente desprestigiada pelo ultimatum inglês, uma humilhação feita a Portugal pela sua velha aliada! Foi, como se sabe, uma revolta frustrada, visto que foi vencida pelas tropas leais a D. Carlos. Mas nem por isso deixou de ficar na memória dos republicanos, vencedores do 5 de Outubro de 1910.
Não foi por acaso que as recentes comemorações do centenário da República - que marcaram a consciência republicana da maioria dos portugueses - começaram nesse dia 31 de Janeiro de 2010, no Porto. Aliás, mesmo durante a ditadura, provadamente antirrepublicana, a data sempre foi festejada, embora mais ou menos clandestinamente. Refiro-o em breves linhas para marcar este dia, que não é feriado, mas está no coração dos republicanos.
5 - "A democracia não pode ser destruída por falta de Justiça." Estas palavras foram-me dirigidas por Carlos Cruz, no fim de uma dedicatória que me ofereceu com o seu último livro, Inocente para além de qualquer Dúvida. Tem razão. É um livro impressionante da forma como, em Portugal, no século XXI, se pode tentar destruir, durante tantos anos, uma pessoa que se diz, com provas, inocente. Não obstante a presunção de inocência ser uma regra elementar. Enquanto não houver uma condenação, transitada em julgado, mantém-se a inocência.
Em 2004, Carlos Cruz tinha-me oferecido o seu primeiro livro Carlos Cruz, preso 374. Mas confesso que na altura não tive ocasião de o ler, embora lhe passasse os olhos e ficasse convencido da sua inocência. Passaram nove anos e a Justiça ainda não teve tempo de se pronunciar. É uma vergonha para Portugal!
No prefácio do atual livro, o grande jornalista e meu caro amigo Miguel Esteves Cardoso escreve de forma muito clara: "Leia este livro. Por favor. Esqueça quem é o autor e ponha-se no lugar dele. Apanhará um grande susto. Porque poderia muito bem ser Você." Dá que pensar!
Caros leitores, repito. Leia este livro. Vale a pena, porque revela como o carácter de um homem admirado por milhares de telespectadores tem vindo a resistir e a demonstrar a sua inocência.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
A Tonga dos alemães
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A Tonga dos alemães
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
É dos livros (de História): a gente dá o Dia da Restauração da Independência e os alemães agarram logo num comissário para regular as nossas contas. Vice-rei das dívidas de Portugal e dos Algarves, chamar-se-á a um qualquer Maximilian von Thurn und Taxis que venha controlar os excessos das nossas bandeiradas. Quer dizer, por enquanto Angela Merkel quer isso só para os gregos, mas os protetorados são como as cerejas, e nós vamos a seguir. O indirect rule, como se chama quando um Estado cavalga outro Estado, começa sempre na Grécia: no séc. XIX, a Inglaterra ocupou a ilha de Corfu e outras ilhas Jónicas, e fazendo de conta que elas eram independentes tratou-as com direito de pernada. Tempos depois já estavam a "protetorar" a ilha de Tonga, no meio do Pacífico. Portugal seria, não já, mas a seguir à Grécia, a Tonga dos alemães. Os reis de Tonga tinham um penacho no capacete e o nosso Presidente, já com as dificuldades financeiras que se lhe conhecem, tinha de arcar com mais essa despesa. É sempre a mesma coisa, a política: põem-nos um comissário para controlar os gastos e a primeira coisa que fazem é aumentar as nossas contas. Penachos! Não vi da parte dos políticos portugueses grande emoção sobre esta hipótese de ingerência estrangeira, mas não sou cego. Em Belém já existem capacetes com penachos, à porta e à cabeça de garbosos militares da GNR. Os alemães não têm nada para nos ensinar.
In DN
A Tonga dos alemães
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
É dos livros (de História): a gente dá o Dia da Restauração da Independência e os alemães agarram logo num comissário para regular as nossas contas. Vice-rei das dívidas de Portugal e dos Algarves, chamar-se-á a um qualquer Maximilian von Thurn und Taxis que venha controlar os excessos das nossas bandeiradas. Quer dizer, por enquanto Angela Merkel quer isso só para os gregos, mas os protetorados são como as cerejas, e nós vamos a seguir. O indirect rule, como se chama quando um Estado cavalga outro Estado, começa sempre na Grécia: no séc. XIX, a Inglaterra ocupou a ilha de Corfu e outras ilhas Jónicas, e fazendo de conta que elas eram independentes tratou-as com direito de pernada. Tempos depois já estavam a "protetorar" a ilha de Tonga, no meio do Pacífico. Portugal seria, não já, mas a seguir à Grécia, a Tonga dos alemães. Os reis de Tonga tinham um penacho no capacete e o nosso Presidente, já com as dificuldades financeiras que se lhe conhecem, tinha de arcar com mais essa despesa. É sempre a mesma coisa, a política: põem-nos um comissário para controlar os gastos e a primeira coisa que fazem é aumentar as nossas contas. Penachos! Não vi da parte dos políticos portugueses grande emoção sobre esta hipótese de ingerência estrangeira, mas não sou cego. Em Belém já existem capacetes com penachos, à porta e à cabeça de garbosos militares da GNR. Os alemães não têm nada para nos ensinar.
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Que viva a República!
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Que viva a República!
por BAPTISTA-BASTOS
Hoje
O Governo quer suprimir feriados, a fim de estimular a "competitividade" e endireitar as finanças públicas. É um projecto ideológico, e uma continuidade de ideias e de processos de poder, demonstradamente autoritários. A Igreja está de acordo com ceder dois deles à hipótese governamental. Quanto aos feriados civis, prevê-se a abolição dos que comemoram o 1.º de Dezembro e o 5 de Outubro. Não é tão absurda como parece, esta circunstância. E o jogo de compromissos salta à vista, o que torna o assunto repugnante. As "cedências" da Igreja recaem em dois feriados "menores", se assim me posso exprimir (Corpo de Deus e Dia da Assunção de Nossa Senhora); mas os civis possuem uma forte conexão com argumentações históricas, aliás assinaladas num documento tornado público por professores catedráticos e investigadores.
A arteirice de que estas quatro eliminações ajudam à produção nacional não passa de isso mesmo: um ardil, que deveria envergonhar quem o propõe. O pobre Álvaro Santos Pereira, ele, sim, que dá a cara e é uma das causas das nossas insatisfações, fala na virtualidade estrutural da anulação dos feriados como quem resolve os nossos problemas de "competitividade." O homem, averiguadamente, não sabe o que diz. E ignora os documentos europeus sobre o trabalho, que nos colocam entre aqueles com maior quantidade de horas nos ofícios e nos mesteres.
Quando o extraordinário ministro afirma, por exemplo, que o 5 de Outubro será assinalado no domingo seguinte, como resolverá o ritual dos actos no Parlamento e no município? O hastear da bandeira, na câmara, pelo Presidente da República, vai ser adiado? O dislate causa compaixão. E as coisas complicam-se ainda mais quando António Costa declara que não alterará nenhuma das cerimónias habituais. Qual o papel do dr. Cavaco neste imbróglio? E como se sairá o Executivo desta declarada confrontação?
O dr. Passos Coelho comprou uma briga desnecessária. Indispôs republicanos, monárquicos com uma espécie de assunção autoritária, que adiciona, ao mal-estar geral, mais uma parcela de surda indignação. Surda, isso mesmo. Porque, na verdade, Mário Soares limitou-se a desacordar da ideia, assim como António José Seguro, com escassas aparências de repulsa. A esquerda que resta reduz-se a enunciações inoperantes.
E, no entanto, sobretudo o 5 de Outubro, além da efeméride que representa, foi um símbolo da Resistência ao fascismo. Salazar não permitia a sua celebração. Os que, mesmo assim, enfrentando espancamentos e até a cadeia, desciam às ruas para festejar a data nunca a esqueceram, durante o meio século que durou o salazarismo. A tentativa de amnésia histórica encontrou sempre a resposta contrária e corajosa de muitos homens e mulheres. É um dia de libertação e de liberdade que este Governo parece desejar ocultar. Mas a que os melhores de nós, certamente, se oporão.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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Que viva a República!
por BAPTISTA-BASTOS
Hoje
O Governo quer suprimir feriados, a fim de estimular a "competitividade" e endireitar as finanças públicas. É um projecto ideológico, e uma continuidade de ideias e de processos de poder, demonstradamente autoritários. A Igreja está de acordo com ceder dois deles à hipótese governamental. Quanto aos feriados civis, prevê-se a abolição dos que comemoram o 1.º de Dezembro e o 5 de Outubro. Não é tão absurda como parece, esta circunstância. E o jogo de compromissos salta à vista, o que torna o assunto repugnante. As "cedências" da Igreja recaem em dois feriados "menores", se assim me posso exprimir (Corpo de Deus e Dia da Assunção de Nossa Senhora); mas os civis possuem uma forte conexão com argumentações históricas, aliás assinaladas num documento tornado público por professores catedráticos e investigadores.
A arteirice de que estas quatro eliminações ajudam à produção nacional não passa de isso mesmo: um ardil, que deveria envergonhar quem o propõe. O pobre Álvaro Santos Pereira, ele, sim, que dá a cara e é uma das causas das nossas insatisfações, fala na virtualidade estrutural da anulação dos feriados como quem resolve os nossos problemas de "competitividade." O homem, averiguadamente, não sabe o que diz. E ignora os documentos europeus sobre o trabalho, que nos colocam entre aqueles com maior quantidade de horas nos ofícios e nos mesteres.
Quando o extraordinário ministro afirma, por exemplo, que o 5 de Outubro será assinalado no domingo seguinte, como resolverá o ritual dos actos no Parlamento e no município? O hastear da bandeira, na câmara, pelo Presidente da República, vai ser adiado? O dislate causa compaixão. E as coisas complicam-se ainda mais quando António Costa declara que não alterará nenhuma das cerimónias habituais. Qual o papel do dr. Cavaco neste imbróglio? E como se sairá o Executivo desta declarada confrontação?
O dr. Passos Coelho comprou uma briga desnecessária. Indispôs republicanos, monárquicos com uma espécie de assunção autoritária, que adiciona, ao mal-estar geral, mais uma parcela de surda indignação. Surda, isso mesmo. Porque, na verdade, Mário Soares limitou-se a desacordar da ideia, assim como António José Seguro, com escassas aparências de repulsa. A esquerda que resta reduz-se a enunciações inoperantes.
E, no entanto, sobretudo o 5 de Outubro, além da efeméride que representa, foi um símbolo da Resistência ao fascismo. Salazar não permitia a sua celebração. Os que, mesmo assim, enfrentando espancamentos e até a cadeia, desciam às ruas para festejar a data nunca a esqueceram, durante o meio século que durou o salazarismo. A tentativa de amnésia histórica encontrou sempre a resposta contrária e corajosa de muitos homens e mulheres. É um dia de libertação e de liberdade que este Governo parece desejar ocultar. Mas a que os melhores de nós, certamente, se oporão.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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