Verdades que doem
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Verdades que doem
Relembrando a primeira mensagem :
.
O Presidente Pilatos
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
1. Segundo a sua própria doutrina, Cavaco Silva dá uns recados em privado aos primeiros-ministros. Se de facto assim for, Passos Coelhos ouviu das boas na última reunião com o Presidente da República. Disse ao primeiro-pinistro que "o corte nos subsídios violava as mais básicas regras de equidade", que "a austeridade orçamental não garante que, no futuro, o País se encontrará numa trajectória de crescimento", que "ajustamentos baseados numa trajectória recessiva são insustentáveis", que "o sucesso, em boa parte, não depende só de nós, depende da conjuntura internacional e da capacidade que a UE demonstrar para resolver a crise financeira da Zona Euro". Também não se deve ter esquecido de dizer que não vê espelhadas no Orçamento quaisquer reformas estruturais e que sem elas todos os sacrifícios serão em vão. Mas, mais que tudo, disse ao primeiro-ministro que o caminho escolhido não é o único possível e mostrou-lhe alternativas que não passam pela destruição completa da nossa economia, pela falência de milhares de empresas, por um ainda maior défice, pela criação da maior taxa de desemprego jamais vista e pela fuga em massa dos melhores elementos da administração pública. Enfim, deve ter dito a Passos Coelho o que disse no discurso na Ordem dos Economistas e numa conversa (!) com jornalistas.
Pode ser até que lhe tenha mostrado o artigo do Pedro Lains no Jornal de Negócios onde o economista, insuspeito de qualquer tipo de carinho pela antiga governação, escreve que a estratégia de Passos Coelho "está profundamente desactualizada e mesmo errada" e que "a dimensão do "ajustamento", como lhe querem chamar, é de tal forma grande, é de tal forma brutal que, como é evidente, ultrapassa qualquer estrago que tenha sido feito pelo Governo anterior".
Ora, o primeiro-ministro ouviu isto tudo e fez orelhas moucas. O Presidente da República, que pode ter muitos defeitos mas não embarca em suicídios colectivos, resolveu não esperar cinco anos, como fez com Sócrates, e bastaram-lhe quatro meses para se demarcar publicamente do Governo.
É bem verdade que a monstruosidade da proposta orçamental não deixava grande espaço de manobra a Cavaco Silva. Ele sabe como qualquer pessoa que não esteja completamente cega por fidelidades partidárias ou que acredita na patranha do "vivemos acima das nossas possibilidades", "gorduras" e afins, que a estrada escolhida nos conduz directamente para o inferno. Mas, mais cedo ou mais tarde, o conflito iria instalar-se entre o primeiro-ministro e o Presidente da República. Pena é que tenha sido esta a razão. A retórica utilizada por Passos Coelho enquanto candidato era diametralmente oposta à de Cavaco (infelizmente, Passos Coelho pré-candidato a primeiro-ministro também não tem rigorosamente nada a ver com o Passos Coelho primeiro-ministro). Nada os unia. Nem convicções ideológicas, nem costumes, nem valores, nada. Enquanto o objectivo era afastar o antigo primeiro-ministro, não existiam problemas europeus, nem crise internacional, nem de-sequilíbrios estruturais: era tudo culpa do antigo Governo.
Apenas a existência de um inimigo comum juntou, por breves instantes, Cavaco e Passos Coelho. O fim de Sócrates seria sempre o fim de uma impossível relação.
Foi a cooperação institucional mais curta da história da nossa democracia.
2. O "eu avisei" vai marcar para sempre o mandato de Cavaco Silva. Seja através das suas mensagens no Facebook, seja em discursos que ninguém ouviu, seja por o ter dito em particular, o Presidente da República previu todas as desgraças e apontou sempre os melhores caminhos. Cavaco pensa que fica bem na fotografia por dizer umas coisas, sem que actue em função das suas palavras. Troca os seus poderes constitucionais por um negligente conforto pessoal mascarado de aviso, convencido de que assim fica a salvo de críticas quando o caos se instalar.
O que o Presidente da República fez esta semana pode ser resumido numa frase: "o caminho proposto pelo Governo vai desembocar numa catástrofe, depois não digam que não avisei". E o que vai fazer além de ter verbalizado a sua oposição? Rigorosamente nada. Pilatos não faria melhor.
3. António José Seguro, quando ouviu as palavras de Cavaco Silva, deve ter sido assolado por sentimentos confusos. O primeiro foi de alegria. Em vez de andar perdido em disparates como o código de ética e o pacote requentado contra a corrupção, copia na íntegra as declarações do Presidente e, pronto, já tem discurso. Por outro lado, também deve ter percebido que continua a não ser o líder da oposição. Até aqui foram algumas vozes do PSD, agora é o próprio Presidente da República.
In DN
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O Presidente Pilatos
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
1. Segundo a sua própria doutrina, Cavaco Silva dá uns recados em privado aos primeiros-ministros. Se de facto assim for, Passos Coelhos ouviu das boas na última reunião com o Presidente da República. Disse ao primeiro-pinistro que "o corte nos subsídios violava as mais básicas regras de equidade", que "a austeridade orçamental não garante que, no futuro, o País se encontrará numa trajectória de crescimento", que "ajustamentos baseados numa trajectória recessiva são insustentáveis", que "o sucesso, em boa parte, não depende só de nós, depende da conjuntura internacional e da capacidade que a UE demonstrar para resolver a crise financeira da Zona Euro". Também não se deve ter esquecido de dizer que não vê espelhadas no Orçamento quaisquer reformas estruturais e que sem elas todos os sacrifícios serão em vão. Mas, mais que tudo, disse ao primeiro-ministro que o caminho escolhido não é o único possível e mostrou-lhe alternativas que não passam pela destruição completa da nossa economia, pela falência de milhares de empresas, por um ainda maior défice, pela criação da maior taxa de desemprego jamais vista e pela fuga em massa dos melhores elementos da administração pública. Enfim, deve ter dito a Passos Coelho o que disse no discurso na Ordem dos Economistas e numa conversa (!) com jornalistas.
Pode ser até que lhe tenha mostrado o artigo do Pedro Lains no Jornal de Negócios onde o economista, insuspeito de qualquer tipo de carinho pela antiga governação, escreve que a estratégia de Passos Coelho "está profundamente desactualizada e mesmo errada" e que "a dimensão do "ajustamento", como lhe querem chamar, é de tal forma grande, é de tal forma brutal que, como é evidente, ultrapassa qualquer estrago que tenha sido feito pelo Governo anterior".
Ora, o primeiro-ministro ouviu isto tudo e fez orelhas moucas. O Presidente da República, que pode ter muitos defeitos mas não embarca em suicídios colectivos, resolveu não esperar cinco anos, como fez com Sócrates, e bastaram-lhe quatro meses para se demarcar publicamente do Governo.
É bem verdade que a monstruosidade da proposta orçamental não deixava grande espaço de manobra a Cavaco Silva. Ele sabe como qualquer pessoa que não esteja completamente cega por fidelidades partidárias ou que acredita na patranha do "vivemos acima das nossas possibilidades", "gorduras" e afins, que a estrada escolhida nos conduz directamente para o inferno. Mas, mais cedo ou mais tarde, o conflito iria instalar-se entre o primeiro-ministro e o Presidente da República. Pena é que tenha sido esta a razão. A retórica utilizada por Passos Coelho enquanto candidato era diametralmente oposta à de Cavaco (infelizmente, Passos Coelho pré-candidato a primeiro-ministro também não tem rigorosamente nada a ver com o Passos Coelho primeiro-ministro). Nada os unia. Nem convicções ideológicas, nem costumes, nem valores, nada. Enquanto o objectivo era afastar o antigo primeiro-ministro, não existiam problemas europeus, nem crise internacional, nem de-sequilíbrios estruturais: era tudo culpa do antigo Governo.
Apenas a existência de um inimigo comum juntou, por breves instantes, Cavaco e Passos Coelho. O fim de Sócrates seria sempre o fim de uma impossível relação.
Foi a cooperação institucional mais curta da história da nossa democracia.
2. O "eu avisei" vai marcar para sempre o mandato de Cavaco Silva. Seja através das suas mensagens no Facebook, seja em discursos que ninguém ouviu, seja por o ter dito em particular, o Presidente da República previu todas as desgraças e apontou sempre os melhores caminhos. Cavaco pensa que fica bem na fotografia por dizer umas coisas, sem que actue em função das suas palavras. Troca os seus poderes constitucionais por um negligente conforto pessoal mascarado de aviso, convencido de que assim fica a salvo de críticas quando o caos se instalar.
O que o Presidente da República fez esta semana pode ser resumido numa frase: "o caminho proposto pelo Governo vai desembocar numa catástrofe, depois não digam que não avisei". E o que vai fazer além de ter verbalizado a sua oposição? Rigorosamente nada. Pilatos não faria melhor.
3. António José Seguro, quando ouviu as palavras de Cavaco Silva, deve ter sido assolado por sentimentos confusos. O primeiro foi de alegria. Em vez de andar perdido em disparates como o código de ética e o pacote requentado contra a corrupção, copia na íntegra as declarações do Presidente e, pronto, já tem discurso. Por outro lado, também deve ter percebido que continua a não ser o líder da oposição. Até aqui foram algumas vozes do PSD, agora é o próprio Presidente da República.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Despedir evidências
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Despedir evidências
por FERNANDA CÂNCIO0
3 Agosto 2012
Na quarta-feira, coincidindo com a entrada em vigor da nova lei laboral, o secretário de Estado do Emprego, Pedro Silva Martins, publicou um artigo no Público em que explica de que modo a desproteção dos trabalhadores através da redução brutal das indemnizações nos despedimentos (sem justa causa, frise-se) vai "melhor defender a segurança no emprego".
Silva Martins começa por justificar a urgência da intervenção (a terceira reforma laboral em oito anos) afirmando que até agora as empresas portuguesas se encontravam "numa situação de desvantagem nos vários indicadores de rigidez laboral". Ilude assim o facto de, desde 2009, a OCDE colocar o País a par da Alemanha em matéria de flexibilidade (e isso apenas cotejando as legislações nacionais: os valores das indemnizações para os alemães são geralmente determinados por acordos sectoriais muito mais favoráveis aos trabalhadores do que o estipulado na lei). Não surpreende pois que prossiga o texto indiferente à evidência de que mexidas consecutivas nas leis laborais no sentido da flexibilização e da redução dos custos do despedimento sem justa causa não lograram aquilo que, garante, esta vai garantir: "Ser amiga da criação de emprego, promovendo a flexibilidade necessária para que os desempregados tenham oportunidades para se integrar na economia."
Nada de novo nisto, dir-se-á: estamos cada vez mais habituados a ver os membros deste Governo ignorar olimpicamente a realidade. Sucede que não é todos os dias que se vê alguém afirmar como governante aquilo que enquanto académico negara. É que Silva Martins, que se doutorou em Economia pela Universidade de Warwick, Reino Unido, publicou em 2009, no Journal of Labour Economics, um artigo intitulado "Despedimentos com causa: a diferença que apenas oito parágrafos podem fazer", no qual analisa o impacte da reforma que em 1989 reduziu os custos dos despedimentos sobretudo nas firmas de menos de vinte trabalhadores. "Dos 12 parágrafos da lei que estabelecem os caros procedimentos que as firmas têm de seguir para despedir um trabalhador invocando causa, oito não se aplicam às firmas pequenas", dizia o ora membro do Governo, que considerou a distinção uma espécie de "experiência quasi-natural".
Verificou, assim, uma descida significativa dos salários nas empresas mais pequenas, que atribui à perda de poder negocial dos trabalhadores, e um incentivo na eficiência que no entanto concede poder dever-se a melhorias na gestão. Mas no que respeita à criação de emprego e à fluidez de trabalhadores, foi forçado a concluir o contrário do que esperava - ou, como escreve, "do que a teoria predizia": "Não foi encontrada evidência robusta de que a maior facilidade em despedir tivesse efeitos significativos na criação de emprego ou no fluxo de trabalhadores."
A diferença que três anos podem fazer: o Pedro secretário de Estado despediu o Pedro académico. Ou isso ou é viciado em experiências.
In DN
Despedir evidências
por FERNANDA CÂNCIO0
3 Agosto 2012
Na quarta-feira, coincidindo com a entrada em vigor da nova lei laboral, o secretário de Estado do Emprego, Pedro Silva Martins, publicou um artigo no Público em que explica de que modo a desproteção dos trabalhadores através da redução brutal das indemnizações nos despedimentos (sem justa causa, frise-se) vai "melhor defender a segurança no emprego".
Silva Martins começa por justificar a urgência da intervenção (a terceira reforma laboral em oito anos) afirmando que até agora as empresas portuguesas se encontravam "numa situação de desvantagem nos vários indicadores de rigidez laboral". Ilude assim o facto de, desde 2009, a OCDE colocar o País a par da Alemanha em matéria de flexibilidade (e isso apenas cotejando as legislações nacionais: os valores das indemnizações para os alemães são geralmente determinados por acordos sectoriais muito mais favoráveis aos trabalhadores do que o estipulado na lei). Não surpreende pois que prossiga o texto indiferente à evidência de que mexidas consecutivas nas leis laborais no sentido da flexibilização e da redução dos custos do despedimento sem justa causa não lograram aquilo que, garante, esta vai garantir: "Ser amiga da criação de emprego, promovendo a flexibilidade necessária para que os desempregados tenham oportunidades para se integrar na economia."
Nada de novo nisto, dir-se-á: estamos cada vez mais habituados a ver os membros deste Governo ignorar olimpicamente a realidade. Sucede que não é todos os dias que se vê alguém afirmar como governante aquilo que enquanto académico negara. É que Silva Martins, que se doutorou em Economia pela Universidade de Warwick, Reino Unido, publicou em 2009, no Journal of Labour Economics, um artigo intitulado "Despedimentos com causa: a diferença que apenas oito parágrafos podem fazer", no qual analisa o impacte da reforma que em 1989 reduziu os custos dos despedimentos sobretudo nas firmas de menos de vinte trabalhadores. "Dos 12 parágrafos da lei que estabelecem os caros procedimentos que as firmas têm de seguir para despedir um trabalhador invocando causa, oito não se aplicam às firmas pequenas", dizia o ora membro do Governo, que considerou a distinção uma espécie de "experiência quasi-natural".
Verificou, assim, uma descida significativa dos salários nas empresas mais pequenas, que atribui à perda de poder negocial dos trabalhadores, e um incentivo na eficiência que no entanto concede poder dever-se a melhorias na gestão. Mas no que respeita à criação de emprego e à fluidez de trabalhadores, foi forçado a concluir o contrário do que esperava - ou, como escreve, "do que a teoria predizia": "Não foi encontrada evidência robusta de que a maior facilidade em despedir tivesse efeitos significativos na criação de emprego ou no fluxo de trabalhadores."
A diferença que três anos podem fazer: o Pedro secretário de Estado despediu o Pedro académico. Ou isso ou é viciado em experiências.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Exemplos deste país
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Exemplos deste país
por FILOMENA MARTINS
Hoje
O Alqueva de Roquette Os bancos retraíram-se com a crise e não estão a canalizar dinheiro para a economia como deviam. Os empresários habituaram-se a ter dinheiro fácil emprestado pela banca e deixaram de arriscar.
É esta dupla realidade que explica o fim de vários projetos de investimento, entre eles os de José Roquette para o Alqueva. Muitas das grandes fortunas de Portugal fizeram-se de riscos e de apostas no escuro: ganhou o País e enriqueceu quem teve maior visão. Mas nos últimos anos não tem sido assim. O tal dinheiro barato que permitiu (por um lado felizmente) que a maioria dos portugueses pudesse comprar casa, carro e ter férias, mas que levou a enormes exageros (de quem emprestava e de quem pedia empréstimos) que estão agora a ter os custos que sabemos, também inundou a economia. Houve quem soubesse tirar partido disso para si e para o bem comum. Mas houve também um enorme descontrolo. Criou-se o hábito de que haveria sempre a bênção do Estado, uns fundos comunitários e o empréstimozito bancário que em muitos casos - alguns bem conhecidos - era a fundo perdido. A lógica dominante de dinheiros e prejuízos sempre públicos, mas lucros apenas privados. Só que o mundo mudou mesmo. E o País precisa também de mudar. A CGD, o banco estatal, enquanto o for, não pode apenas servir para financiar operações "especiais", deve apoiar quem ainda quer investir nestes tempos e em sectores estruturais como o turismo. Os bancos privados, sempre prioritários na negociação do resgaste internacional, têm de voltar a financiar a economia. E - não querendo particularizar em José Roquette, até por poder ser injusta -, os mais ricos, sempre tão poupados nas medidas de austeridade, tem de voltar a arriscar.
O Alqueva do Alentejo
Sou alentejana. Nasci e cresci a ouvir falar do Alqueva. Consegui imaginar os canais de água de regadio que o meu pai me traçava imaginariamente e que permitiriam manter verdes os campos de Monsaraz quase até Odemira. Percebi, já adulta, que a solução não só era viável - basta conhecer os transvases entre rios dos nossos vizinhos em Espanha - como podia ser uma oportunidade para muito mais. Quando finalmente a barragem foi construída, e vi de todo o Alentejo fazerem-se excursões semanais de esperança até ao tal maior lago artificial da Europa, ainda acreditei e cheguei mesmo a desdenhar das vozes mais céticas. Mas passaram dez anos e o pouco que vi aprovado - e agora suspenso - foram estes projetos turísticos, com os inevitáveis campos de golfe. Muito pouco para a grandiosidade do empreendimento e os ambiciosos objetivos traçados desde 68. Na zona, fora os exploradores de barcos de cruzeiro e os espanhóis que compraram a maioria dos terrenos em redor, poucos terão ganho com a barragem. Muitos queixam-se mesmo de o novo microclima - o calor de antes agora evapora as águas e torna tudo mais húmido - lhes estragar culturas, entre elas as vinhas. Para quando, então, concluir o projeto e avançar com a principal razão que lhe deu origem: regar a região quente e seca e permitir alguma agricultura? Ninguém me sabe responder! Não há nem um canal previsto. Nem sequer com um regador é permitido ainda tirar, oficialmente, água da barragem para esse fim primeiro. É caso para dizer "ora poças" (deve ler-se com a expressão em alentejano)!
O Alqueva e os outros PIN
O problema dos famosos Projetos de Interesse Nacional (PIN) não está no facto desse interesse existir em alguns deles. Está nele não existir na sua grande maioria. Regra geral, os PIN resultam de um desvario de ideias aprovadas nos últimos anos e que estava prestes a brotar como cogumelos pelo País, de arribas a preservar a zonas protegidas, quando a crise estalou. Felizmente há sempre um lado bom nas piores coisas. A falta de dinheiro está agora a peneirar que investimentos valem mesmo a pena. E que investidores, e não oportunistas ou pior, estão mesmo interessados e dispostos a investir segundo as regras e não pelo lucro imediato. Depois deve seguir-se um controlo rigoroso e fazer verdadeiros estudos que não sirvam apenas para dar mais uns milhões do Estado para quem os faz. E só então avançar. Pelo tal interesse nacional e para que tudo não acabe nas já famosas, mas infelizmente inconsequentes, auditorias do Tribunal de Contas: com derrapagens, desvios, engenharia financeira duvidosa e alguém rico.
E o salvador d' 'O Século'
Há gestos que valem mais que muitos PIN juntos. Paulo Paiva dos Santos chegou de um fim de semana no estrangeiro e deparou com mais uma notícia triste nos jornais que a sua mulher lhe deu a ler: a colónia balnear O Século estava sem fundos e a partir deste ano já não ia levar crianças carenciadas à praia. Apesar de ser domingo, ligou, mas só apanhou o segurança. Voltou a ligar segunda e rapidamente percebeu quanto era preciso - 80 mil euros - e passou o cheque - em 35 segundos -, de valor superior - 100 mil. O quanto baste para permitir a muitos miúdos uma coisa tão simples que até parece mentira que muitos não a tenham: uns dias de férias e praia. Não quero comparar Paulo Paiva dos Santos a José Roquette. Nem sequer tenho boa impressão da indústria onde se move, a farmacêutica. Sei muito bem que cem mil euros são uma migalha quando comparados com os milhões necessários a um projeto turístico que dê trabalho a centenas. Mas Paulo Paiva dos Santos foi como Colombo na história do ovo. Fez o que muitos podiam ter feito e não fizeram. Ele que não tem qualquer ligação sentimental à colónia, nem nunca lá precisou de passar férias, explicou tudo numa frase: "Não temos medalhas olímpicas, não temos subsídios, agora também não temos crianças na praia? Ninguém faz nada, ninguém quer saber, mas alguém tem de fazer alguma coisa." Ele fê-lo. Dar o exemplo às vezes pode custar pouco e fazer muito. Se existissem muitos Paiva dos Santos, o País estaria seguramente melhor. Se alguém tem dúvidas, passe pela colónia balnear quando ela reabrir e pergunte aos miúdos que lá estão.
In DN
Exemplos deste país
por FILOMENA MARTINS
Hoje
O Alqueva de Roquette Os bancos retraíram-se com a crise e não estão a canalizar dinheiro para a economia como deviam. Os empresários habituaram-se a ter dinheiro fácil emprestado pela banca e deixaram de arriscar.
É esta dupla realidade que explica o fim de vários projetos de investimento, entre eles os de José Roquette para o Alqueva. Muitas das grandes fortunas de Portugal fizeram-se de riscos e de apostas no escuro: ganhou o País e enriqueceu quem teve maior visão. Mas nos últimos anos não tem sido assim. O tal dinheiro barato que permitiu (por um lado felizmente) que a maioria dos portugueses pudesse comprar casa, carro e ter férias, mas que levou a enormes exageros (de quem emprestava e de quem pedia empréstimos) que estão agora a ter os custos que sabemos, também inundou a economia. Houve quem soubesse tirar partido disso para si e para o bem comum. Mas houve também um enorme descontrolo. Criou-se o hábito de que haveria sempre a bênção do Estado, uns fundos comunitários e o empréstimozito bancário que em muitos casos - alguns bem conhecidos - era a fundo perdido. A lógica dominante de dinheiros e prejuízos sempre públicos, mas lucros apenas privados. Só que o mundo mudou mesmo. E o País precisa também de mudar. A CGD, o banco estatal, enquanto o for, não pode apenas servir para financiar operações "especiais", deve apoiar quem ainda quer investir nestes tempos e em sectores estruturais como o turismo. Os bancos privados, sempre prioritários na negociação do resgaste internacional, têm de voltar a financiar a economia. E - não querendo particularizar em José Roquette, até por poder ser injusta -, os mais ricos, sempre tão poupados nas medidas de austeridade, tem de voltar a arriscar.
O Alqueva do Alentejo
Sou alentejana. Nasci e cresci a ouvir falar do Alqueva. Consegui imaginar os canais de água de regadio que o meu pai me traçava imaginariamente e que permitiriam manter verdes os campos de Monsaraz quase até Odemira. Percebi, já adulta, que a solução não só era viável - basta conhecer os transvases entre rios dos nossos vizinhos em Espanha - como podia ser uma oportunidade para muito mais. Quando finalmente a barragem foi construída, e vi de todo o Alentejo fazerem-se excursões semanais de esperança até ao tal maior lago artificial da Europa, ainda acreditei e cheguei mesmo a desdenhar das vozes mais céticas. Mas passaram dez anos e o pouco que vi aprovado - e agora suspenso - foram estes projetos turísticos, com os inevitáveis campos de golfe. Muito pouco para a grandiosidade do empreendimento e os ambiciosos objetivos traçados desde 68. Na zona, fora os exploradores de barcos de cruzeiro e os espanhóis que compraram a maioria dos terrenos em redor, poucos terão ganho com a barragem. Muitos queixam-se mesmo de o novo microclima - o calor de antes agora evapora as águas e torna tudo mais húmido - lhes estragar culturas, entre elas as vinhas. Para quando, então, concluir o projeto e avançar com a principal razão que lhe deu origem: regar a região quente e seca e permitir alguma agricultura? Ninguém me sabe responder! Não há nem um canal previsto. Nem sequer com um regador é permitido ainda tirar, oficialmente, água da barragem para esse fim primeiro. É caso para dizer "ora poças" (deve ler-se com a expressão em alentejano)!
O Alqueva e os outros PIN
O problema dos famosos Projetos de Interesse Nacional (PIN) não está no facto desse interesse existir em alguns deles. Está nele não existir na sua grande maioria. Regra geral, os PIN resultam de um desvario de ideias aprovadas nos últimos anos e que estava prestes a brotar como cogumelos pelo País, de arribas a preservar a zonas protegidas, quando a crise estalou. Felizmente há sempre um lado bom nas piores coisas. A falta de dinheiro está agora a peneirar que investimentos valem mesmo a pena. E que investidores, e não oportunistas ou pior, estão mesmo interessados e dispostos a investir segundo as regras e não pelo lucro imediato. Depois deve seguir-se um controlo rigoroso e fazer verdadeiros estudos que não sirvam apenas para dar mais uns milhões do Estado para quem os faz. E só então avançar. Pelo tal interesse nacional e para que tudo não acabe nas já famosas, mas infelizmente inconsequentes, auditorias do Tribunal de Contas: com derrapagens, desvios, engenharia financeira duvidosa e alguém rico.
E o salvador d' 'O Século'
Há gestos que valem mais que muitos PIN juntos. Paulo Paiva dos Santos chegou de um fim de semana no estrangeiro e deparou com mais uma notícia triste nos jornais que a sua mulher lhe deu a ler: a colónia balnear O Século estava sem fundos e a partir deste ano já não ia levar crianças carenciadas à praia. Apesar de ser domingo, ligou, mas só apanhou o segurança. Voltou a ligar segunda e rapidamente percebeu quanto era preciso - 80 mil euros - e passou o cheque - em 35 segundos -, de valor superior - 100 mil. O quanto baste para permitir a muitos miúdos uma coisa tão simples que até parece mentira que muitos não a tenham: uns dias de férias e praia. Não quero comparar Paulo Paiva dos Santos a José Roquette. Nem sequer tenho boa impressão da indústria onde se move, a farmacêutica. Sei muito bem que cem mil euros são uma migalha quando comparados com os milhões necessários a um projeto turístico que dê trabalho a centenas. Mas Paulo Paiva dos Santos foi como Colombo na história do ovo. Fez o que muitos podiam ter feito e não fizeram. Ele que não tem qualquer ligação sentimental à colónia, nem nunca lá precisou de passar férias, explicou tudo numa frase: "Não temos medalhas olímpicas, não temos subsídios, agora também não temos crianças na praia? Ninguém faz nada, ninguém quer saber, mas alguém tem de fazer alguma coisa." Ele fê-lo. Dar o exemplo às vezes pode custar pouco e fazer muito. Se existissem muitos Paiva dos Santos, o País estaria seguramente melhor. Se alguém tem dúvidas, passe pela colónia balnear quando ela reabrir e pergunte aos miúdos que lá estão.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
A Zita que saiu do ar condicionado
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A Zita que saiu do ar condicionado
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Zita Seabra, em conversa com Mário Crespo, na SIC, sugeriu que o PCP e a RDA (Alemanha comunista) usavam os aparelhos de ar condicionado da empresa portuguesa FNAC (ligada nos anos 70 e 80 ao PCP) para espiar. E quando Crespo explicita "equipamentos de escuta...", ela confirmou: "Em tudo o que era ministérios, em sítios nevrálgicos." Ela lembrou que era frequente entre comunistas "brincar-se, dizendo em que gabinete estará aquele ar condicionado..." Zita foi dirigente do PCP e aquilo que se sabe da RDA em matéria de espionagem dá crédito mesmo a hipóteses absurdas. Mas ficam-me algumas dúvidas. Zita Seabra saiu do PCP em janeiro de 1989 e só em outubro de 1990 a RDA acabou. Nesse intervalo de ano e meio a já democrata Zita informou o País do perigo que corria? Ao que parece não disse nada porque PS, PSD e CDS, todos com gabinetes potencialmente escutados e nenhum meigo com o PCP, não tiraram partido do escândalo. Então, porque calou, Zita? O que me leva a outra dúvida: microfones em aparelhos de ar condicionado? Aparelhos de escuta usam-se em floreiras, relógios, botões, lamparinas e o agente Olho Vivo até num sapato. Tudo objetos silenciosos. Em ar condicionado? Hmmm, as suspeitas aprofundam-se: uma vez comunista, comunista toda a vida... Será que Zita é uma agente adormecida e, mais forte do que ela, aproveitou a ida ao Crespo para fazer propaganda aos aparelhos comunistas da FNAC, os mais silenciosos do mercado capitalista?
In DN
A Zita que saiu do ar condicionado
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Zita Seabra, em conversa com Mário Crespo, na SIC, sugeriu que o PCP e a RDA (Alemanha comunista) usavam os aparelhos de ar condicionado da empresa portuguesa FNAC (ligada nos anos 70 e 80 ao PCP) para espiar. E quando Crespo explicita "equipamentos de escuta...", ela confirmou: "Em tudo o que era ministérios, em sítios nevrálgicos." Ela lembrou que era frequente entre comunistas "brincar-se, dizendo em que gabinete estará aquele ar condicionado..." Zita foi dirigente do PCP e aquilo que se sabe da RDA em matéria de espionagem dá crédito mesmo a hipóteses absurdas. Mas ficam-me algumas dúvidas. Zita Seabra saiu do PCP em janeiro de 1989 e só em outubro de 1990 a RDA acabou. Nesse intervalo de ano e meio a já democrata Zita informou o País do perigo que corria? Ao que parece não disse nada porque PS, PSD e CDS, todos com gabinetes potencialmente escutados e nenhum meigo com o PCP, não tiraram partido do escândalo. Então, porque calou, Zita? O que me leva a outra dúvida: microfones em aparelhos de ar condicionado? Aparelhos de escuta usam-se em floreiras, relógios, botões, lamparinas e o agente Olho Vivo até num sapato. Tudo objetos silenciosos. Em ar condicionado? Hmmm, as suspeitas aprofundam-se: uma vez comunista, comunista toda a vida... Será que Zita é uma agente adormecida e, mais forte do que ela, aproveitou a ida ao Crespo para fazer propaganda aos aparelhos comunistas da FNAC, os mais silenciosos do mercado capitalista?
In DN
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Luz verde para recibos
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Luz verde para recibos
por FERNANDA CÂNCIO
Ontem
Em maio de 2009, escrevi aqui sobre a perplexidade que me causavam as regras em vigor no subsídio de desemprego. Um dos motivos, o facto de este ser negado a quem passa recibos verdes, foi removido nos termos do primeiro memorando assinado com a troika. Mas a medida, além de me merecer reservas por restringir a possibilidade àquilo que se convenciona serem os "falsos recibos verdes", só entra em vigor em 2013.
O outro motivo era a impossibilidade de um desempregado com direito ao respetivo subsídio tentar manter-se no mercado de trabalho passando recibos verdes, dessa forma pagando impostos e - era a minha sugestão - devolvendo uma parte do subsídio em função do valor auferido através da sua atividade e assim poupando dinheiro à Segurança Social (SS). Não perderia o respaldo da prestação mas poderia tentar regressar mais rapidamente ao mercado. E concluía (perdoem a autocitação): "Os beneficiários do subsídio devem poder acumulá-lo com trabalho, qualquer tipo de trabalho, sem 'tetos' remuneratórios, descontando o valor auferido (ou parte) na prestação a receber. Ganhará assim o sistema - porque poupa - e o trabalhador, porque trabalha e ganha pelo seu trabalho."
Ora entrou em vigor no fim de julho, com grande estrépito mediático, a portaria n.º 208/2012, que permite a acumulação de 50% (nos primeiros seis meses, depois passa para 25%) do subsídio de desemprego com um contrato de trabalho a tempo inteiro - com a condição de que o valor do salário ilíquido seja inferior ao da prestação. Apesar de levantar a lebre da desvalorização salarial, parece mais um passo dado no caminho certo, o de adequar as regras do subsídio de desemprego à realidade - não fora excluir os recibos verdes.
Qual não é o espanto, porém, quando ao consultar os guias da SS para o subsídio de desemprego de julho de 2012 se descobre que aquilo que a portaria permite para contratos de trabalho a tempo inteiro já é possível para trabalhadores independentes, embora com condições menos favoráveis. Assim, pode ter direito ao subsídio de desemprego parcial um trabalhador que já passasse recibos verdes quando perde o contrato de trabalho, desde que o valor da atividade independente seja inferior ao subsídio de desemprego a que tem direito. Do mesmo modo, terá direito a essa prestação quem, estando a receber subsídio de desemprego, comece a passar recibos verdes (se não ultrapassarem o valor do subsídio). O valor a receber será a diferença entre 70% do auferido em recibos verdes e o subsídio a que o trabalhador tinha direito.
Algures entre 2009 e hoje, a Segurança Social alterou as regras quanto a recibos verdes. E muitíssimo bem. Agora só falta que os beneficiários sejam avisados: não há um desempregado que eu conheça a quem não tenham dito que não podem passar recibos verdes se querem receber subsídio.
In DN
Luz verde para recibos
por FERNANDA CÂNCIO
Ontem
Em maio de 2009, escrevi aqui sobre a perplexidade que me causavam as regras em vigor no subsídio de desemprego. Um dos motivos, o facto de este ser negado a quem passa recibos verdes, foi removido nos termos do primeiro memorando assinado com a troika. Mas a medida, além de me merecer reservas por restringir a possibilidade àquilo que se convenciona serem os "falsos recibos verdes", só entra em vigor em 2013.
O outro motivo era a impossibilidade de um desempregado com direito ao respetivo subsídio tentar manter-se no mercado de trabalho passando recibos verdes, dessa forma pagando impostos e - era a minha sugestão - devolvendo uma parte do subsídio em função do valor auferido através da sua atividade e assim poupando dinheiro à Segurança Social (SS). Não perderia o respaldo da prestação mas poderia tentar regressar mais rapidamente ao mercado. E concluía (perdoem a autocitação): "Os beneficiários do subsídio devem poder acumulá-lo com trabalho, qualquer tipo de trabalho, sem 'tetos' remuneratórios, descontando o valor auferido (ou parte) na prestação a receber. Ganhará assim o sistema - porque poupa - e o trabalhador, porque trabalha e ganha pelo seu trabalho."
Ora entrou em vigor no fim de julho, com grande estrépito mediático, a portaria n.º 208/2012, que permite a acumulação de 50% (nos primeiros seis meses, depois passa para 25%) do subsídio de desemprego com um contrato de trabalho a tempo inteiro - com a condição de que o valor do salário ilíquido seja inferior ao da prestação. Apesar de levantar a lebre da desvalorização salarial, parece mais um passo dado no caminho certo, o de adequar as regras do subsídio de desemprego à realidade - não fora excluir os recibos verdes.
Qual não é o espanto, porém, quando ao consultar os guias da SS para o subsídio de desemprego de julho de 2012 se descobre que aquilo que a portaria permite para contratos de trabalho a tempo inteiro já é possível para trabalhadores independentes, embora com condições menos favoráveis. Assim, pode ter direito ao subsídio de desemprego parcial um trabalhador que já passasse recibos verdes quando perde o contrato de trabalho, desde que o valor da atividade independente seja inferior ao subsídio de desemprego a que tem direito. Do mesmo modo, terá direito a essa prestação quem, estando a receber subsídio de desemprego, comece a passar recibos verdes (se não ultrapassarem o valor do subsídio). O valor a receber será a diferença entre 70% do auferido em recibos verdes e o subsídio a que o trabalhador tinha direito.
Algures entre 2009 e hoje, a Segurança Social alterou as regras quanto a recibos verdes. E muitíssimo bem. Agora só falta que os beneficiários sejam avisados: não há um desempregado que eu conheça a quem não tenham dito que não podem passar recibos verdes se querem receber subsídio.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Al-Qaeda na Síria
.
Al-Qaeda na Síria
por BERNARDO PIRES DE LIMA
11 Agosto 2012
Há uma outra e importante frente anti-Assad na Síria. Aproveitando a revolta maioritariamente sunita contra a minoria no poder, a Al-Qaeda chegou, viu e foi-se instalando nas principais cidades. Desde o início do ano conduziram mais de duas dúzias de ataques suicidas contra forças e locais de segurança do regime, matando mais de duzentas pessoas. Duplicaram os operacionais nas suas células, muitos deles recrutados localmente, outros vindos da jihad iraquiana da última década. A Al-Qaeda no Iraque é mesmo o parceiro logístico mais importante, beneficiando do livre-trânsito territorial após a retirada norte-americana. Aliás, o número de ataques a civis ou alvos políticos e policiais no Iraque aumentou 50% desde o final do ano passado. Este é um pesadelo que a região vai ter de lidar - juntando-se à da península arábica, ao Sinai, ao Cáucaso e à Ásia Central - tal como a próxima Administração americana. Obama, reiterando o calendário de retirada negociado por Bush, corre o risco de juntar à promessa política um imenso problema: deixar de estar no terreno para poder garantir segurança e não ter o capital de influência que precisaria. O caso da Síria tem tudo para correr mal. A sustentabilidade de Assad reside na utilização de armamento pesado, gerando mais mortos e devastação. A incapacidade do exterior impor uma solução duradoura abre espaço ao rearmamento do regime. A falta de entendimento nas oposições abre brechas para a infiltração da Al-Qaeda. O crescimento desta e o sucesso das suas ações retira espaço de afirmação interno e externo às pretensões daqueles que querem derrubar um ditador para instalar um regime democrático. Este não é um problema menor. Mas pode muito bem ser o argumento que faltava a uma parte da "comunidade internacional" interessada na Síria para fazer pontes com a Rússia e a China. A Al-Qaeda e o seu franchising são um dos poucos denominadores comuns.
In DN
Al-Qaeda na Síria
por BERNARDO PIRES DE LIMA
11 Agosto 2012
Há uma outra e importante frente anti-Assad na Síria. Aproveitando a revolta maioritariamente sunita contra a minoria no poder, a Al-Qaeda chegou, viu e foi-se instalando nas principais cidades. Desde o início do ano conduziram mais de duas dúzias de ataques suicidas contra forças e locais de segurança do regime, matando mais de duzentas pessoas. Duplicaram os operacionais nas suas células, muitos deles recrutados localmente, outros vindos da jihad iraquiana da última década. A Al-Qaeda no Iraque é mesmo o parceiro logístico mais importante, beneficiando do livre-trânsito territorial após a retirada norte-americana. Aliás, o número de ataques a civis ou alvos políticos e policiais no Iraque aumentou 50% desde o final do ano passado. Este é um pesadelo que a região vai ter de lidar - juntando-se à da península arábica, ao Sinai, ao Cáucaso e à Ásia Central - tal como a próxima Administração americana. Obama, reiterando o calendário de retirada negociado por Bush, corre o risco de juntar à promessa política um imenso problema: deixar de estar no terreno para poder garantir segurança e não ter o capital de influência que precisaria. O caso da Síria tem tudo para correr mal. A sustentabilidade de Assad reside na utilização de armamento pesado, gerando mais mortos e devastação. A incapacidade do exterior impor uma solução duradoura abre espaço ao rearmamento do regime. A falta de entendimento nas oposições abre brechas para a infiltração da Al-Qaeda. O crescimento desta e o sucesso das suas ações retira espaço de afirmação interno e externo às pretensões daqueles que querem derrubar um ditador para instalar um regime democrático. Este não é um problema menor. Mas pode muito bem ser o argumento que faltava a uma parte da "comunidade internacional" interessada na Síria para fazer pontes com a Rússia e a China. A Al-Qaeda e o seu franchising são um dos poucos denominadores comuns.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Fraude histórica
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Fraude histórica
por JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Hoje
Os Ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos marcaram já uma posição de intervenção lúcida na sociedade portuguesa. Poucos títulos, porém, atingem o impacto do mais recente Matemática em Portugal. Uma Questão de Educação, do professor Jorge Buescu.
O livro formula uma questão simples: "Portugal não teve, ao longo da sua história quase milenar, nenhum cientista de topo mundial" (pág. 11). Para entender o facto existe uma "narrativa convencional". Esta versão canónica da evolução científica nacional explica o fiasco através de "elementos autoritários, externos ao ensino e prática das ciências" (pág. 14), que minaram os esforços das nossas mentes iluminadas: "... da expulsão dos judeus à Inquisição (pelo menos em dois momentos), do ensino jesuíta (pelo menos em dois momentos) à decadência naval, do regime filipino à ditadura salazarista ou a perseguições políticas" (pág. 14).
O autor, baseado na investigação historiográfica mais recente, procede então ao desmantelamento total dessas certezas, mostrando à evidência que não passam de mitos, distorções, falsidades. A conclusão fica inescapável: a causa da nossa vacuidade científica deve-se "à permanente mediocridade histórica do ensino das ciências em Portugal em comparação com os países europeus desenvolvidos" (pág. 20). Ou seja, a culpa da secular fragilidade científica não está na tacanhez cultural, boçalidade do povo, obscurantismo religioso, perversidade de ditadores. Todas essas coisas, por influentes que sejam, mostram-se irrelevantes na questão. Os verdadeiros culpados são os catedráticos, o meio académico, as políticas de educação. Foi a sua secular tacanhez, boçalidade e obscurantismo que estiolou a Ciência e Matemática em Portugal. E não é preciso fazer arqueologia para saber do que se trata. Repetidamente (págs. 23, 68, 79, 90), o livro nota a semelhança entre os desastres antigos e os males que hoje se apontam ao ensino: "falta de exigência e de rigor, ... facilitismo,...cultura de mediocridade" (págs. 68 e 69).
Mas a questão não se reduz ao campo educativo, pois os tais lentes que sabotaram a ciência nacional estiveram activos em todas as áreas. A monstruosa falsificação histórica que o livro denuncia não se limitou à Matemática, mas afecta todo o nosso imaginário colectivo. Podemos dizer que fomos todos enganados em alguns traços da interpretação oficial da nossa história.
As elites intelectuais dos séculos XIX e XX construíram uma magna narrativa civilizacional para explicar não apenas para a miséria educativa, mas todo o desenvolvimento nacional. Mas nesse relato os heróis estão trocados com os vilões, as forças progressivas com as retrógradas, as causas com consequências.
A Inquisição, repetidamente acusada de todos os males nacionais, "teve um efeito objectivo nulo sobre o desenvolvimento da Matemática em Portugal" (pág. 53) e um impacto civilizacional muito inferior ao que os seus inimigos oitocentistas lhe quiseram assacar. Quanto aos jesuítas, malditos entre os malditos, "ao longo de todo o século XVII foram eles os únicos a ensinar Matemática e ciências em Portugal" (pág. 54). Pelo contrário, o Marquês de Pombal, supremo herói maçónico, repetidamente celebrado como reformador genial, criou "medida política isolada mais catastrófica alguma vez tomada em Portugal" (pág. 60), precisamente ao expulsar a Companhia de Jesus: "De um dia para o outro Portugal acordou sem escolas, sem professores, sem estabelecimentos de ensino e com 20 000 ex-alunos na rua" (pág. 61).
Portugal é um país espantoso, com um povo capaz de feitos únicos e maravilhosos. Em compensação, o País está há séculos dotado de uma elite pedante, mesquinha e medíocre. Esse grupinho de iluminados tem sempre no bolso a salvação nacional e, atingindo o poder, tudo faz para arruinar o País. Os desastres de 1834, 1890, 1910, 1916, 1926, 1961, 1978, 1983 e 2011 não são azares externos, mas efeito directo das soluções milagrosas da elite, que depois compõe uma magna falsificação histórica para se desculpar e acusar os adversários. Vemos isso hoje, com a crise.
In DN
Fraude histórica
por JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Hoje
Os Ensaios da Fundação Francisco Manuel dos Santos marcaram já uma posição de intervenção lúcida na sociedade portuguesa. Poucos títulos, porém, atingem o impacto do mais recente Matemática em Portugal. Uma Questão de Educação, do professor Jorge Buescu.
O livro formula uma questão simples: "Portugal não teve, ao longo da sua história quase milenar, nenhum cientista de topo mundial" (pág. 11). Para entender o facto existe uma "narrativa convencional". Esta versão canónica da evolução científica nacional explica o fiasco através de "elementos autoritários, externos ao ensino e prática das ciências" (pág. 14), que minaram os esforços das nossas mentes iluminadas: "... da expulsão dos judeus à Inquisição (pelo menos em dois momentos), do ensino jesuíta (pelo menos em dois momentos) à decadência naval, do regime filipino à ditadura salazarista ou a perseguições políticas" (pág. 14).
O autor, baseado na investigação historiográfica mais recente, procede então ao desmantelamento total dessas certezas, mostrando à evidência que não passam de mitos, distorções, falsidades. A conclusão fica inescapável: a causa da nossa vacuidade científica deve-se "à permanente mediocridade histórica do ensino das ciências em Portugal em comparação com os países europeus desenvolvidos" (pág. 20). Ou seja, a culpa da secular fragilidade científica não está na tacanhez cultural, boçalidade do povo, obscurantismo religioso, perversidade de ditadores. Todas essas coisas, por influentes que sejam, mostram-se irrelevantes na questão. Os verdadeiros culpados são os catedráticos, o meio académico, as políticas de educação. Foi a sua secular tacanhez, boçalidade e obscurantismo que estiolou a Ciência e Matemática em Portugal. E não é preciso fazer arqueologia para saber do que se trata. Repetidamente (págs. 23, 68, 79, 90), o livro nota a semelhança entre os desastres antigos e os males que hoje se apontam ao ensino: "falta de exigência e de rigor, ... facilitismo,...cultura de mediocridade" (págs. 68 e 69).
Mas a questão não se reduz ao campo educativo, pois os tais lentes que sabotaram a ciência nacional estiveram activos em todas as áreas. A monstruosa falsificação histórica que o livro denuncia não se limitou à Matemática, mas afecta todo o nosso imaginário colectivo. Podemos dizer que fomos todos enganados em alguns traços da interpretação oficial da nossa história.
As elites intelectuais dos séculos XIX e XX construíram uma magna narrativa civilizacional para explicar não apenas para a miséria educativa, mas todo o desenvolvimento nacional. Mas nesse relato os heróis estão trocados com os vilões, as forças progressivas com as retrógradas, as causas com consequências.
A Inquisição, repetidamente acusada de todos os males nacionais, "teve um efeito objectivo nulo sobre o desenvolvimento da Matemática em Portugal" (pág. 53) e um impacto civilizacional muito inferior ao que os seus inimigos oitocentistas lhe quiseram assacar. Quanto aos jesuítas, malditos entre os malditos, "ao longo de todo o século XVII foram eles os únicos a ensinar Matemática e ciências em Portugal" (pág. 54). Pelo contrário, o Marquês de Pombal, supremo herói maçónico, repetidamente celebrado como reformador genial, criou "medida política isolada mais catastrófica alguma vez tomada em Portugal" (pág. 60), precisamente ao expulsar a Companhia de Jesus: "De um dia para o outro Portugal acordou sem escolas, sem professores, sem estabelecimentos de ensino e com 20 000 ex-alunos na rua" (pág. 61).
Portugal é um país espantoso, com um povo capaz de feitos únicos e maravilhosos. Em compensação, o País está há séculos dotado de uma elite pedante, mesquinha e medíocre. Esse grupinho de iluminados tem sempre no bolso a salvação nacional e, atingindo o poder, tudo faz para arruinar o País. Os desastres de 1834, 1890, 1910, 1916, 1926, 1961, 1978, 1983 e 2011 não são azares externos, mas efeito directo das soluções milagrosas da elite, que depois compõe uma magna falsificação histórica para se desculpar e acusar os adversários. Vemos isso hoje, com a crise.
In DN
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A cega loucura
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A cega loucura
por BAPTISTA-BASTOS
Hoje
Está a registar-se, embora lentamente, um movimento de regresso à terra, como meio de subsistência. É o resultado dramático da ausência de perspectivas para os mais novos, e do sufoco que sofrem os mais velhos, com a extorsão aos seus elementares rendimentos. Este retorno não vai alterar, em nada, as dificuldades por que atravessamos: apenas alivia alguns portugueses, uns por desespero e não desejarem sair do País; outros por impedimento da idade. A agonia lenta de muitos de nós torna-se cada vez mais inteligível, mesmo para aqueles que proclamam o estribilho insultuoso segundo o qual "estamos no bom caminho."
O tornar ao campo não significa o desejo subjectivo contido, por exemplo, no Jacinto d'A Cidade e as Serras, de redescoberta do paraíso perdido. Aquele fora atacado pelo "mal de siècle", o tédio e a ociosidade. Os portugueses de agora são o alvo, aparentemente inconvertível, de uma ideologia protectora dos poderosos. Em vez de uma história em tempo longo mas, apesar de tudo, inspiradora de esperanças, impõe-se uma história com algo de sórdido e de inumano.
Aquilo que vale, do ponto de vista de economistas associados àquela doutrina, é a relatividade dos valores, e a consequente mutação dos indicadores financeiros. O "capitalismo desgovernado", de que falou, anteontem, em Fátima, D. Jorge Ortiga, arcebispo de Braga, resulta da própria natureza predadora do sistema. Aquele prelado, aliás, tem criticado a passividade dos cristãos ante o que considera uma pesada ameaça à Humanidade. Há um manifesto e significativo mal-estar em certos sectores da Igreja na análise à violência da razão dominante.
Pedro Passos Coelho não se sente constrangido ao obedecer aos ditames desta ideologia de repressão. Mas os efeitos de contágio são perigosos. Como já foi dito, o primeiro-ministro abriu a caixa de Pandora e não sabe como fechá-la. Acha-se muito confortável entre aquela gente com a qual se encontra nos sinédrios internacionais. Olhamos e não acreditamos que sejam eles que regem os nossos destinos. As flutuações do tempo, desde a queda do Muro de Berlim, permitiram a ascensão de uma mediocridade impante, que não garante nem a nossa liberdade nem a nossa segurança.
No PS, infelizmente, há quem simpatize com estes princípios dominantes, e aceite a versão de um mundo descomprometido dos valores do "universal humano." A ética é substituída pela pragmática, o eufemismo mais vil que existe para dissimular a traição. A exaltação do empobrecimento, como justificação para o equilíbrio das contas públicas, leva à degradação do ser, em todas as variantes. Uma loucura cega atravessa a Europa e invadiu Portugal. O regresso à terra é uma remigração exclusivamente determinada pelo capitalismo. A Igreja começou a advertir de uma deformidade que nos impele à destruição.
In DN
A cega loucura
por BAPTISTA-BASTOS
Hoje
Está a registar-se, embora lentamente, um movimento de regresso à terra, como meio de subsistência. É o resultado dramático da ausência de perspectivas para os mais novos, e do sufoco que sofrem os mais velhos, com a extorsão aos seus elementares rendimentos. Este retorno não vai alterar, em nada, as dificuldades por que atravessamos: apenas alivia alguns portugueses, uns por desespero e não desejarem sair do País; outros por impedimento da idade. A agonia lenta de muitos de nós torna-se cada vez mais inteligível, mesmo para aqueles que proclamam o estribilho insultuoso segundo o qual "estamos no bom caminho."
O tornar ao campo não significa o desejo subjectivo contido, por exemplo, no Jacinto d'A Cidade e as Serras, de redescoberta do paraíso perdido. Aquele fora atacado pelo "mal de siècle", o tédio e a ociosidade. Os portugueses de agora são o alvo, aparentemente inconvertível, de uma ideologia protectora dos poderosos. Em vez de uma história em tempo longo mas, apesar de tudo, inspiradora de esperanças, impõe-se uma história com algo de sórdido e de inumano.
Aquilo que vale, do ponto de vista de economistas associados àquela doutrina, é a relatividade dos valores, e a consequente mutação dos indicadores financeiros. O "capitalismo desgovernado", de que falou, anteontem, em Fátima, D. Jorge Ortiga, arcebispo de Braga, resulta da própria natureza predadora do sistema. Aquele prelado, aliás, tem criticado a passividade dos cristãos ante o que considera uma pesada ameaça à Humanidade. Há um manifesto e significativo mal-estar em certos sectores da Igreja na análise à violência da razão dominante.
Pedro Passos Coelho não se sente constrangido ao obedecer aos ditames desta ideologia de repressão. Mas os efeitos de contágio são perigosos. Como já foi dito, o primeiro-ministro abriu a caixa de Pandora e não sabe como fechá-la. Acha-se muito confortável entre aquela gente com a qual se encontra nos sinédrios internacionais. Olhamos e não acreditamos que sejam eles que regem os nossos destinos. As flutuações do tempo, desde a queda do Muro de Berlim, permitiram a ascensão de uma mediocridade impante, que não garante nem a nossa liberdade nem a nossa segurança.
No PS, infelizmente, há quem simpatize com estes princípios dominantes, e aceite a versão de um mundo descomprometido dos valores do "universal humano." A ética é substituída pela pragmática, o eufemismo mais vil que existe para dissimular a traição. A exaltação do empobrecimento, como justificação para o equilíbrio das contas públicas, leva à degradação do ser, em todas as variantes. Uma loucura cega atravessa a Europa e invadiu Portugal. O regresso à terra é uma remigração exclusivamente determinada pelo capitalismo. A Igreja começou a advertir de uma deformidade que nos impele à destruição.
In DN
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Calma! É o Ministério Público que investiga...
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Calma! É o Ministério Público que investiga...
por PEDRO TADEU
Ontem
O Governo de António Guterres decidiu, em 1998, comprar três ou quatro submarinos. O Governo de Durão Barroso reduziu a compra para dois. A compra foi adjudicada em 2003 pelo Ministério da Defesa, liderado por Paulo Portas, ao German Submarine Consortium (GSC).
O GSC fez o preço de 712 milhões de euros mais 133 milhões em logística. Total: 845 milhões?... Não. Portas pede desconto. A logística diminui para 57 milhões. Total: 769 milhões?... Sim e não.
O Estado procura financiamento. Um consórcio do BES e do Credit Suisse First Boston avança mas, na verdade, o Estado paga, afinal, 1001 milhões de euros face às condições desse empréstimo.
Com o GSC o Governo, entretanto, negociara contrapartidas no valor de1210 milhões de euros a realizar até este ano. Os alemães, segundo o JN, só cumpriram cerca de 31,5% dessa parte do contrato. Se não o fizerem pagarão ao Estado apenas 121 milhões de euros, o que, na realidade, é 700 milhões de euros mais barato do que assegurar as contrapartidas em falta.
Na Alemanha dois gestores de uma das empresas do consórcio GSC confessam-se culpados, em troca de uma pena suspensa, de terem subornado responsáveis em Portugal e na Grécia na obtenção de vários negócios. O DN noticiou que no processo judicial alemão os corruptores confessos disseram que entregaram a Jürgen Adolff, cônsul honorário português em Munique (entretanto corrido),1,6 milhões de euros. Jürgen contou às autoridades alemãs que manteve encontros com Durão Barroso, Paulo Portas e um assessor deste para discutir o tema. Os visados negaram ao DN esses contactos.
O Ministério Público português abriu investigação, liderada pela inevitável Cândida Almeida, em agosto de 2006. Do processo principal, seis anos depois, ela informa que espera resposta de cartas rogatórias enviadas para a Alemanha. Há três anos que ela espera.
De outro processo resultará um julgamento de burla e fraude fiscal que acusa sete portugueses e três alemães. Nenhum poderoso.
De um processo lateral, instaurado a um advogado que assessorou o negócio, resultou o arquivamento e a conclusão, escrita em despacho citado pelo JN, de que desapareceram documentos do Ministério da Defesa relativos à intervenção da equipa de Paulo Portas no negócio.
O departamento de Cândida Almeida, que se saiba, ainda não manifestou interesse em ouvir o atual ministro dos Negócios Estrangeiro ou o presidente da Comissão Europeia. É coerente. Afinal, também nunca quis ouvir Jose Sócrates sobre o caso Freeport. Fiquemos, portanto, descansados.
In DN
Calma! É o Ministério Público que investiga...
por PEDRO TADEU
Ontem
O Governo de António Guterres decidiu, em 1998, comprar três ou quatro submarinos. O Governo de Durão Barroso reduziu a compra para dois. A compra foi adjudicada em 2003 pelo Ministério da Defesa, liderado por Paulo Portas, ao German Submarine Consortium (GSC).
O GSC fez o preço de 712 milhões de euros mais 133 milhões em logística. Total: 845 milhões?... Não. Portas pede desconto. A logística diminui para 57 milhões. Total: 769 milhões?... Sim e não.
O Estado procura financiamento. Um consórcio do BES e do Credit Suisse First Boston avança mas, na verdade, o Estado paga, afinal, 1001 milhões de euros face às condições desse empréstimo.
Com o GSC o Governo, entretanto, negociara contrapartidas no valor de1210 milhões de euros a realizar até este ano. Os alemães, segundo o JN, só cumpriram cerca de 31,5% dessa parte do contrato. Se não o fizerem pagarão ao Estado apenas 121 milhões de euros, o que, na realidade, é 700 milhões de euros mais barato do que assegurar as contrapartidas em falta.
Na Alemanha dois gestores de uma das empresas do consórcio GSC confessam-se culpados, em troca de uma pena suspensa, de terem subornado responsáveis em Portugal e na Grécia na obtenção de vários negócios. O DN noticiou que no processo judicial alemão os corruptores confessos disseram que entregaram a Jürgen Adolff, cônsul honorário português em Munique (entretanto corrido),1,6 milhões de euros. Jürgen contou às autoridades alemãs que manteve encontros com Durão Barroso, Paulo Portas e um assessor deste para discutir o tema. Os visados negaram ao DN esses contactos.
O Ministério Público português abriu investigação, liderada pela inevitável Cândida Almeida, em agosto de 2006. Do processo principal, seis anos depois, ela informa que espera resposta de cartas rogatórias enviadas para a Alemanha. Há três anos que ela espera.
De outro processo resultará um julgamento de burla e fraude fiscal que acusa sete portugueses e três alemães. Nenhum poderoso.
De um processo lateral, instaurado a um advogado que assessorou o negócio, resultou o arquivamento e a conclusão, escrita em despacho citado pelo JN, de que desapareceram documentos do Ministério da Defesa relativos à intervenção da equipa de Paulo Portas no negócio.
O departamento de Cândida Almeida, que se saiba, ainda não manifestou interesse em ouvir o atual ministro dos Negócios Estrangeiro ou o presidente da Comissão Europeia. É coerente. Afinal, também nunca quis ouvir Jose Sócrates sobre o caso Freeport. Fiquemos, portanto, descansados.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Na verdade
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Na verdade
por PAULO BALDAIA
Ontem
Está instituído em Portugal que o voto do PS é importante para a viabilização do Orçamento do Estado (OE). Parece que isso conta lá para fora, designadamente para quem emprestou dinheiro para nos salvar da bancarrota, mas nós fazemos contas e sabemos que os votos da maioria são suficientes para prosseguir com a actual política. Façamos então de conta que o voto contra do PS pode ser mau, mas não façamos títulos a dizer que o PS pode "chumbar" o OE, porque não pode.
Na verdade, para começo de conversa, convém deixar claro que quem mais vai influenciar o voto socialista é a troika. Se esses senhores insistirem na mesma fórmula e exigirem austeridade em cima da austeridade para cumprir a meta do défice, o PS terá de votar contra. Vai poder alegar que continua fiel ao acordo que assinou, mas indisponível para obrigar os portugueses a pagar para corrigir erros de uma fórmula que lhes foi imposta pelos mesmos que definiram as metas de défice a atingir em cada ano.
Na verdade, o PS não pode, ou não deve, incluir na rejeição a novas medidas de austeridade a solução que o Executivo se prepara para apresentar como forma de ultrapassar o veto do Tribunal Constitucional (TC) ao confisco dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e pensionistas. Numa fórmula bem mais justa, o Governo está obrigado a distribuir esse sacrifício de 2 mil milhões de euros pelo sector público, pelos pensionistas e pelo sector privado.
O PS não votou contra o OE que instituiu o confisco dos subsídios aos funcionários públicos e pensionistas e se agora votar contra o OE porque os privados pagam solidariamente, então vai ter de assumir a tese de que os funcionários públicos e os pensionistas são uns malandros que vivem do dinheiro público e devem pagar mais que os outros. E, é claro, vai perder muitos votos entre os funcionários públicos e os pensionistas.
Na verdade, o principal problema do OE de 2013 nem sequer são esses 2 mil milhões de euros. Estamos todos tão concentrados na solução que o Governo vai ter de encontrar para ultrapassar o veto do TC que até já esquecemos que é preciso encontrar mais 2 mil milhões, que faltam no OE deste ano e vão faltar no próximo, e mais cerca de 2,5 mil milhões para reduzir o défice de 4,5% do PIB para 3% em 2013.
Na verdade, é aqui que se joga o voto dos socialistas. Têm de defender todas as reformas e toda a austeridade que assumiram ao assinar o memorando da troika e exigir mais tempo, coisa que já fizeram, para cumprir a meta do défice. Se a troika der mais tempo a Portugal para evitar mais medidas de austeridade, o PS não pode votar contra o OE. E se quiser até pode cantar vitória porque foi dado ao País aquilo que pediu.
In DN
Na verdade
por PAULO BALDAIA
Ontem
Está instituído em Portugal que o voto do PS é importante para a viabilização do Orçamento do Estado (OE). Parece que isso conta lá para fora, designadamente para quem emprestou dinheiro para nos salvar da bancarrota, mas nós fazemos contas e sabemos que os votos da maioria são suficientes para prosseguir com a actual política. Façamos então de conta que o voto contra do PS pode ser mau, mas não façamos títulos a dizer que o PS pode "chumbar" o OE, porque não pode.
Na verdade, para começo de conversa, convém deixar claro que quem mais vai influenciar o voto socialista é a troika. Se esses senhores insistirem na mesma fórmula e exigirem austeridade em cima da austeridade para cumprir a meta do défice, o PS terá de votar contra. Vai poder alegar que continua fiel ao acordo que assinou, mas indisponível para obrigar os portugueses a pagar para corrigir erros de uma fórmula que lhes foi imposta pelos mesmos que definiram as metas de défice a atingir em cada ano.
Na verdade, o PS não pode, ou não deve, incluir na rejeição a novas medidas de austeridade a solução que o Executivo se prepara para apresentar como forma de ultrapassar o veto do Tribunal Constitucional (TC) ao confisco dos subsídios de férias e de Natal aos funcionários públicos e pensionistas. Numa fórmula bem mais justa, o Governo está obrigado a distribuir esse sacrifício de 2 mil milhões de euros pelo sector público, pelos pensionistas e pelo sector privado.
O PS não votou contra o OE que instituiu o confisco dos subsídios aos funcionários públicos e pensionistas e se agora votar contra o OE porque os privados pagam solidariamente, então vai ter de assumir a tese de que os funcionários públicos e os pensionistas são uns malandros que vivem do dinheiro público e devem pagar mais que os outros. E, é claro, vai perder muitos votos entre os funcionários públicos e os pensionistas.
Na verdade, o principal problema do OE de 2013 nem sequer são esses 2 mil milhões de euros. Estamos todos tão concentrados na solução que o Governo vai ter de encontrar para ultrapassar o veto do TC que até já esquecemos que é preciso encontrar mais 2 mil milhões, que faltam no OE deste ano e vão faltar no próximo, e mais cerca de 2,5 mil milhões para reduzir o défice de 4,5% do PIB para 3% em 2013.
Na verdade, é aqui que se joga o voto dos socialistas. Têm de defender todas as reformas e toda a austeridade que assumiram ao assinar o memorando da troika e exigir mais tempo, coisa que já fizeram, para cumprir a meta do défice. Se a troika der mais tempo a Portugal para evitar mais medidas de austeridade, o PS não pode votar contra o OE. E se quiser até pode cantar vitória porque foi dado ao País aquilo que pediu.
In DN
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Está ou não farto dos aumentos da gasolina?
.
Está ou não farto dos aumentos da gasolina?
por LEONÍDIO PAULO FERREIRA
Hoje
Bem pode o Wall Street Journal apresentar como boa notícia que a produção petrolífera do Iraque atinge recordes, pois quem anda de carro sabe que o que interessa é o aumento do preço do gasóleo e da gasolina. E esse parece imparável, desfazendo as promessas da Arábia Saudita - o maior exportador - de que nem as sanções contra o Irão fariam disparar os combustíveis.
Em teoria, os sauditas são os mais conscientes do equilíbrio entre os ganhos dos países produtores e a necessidade de não asfixiar a economia mundial. Assim, com dez milhões de barris/dia continuariam a encher os cofres do reino e os seus protetores americanos a atestar os carros. Sem dramas, como acordado há 80 anos por Ibn Saud, numa aliança que resiste a tudo, desde a solidariedade americana com Israel até aos terroristas do 11 de Setembro.
Há quem calcule que hoje às finanças sauditas baste que o barril de crude se venda a 80 dólares. O problema é que os restantes membros da OPEP, o cartel de produtores, têm outros interesses e apreciam que a cotação ronde os 120 dólares. E sabem estar longe os quase 150 dólares de 2008.
Iraque, Arábia Saudita, Irão. Já viu como a geopolítica do Médio Oriente continua a determinar quanto se paga na bomba de gasolina? E isto apesar da diversificação de fornecedores de outras paragens, de Angola à Venezuela.
Não é tranquilizador o que se passa por estes dias. As exportações iranianas caem a pique por causa da retaliação ao seu programa nuclear. O regime dos ayatollah, por seu lado, ameaça bloquear o estreito de Ormuz. Pelo meio há uma guerra na Síria a ameaçar contaminar os vizinhos e um Egito dono do Suez que se esforça por exterminar os extremistas que no Sinai tudo fazem para provocar Israel e queimar o acordo de Camp David. É este o cenário, apesar da Primavera Árabe, na parte do mundo que define se na próxima vez que puser gasóleo pagará por litro mais de euro e meio.
E a boa notícia do aumento de produção no Iraque, três milhões de barris/dia? Ao fim de três décadas consegue bater o Irão. Mas se os fracassos passados se devem à megalomania conquistadora de Saddam, o êxito atual é mero resultado dos limites impostos aos iranianos. E terá de resistir aos atentados da Al-Qaeda, à tensão entre xiitas e sunitas e ao separatismo curdo, congelado apenas por imposição dos Estados Unidos e descanso da Turquia.
Em tempos de crise - seja a recessão na Zona Euro, o crescimento anémico na América ou a desaceleração na China -, raros serão os governos e as opiniões públicas preocupados em investir a sério em alternativas ao petróleo, de início mais caras. Mas tirando os cofres sauditas e as petrolíferas (a Exxon é agora a maior empresa mundial) ninguém ganha com a perpetuação da dependência do crude. Se não for pela preocupação ambiental a aposta nas alternativas energéticas, que seja pelo menos para não estarmos condenados a esvaziar mais e mais a carteira de cada vez que alguém se zanga na casa de loucos que é o Médio Oriente.
In DN
Está ou não farto dos aumentos da gasolina?
por LEONÍDIO PAULO FERREIRA
Hoje
Bem pode o Wall Street Journal apresentar como boa notícia que a produção petrolífera do Iraque atinge recordes, pois quem anda de carro sabe que o que interessa é o aumento do preço do gasóleo e da gasolina. E esse parece imparável, desfazendo as promessas da Arábia Saudita - o maior exportador - de que nem as sanções contra o Irão fariam disparar os combustíveis.
Em teoria, os sauditas são os mais conscientes do equilíbrio entre os ganhos dos países produtores e a necessidade de não asfixiar a economia mundial. Assim, com dez milhões de barris/dia continuariam a encher os cofres do reino e os seus protetores americanos a atestar os carros. Sem dramas, como acordado há 80 anos por Ibn Saud, numa aliança que resiste a tudo, desde a solidariedade americana com Israel até aos terroristas do 11 de Setembro.
Há quem calcule que hoje às finanças sauditas baste que o barril de crude se venda a 80 dólares. O problema é que os restantes membros da OPEP, o cartel de produtores, têm outros interesses e apreciam que a cotação ronde os 120 dólares. E sabem estar longe os quase 150 dólares de 2008.
Iraque, Arábia Saudita, Irão. Já viu como a geopolítica do Médio Oriente continua a determinar quanto se paga na bomba de gasolina? E isto apesar da diversificação de fornecedores de outras paragens, de Angola à Venezuela.
Não é tranquilizador o que se passa por estes dias. As exportações iranianas caem a pique por causa da retaliação ao seu programa nuclear. O regime dos ayatollah, por seu lado, ameaça bloquear o estreito de Ormuz. Pelo meio há uma guerra na Síria a ameaçar contaminar os vizinhos e um Egito dono do Suez que se esforça por exterminar os extremistas que no Sinai tudo fazem para provocar Israel e queimar o acordo de Camp David. É este o cenário, apesar da Primavera Árabe, na parte do mundo que define se na próxima vez que puser gasóleo pagará por litro mais de euro e meio.
E a boa notícia do aumento de produção no Iraque, três milhões de barris/dia? Ao fim de três décadas consegue bater o Irão. Mas se os fracassos passados se devem à megalomania conquistadora de Saddam, o êxito atual é mero resultado dos limites impostos aos iranianos. E terá de resistir aos atentados da Al-Qaeda, à tensão entre xiitas e sunitas e ao separatismo curdo, congelado apenas por imposição dos Estados Unidos e descanso da Turquia.
Em tempos de crise - seja a recessão na Zona Euro, o crescimento anémico na América ou a desaceleração na China -, raros serão os governos e as opiniões públicas preocupados em investir a sério em alternativas ao petróleo, de início mais caras. Mas tirando os cofres sauditas e as petrolíferas (a Exxon é agora a maior empresa mundial) ninguém ganha com a perpetuação da dependência do crude. Se não for pela preocupação ambiental a aposta nas alternativas energéticas, que seja pelo menos para não estarmos condenados a esvaziar mais e mais a carteira de cada vez que alguém se zanga na casa de loucos que é o Médio Oriente.
In DN
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Depois logo se vê
.
Depois logo se vê
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
De muitas coisas se pode acusar este Governo, mas não de falta de criatividade ou de capacidade para surpreender.
Desta feita tivemos a novidade de assistir a um consultor do Governo a dar uma entrevista a um canal de televisão, em horário nobre, para nos explicar em que pé andam as privatizações. Ou seja, sobre um assunto importantíssimo para o País, convenhamos que as privatizações da TAP, ANA ou RTP não são propriamente temas de lana caprina, em vez de termos um ministro ou mesmo o próprio primeiro-ministro a informar os portugueses (e, já agora, o CDS) dos respectivos processos, aparece António Borges. Mas, tentemos compreender, até se entende a ida de António Borges à TVI para informar os cidadãos sobre os dossiers em causa: o ministro da Economia não sabe e o ministro para a Comunicação Social não pode.
Santos Pereira anda perdido num ministério ingovernável e só aceitou ser ministro de semelhante monstro por não ter o mínimo de experiência governativa ou empresarial. Como a sua gritante falta de capacidade para um cargo destes ficou logo à vista de toda a gente, Passos Coelho tratou de lhe tirar as suas atribuições espalhando-as por este ou aquele ministro e por um sem-numero de comissões e comités. Pode lá ele falar sobre a TAP ou privatizações e ser levado a sério por quem quer que seja.
Miguel Relvas não pode aparecer sem que não lhe façam perguntas incómodas sobre licenciaturas, serviços secretos, mentiras em inquéritos parlamentares e tudo mais. A sua popularidade e credibilidade junto do cidadão comum faz com que qualquer proposta vinda da sua boca seja imediatamente repudiada. Relvas é um zombie político. Pode ser essencial para Passos Coelho, e, como muito boa gente diz, o único ministro que não tem medo de tomar decisões, mas politicamente acabou. Não podia ser ele a apresentar o que quer que fosse sobre a RTP.
Mas, seja como for, o Governo demonstrou uma falta de respeito gritante pelos portugueses quando enviou um consultor falar sobre o destino a dar a empresas tão importantes como a RTP e a TAP. Além disso, como se fosse pouco, mostrou outro mal bem mais profundo que este Executivo vem amiúde revelando: não havia planos nenhuns para assuntos vitais da governação e foi preciso arranjar uns senhores muito inteligentes para dizer o que fazer. Havia assim umas ideias coladas a cuspo, decoradas à pressa e sem o mínimo de reflexão.
Não, longe disso, não é o facto de os dois ministros teoricamente responsáveis pelos dossiers não poderem aparecer e terem de mandar um consultor que, na ignorância deles, pensam ser mais credível, é sobretudo nós percebermos que afinal não havia nenhuma ideia para a privatização da TAP, ou que ninguém tinha pensado verdadeiramente o que fazer com a RTP.
O caso da RTP é chocante: aquela patética comissão, as notícias plantadas nos jornais sobre possíveis compradores, fica com este canal, vende o outro ou fica com este e vende o outro, e agora esta coisa que Borges conseguiu apresentar aparentemente sem um pingo de vergonha. Uma revolucionária solução em que o Estado cede uma estação de televisão e garante um lucro chorudo ao feliz contemplado que é pago com os impostos de todos nós. Genial. Não, não é bem uma PPP, é, para o investidor privado, muito melhor. Este fica com uma companhia com mais de cinquenta anos de vida, com um enorme prestígio, com um património tangível e intangível único e ainda lhe garantem uma rentabilidade que fará roer as unhas de inveja um qualquer concessionário de auto- -estradas.
É evidente que esta vergonha cairá no caixote do lixo das ideias, junto do fim da TSU e outras, que o Governo manda "cá para fora" para serem testadas. A comunidade ainda não está suficientemente adormecida para deixar passar uma coisa destas. Todo este processo é dum experimentalismo bacoco, duma falta de sentido de Estado, duma evidente impreparação, que assusta o mais crente nas qualidades deste Governo. Onde estão afinal as milhares de páginas de planos? As contribuições dos diversos grupos de trabalho? As ideias sólidas sobre o que fazer com a televisão pública? Eram precisos consultores para mostrar que a privatização da RTP não valia um chavo?
António Borges prestou-se, mais uma vez, a um triste papel: o de mostrar que afinal Passos Coelho e a sua equipa não sabiam o que fazer em questões fulcrais e mentiram dizendo que sabiam. O drama é que ainda não sabem e não é só, infelizmente, no caso da RTP.
In DN
Depois logo se vê
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
De muitas coisas se pode acusar este Governo, mas não de falta de criatividade ou de capacidade para surpreender.
Desta feita tivemos a novidade de assistir a um consultor do Governo a dar uma entrevista a um canal de televisão, em horário nobre, para nos explicar em que pé andam as privatizações. Ou seja, sobre um assunto importantíssimo para o País, convenhamos que as privatizações da TAP, ANA ou RTP não são propriamente temas de lana caprina, em vez de termos um ministro ou mesmo o próprio primeiro-ministro a informar os portugueses (e, já agora, o CDS) dos respectivos processos, aparece António Borges. Mas, tentemos compreender, até se entende a ida de António Borges à TVI para informar os cidadãos sobre os dossiers em causa: o ministro da Economia não sabe e o ministro para a Comunicação Social não pode.
Santos Pereira anda perdido num ministério ingovernável e só aceitou ser ministro de semelhante monstro por não ter o mínimo de experiência governativa ou empresarial. Como a sua gritante falta de capacidade para um cargo destes ficou logo à vista de toda a gente, Passos Coelho tratou de lhe tirar as suas atribuições espalhando-as por este ou aquele ministro e por um sem-numero de comissões e comités. Pode lá ele falar sobre a TAP ou privatizações e ser levado a sério por quem quer que seja.
Miguel Relvas não pode aparecer sem que não lhe façam perguntas incómodas sobre licenciaturas, serviços secretos, mentiras em inquéritos parlamentares e tudo mais. A sua popularidade e credibilidade junto do cidadão comum faz com que qualquer proposta vinda da sua boca seja imediatamente repudiada. Relvas é um zombie político. Pode ser essencial para Passos Coelho, e, como muito boa gente diz, o único ministro que não tem medo de tomar decisões, mas politicamente acabou. Não podia ser ele a apresentar o que quer que fosse sobre a RTP.
Mas, seja como for, o Governo demonstrou uma falta de respeito gritante pelos portugueses quando enviou um consultor falar sobre o destino a dar a empresas tão importantes como a RTP e a TAP. Além disso, como se fosse pouco, mostrou outro mal bem mais profundo que este Executivo vem amiúde revelando: não havia planos nenhuns para assuntos vitais da governação e foi preciso arranjar uns senhores muito inteligentes para dizer o que fazer. Havia assim umas ideias coladas a cuspo, decoradas à pressa e sem o mínimo de reflexão.
Não, longe disso, não é o facto de os dois ministros teoricamente responsáveis pelos dossiers não poderem aparecer e terem de mandar um consultor que, na ignorância deles, pensam ser mais credível, é sobretudo nós percebermos que afinal não havia nenhuma ideia para a privatização da TAP, ou que ninguém tinha pensado verdadeiramente o que fazer com a RTP.
O caso da RTP é chocante: aquela patética comissão, as notícias plantadas nos jornais sobre possíveis compradores, fica com este canal, vende o outro ou fica com este e vende o outro, e agora esta coisa que Borges conseguiu apresentar aparentemente sem um pingo de vergonha. Uma revolucionária solução em que o Estado cede uma estação de televisão e garante um lucro chorudo ao feliz contemplado que é pago com os impostos de todos nós. Genial. Não, não é bem uma PPP, é, para o investidor privado, muito melhor. Este fica com uma companhia com mais de cinquenta anos de vida, com um enorme prestígio, com um património tangível e intangível único e ainda lhe garantem uma rentabilidade que fará roer as unhas de inveja um qualquer concessionário de auto- -estradas.
É evidente que esta vergonha cairá no caixote do lixo das ideias, junto do fim da TSU e outras, que o Governo manda "cá para fora" para serem testadas. A comunidade ainda não está suficientemente adormecida para deixar passar uma coisa destas. Todo este processo é dum experimentalismo bacoco, duma falta de sentido de Estado, duma evidente impreparação, que assusta o mais crente nas qualidades deste Governo. Onde estão afinal as milhares de páginas de planos? As contribuições dos diversos grupos de trabalho? As ideias sólidas sobre o que fazer com a televisão pública? Eram precisos consultores para mostrar que a privatização da RTP não valia um chavo?
António Borges prestou-se, mais uma vez, a um triste papel: o de mostrar que afinal Passos Coelho e a sua equipa não sabiam o que fazer em questões fulcrais e mentiram dizendo que sabiam. O drama é que ainda não sabem e não é só, infelizmente, no caso da RTP.
In DN
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Imergência racional
.
Imergência racional
por FERNANDA CÂNCIO
24 agosto 2012
Afinal, aquela ideia de que não precisamos de Tribunal Constitucional para nada é capaz de fazer sentido. Bastam-nos o gabinete jurídico do PM e do ministro das Finanças, muito mais valorosos na defesa dos direitos fundamentais das pessoas que os conselheiros do Palácio Ratton.
Veja-se a manchete de ontem do DN. Aí se garante que no governo mais pequerrucho e poupadinho de sempre, estrela do firmamento da austeridade, se instituiu que membros dos gabinetes ministeriais "sem relação jurídica de natureza pública", em número desconhecido, tiveram direito a receber o subsídio de férias de que os restantes funcionários da administração pública foram privados por decisão do mesmíssimo governo. Isto porquê? Ora, porque, explica o gabinete do PM, os ditos assessores, motoristas, secretários e etc. adquiriram o direito às férias em 2011, à razão de dois dias por mês de trabalho, e a norma que determina a perda dos subsídios não tem efeitos retroativos: "Só pode abranger as férias adquiridas na sua vigência."
Percebido? Não? Melhor explicado: não se pode tirar às pessoas dinheiro que é delas, por lei e por contrato, e os subsídios de férias pagos - todos, sem exceção - em 2012 dizem respeito ao trabalho prestado em 2011. Como o Orçamento do Estado que elimina o pagamento dos subsídios é de 30 de dezembro, não pode aplicar-se a uma prestação respeitante ao ano de 2011. Caramba, isto entra pelos olhos adentro. Até porque, note-se, a maioria dos membros dos gabinetes - incluindo quiçá os assessores jurídicos - terá sido contratada antes do fatídico 13 de outubro em que Passos anunciou, invocando "emergência nacional", o corte dos subsídios, e estava a contar com eles. Aliás, quem diz os contratados diz os próprios ministros sem a tal "relação jurídica de natureza pública". Por exemplo, o PM, que veio do privado, privadíssimo, e, pela mesma lógica, terá recebido o subsídio de férias, apesar de, é sabido, achar isto dos subsídios um regabofe indescritível.
Com os direitos adquiridos das pessoas não se brinca, é o que os gabinetes do PM e do ministro Gaspar nos dizem. Por muito menos que isso, é certo, o TC foi crismado de irresponsável, lesa-pátria, até interesseiro (porque, malandro, decidia também sobre os seus próprios subsídios), e avisado de que se metia onde não era chamado, "interferindo em matéria orçamental" (nas palavras sempre avisadas do líder parlamentar do PP). Mas isso foi só porque o Executivo não concordou com a argumentação - que é lá isso da igualdade e da proporcionalidade, pivete a socialismo, horror -, e odiou que lhe retirassem o mérito de ter chegado sozinho à conclusão de que cortar os subsídios de férias de 2012 no fim de 2011 é uma ilegalidade inadmissível. Falta agora, claro, anunciar a restituição para todos. Deve ser quando Gaspar vier explicar, devagarinho, em que jogo de azar perdeu os quase quatro mil milhões de euros que lhe faltam.
In DN
Imergência racional
por FERNANDA CÂNCIO
24 agosto 2012
Afinal, aquela ideia de que não precisamos de Tribunal Constitucional para nada é capaz de fazer sentido. Bastam-nos o gabinete jurídico do PM e do ministro das Finanças, muito mais valorosos na defesa dos direitos fundamentais das pessoas que os conselheiros do Palácio Ratton.
Veja-se a manchete de ontem do DN. Aí se garante que no governo mais pequerrucho e poupadinho de sempre, estrela do firmamento da austeridade, se instituiu que membros dos gabinetes ministeriais "sem relação jurídica de natureza pública", em número desconhecido, tiveram direito a receber o subsídio de férias de que os restantes funcionários da administração pública foram privados por decisão do mesmíssimo governo. Isto porquê? Ora, porque, explica o gabinete do PM, os ditos assessores, motoristas, secretários e etc. adquiriram o direito às férias em 2011, à razão de dois dias por mês de trabalho, e a norma que determina a perda dos subsídios não tem efeitos retroativos: "Só pode abranger as férias adquiridas na sua vigência."
Percebido? Não? Melhor explicado: não se pode tirar às pessoas dinheiro que é delas, por lei e por contrato, e os subsídios de férias pagos - todos, sem exceção - em 2012 dizem respeito ao trabalho prestado em 2011. Como o Orçamento do Estado que elimina o pagamento dos subsídios é de 30 de dezembro, não pode aplicar-se a uma prestação respeitante ao ano de 2011. Caramba, isto entra pelos olhos adentro. Até porque, note-se, a maioria dos membros dos gabinetes - incluindo quiçá os assessores jurídicos - terá sido contratada antes do fatídico 13 de outubro em que Passos anunciou, invocando "emergência nacional", o corte dos subsídios, e estava a contar com eles. Aliás, quem diz os contratados diz os próprios ministros sem a tal "relação jurídica de natureza pública". Por exemplo, o PM, que veio do privado, privadíssimo, e, pela mesma lógica, terá recebido o subsídio de férias, apesar de, é sabido, achar isto dos subsídios um regabofe indescritível.
Com os direitos adquiridos das pessoas não se brinca, é o que os gabinetes do PM e do ministro Gaspar nos dizem. Por muito menos que isso, é certo, o TC foi crismado de irresponsável, lesa-pátria, até interesseiro (porque, malandro, decidia também sobre os seus próprios subsídios), e avisado de que se metia onde não era chamado, "interferindo em matéria orçamental" (nas palavras sempre avisadas do líder parlamentar do PP). Mas isso foi só porque o Executivo não concordou com a argumentação - que é lá isso da igualdade e da proporcionalidade, pivete a socialismo, horror -, e odiou que lhe retirassem o mérito de ter chegado sozinho à conclusão de que cortar os subsídios de férias de 2012 no fim de 2011 é uma ilegalidade inadmissível. Falta agora, claro, anunciar a restituição para todos. Deve ser quando Gaspar vier explicar, devagarinho, em que jogo de azar perdeu os quase quatro mil milhões de euros que lhe faltam.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Outro desvio colossal
-
Outro desvio colossal
por JOÃO MARCELINO
Ontem
1 - Os dados da execução orçamental até julho demonstram que o Governo, com as medidas de austeridade tomadas, e foram muitas, não vai conseguir alcançar a meta do défice prevista (e acordada com a União Europeia e FMI): 4,5% do PIB.
Não há aqui, propriamente, nenhuma novidade.
O próprio Vítor Gaspar, quando em final de junho reconheceu que havia "um aumento significativo" de riscos relacionados com aquilo que chamou de "perspetivas orçamentais", estava a preparar o caminho para o que agora é público: há um desvio muito significativo, colossal - porque atinge quase os três mil milhões de euros! - nas contas do Estado.
O abrandamento da atividade económica fez baixar toda a arrecadação de receita. Só os trabalhadores por conta de outrem, com o seu IRS, nunca falham aos cofres públicos.
Tudo aquilo que depende da economia, do imposto automóvel ao IVA, não escapou às medidas do memorando e que o Governo tem implementado no sentido do equilíbrio das contas.
A única nota positiva no documento é a demonstração de que o Estado começou a baixar a despesa. Pouco, mas começou - sendo que, obviamente, suspender o pagamento do subsídio de férias aos trabalhadores e os cortes aos pensionistas foi uma enorme contribuição a esse trabalho original...
2 - E agora? - perguntar-se-á. Se todas estas medidas de austeridade não chegam, qual é o passo seguinte?
A resposta a esta pergunta o Governo também já a deu: "Medidas adicionais"! E "as que forem necessárias".
Ora, ainda faltando a conversa do Governo com a troika, no âmbito do quinto exame à implementação das medidas do memorando, para despistar a remota possibilidade de ser dado mais tempo a Portugal para a consolidação orçamental, parece mais ou menos evidente que vem aí inevitavelmente mais um imposto extraordinário para dezembro deste ano. Entre outras medidas, claro.
3 - Estamos perante uma situação complexa e que demonstra que é falso que haja quem tenha o exclusivo dos desvios, mesmo os colossais.
A enquadrar as tais medidas que agora se aguardam, temos, por um lado, a convicção de Pedro Passos Coelho e o compromisso internacional. Por outro, estão o Presidente da República e o líder da oposição, entre muitas outras pessoas com responsabilidade na sociedade portuguesa, que já disseram que não há espaço para mais sacrifícios. E o Governo precisa tanto de Cavaco Silva, para enquadrar a atividade governativa, como de António José Seguro, para votar o orçamento e continuar a apresentar no exterior um amplo consenso nacional quanto ao caminho de reestruturação económica e dos gastos do Estado.
Manter estes equilíbrios institucionais, assim como balançar a necessidade de consolidação orçamental com os estímulos ao funcionamento da economia, terá de ser a principal tarefa política de Passos Coelho para as próximas semanas.
Encontrar o caminho justo entre a obrigação do País e a necessidade das famílias não é nada fácil neste caso.
Algumas pessoas têm admitido que a troika possa agora "perdoar" o desvio português e dar mais tempo ao País como prémio ao aluno que tem, de forma disciplinada, feito os trabalhos de casa. Se Merkel e Hollande fecharam taxativamente nos últimos dias essa possibilidade à Grécia, como é que a poderiam admitir para Portugal? Esse é o drama em que a União Europeia está mergulhada. Tem um objetivo, uma convicção mas a realidade é injusta...
In DN
Outro desvio colossal
por JOÃO MARCELINO
Ontem
1 - Os dados da execução orçamental até julho demonstram que o Governo, com as medidas de austeridade tomadas, e foram muitas, não vai conseguir alcançar a meta do défice prevista (e acordada com a União Europeia e FMI): 4,5% do PIB.
Não há aqui, propriamente, nenhuma novidade.
O próprio Vítor Gaspar, quando em final de junho reconheceu que havia "um aumento significativo" de riscos relacionados com aquilo que chamou de "perspetivas orçamentais", estava a preparar o caminho para o que agora é público: há um desvio muito significativo, colossal - porque atinge quase os três mil milhões de euros! - nas contas do Estado.
O abrandamento da atividade económica fez baixar toda a arrecadação de receita. Só os trabalhadores por conta de outrem, com o seu IRS, nunca falham aos cofres públicos.
Tudo aquilo que depende da economia, do imposto automóvel ao IVA, não escapou às medidas do memorando e que o Governo tem implementado no sentido do equilíbrio das contas.
A única nota positiva no documento é a demonstração de que o Estado começou a baixar a despesa. Pouco, mas começou - sendo que, obviamente, suspender o pagamento do subsídio de férias aos trabalhadores e os cortes aos pensionistas foi uma enorme contribuição a esse trabalho original...
2 - E agora? - perguntar-se-á. Se todas estas medidas de austeridade não chegam, qual é o passo seguinte?
A resposta a esta pergunta o Governo também já a deu: "Medidas adicionais"! E "as que forem necessárias".
Ora, ainda faltando a conversa do Governo com a troika, no âmbito do quinto exame à implementação das medidas do memorando, para despistar a remota possibilidade de ser dado mais tempo a Portugal para a consolidação orçamental, parece mais ou menos evidente que vem aí inevitavelmente mais um imposto extraordinário para dezembro deste ano. Entre outras medidas, claro.
3 - Estamos perante uma situação complexa e que demonstra que é falso que haja quem tenha o exclusivo dos desvios, mesmo os colossais.
A enquadrar as tais medidas que agora se aguardam, temos, por um lado, a convicção de Pedro Passos Coelho e o compromisso internacional. Por outro, estão o Presidente da República e o líder da oposição, entre muitas outras pessoas com responsabilidade na sociedade portuguesa, que já disseram que não há espaço para mais sacrifícios. E o Governo precisa tanto de Cavaco Silva, para enquadrar a atividade governativa, como de António José Seguro, para votar o orçamento e continuar a apresentar no exterior um amplo consenso nacional quanto ao caminho de reestruturação económica e dos gastos do Estado.
Manter estes equilíbrios institucionais, assim como balançar a necessidade de consolidação orçamental com os estímulos ao funcionamento da economia, terá de ser a principal tarefa política de Passos Coelho para as próximas semanas.
Encontrar o caminho justo entre a obrigação do País e a necessidade das famílias não é nada fácil neste caso.
Algumas pessoas têm admitido que a troika possa agora "perdoar" o desvio português e dar mais tempo ao País como prémio ao aluno que tem, de forma disciplinada, feito os trabalhos de casa. Se Merkel e Hollande fecharam taxativamente nos últimos dias essa possibilidade à Grécia, como é que a poderiam admitir para Portugal? Esse é o drama em que a União Europeia está mergulhada. Tem um objetivo, uma convicção mas a realidade é injusta...
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
As evidências
.
As evidências
por PAULO BALDAIA
Hoje
Descontando o discurso político que teima sempre em preferir o optimismo no lugar do realismo, há um mistério que até os mais realistas vivem na angústia de não conseguir resolver. O país que foi intervencionado porque falhava todas as previsões de défice e não parava de aumentar a sua divida, mesmo depois da intervenção, não consegue controlar o défice nem a divida do Estado.
Sem mais um saque ao bolso dos contribuintes o défice deste ano também rondará os 6% do PIB. Por coincidência, esse também é o valor da percentagem do PIB que equivale ao aumento da divida do Estado à banca, 10 mil milhões de euros a mais nos primeiros seis meses do ano.
É evidente que a única solução nesta altura é deixar derrapar o défice. Os senhores da troika, que chegam na terça-feira, têm de as- sumir uma outra evidência: não foi o Governo, e muito menos o po- vo português, que falhou. Falhou a fórmula que a troika impôs quando interveio ao serviço de uma li- derança europeia que não faz a mínima ideia de que caminho é preciso trilhar. E o que falha nesta fórmula é a conjugação das medidas com os prazos estabelecidos para cumprir as metas do défice e da dívida.
É evidente que a economia portuguesa tem de se tornar mais competitiva para ter capacidade de pagar a dívida externa, que ultrapassa em muito o que somos capazes de produzir num ano inteiro.
É evidente que para a nossa economia se tornar mais competitiva é preciso reduzir o papel do Estado, aumentar a regulação de sectores-chave da economia e diminuir as burocracias.
É evidente que para sermos competitivos é preciso ter uma justiça que funcione sem armadilhas legislativas e sem corporações que fazem o que lhes apetece e frequentemente politizam a sua acção.
É, portanto, evidente, que todas as reformas que a troika nos impôs são bem-vindas. O que não faz sentido é a pressa em cumprir prazos que obrigam o Estado a sacar tudo o que pode aos seus cidadãos. Porque também é evidente que o povo português é como o burro do inglês, se lhe continuarem a tirar a "palha", acreditando que ele pode viver sem comer, não existirá país de que se possa contar a história.
Aos senhores que nos vieram tirar da bancarrota o Governo vai ter de explicar que o pior que lhes pode acontecer a eles, mas sobretudo a nós portugueses, é insistirem na ideia de que é possível ter um défice de 4,5% este ano e 3% no próximo ano. Toda a gente gosta de dizer que Portugal não é a Grécia e não é. Nós temos cumprido razoavelmente aquilo que nos foi imposto, mas o resultado não é o esperado. Se continuarem com a alucinação de que é possível cumprir as metas, então é certo que ficaremos a ser iguais à Grécia.
In DN
As evidências
por PAULO BALDAIA
Hoje
Descontando o discurso político que teima sempre em preferir o optimismo no lugar do realismo, há um mistério que até os mais realistas vivem na angústia de não conseguir resolver. O país que foi intervencionado porque falhava todas as previsões de défice e não parava de aumentar a sua divida, mesmo depois da intervenção, não consegue controlar o défice nem a divida do Estado.
Sem mais um saque ao bolso dos contribuintes o défice deste ano também rondará os 6% do PIB. Por coincidência, esse também é o valor da percentagem do PIB que equivale ao aumento da divida do Estado à banca, 10 mil milhões de euros a mais nos primeiros seis meses do ano.
É evidente que a única solução nesta altura é deixar derrapar o défice. Os senhores da troika, que chegam na terça-feira, têm de as- sumir uma outra evidência: não foi o Governo, e muito menos o po- vo português, que falhou. Falhou a fórmula que a troika impôs quando interveio ao serviço de uma li- derança europeia que não faz a mínima ideia de que caminho é preciso trilhar. E o que falha nesta fórmula é a conjugação das medidas com os prazos estabelecidos para cumprir as metas do défice e da dívida.
É evidente que a economia portuguesa tem de se tornar mais competitiva para ter capacidade de pagar a dívida externa, que ultrapassa em muito o que somos capazes de produzir num ano inteiro.
É evidente que para a nossa economia se tornar mais competitiva é preciso reduzir o papel do Estado, aumentar a regulação de sectores-chave da economia e diminuir as burocracias.
É evidente que para sermos competitivos é preciso ter uma justiça que funcione sem armadilhas legislativas e sem corporações que fazem o que lhes apetece e frequentemente politizam a sua acção.
É, portanto, evidente, que todas as reformas que a troika nos impôs são bem-vindas. O que não faz sentido é a pressa em cumprir prazos que obrigam o Estado a sacar tudo o que pode aos seus cidadãos. Porque também é evidente que o povo português é como o burro do inglês, se lhe continuarem a tirar a "palha", acreditando que ele pode viver sem comer, não existirá país de que se possa contar a história.
Aos senhores que nos vieram tirar da bancarrota o Governo vai ter de explicar que o pior que lhes pode acontecer a eles, mas sobretudo a nós portugueses, é insistirem na ideia de que é possível ter um défice de 4,5% este ano e 3% no próximo ano. Toda a gente gosta de dizer que Portugal não é a Grécia e não é. Nós temos cumprido razoavelmente aquilo que nos foi imposto, mas o resultado não é o esperado. Se continuarem com a alucinação de que é possível cumprir as metas, então é certo que ficaremos a ser iguais à Grécia.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
O futuro da União
.
O futuro da União
por JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Hoje
A crise europeia passou o Verão em lume brando para voltar a ferver em Setembro. O que não abrandou foi o borbulhar criativo dos comentadores, que manteve acesa a polémica com palpites para todos os gostos. Desde as catástrofes eminentes dos alarmistas às garantias de segurança das autoridades, o leitor pode escolher o tipo de ebulição que prefere. Que pensar então da situação?
É bom lembrar que crises fatais para a integração europeia tivemos várias nas últimas décadas, mas a União ainda subsiste. Repetidamente ao longo dos últimos 60 anos, qualquer avaliação séria das perspectivas teria de concluir que o projecto não duraria mais de alguns meses. Exactamente como hoje tantos dizem. Desde os anos 1950 que, se quisermos ser minuciosos e exactos, temos de afirmar que a Comunidade Europeia não pode existir. Integrar económica e politicamente tantos países com leis, hábitos, culturas e propósitos tão diferentes é, realmente, uma impossibilidade histórica. Uma impossiblidade que de facto existe e se impôs ao mundo e aos cépticos. Nesse sentido, os prognósticos mais aterradores estão cheios de razão. Como sempre estiveram, apesar de ainda não se terem realizado.
Não vale a pena dizer que esta crise é muito mais grave que as anteriores. Não só isso também foi dito em todos os casos anteriores, mas a afirmação é totalmente arbitrária, por ser impossível medir a gravidade das crises. Será o actual problema da dívida mais ameaçador que o veto de De Gaulle em 1963 ou o "rebate" de Thatcher em 1984? Será mais sério que a crise do petróleo de 1973 ou do sistema monetário europeu em 1993? Mais influente que as sanções contra a Áustria em 2000, o desacordo na invasão do Iraque em 2003 ou a rejeição da Constituição em 2005? Em todos estes momentos, e muitos outros, se falou do fim da Europa. E com razão. Mas ela ainda dura. A dramática situação desde 2010 constituirá mais um dos episódios a juntar à longa lista. Se a Europa sobreviver, claro.
Porque é bom não escamotear a gravidade da situação. Está de facto em causa a sobrevivência da União, como esteve em todos essas épocas. É bem possível que se viva em breve uma situação insustentável, que não possa ser controlada antes de demolir grande parte da integração. Vale a pena, porém, acertar o verdadeiro tipo de ameaça, porque muito do que se anda a dizer é disparate.
Por exemplo, é pouco provável que a União seja derrubada num pânico financeiro. A natureza humana é sempre imprevisível, e ultimamente os ânimos têm andado bastante exaltados, pelo que esta afirmação é bastante arriscada. Mas é bom lembrar que ninguém entra em pânico com aviso prévio. O terror é algo repentino, imprevisto, inopinado. Não é possível um susto generalizado quando toda a gente fala disso há anos. Se em 2010 a Grécia tivesse repudiado a dívida ou Portugal abandonado o euro, haveria um tremor continental de elevada magnitude. Agora já todos descontaram o que havia a descontar, já se provisionaram os riscos previsíveis. Só os muito distraídos se surpreenderiam. Isto não quer dizer que seja inócuo, mas a derrocada generalizada existe sobretudo na imaginação dos agoirentos.
O verdadeiro problema, hoje como sempre, é solidariedade. Os devedores precisam de ajuda porque abusaram dos apoios solidários, e os credores só serão solidários com garantias que esse comportamento comprometeu. Mas não existe alternativa à solidariedade porque, como todos estão no mesmo barco, a queda de um arrastará tudo. Por isso a Alemanha tem razão em exigir austeridade e a Grécia em repudiá-la. Também aqui, como antes, todos os que falam têm toda a razão no que dizem e por isso ninguém se entende.
É verdade que esta é a primeira crise a 27, dentro de um drama global e numa geração sem o élan original. Ninguém sabe o que acontecerá. Até é possível que a União desapareça. Uma coisa é certa: quando cair, agora ou no futuro remoto, os séculos seguintes olharão para ela como modelo. Como o império romano, que durou mil anos e foi copiado noutros mil.
naohaalmocosgratis@ucp.pt
In DN
O futuro da União
por JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Hoje
A crise europeia passou o Verão em lume brando para voltar a ferver em Setembro. O que não abrandou foi o borbulhar criativo dos comentadores, que manteve acesa a polémica com palpites para todos os gostos. Desde as catástrofes eminentes dos alarmistas às garantias de segurança das autoridades, o leitor pode escolher o tipo de ebulição que prefere. Que pensar então da situação?
É bom lembrar que crises fatais para a integração europeia tivemos várias nas últimas décadas, mas a União ainda subsiste. Repetidamente ao longo dos últimos 60 anos, qualquer avaliação séria das perspectivas teria de concluir que o projecto não duraria mais de alguns meses. Exactamente como hoje tantos dizem. Desde os anos 1950 que, se quisermos ser minuciosos e exactos, temos de afirmar que a Comunidade Europeia não pode existir. Integrar económica e politicamente tantos países com leis, hábitos, culturas e propósitos tão diferentes é, realmente, uma impossibilidade histórica. Uma impossiblidade que de facto existe e se impôs ao mundo e aos cépticos. Nesse sentido, os prognósticos mais aterradores estão cheios de razão. Como sempre estiveram, apesar de ainda não se terem realizado.
Não vale a pena dizer que esta crise é muito mais grave que as anteriores. Não só isso também foi dito em todos os casos anteriores, mas a afirmação é totalmente arbitrária, por ser impossível medir a gravidade das crises. Será o actual problema da dívida mais ameaçador que o veto de De Gaulle em 1963 ou o "rebate" de Thatcher em 1984? Será mais sério que a crise do petróleo de 1973 ou do sistema monetário europeu em 1993? Mais influente que as sanções contra a Áustria em 2000, o desacordo na invasão do Iraque em 2003 ou a rejeição da Constituição em 2005? Em todos estes momentos, e muitos outros, se falou do fim da Europa. E com razão. Mas ela ainda dura. A dramática situação desde 2010 constituirá mais um dos episódios a juntar à longa lista. Se a Europa sobreviver, claro.
Porque é bom não escamotear a gravidade da situação. Está de facto em causa a sobrevivência da União, como esteve em todos essas épocas. É bem possível que se viva em breve uma situação insustentável, que não possa ser controlada antes de demolir grande parte da integração. Vale a pena, porém, acertar o verdadeiro tipo de ameaça, porque muito do que se anda a dizer é disparate.
Por exemplo, é pouco provável que a União seja derrubada num pânico financeiro. A natureza humana é sempre imprevisível, e ultimamente os ânimos têm andado bastante exaltados, pelo que esta afirmação é bastante arriscada. Mas é bom lembrar que ninguém entra em pânico com aviso prévio. O terror é algo repentino, imprevisto, inopinado. Não é possível um susto generalizado quando toda a gente fala disso há anos. Se em 2010 a Grécia tivesse repudiado a dívida ou Portugal abandonado o euro, haveria um tremor continental de elevada magnitude. Agora já todos descontaram o que havia a descontar, já se provisionaram os riscos previsíveis. Só os muito distraídos se surpreenderiam. Isto não quer dizer que seja inócuo, mas a derrocada generalizada existe sobretudo na imaginação dos agoirentos.
O verdadeiro problema, hoje como sempre, é solidariedade. Os devedores precisam de ajuda porque abusaram dos apoios solidários, e os credores só serão solidários com garantias que esse comportamento comprometeu. Mas não existe alternativa à solidariedade porque, como todos estão no mesmo barco, a queda de um arrastará tudo. Por isso a Alemanha tem razão em exigir austeridade e a Grécia em repudiá-la. Também aqui, como antes, todos os que falam têm toda a razão no que dizem e por isso ninguém se entende.
É verdade que esta é a primeira crise a 27, dentro de um drama global e numa geração sem o élan original. Ninguém sabe o que acontecerá. Até é possível que a União desapareça. Uma coisa é certa: quando cair, agora ou no futuro remoto, os séculos seguintes olharão para ela como modelo. Como o império romano, que durou mil anos e foi copiado noutros mil.
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O ventríloquo
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O ventríloquo
por BAPTISTA-BASTOS
Hoje
O país que pensa assistiu, entre o perplexo e o estarrecido, às declarações do sr. António Borges a Judite Sousa, na TVI. Perplexo porque viu um assessor substituir o Governo numa entrevista importante. Estarrecido pela frieza gélida com que o senhorito falou no extermínio do serviço público de informação, em troca de coisa alguma. A certa altura da extraordinária conversa, o sr. Borges, impávido e sereno, disse que a questão dos despedimentos previsíveis diria respeito ao novo "operador" logo que a RTP e a RDP fossem desmanteladas. O Governo lavava dali as mãos. Só um tolo admitiria que o preopinante falava com voz própria. Ele mais não era do que o eco, à sorrelfa, de Miguel Relvas, dissimulado nos bastidores pelas públicas razões conhecidas.
Há algo de desprezível na conduta moral de quem se serve de um outro para dizer o que, no momento, não está interessado em afirmar; e de repugnante, naquele que se substitui com a cara, a voz e a ideia. Ambos se equivalem e ambos são a imagem restituída da baderna a que chegámos.
A esta farsa não estará alheio o primeiro-ministro. Não passa pela cabeça de ninguém que o enredo foi montado sem o seu conhecimento. De qualquer das formas, ele terá de esclarecer o assunto. O sr. Borges, ao falar, como falou, assertivo e veemente, da privatização da RTP e da RDP, do que vai mudar e do que vai ser concessionado; dos funcionários que a entidade "compradora" entenderá, ou não, estarem a mais; da extinção absoluta do serviço público e da sua eventual entrega a interesses estrangeiros - disse-o com conhecimento de causa e no registo comum a um governante.
Este desvio do discurso cultural e político transforma-se num apelo ao desmantelamento dos percursos habituais das nossas heranças. Além da gravidade da proposta, e da natureza agressiva do seu conteúdo, que tende a subalternizar a própria democracia, parece-me insultuoso que seja um estranho ao Governo a dar notícia dos factos. E a pôr em causa, com displicente indiferença, a vida de quase duas mil pessoas.
As atitudes deste Executivo têm dissolvido o pouco que nos restava de orgulho nacional. Nenhuma neutralidade pode arbitrar estas pequenas infâmias. E são-no porque o desdém demonstrado pelos governantes parece querer criar as suas próprias razões.
A mística do neoliberalismo, perante um mundo sem pátria e de pensamento único, tem como objectivo o domínio pela obediência, pela submissão e pelo medo. O papel do sr. António Borges é o de um factotum desprovido de toda a singularidade. Em causa estão a grande crise de valores de que enferma a nossa época e a supremacia da finança sobre a diversidade civilizacional. Alegremente, caminhamos para o desconhecido, sabendo-se, de antemão, pelo que resulta da experiência, a configuração da catástrofe.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
In DN
O ventríloquo
por BAPTISTA-BASTOS
Hoje
O país que pensa assistiu, entre o perplexo e o estarrecido, às declarações do sr. António Borges a Judite Sousa, na TVI. Perplexo porque viu um assessor substituir o Governo numa entrevista importante. Estarrecido pela frieza gélida com que o senhorito falou no extermínio do serviço público de informação, em troca de coisa alguma. A certa altura da extraordinária conversa, o sr. Borges, impávido e sereno, disse que a questão dos despedimentos previsíveis diria respeito ao novo "operador" logo que a RTP e a RDP fossem desmanteladas. O Governo lavava dali as mãos. Só um tolo admitiria que o preopinante falava com voz própria. Ele mais não era do que o eco, à sorrelfa, de Miguel Relvas, dissimulado nos bastidores pelas públicas razões conhecidas.
Há algo de desprezível na conduta moral de quem se serve de um outro para dizer o que, no momento, não está interessado em afirmar; e de repugnante, naquele que se substitui com a cara, a voz e a ideia. Ambos se equivalem e ambos são a imagem restituída da baderna a que chegámos.
A esta farsa não estará alheio o primeiro-ministro. Não passa pela cabeça de ninguém que o enredo foi montado sem o seu conhecimento. De qualquer das formas, ele terá de esclarecer o assunto. O sr. Borges, ao falar, como falou, assertivo e veemente, da privatização da RTP e da RDP, do que vai mudar e do que vai ser concessionado; dos funcionários que a entidade "compradora" entenderá, ou não, estarem a mais; da extinção absoluta do serviço público e da sua eventual entrega a interesses estrangeiros - disse-o com conhecimento de causa e no registo comum a um governante.
Este desvio do discurso cultural e político transforma-se num apelo ao desmantelamento dos percursos habituais das nossas heranças. Além da gravidade da proposta, e da natureza agressiva do seu conteúdo, que tende a subalternizar a própria democracia, parece-me insultuoso que seja um estranho ao Governo a dar notícia dos factos. E a pôr em causa, com displicente indiferença, a vida de quase duas mil pessoas.
As atitudes deste Executivo têm dissolvido o pouco que nos restava de orgulho nacional. Nenhuma neutralidade pode arbitrar estas pequenas infâmias. E são-no porque o desdém demonstrado pelos governantes parece querer criar as suas próprias razões.
A mística do neoliberalismo, perante um mundo sem pátria e de pensamento único, tem como objectivo o domínio pela obediência, pela submissão e pelo medo. O papel do sr. António Borges é o de um factotum desprovido de toda a singularidade. Em causa estão a grande crise de valores de que enferma a nossa época e a supremacia da finança sobre a diversidade civilizacional. Alegremente, caminhamos para o desconhecido, sabendo-se, de antemão, pelo que resulta da experiência, a configuração da catástrofe.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
In DN
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Casamento com separação de bens
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Casamento com separação de bens
por NUNO SARAIVA
Ontem
Nos últimos tempos, temos assistido a um cres-cimento das divergências públicas entre os dois partidos que compõem a coligação de Governo. Primeiro foi a oposição do CDS a novos aumentos da carga fiscal e ao alargamento aos privados do corte dos subsídios de férias e de Natal. E, mais recentemente, o dossiê de privatização ou concessão da RTP trouxe a lume novos sinais de tensão política.
O que é facto é que as relações entre os dois partidos já não são o que eram. Adversários há pouco mais de um ano, com agendas e patrimónios distintos, avançaram para um casamento, com óbvia separação de bens, que, a prazo, pode significar um divórcio com custos eleitorais para ambos os partidos.
A verdade é que não há memória de, em nenhuma das anteriores AD que estiveram no poder, haver tantos sinais públicos que indiciem uma ameaça de rutura tão evidente.
Olhemos pois para os factos. Nos últimos meses, o CDS não se tem inibido de, em público, fazer oposição declarada a algumas das intenções governativas da maioria. António Pires de Lima, presidente do Conselho Nacional centrista, tem-se desdobrado em entrevistas e declarações sobre o Orçamento do Estado para 2013, em que tem deixado claro que o CDS não tem margem para tolerar novo agravamento dos impostos, seja para as famílias seja para as empresas.
Já antes, outros dirigentes do CDS tinham afirmado publicamente a mesma posição sustentando que os contribuintes não aguentam pagar mais, e que qualquer subida do IRC terá apenas como resultado a falência de muitas mais empresas. O próprio Paulo Portas, aliás, escreveu durante o verão aos militantes do partido para reforçar o compromisso de que não aceitará novos agravamentos tributários.
Ainda assim, a decisão do Tribunal Constitucional de chumbar o corte de subsídios de Natal e de férias na função pública parecia ter funcionado como elemento de afinação entre as duas forças políticas que, a uma só voz, criticaram os juízes do Palácio Ratton e se dispuseram a encontrar uma alternativa "equivalente". Porém, mal se falou na possibilidade de alargamento desta medida ao sector privado como forma de garantir a equidade, as vozes contra no CDS voltaram a fazer-se ouvir em público.
O acentuar das diferenças deu-se há uma semana, depois da entrevista de António Borges à TVI, em que o consultor do Governo para as privatizações enunciou a "mais atraente" das equações para o futuro da RTP: fechar o canal 2 e concessionar tudo o resto.
De imediato, dirigentes, deputados e até ministros do CDS foram incapazes de calar as críticas, subalternizando os ataques, esperados e óbvios, da oposição. Que é incompreensível que alguém que não é ministro e não tem qualquer mandato ou responsabilidade política se substitua ao Governo, disseram uns; que não comentam consultores, afirmaram outros; que o modelo de concessão anunciado viola o acordo de coligação assinado com o CDS, garantiram mais uns tantos; que a revolta pública do Conselho de Administração, agora demissionário, contra a tutela é compreensível, alegaram os restantes. A RTP, que para o CDS não era privatizável e cuja alienação de apenas um canal foi objeto de negociação para que se chegasse ao acordo de Governo, transformou-se assim em pretexto para mais um "conflito conjugal".
Aqui chegados, pouco mais de um ano depois do "casamento", o potencial de conflitualidade entre os dois parceiros parece crescente, sobretudo se juntarmos a tudo isto as posições do CDS na Madeira e nos Açores. Adversários ferozes do PSD, no primeiro caso, e a manutenção da porta aberta para uma aliança com o PS, no segundo.
Perante tudo isto, fôssemos um país saudável do ponto de vista económico, e não se desse a circunstância de estarmos sob a alçada de um programa de assistência financeira, e já a coligação no poder tinha metido os papéis para o divórcio político
In DN
Casamento com separação de bens
por NUNO SARAIVA
Ontem
Nos últimos tempos, temos assistido a um cres-cimento das divergências públicas entre os dois partidos que compõem a coligação de Governo. Primeiro foi a oposição do CDS a novos aumentos da carga fiscal e ao alargamento aos privados do corte dos subsídios de férias e de Natal. E, mais recentemente, o dossiê de privatização ou concessão da RTP trouxe a lume novos sinais de tensão política.
O que é facto é que as relações entre os dois partidos já não são o que eram. Adversários há pouco mais de um ano, com agendas e patrimónios distintos, avançaram para um casamento, com óbvia separação de bens, que, a prazo, pode significar um divórcio com custos eleitorais para ambos os partidos.
A verdade é que não há memória de, em nenhuma das anteriores AD que estiveram no poder, haver tantos sinais públicos que indiciem uma ameaça de rutura tão evidente.
Olhemos pois para os factos. Nos últimos meses, o CDS não se tem inibido de, em público, fazer oposição declarada a algumas das intenções governativas da maioria. António Pires de Lima, presidente do Conselho Nacional centrista, tem-se desdobrado em entrevistas e declarações sobre o Orçamento do Estado para 2013, em que tem deixado claro que o CDS não tem margem para tolerar novo agravamento dos impostos, seja para as famílias seja para as empresas.
Já antes, outros dirigentes do CDS tinham afirmado publicamente a mesma posição sustentando que os contribuintes não aguentam pagar mais, e que qualquer subida do IRC terá apenas como resultado a falência de muitas mais empresas. O próprio Paulo Portas, aliás, escreveu durante o verão aos militantes do partido para reforçar o compromisso de que não aceitará novos agravamentos tributários.
Ainda assim, a decisão do Tribunal Constitucional de chumbar o corte de subsídios de Natal e de férias na função pública parecia ter funcionado como elemento de afinação entre as duas forças políticas que, a uma só voz, criticaram os juízes do Palácio Ratton e se dispuseram a encontrar uma alternativa "equivalente". Porém, mal se falou na possibilidade de alargamento desta medida ao sector privado como forma de garantir a equidade, as vozes contra no CDS voltaram a fazer-se ouvir em público.
O acentuar das diferenças deu-se há uma semana, depois da entrevista de António Borges à TVI, em que o consultor do Governo para as privatizações enunciou a "mais atraente" das equações para o futuro da RTP: fechar o canal 2 e concessionar tudo o resto.
De imediato, dirigentes, deputados e até ministros do CDS foram incapazes de calar as críticas, subalternizando os ataques, esperados e óbvios, da oposição. Que é incompreensível que alguém que não é ministro e não tem qualquer mandato ou responsabilidade política se substitua ao Governo, disseram uns; que não comentam consultores, afirmaram outros; que o modelo de concessão anunciado viola o acordo de coligação assinado com o CDS, garantiram mais uns tantos; que a revolta pública do Conselho de Administração, agora demissionário, contra a tutela é compreensível, alegaram os restantes. A RTP, que para o CDS não era privatizável e cuja alienação de apenas um canal foi objeto de negociação para que se chegasse ao acordo de Governo, transformou-se assim em pretexto para mais um "conflito conjugal".
Aqui chegados, pouco mais de um ano depois do "casamento", o potencial de conflitualidade entre os dois parceiros parece crescente, sobretudo se juntarmos a tudo isto as posições do CDS na Madeira e nos Açores. Adversários ferozes do PSD, no primeiro caso, e a manutenção da porta aberta para uma aliança com o PS, no segundo.
Perante tudo isto, fôssemos um país saudável do ponto de vista económico, e não se desse a circunstância de estarmos sob a alçada de um programa de assistência financeira, e já a coligação no poder tinha metido os papéis para o divórcio político
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Equívocos com a 'troika'
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Equívocos com a 'troika'
por BAPTISTA-BASTOS
Hoje
O dr. Cavaco falou e disse. Disse que a troika falhara, no rude empreendimento da austeridade, origem de todos os nossos infortúnios. Os partidos de Esquerda tinham avisado dos perigos da proposta; porém, economistas de todo o quilate haviam-na aplaudido com fervor. O próprio dr. Cavaco era seu panegirista. Repetia, cheio de enlevo, que o Governo rumava cerro. E Passos Coelho, rubro de entusiasmo, decidiu ir mais além das exigências dos burocratas. Afinal, o plano de austeridade não cabia, por inteiro, àqueles senhores. O Governo procedera a uma espécie de incorporação dos seus próprios desígnios ideológicos e arrastara-nos para esta triste situação.
A combinação do embuste com a mais funesta manipulação dos factos tem criado novas situações de incerteza. A democracia de Pedro Passos Coelho provoca reservas e desconfianças surpreendentes. O desregulamento das regras e a liquidação dos princípios republicanos consentem todas as velhacarias. Inclusive a reprodução dos dispositivos da aldrabice. O descaramento com que o primeiro-ministro mente já deixou de provocar assombro: suscita repugnância. Para limitar as vias de acesso de outros ao poder, ele é capaz de nos dizer que tudo caminha pelo melhor. A impostura fere muitos milhares de portugueses, e indigna-os porque os humilha e castiga.
Nesta altura, o dr. Cavaco tinha a obrigação moral de apor um ponto de exclamação na mais escassa frase que pronunciasse. Atribuir à troika o grosso das culpas liberta Passos Coelho de qualquer responsabilidade. E coloca-se no supremo e imaculado papel de julgador. Além de idiota, a manobra entra nos domínios do irracional, porque já se sabe o que tem acontecido nestes domínios. Se a troika falhou, como pretende, docemente, o dr. Cavaco, que fizeram aqueles sábios que lhe seguiram o rasto e obedeceram às indicações? Quem falhou, afinal?
A charada é menos imbricada do que parece. Manifesta-se um fiasco generalizado em todas as actividades do Governo, cuja existência política já soçobrou, embora ele não reconheça nem admita. A troika, que falhou, lava as mãos das decisões eruptivas tomadas pelo Executivo; no entanto, ela age na sombra e no silêncio. E os mangas-de-alpaca que aí estão são, eles também, subalternos de uma ideologia na qual dominam os obscuros valores da finança.
A sociedade civil deixou, pura e simplesmente, de acreditar na escala local. E os esforços dos sindicatos, para inverter esta tendência, têm dado módicos resultados. Muitos de nós continuamos a acreditar que a cultura é prioritária. A cultura, entendida como actividade de relação, e como contrapoder, pode alterar, substancialmente, o sentido das coisas. Para isso, Portugal carecia de outro Presidente e de outro primeiro-ministro. E, acaso, de outra fibra.
In DN
Equívocos com a 'troika'
por BAPTISTA-BASTOS
Hoje
O dr. Cavaco falou e disse. Disse que a troika falhara, no rude empreendimento da austeridade, origem de todos os nossos infortúnios. Os partidos de Esquerda tinham avisado dos perigos da proposta; porém, economistas de todo o quilate haviam-na aplaudido com fervor. O próprio dr. Cavaco era seu panegirista. Repetia, cheio de enlevo, que o Governo rumava cerro. E Passos Coelho, rubro de entusiasmo, decidiu ir mais além das exigências dos burocratas. Afinal, o plano de austeridade não cabia, por inteiro, àqueles senhores. O Governo procedera a uma espécie de incorporação dos seus próprios desígnios ideológicos e arrastara-nos para esta triste situação.
A combinação do embuste com a mais funesta manipulação dos factos tem criado novas situações de incerteza. A democracia de Pedro Passos Coelho provoca reservas e desconfianças surpreendentes. O desregulamento das regras e a liquidação dos princípios republicanos consentem todas as velhacarias. Inclusive a reprodução dos dispositivos da aldrabice. O descaramento com que o primeiro-ministro mente já deixou de provocar assombro: suscita repugnância. Para limitar as vias de acesso de outros ao poder, ele é capaz de nos dizer que tudo caminha pelo melhor. A impostura fere muitos milhares de portugueses, e indigna-os porque os humilha e castiga.
Nesta altura, o dr. Cavaco tinha a obrigação moral de apor um ponto de exclamação na mais escassa frase que pronunciasse. Atribuir à troika o grosso das culpas liberta Passos Coelho de qualquer responsabilidade. E coloca-se no supremo e imaculado papel de julgador. Além de idiota, a manobra entra nos domínios do irracional, porque já se sabe o que tem acontecido nestes domínios. Se a troika falhou, como pretende, docemente, o dr. Cavaco, que fizeram aqueles sábios que lhe seguiram o rasto e obedeceram às indicações? Quem falhou, afinal?
A charada é menos imbricada do que parece. Manifesta-se um fiasco generalizado em todas as actividades do Governo, cuja existência política já soçobrou, embora ele não reconheça nem admita. A troika, que falhou, lava as mãos das decisões eruptivas tomadas pelo Executivo; no entanto, ela age na sombra e no silêncio. E os mangas-de-alpaca que aí estão são, eles também, subalternos de uma ideologia na qual dominam os obscuros valores da finança.
A sociedade civil deixou, pura e simplesmente, de acreditar na escala local. E os esforços dos sindicatos, para inverter esta tendência, têm dado módicos resultados. Muitos de nós continuamos a acreditar que a cultura é prioritária. A cultura, entendida como actividade de relação, e como contrapoder, pode alterar, substancialmente, o sentido das coisas. Para isso, Portugal carecia de outro Presidente e de outro primeiro-ministro. E, acaso, de outra fibra.
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
São perguntas que me assaltam
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São perguntas que me assaltam
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Que passará na cabeça de um troiko, vendo o desfilar dos diversos espécimes lusitanos? Quando chega o do patronato, o troiko vai à janela ver qual o modelo do Mercedes, se tem jantes de liga leve, se o motorista usa farda? Aos sindicalistas recebe com um sorriso trocista, género "ainda não viste nada"? Aos da oposição, o troiko acirra: "Sabem que os do Governo pediram mais dinheiro?" Aos do Governo, diminui: "Não me parece que vocês tenham mão nesta malta"? Há um troiko bom e um troiko mau, como na Pide? O da Comissão Europeia diz: "A gente ajudava mais, mas aqui o do FMI não deixa"? O do FMI assume: "Lá isso podes crer, connosco vocês já estavam no olho da rua da Europa..."? O do BCE escangalha-se a rir com a confusão do espécime lusitano perante a fita dos outros dois colegas troikos? Algum dos troikos bocejou na presença dos portugueses que recebia? Claro que nenhum dos portugueses levou boina (as boinas já não se usam), mas algum sentiu formigueiro nos dedos, como se segurasse uma boina, colada à barriga e com as duas mãos, como antigamente os capatazes faziam na presença do senhor morgado? Era sempre um troiko a dizer: "Sentem-se"? Tantas perguntas... Desculpem, mas ninguém me fala disto. Tanto microfone estendido, tanto representante nosso recebido e disponível para declarar, e nem uma dessas perguntas saiu. Nem esta, tão s
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São perguntas que me assaltam
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Que passará na cabeça de um troiko, vendo o desfilar dos diversos espécimes lusitanos? Quando chega o do patronato, o troiko vai à janela ver qual o modelo do Mercedes, se tem jantes de liga leve, se o motorista usa farda? Aos sindicalistas recebe com um sorriso trocista, género "ainda não viste nada"? Aos da oposição, o troiko acirra: "Sabem que os do Governo pediram mais dinheiro?" Aos do Governo, diminui: "Não me parece que vocês tenham mão nesta malta"? Há um troiko bom e um troiko mau, como na Pide? O da Comissão Europeia diz: "A gente ajudava mais, mas aqui o do FMI não deixa"? O do FMI assume: "Lá isso podes crer, connosco vocês já estavam no olho da rua da Europa..."? O do BCE escangalha-se a rir com a confusão do espécime lusitano perante a fita dos outros dois colegas troikos? Algum dos troikos bocejou na presença dos portugueses que recebia? Claro que nenhum dos portugueses levou boina (as boinas já não se usam), mas algum sentiu formigueiro nos dedos, como se segurasse uma boina, colada à barriga e com as duas mãos, como antigamente os capatazes faziam na presença do senhor morgado? Era sempre um troiko a dizer: "Sentem-se"? Tantas perguntas... Desculpem, mas ninguém me fala disto. Tanto microfone estendido, tanto representante nosso recebido e disponível para declarar, e nem uma dessas perguntas saiu. Nem esta, tão s
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
Ninguém pára a revolução
.
Ninguém pára a revolução
por PEDRO MARQUES LOPES
Ontem
Esqueçamos por agora. Esqueçamos as promessas de que tudo se ia resolver pelos cortes nas gorduras e diminuição dos custos intermédios. Esqueçamos a profunda ignorância sobre as razões da crise que atravessamos ou a suprema desonestidade de as sabendo não as dizer. Esqueçamos o facto de não haver uma linha de discurso governamental sobre os problemas do euro, da Europa ou da crise financeira global. Esqueçamos as mentiras sobre a confiança readquirida no nosso país, a tal que fez baixar as taxas de juro. Esqueçamos o facto de Passos Coelho se ter sempre oposto às medidas que efectivamente as fizeram baixar. Esqueçamos os constantes ataques ao Tribunal Constitucional.
É melhor esquecermos. Podemos dar por nós a pensar se não há um sério problema de legitimidade democrática quando se faz exactamente o oposto daquilo que se promete, a reflectir sobre uma tão evidente falta de preparação para o exercício de tão importantes funções ou a cismar sobre tanta ausência de sentido de Estado.
Concentremo-nos apenas em alguns "pormenores" da mensagem de sexta-feira do primeiro-ministro ao País.
Afinal, receita que até agora apenas provocou desemprego, falências em catadupa, recessão económica, é para manter. Tudo isso, mais os cortes sociais e tudo o que estamos a sentir no lombo, era preciso para atingirmos os 4,5% de défice, o número mágico que nos ia salvar. Apesar de todos os sacrifícios, de toda a miséria criada, não se chegou lá, longe disso.
Então, o que se faz agora para chegar aos 3% em 2013? Prescreve--se o mesmo medicamento, mas aumenta-se a dose: mantém-se o corte de dois salários aos funcionários públicos, os reformados continuam a ser assaltados (o dinheiro que deixam de receber não é do Estado, é deles) e agora também é retirado um salário líquido aos trabalhadores do sector privado.
É assim como tentar apagar uma fogueira regando-a com gasolina. Utilizar uma fórmula em dose superior que já provou estar errada e esperar resultados diferentes é, digamos, estúpido.
Porém, para diminuir os danos na economia, o Governo anunciou uma solução para aumentar o emprego. No papel a coisa funcionaria assim: as empresas passam a pagar menos do que pagavam para a Segurança Social, e com esse dinheiro que fica teoricamente em caixa decidem imediatamente contratar trabalhadores. Alguém se deve ter esquecido de explicar aos geniais pensadores governamentais que se as empresas não venderem os seus produtos não ganham dinheiro, e se não ganham dinheiro não podem empregar ninguém. Ora como as pessoas vão perder ainda mais poder de compra (toda a gente passa a pagar mais 63,6% à Segurança Social), é capaz de não resultar...
A hipocrisia suprema é falar de defender as pequenas e médias empresas com esta medida. Estas empresas trabalham para o mercado interno, como diabo se fala de ajuda quando se lhes retira clientes? Sim, as empresas precisam de financiamento como de pão para a boca, mas precisam também de vender. Sem financiamento algumas resistirão; sem clientes não há uma que resista.
Mas, calma, o Governo não está a ser ilógico, e vê o que todos vemos. Passos Coelho e Paulo Portas não pensam que o desemprego vai diminuir por as contribuições para a Segurança Social por parte das empresas baixarem. Seria insultar a inteligência dos líderes responsáveis por estas políticas achar que eles pensam que com uma economia em queda se criam empregos. Também, de certeza absoluta, não pensam que as pequenas e médias empresas vão ficar com uma tesouraria mais desafogada. Digamos que são mentiras piedosas. Há um caminho, não pode ser dito em voz alta, mas há um caminho definido: é preciso esmagar os salários, é fundamental empobrecer violentamente, sobre todos, quem trabalha por conta de outrem. O que é preciso é chegar a um limite em que cada um de nós estará disposto a trabalhar dezoito horas por uma côdea. Para que esse homem novo surja é preciso destruir a economia, criar ainda mais desemprego, forçar mais empresas a falir (a taxa de IVA para a restauração está a cumprir na íntegra a sua função, por exemplo) e depois da destruição total da economia, como por milagre, tudo será maravilhoso.
Claro que não houve anúncios nos cortes na despesa, claro que as renegociações dos valores das parcerias público-privadas foram mais uma vez atiradas para as calendas, claro que não houve a mínima preocupação em tributar outras formas de rendimento que não o trabalho, claro que a preocupação sobre o tremendo aumento da desigualdade que estas medidas vão ainda mais gerar pura e simplesmente não existe. É cada vez mais claro que nada disso importa para o Governo: o que é vital é empobrecer os portugueses, esses homens e mulheres que têm vivido num permanente regabofe. No entretanto, destrói-se por completo uma economia e, se não acordarmos, um país.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
Ninguém pára a revolução
por PEDRO MARQUES LOPES
Ontem
Esqueçamos por agora. Esqueçamos as promessas de que tudo se ia resolver pelos cortes nas gorduras e diminuição dos custos intermédios. Esqueçamos a profunda ignorância sobre as razões da crise que atravessamos ou a suprema desonestidade de as sabendo não as dizer. Esqueçamos o facto de não haver uma linha de discurso governamental sobre os problemas do euro, da Europa ou da crise financeira global. Esqueçamos as mentiras sobre a confiança readquirida no nosso país, a tal que fez baixar as taxas de juro. Esqueçamos o facto de Passos Coelho se ter sempre oposto às medidas que efectivamente as fizeram baixar. Esqueçamos os constantes ataques ao Tribunal Constitucional.
É melhor esquecermos. Podemos dar por nós a pensar se não há um sério problema de legitimidade democrática quando se faz exactamente o oposto daquilo que se promete, a reflectir sobre uma tão evidente falta de preparação para o exercício de tão importantes funções ou a cismar sobre tanta ausência de sentido de Estado.
Concentremo-nos apenas em alguns "pormenores" da mensagem de sexta-feira do primeiro-ministro ao País.
Afinal, receita que até agora apenas provocou desemprego, falências em catadupa, recessão económica, é para manter. Tudo isso, mais os cortes sociais e tudo o que estamos a sentir no lombo, era preciso para atingirmos os 4,5% de défice, o número mágico que nos ia salvar. Apesar de todos os sacrifícios, de toda a miséria criada, não se chegou lá, longe disso.
Então, o que se faz agora para chegar aos 3% em 2013? Prescreve--se o mesmo medicamento, mas aumenta-se a dose: mantém-se o corte de dois salários aos funcionários públicos, os reformados continuam a ser assaltados (o dinheiro que deixam de receber não é do Estado, é deles) e agora também é retirado um salário líquido aos trabalhadores do sector privado.
É assim como tentar apagar uma fogueira regando-a com gasolina. Utilizar uma fórmula em dose superior que já provou estar errada e esperar resultados diferentes é, digamos, estúpido.
Porém, para diminuir os danos na economia, o Governo anunciou uma solução para aumentar o emprego. No papel a coisa funcionaria assim: as empresas passam a pagar menos do que pagavam para a Segurança Social, e com esse dinheiro que fica teoricamente em caixa decidem imediatamente contratar trabalhadores. Alguém se deve ter esquecido de explicar aos geniais pensadores governamentais que se as empresas não venderem os seus produtos não ganham dinheiro, e se não ganham dinheiro não podem empregar ninguém. Ora como as pessoas vão perder ainda mais poder de compra (toda a gente passa a pagar mais 63,6% à Segurança Social), é capaz de não resultar...
A hipocrisia suprema é falar de defender as pequenas e médias empresas com esta medida. Estas empresas trabalham para o mercado interno, como diabo se fala de ajuda quando se lhes retira clientes? Sim, as empresas precisam de financiamento como de pão para a boca, mas precisam também de vender. Sem financiamento algumas resistirão; sem clientes não há uma que resista.
Mas, calma, o Governo não está a ser ilógico, e vê o que todos vemos. Passos Coelho e Paulo Portas não pensam que o desemprego vai diminuir por as contribuições para a Segurança Social por parte das empresas baixarem. Seria insultar a inteligência dos líderes responsáveis por estas políticas achar que eles pensam que com uma economia em queda se criam empregos. Também, de certeza absoluta, não pensam que as pequenas e médias empresas vão ficar com uma tesouraria mais desafogada. Digamos que são mentiras piedosas. Há um caminho, não pode ser dito em voz alta, mas há um caminho definido: é preciso esmagar os salários, é fundamental empobrecer violentamente, sobre todos, quem trabalha por conta de outrem. O que é preciso é chegar a um limite em que cada um de nós estará disposto a trabalhar dezoito horas por uma côdea. Para que esse homem novo surja é preciso destruir a economia, criar ainda mais desemprego, forçar mais empresas a falir (a taxa de IVA para a restauração está a cumprir na íntegra a sua função, por exemplo) e depois da destruição total da economia, como por milagre, tudo será maravilhoso.
Claro que não houve anúncios nos cortes na despesa, claro que as renegociações dos valores das parcerias público-privadas foram mais uma vez atiradas para as calendas, claro que não houve a mínima preocupação em tributar outras formas de rendimento que não o trabalho, claro que a preocupação sobre o tremendo aumento da desigualdade que estas medidas vão ainda mais gerar pura e simplesmente não existe. É cada vez mais claro que nada disso importa para o Governo: o que é vital é empobrecer os portugueses, esses homens e mulheres que têm vivido num permanente regabofe. No entretanto, destrói-se por completo uma economia e, se não acordarmos, um país.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
O que contraria Gaspar não serve a Gaspar
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O que contraria Gaspar não serve a Gaspar
por ANDRÉ MACEDO
Hoje
Vítor Gaspar anda um pouco perdido. Anteontem, sugeriu às pessoas que se juntassem para reagir aos aumentos de preços em sectores chave da economia. O ministro das Finanças não especificou, mas referia-se à energia, às telecomunicações, certamente aos combustíveis. Um dia destes ainda nos vai falar do preço da carcaça. Eis a solução de Gaspar para resolver os terríveis problemas do País: que os portugueses se unam para pressionar os gestores das empresas privadas a baixar os preços. Extraordinário, não é?
Veja bem. Um discípulo da escola de Chicago, um liberal que vai privatizar a água e em breve os pombos do Rossio, diz ao povo que escolha a ação direta. Ele não fala em piquetes nem em fogueiras na Avenida da Liberdade, mas percebe-se a intenção. Chegados a este ponto, ele só quer uma coisa: desviar um pouco as atenções deste salvamento - inegável a desgraça deixada pelo PS - que ameaça acabar num afogamento coletivo.
O ministro diz também que obrigará as empresas a não desbaratar o que vão poupar em segurança social. Pagar dividendos aos acionistas - grandes, pequenos, médios - passou a ser um nojo, um atentado à pátria. Temos entre nós o único liberal do sistema solar que despreza o mercado de capitais. Promete, por isso, enfiar a longa mão do Estado na gestão da tesouraria das empresas, como antes já tinha enfiado no bolso dos contribuintes. Calma: há certamente uma justificação técnica para este absurdo. Chega de injustiça. O ministro das Finanças tem as contas do lado dele. Todos os raciocínios e projeções estão ancorados em modelos econométricos perfeitos, à prova de bala.
O que são estes modelos? O Google esclarece: um conjunto de ferramentas usadas para simular os principais mecanismos de um sistema económico. Existe naturalmente uma grande variedade destes modelos, e como a teoria macroeconómica não é um campo estável, contém muitas teorias divergentes. Os diferentes modelos não só refletem diferentes usos, mas também o ponto de vista (ah pois é...) e a ideologia (ui, ui, ui) do analista que os construiu.
Ora aí está. É outra vez o maravilhoso Excel de Gaspar. Os modelos que o Banco de Portugal fez sobre a taxa social única não serviam a Gaspar, porque contrariavam o Gaspar. Portanto: lixo com eles. Os modelos da troika, sim, esses são belíssimos, certíssimos, caríssimos. Justificam tudo, até os clamorosos falhanços orçamentais deste ano e, inevitavelmente, os do próximo. Mas isto o Excel não diz. O Excel é um papagaio, Gaspar o mestre, nós a ração da ave rara.
In DN
O que contraria Gaspar não serve a Gaspar
por ANDRÉ MACEDO
Hoje
Vítor Gaspar anda um pouco perdido. Anteontem, sugeriu às pessoas que se juntassem para reagir aos aumentos de preços em sectores chave da economia. O ministro das Finanças não especificou, mas referia-se à energia, às telecomunicações, certamente aos combustíveis. Um dia destes ainda nos vai falar do preço da carcaça. Eis a solução de Gaspar para resolver os terríveis problemas do País: que os portugueses se unam para pressionar os gestores das empresas privadas a baixar os preços. Extraordinário, não é?
Veja bem. Um discípulo da escola de Chicago, um liberal que vai privatizar a água e em breve os pombos do Rossio, diz ao povo que escolha a ação direta. Ele não fala em piquetes nem em fogueiras na Avenida da Liberdade, mas percebe-se a intenção. Chegados a este ponto, ele só quer uma coisa: desviar um pouco as atenções deste salvamento - inegável a desgraça deixada pelo PS - que ameaça acabar num afogamento coletivo.
O ministro diz também que obrigará as empresas a não desbaratar o que vão poupar em segurança social. Pagar dividendos aos acionistas - grandes, pequenos, médios - passou a ser um nojo, um atentado à pátria. Temos entre nós o único liberal do sistema solar que despreza o mercado de capitais. Promete, por isso, enfiar a longa mão do Estado na gestão da tesouraria das empresas, como antes já tinha enfiado no bolso dos contribuintes. Calma: há certamente uma justificação técnica para este absurdo. Chega de injustiça. O ministro das Finanças tem as contas do lado dele. Todos os raciocínios e projeções estão ancorados em modelos econométricos perfeitos, à prova de bala.
O que são estes modelos? O Google esclarece: um conjunto de ferramentas usadas para simular os principais mecanismos de um sistema económico. Existe naturalmente uma grande variedade destes modelos, e como a teoria macroeconómica não é um campo estável, contém muitas teorias divergentes. Os diferentes modelos não só refletem diferentes usos, mas também o ponto de vista (ah pois é...) e a ideologia (ui, ui, ui) do analista que os construiu.
Ora aí está. É outra vez o maravilhoso Excel de Gaspar. Os modelos que o Banco de Portugal fez sobre a taxa social única não serviam a Gaspar, porque contrariavam o Gaspar. Portanto: lixo com eles. Os modelos da troika, sim, esses são belíssimos, certíssimos, caríssimos. Justificam tudo, até os clamorosos falhanços orçamentais deste ano e, inevitavelmente, os do próximo. Mas isto o Excel não diz. O Excel é um papagaio, Gaspar o mestre, nós a ração da ave rara.
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Indignados ou encurralados?
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Indignados ou encurralados?
por MANUEL MARIA CARRILHO
Hoje
Tudo em convulsão ou já em decomposição? - eis a questão que melhor sintetiza as consequências do brutal discurso de Pedro Passos Coelho do passado dia 7, que veio alterar radicalmente, e com consequências de momento imprevisíveis, as relações entre os portugueses e o Governo.
Isto aconteceu porque esse discurso revelou um primeiro-ministro incompetente, dogmático e autista. Características que apareceram como se da queda de uma máscara se tratasse, revelando a outra face de um político que, em geral, era visto como um homem esforçado, aberto e tolerante.
Despoletou-se assim a cólera dos cidadãos, uma cólera alimentada por uma inédita sucessão de deceções e de injustiças, que a ação do Governo foi suscitando durante o seu primeiro ano de vida. E, como ensinou Aristóteles, há mesmo uma cólera "boa", que é a que é provocada pelo sentimento de injustiça e pelo desejo de justiça.
E agora? Bom, agora este governo parece ferido de morte, isto é, afetado por um generalizado descrédito, que pode não ter redenção possível. O primeiro-ministro enfrenta por isso uma verdadeira prova de vida, a que só poderá ter alguma hipótese de sobreviver se conseguir libertar-se dos seus dois números dois: Vítor Gaspar e Miguel Relvas.
Foram estes dois ministros, os dois pilares nucleares do Governo de Passos Coelho, que - por razões diferentes, é certo - mais contribuíram para carbonizar o perfil do primeiro-ministro, num caso arrastando-o para a fogueira da imoralidade, no outro fechando-o no forno da mais cega irracionalidade. A questão, a grande questão a meu ver, é a de saber se, sem eles, existe algum Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro de Portugal.
Uma remodelação, para ter algum sucesso, implica um audaz golpe de asa: um governo a sério, no projeto, na orgânica, na composição, na estratégia e nos protagonistas. Difícil!... até porque a coligação entrou na fase de guerrilha, com o PP a hesitar sobre se quer continuar a ser o garante da aliança, ou o seu sniper.
Tudo isto vai propiciar momentos de grande exaltação ideológica à esquerda radical, com a escassa utilidade de que, infelizmente, tem feito prova. Os dois protagonistas que, contudo, mais pesarão na evolução da situação, são o Partido Socialista e o Presidente da República.
O Presidente perceberá hoje melhor o erro que cometeu ao ter deixado a "rapaziada" do PSD fazer o que queria, pondo entre parêntesis o exercício efetivo da sua autoproclamada autoridade, seja no plano político, seja na vertente económico-financeira - para já não falar de outos registos determinantes, como o social ou o cultural.
O verão 2011 deveria ter sido, como muitas vezes defendi, o da abertura de um ciclo patriótico, de uma legislatura patriótica de que um Presidente da República recentemente eleito por sufrágio universal podia e devia ter feito a pedagogia, abrindo a via a um novo contrato social e político, de que o País urgentemente precisa.
Cavaco Silva tinha a obrigação de ter posto um travão a esta linha de frívolo experimentalismo político, económico-financeiro, social e cultural, que é uma das características mais evidentes dos políticos que pensam poder iludir a ignorância com a imprudência.
Um memorando "milagreiro"? Um governo minimalista, com ministros-chave sem qualquer experiência política? O sonho de "ir além" da troika? A batalha europeia sem quaisquer ideias próprias, ao colo da chanceler Merkel? A concertação social feita nos écrans da televisão? Negociação política em ziguezague e aos supetões? O constante desmentido dos objetivos anunciados? Não, ninguém pode dizer que não houve sinais - nem que eles não eram de molde a fazer o Presidente agir.
Ele preferiu todavia (como muitos outros responsáveis, é bom lembrá-lo) passar o verão a descartar tranquilamente, em todas as intervenções que fez, a necessidade e a possibilidade de mais austeridade, pelo que não se vê como poderia vir agora justificar o contrário. Mas o seu silêncio não é, mais uma vez, um bom augúrio - resta esperar pelo Conselho de Estado.
Tudo isto torna, naturalmente, o papel do Partido Socialista determinante. Consciente das responsabilidades que, com a anterior liderança, o PS teve na deterioração da situação nacional que impôs o plano de resgate, o líder do PS fez até aqui o que podia e devia: mostrar que a política é uma equação que, sem esquecer o passado, implica sobretudo o futuro e se assume no presente.
Perante os fracassos do Governo e da coligação que o sustenta, ser-lhe-á pedido tudo. E tudo é precisamente o que o líder do PS não pode prometer a ninguém. O caminho só pode ser o de preparar uma efetiva alternativa ao desastre dos últimos três anos de governação em Portugal. Nada disto é instantâneo, dá mesmo muito trabalho. Mas essa é a verdadeira via para quem - como acontece com o líder do PS, espero - acredita que, com as políticas, as ideias e os protagonistas que nos trouxeram até aqui, é daqui que nunca sairemos. Só assim, para lá de indignado, o País não fica também encurralado.
In DN
Indignados ou encurralados?
por MANUEL MARIA CARRILHO
Hoje
Tudo em convulsão ou já em decomposição? - eis a questão que melhor sintetiza as consequências do brutal discurso de Pedro Passos Coelho do passado dia 7, que veio alterar radicalmente, e com consequências de momento imprevisíveis, as relações entre os portugueses e o Governo.
Isto aconteceu porque esse discurso revelou um primeiro-ministro incompetente, dogmático e autista. Características que apareceram como se da queda de uma máscara se tratasse, revelando a outra face de um político que, em geral, era visto como um homem esforçado, aberto e tolerante.
Despoletou-se assim a cólera dos cidadãos, uma cólera alimentada por uma inédita sucessão de deceções e de injustiças, que a ação do Governo foi suscitando durante o seu primeiro ano de vida. E, como ensinou Aristóteles, há mesmo uma cólera "boa", que é a que é provocada pelo sentimento de injustiça e pelo desejo de justiça.
E agora? Bom, agora este governo parece ferido de morte, isto é, afetado por um generalizado descrédito, que pode não ter redenção possível. O primeiro-ministro enfrenta por isso uma verdadeira prova de vida, a que só poderá ter alguma hipótese de sobreviver se conseguir libertar-se dos seus dois números dois: Vítor Gaspar e Miguel Relvas.
Foram estes dois ministros, os dois pilares nucleares do Governo de Passos Coelho, que - por razões diferentes, é certo - mais contribuíram para carbonizar o perfil do primeiro-ministro, num caso arrastando-o para a fogueira da imoralidade, no outro fechando-o no forno da mais cega irracionalidade. A questão, a grande questão a meu ver, é a de saber se, sem eles, existe algum Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro de Portugal.
Uma remodelação, para ter algum sucesso, implica um audaz golpe de asa: um governo a sério, no projeto, na orgânica, na composição, na estratégia e nos protagonistas. Difícil!... até porque a coligação entrou na fase de guerrilha, com o PP a hesitar sobre se quer continuar a ser o garante da aliança, ou o seu sniper.
Tudo isto vai propiciar momentos de grande exaltação ideológica à esquerda radical, com a escassa utilidade de que, infelizmente, tem feito prova. Os dois protagonistas que, contudo, mais pesarão na evolução da situação, são o Partido Socialista e o Presidente da República.
O Presidente perceberá hoje melhor o erro que cometeu ao ter deixado a "rapaziada" do PSD fazer o que queria, pondo entre parêntesis o exercício efetivo da sua autoproclamada autoridade, seja no plano político, seja na vertente económico-financeira - para já não falar de outos registos determinantes, como o social ou o cultural.
O verão 2011 deveria ter sido, como muitas vezes defendi, o da abertura de um ciclo patriótico, de uma legislatura patriótica de que um Presidente da República recentemente eleito por sufrágio universal podia e devia ter feito a pedagogia, abrindo a via a um novo contrato social e político, de que o País urgentemente precisa.
Cavaco Silva tinha a obrigação de ter posto um travão a esta linha de frívolo experimentalismo político, económico-financeiro, social e cultural, que é uma das características mais evidentes dos políticos que pensam poder iludir a ignorância com a imprudência.
Um memorando "milagreiro"? Um governo minimalista, com ministros-chave sem qualquer experiência política? O sonho de "ir além" da troika? A batalha europeia sem quaisquer ideias próprias, ao colo da chanceler Merkel? A concertação social feita nos écrans da televisão? Negociação política em ziguezague e aos supetões? O constante desmentido dos objetivos anunciados? Não, ninguém pode dizer que não houve sinais - nem que eles não eram de molde a fazer o Presidente agir.
Ele preferiu todavia (como muitos outros responsáveis, é bom lembrá-lo) passar o verão a descartar tranquilamente, em todas as intervenções que fez, a necessidade e a possibilidade de mais austeridade, pelo que não se vê como poderia vir agora justificar o contrário. Mas o seu silêncio não é, mais uma vez, um bom augúrio - resta esperar pelo Conselho de Estado.
Tudo isto torna, naturalmente, o papel do Partido Socialista determinante. Consciente das responsabilidades que, com a anterior liderança, o PS teve na deterioração da situação nacional que impôs o plano de resgate, o líder do PS fez até aqui o que podia e devia: mostrar que a política é uma equação que, sem esquecer o passado, implica sobretudo o futuro e se assume no presente.
Perante os fracassos do Governo e da coligação que o sustenta, ser-lhe-á pedido tudo. E tudo é precisamente o que o líder do PS não pode prometer a ninguém. O caminho só pode ser o de preparar uma efetiva alternativa ao desastre dos últimos três anos de governação em Portugal. Nada disto é instantâneo, dá mesmo muito trabalho. Mas essa é a verdadeira via para quem - como acontece com o líder do PS, espero - acredita que, com as políticas, as ideias e os protagonistas que nos trouxeram até aqui, é daqui que nunca sairemos. Só assim, para lá de indignado, o País não fica também encurralado.
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Considerações em torno da 'medida'
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Considerações em torno da 'medida'
por CELESTE CARDONA
Hoje
No meu artigo da semana passada falei da TSU e dos modelos conhecidos em alguns países. Em nenhum deles existe algo de semelhante ao que foi anunciado. Falei, por isso, da inevitável incompreensão que grassou na sequência do que nos foi dado a conhecer sobre este novo sistema de contribuições para a Segurança Social. Admiti, apenas por uma questão de lógica racional, que esta medida teria sido tomada com objectivo de permitir maiores disponibilidades de tesouraria às empresas.
Recordo que antes da crise, especificamente antes da crise de financiamento que nos assola, era usual as empresas obterem junto dos bancos financiamentos intercalares de modo a solver compromissos imediatos e que, por isso mesmo, permitiam a circulação de fundos na economia.
Não tenho a certeza de que seja esta a exclusiva finalidade desta medida, mas, pelas palavras de um governante numa conferência pública sobre o tema, esta mesma questão e finalidade foi sublinhada no contexto de formulação de críticas aos empresários que, apesar das dificuldades de tesouraria, contestam esta medida.
Pois bem, entendamo-nos! É necessário, se quisermos aumentar as nossas exportações, diminuir os custos associados à produção. O que eu não acredito é numa economia em que essa diminuição se faça através da redução dos salários. Por isso não acredito nesta política.
A competição que a nossa economia deve realizar não é pela quantidade. Aí ficaremos sempre a perder, face aos custos salariais - muito baixos - que outras economias praticam. Não vale a pena sequer exemplificar. Todos nós conhecemos os exemplos desta política que condeno.
O que devemos fazer é aumentar a nossa competitividade pela via da qualidade. Para isso, estou em crer que é justamente através das qualificações e de remunerações competitivas que seremos capazes de "inverter" o caminho do empobrecimento.
Tudo isto a propósito da TSU. Importa referir que os "males" de que padece esta medida é a forma do seu financiamento, a sua inoportunidade económica e a maneira como a mesma foi anunciada. Porquê? Porque, como dizia ontem mesmo o eng.º Ângelo Correia, a mesma foi "capturada" ainda antes de serem conhecidos os seus contornos e elementos fundamentais.
Tudo o que resta desta medida, neste momento, é que a mesma "rouba" aos pobres para "dar" aos ricos!
Dizem-nos agora que estão a ser feitas modelações, rebalanceamentos, calibragens de modo a salvaguardar o conteúdo essencial da mesma.
Vamos ter de aguardar até que sejam mais bem conhecidos os "ajustamentos" que estão a ser feitos nesta medida, anunciada, como sabemos, como um incentivo às empresas e à criação de emprego.
Foi o mal! Recordo a última frase do meu artigo da semana passada, que se traduzia por um apelo para que nos dissessem a verdade nua e crua.
Esta medida, da forma como nos foi dada a conhecer, e tendo em atenção todos os elementos quer de experiências aplicadas noutros países quer de estudos divulgados quer ainda de afirmações públicas dos seus "beneficiários", não tem peso significativo na criação de emprego.
Mais! Não tem efeitos relevantes na política de consolidação orçamental, ou seja, a arrecadação destas taxas não vai contribuir para o acerto das contas públicas que nos é imposto externamente.
Admitindo que os "retoques" que estão a ser dados à forma de financiamento da TSU melhorem a sua compreensão e sejam susceptíveis de obter o mínimo de consenso dos parceiros na concertação social, fica ainda por resolver a questão do controlo do défice, quer o de 2012 quer o de 2013.
É que, se bem percebi, não vai ser através das receitas arrecadadas pelo aumento das taxas contributivas cobradas aos trabalhadores!
Se assim não é, alguém explica a razão pela qual de um défice de 5% para um défice de 4,5% é necessária uma política de cortes nos salários, nas pensões, nas prestações sociais e outras em valores que, segundo é divulgado, atingem cerca de cinco biliões de euros?
É urgente que nos expliquem! Todos, sem excepção, afirmam a admiração pela capacidade de sacrifício, serenidade e bom senso do povo português. Mas é necessário que o compreendam e que o conheçam. Não tenho a certeza de que assim seja!
Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
In DN
Considerações em torno da 'medida'
por CELESTE CARDONA
Hoje
No meu artigo da semana passada falei da TSU e dos modelos conhecidos em alguns países. Em nenhum deles existe algo de semelhante ao que foi anunciado. Falei, por isso, da inevitável incompreensão que grassou na sequência do que nos foi dado a conhecer sobre este novo sistema de contribuições para a Segurança Social. Admiti, apenas por uma questão de lógica racional, que esta medida teria sido tomada com objectivo de permitir maiores disponibilidades de tesouraria às empresas.
Recordo que antes da crise, especificamente antes da crise de financiamento que nos assola, era usual as empresas obterem junto dos bancos financiamentos intercalares de modo a solver compromissos imediatos e que, por isso mesmo, permitiam a circulação de fundos na economia.
Não tenho a certeza de que seja esta a exclusiva finalidade desta medida, mas, pelas palavras de um governante numa conferência pública sobre o tema, esta mesma questão e finalidade foi sublinhada no contexto de formulação de críticas aos empresários que, apesar das dificuldades de tesouraria, contestam esta medida.
Pois bem, entendamo-nos! É necessário, se quisermos aumentar as nossas exportações, diminuir os custos associados à produção. O que eu não acredito é numa economia em que essa diminuição se faça através da redução dos salários. Por isso não acredito nesta política.
A competição que a nossa economia deve realizar não é pela quantidade. Aí ficaremos sempre a perder, face aos custos salariais - muito baixos - que outras economias praticam. Não vale a pena sequer exemplificar. Todos nós conhecemos os exemplos desta política que condeno.
O que devemos fazer é aumentar a nossa competitividade pela via da qualidade. Para isso, estou em crer que é justamente através das qualificações e de remunerações competitivas que seremos capazes de "inverter" o caminho do empobrecimento.
Tudo isto a propósito da TSU. Importa referir que os "males" de que padece esta medida é a forma do seu financiamento, a sua inoportunidade económica e a maneira como a mesma foi anunciada. Porquê? Porque, como dizia ontem mesmo o eng.º Ângelo Correia, a mesma foi "capturada" ainda antes de serem conhecidos os seus contornos e elementos fundamentais.
Tudo o que resta desta medida, neste momento, é que a mesma "rouba" aos pobres para "dar" aos ricos!
Dizem-nos agora que estão a ser feitas modelações, rebalanceamentos, calibragens de modo a salvaguardar o conteúdo essencial da mesma.
Vamos ter de aguardar até que sejam mais bem conhecidos os "ajustamentos" que estão a ser feitos nesta medida, anunciada, como sabemos, como um incentivo às empresas e à criação de emprego.
Foi o mal! Recordo a última frase do meu artigo da semana passada, que se traduzia por um apelo para que nos dissessem a verdade nua e crua.
Esta medida, da forma como nos foi dada a conhecer, e tendo em atenção todos os elementos quer de experiências aplicadas noutros países quer de estudos divulgados quer ainda de afirmações públicas dos seus "beneficiários", não tem peso significativo na criação de emprego.
Mais! Não tem efeitos relevantes na política de consolidação orçamental, ou seja, a arrecadação destas taxas não vai contribuir para o acerto das contas públicas que nos é imposto externamente.
Admitindo que os "retoques" que estão a ser dados à forma de financiamento da TSU melhorem a sua compreensão e sejam susceptíveis de obter o mínimo de consenso dos parceiros na concertação social, fica ainda por resolver a questão do controlo do défice, quer o de 2012 quer o de 2013.
É que, se bem percebi, não vai ser através das receitas arrecadadas pelo aumento das taxas contributivas cobradas aos trabalhadores!
Se assim não é, alguém explica a razão pela qual de um défice de 5% para um défice de 4,5% é necessária uma política de cortes nos salários, nas pensões, nas prestações sociais e outras em valores que, segundo é divulgado, atingem cerca de cinco biliões de euros?
É urgente que nos expliquem! Todos, sem excepção, afirmam a admiração pela capacidade de sacrifício, serenidade e bom senso do povo português. Mas é necessário que o compreendam e que o conheçam. Não tenho a certeza de que assim seja!
Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
E agora?
.
E agora?
por PAULO BALDAIA
Hoje
Sabemos hoje, sem qualquer margem para dúvidas, que o Presidente da República trabalhou exemplarmente e conseguiu rebobinar o filme até ao ponto em que ainda é possível fazer com que tenha um final feliz. O risco reside no facto de os principais actores serem os mesmos e haver partes do guião que estão ainda mal definidas.
Podemos confiar numa coligação em que os parceiros não podem confiar um no outro? O Conselho de Estado pode fazer de conta que acredita, como fazem de conta PSD e CDS, que a criação de um Conselho de Coordenação da Coligação é uma esponja que apaga a forma irresponsável como Paulo Portas quase derrubou o Governo, mas nós sabemos que há formas de cancro que nem com quimioterapia se vencem.
O poder político acreditou que a lógica de Bloco Central (ora agora ganhas tu, ora agora ganho eu) era imutável e com isso pode ter destruído um amplo consenso social que existia a favor do necessário ajustamento económico e financeiro. As coisas já não se jogam apenas na alternativa PSD ou PS. Sair à rua contra os partidos e contra os políticos pode virar moda e a rua é facilmente influenciada por populismos e interesses obscuros.
Neste momento onde reside o poder? É em Belém? Em São Bento? Na Concertação Social? Na rua? A política tem horror do vazio e a economia vive mal com a incerteza. Cavaco Silva provou que tinha o estofo necessário para ser o mais alto magistrado da Nação, mas não pode dormir descansado depois do notável trabalho que realizou. Não pode voltar a correr o risco de ter nas mãos uma bomba pronta a detonar, porque nessa altura pode ser o fim deste filme. E a crise será muito mais grave.
Caiu uma medida (TSU) que a generalidade dos actores políticos e a maioria dos portugueses consideravam altamente injusta, mas a austeridade tem de prosseguir. O Governo continua a precisar de resolver o veto do Tribunal Constitucional para arrecadar em 2013 os dois mil milhões de euros que este ano conseguiu com o confisco de dois subsídios aos funcionários públicos e pensionistas. E precisa de mais uns milhares de milhões para tapar o buraco orçamental que continua a existir. E ainda tem de encontrar dinheiro para promover o crescimento e o emprego.
E agora? Haverá tempo para o Governo preparar um novo Orçamento até 15 de Outubro? Serão os parceiros sociais verdadeiramente competentes para ajudar o Governo a encontrar alterações à TSU? O Governo vai esperar por eles ou as alternativas que Portas diz ter apresentado vão avançar? E o PS que era contra a TSU também vai recuar e regressar ao consenso político pedido pelos conselheiros de Estado?
Agora, senhor Presidente da República, não poderá ter descanso. A Democracia em Portugal vive um momento muito perigoso.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
In DN
E agora?
por PAULO BALDAIA
Hoje
Sabemos hoje, sem qualquer margem para dúvidas, que o Presidente da República trabalhou exemplarmente e conseguiu rebobinar o filme até ao ponto em que ainda é possível fazer com que tenha um final feliz. O risco reside no facto de os principais actores serem os mesmos e haver partes do guião que estão ainda mal definidas.
Podemos confiar numa coligação em que os parceiros não podem confiar um no outro? O Conselho de Estado pode fazer de conta que acredita, como fazem de conta PSD e CDS, que a criação de um Conselho de Coordenação da Coligação é uma esponja que apaga a forma irresponsável como Paulo Portas quase derrubou o Governo, mas nós sabemos que há formas de cancro que nem com quimioterapia se vencem.
O poder político acreditou que a lógica de Bloco Central (ora agora ganhas tu, ora agora ganho eu) era imutável e com isso pode ter destruído um amplo consenso social que existia a favor do necessário ajustamento económico e financeiro. As coisas já não se jogam apenas na alternativa PSD ou PS. Sair à rua contra os partidos e contra os políticos pode virar moda e a rua é facilmente influenciada por populismos e interesses obscuros.
Neste momento onde reside o poder? É em Belém? Em São Bento? Na Concertação Social? Na rua? A política tem horror do vazio e a economia vive mal com a incerteza. Cavaco Silva provou que tinha o estofo necessário para ser o mais alto magistrado da Nação, mas não pode dormir descansado depois do notável trabalho que realizou. Não pode voltar a correr o risco de ter nas mãos uma bomba pronta a detonar, porque nessa altura pode ser o fim deste filme. E a crise será muito mais grave.
Caiu uma medida (TSU) que a generalidade dos actores políticos e a maioria dos portugueses consideravam altamente injusta, mas a austeridade tem de prosseguir. O Governo continua a precisar de resolver o veto do Tribunal Constitucional para arrecadar em 2013 os dois mil milhões de euros que este ano conseguiu com o confisco de dois subsídios aos funcionários públicos e pensionistas. E precisa de mais uns milhares de milhões para tapar o buraco orçamental que continua a existir. E ainda tem de encontrar dinheiro para promover o crescimento e o emprego.
E agora? Haverá tempo para o Governo preparar um novo Orçamento até 15 de Outubro? Serão os parceiros sociais verdadeiramente competentes para ajudar o Governo a encontrar alterações à TSU? O Governo vai esperar por eles ou as alternativas que Portas diz ter apresentado vão avançar? E o PS que era contra a TSU também vai recuar e regressar ao consenso político pedido pelos conselheiros de Estado?
Agora, senhor Presidente da República, não poderá ter descanso. A Democracia em Portugal vive um momento muito perigoso.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
O estertor
.
O estertorpor PEDRO MARQUES LOPESHoje37 comentários
1- Quando ficou claro que o caminho escolhido era o empobrecimento generalizado, quando os portugueses perceberam que todos os sacrifícios foram em vão e que os que se agora pedem também o serão, quando resolveu pôr em causa o equilíbrio social, o Governo perdeu o respeito das pessoas e assinou a sua certidão de óbito. Era, ao menos, desejável que mantivesse a compostura. Que preservasse o mínimo de dignidade institucional. Mas, como em muitas coisas neste Governo, seria pedir demais. O Governo insiste em oferecer-nos o espectáculo do seu estertor.
Assistimos, bastante irritados, a um primeiro-ministro que pára um País para anunciar uma medida que nitidamente não estudou, nem mediu as suas consequências, para uns dias mais tarde vir dizer que afinal a vai modelar, demonstrando que não tinha percebido o que estava em causa. Depois de ver as centenas de milhares de pessoas que desfilaram, na semana passada, começou a perceber a dimensão da sua negligência e o colossal erro que tinha cometido. É bem demonstrativo da quebra de ligação entre um primeiro-ministro e o povo que governa, serem precisas manifestações daquele tamanho para que ele pensasse voltar atrás com a sua decisão - e é no mínimo curioso, para quem dizia que não governava em função de manifestações. Revela bem o seu isolamento ter ficado surpreendido com a reacção de todos os parceiros sociais.
Um homem que toma uma decisão daquela importância e depois recua por não ter estudado, reflectido e ouvido muita gente, pode não ser cego, surdo e mudo, mas falta-lhe obviamente alguma coisa para poder ser primeiro-ministro. Qual será a próxima medida estratégica não pensada a ser apresentada que passado uns dias irá parar ao lixo?
Observamos Passos Coelho a ser publicamente humilhado pelo Presidente da República quando pede a comparência de Vítor Gaspar para que explique ao Conselho de Estado as alterações à TSU. Para a humilhação ser completa, o Conselho de Estado emite um comunicado que é uma espécie de açoite ao primeiro- -ministro: congratula-se com decisões dos países da Zona Euro em relação à disponibilidade do BCE para comprar dívida no mercado secundário e em prosseguir com políticas de emprego e crescimento, ou seja, tudo ao contrário do que Passos Coelho tem defendido. E, claro está, de braço ao pescoço, o primeiro-ministro anuncia ao Conselho de Estado "o estudo de alternativas à alteração da TSU".
Ficamos boquiabertos quando vemos o ministro Portas a dar uma conferência de imprensa em que critica o Governo de que faz parte e fala de medidas que com certeza se esqueceu de sugerir no local próprio. Ou do pormenor de ter dito que foi apenas por razões de emergência nacional que aprovou as alterações à TSU, mas, claro, não quis deixar de partilhar as suas preocupações connosco, quinze dias depois... Quanto a falta de sentido de Estado estamos conversados: o ministro dos Negócios Estrangeiros está no Governo certo.
O estertor nunca é um espectáculo dignificante, mas o que estamos a assistir está para lá do suportável.
2- Surpreendentemente, há quem ache que uma remodelação poderia dar um novo fôlego ao Governo. Esqueçamos, por instantes, que os cadáveres não respiram. Só alguém completamente alheio da realidade pode acreditar que existe um profissional competente que aceite fazer parte dum Governo que tem por estratégia a implementação duma política que vai levar o País ao mais absoluto caos.
E será que alguém crê que um homem ou mulher com capacidade para exercer funções governamentais aceitaria ir para um Governo com uma orgânica que o faz completamente inoperacional? Ou pertencer a um Governo sem o mínimo de coordenação política ou núcleo político forte? Ou aceitar fazer parte dum Governo em que os ministros dos dois partidos não confiam uns nos outros, sobretudo Passos Coelho e Paulo Portas? Ou ter de alinhar com as políticas suicidas de Merkel e Cia.? Ou estar num Executivo em que Relvas e Gaspar põem e dispõem? Claro que não. Mas vamos imaginar que o primeiro-ministro prometia ao tal profissional uma mudança. Que tudo iria ser diferente: nova política, nova coordenação ministerial, boys partidários expulsos, gente competente e conhecedora do País, fim da patetice populista do Governo pequeno, fim do Governo paralelo chefiado por Borges mais comissões e grupos de trabalho. Acreditaria o tal cavalheiro que o primeiro-ministro iria de facto mudar? Obviamente que não.
O responsável por o Governo ter chegado ao estado a que chegou é o primeiro-ministro. Passos Coelho matou o Governo, não será ele a ressuscitá-lo. E nada mudará enquanto ele for o primeiro-ministro.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
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O estertorpor PEDRO MARQUES LOPESHoje37 comentários
1- Quando ficou claro que o caminho escolhido era o empobrecimento generalizado, quando os portugueses perceberam que todos os sacrifícios foram em vão e que os que se agora pedem também o serão, quando resolveu pôr em causa o equilíbrio social, o Governo perdeu o respeito das pessoas e assinou a sua certidão de óbito. Era, ao menos, desejável que mantivesse a compostura. Que preservasse o mínimo de dignidade institucional. Mas, como em muitas coisas neste Governo, seria pedir demais. O Governo insiste em oferecer-nos o espectáculo do seu estertor.
Assistimos, bastante irritados, a um primeiro-ministro que pára um País para anunciar uma medida que nitidamente não estudou, nem mediu as suas consequências, para uns dias mais tarde vir dizer que afinal a vai modelar, demonstrando que não tinha percebido o que estava em causa. Depois de ver as centenas de milhares de pessoas que desfilaram, na semana passada, começou a perceber a dimensão da sua negligência e o colossal erro que tinha cometido. É bem demonstrativo da quebra de ligação entre um primeiro-ministro e o povo que governa, serem precisas manifestações daquele tamanho para que ele pensasse voltar atrás com a sua decisão - e é no mínimo curioso, para quem dizia que não governava em função de manifestações. Revela bem o seu isolamento ter ficado surpreendido com a reacção de todos os parceiros sociais.
Um homem que toma uma decisão daquela importância e depois recua por não ter estudado, reflectido e ouvido muita gente, pode não ser cego, surdo e mudo, mas falta-lhe obviamente alguma coisa para poder ser primeiro-ministro. Qual será a próxima medida estratégica não pensada a ser apresentada que passado uns dias irá parar ao lixo?
Observamos Passos Coelho a ser publicamente humilhado pelo Presidente da República quando pede a comparência de Vítor Gaspar para que explique ao Conselho de Estado as alterações à TSU. Para a humilhação ser completa, o Conselho de Estado emite um comunicado que é uma espécie de açoite ao primeiro- -ministro: congratula-se com decisões dos países da Zona Euro em relação à disponibilidade do BCE para comprar dívida no mercado secundário e em prosseguir com políticas de emprego e crescimento, ou seja, tudo ao contrário do que Passos Coelho tem defendido. E, claro está, de braço ao pescoço, o primeiro-ministro anuncia ao Conselho de Estado "o estudo de alternativas à alteração da TSU".
Ficamos boquiabertos quando vemos o ministro Portas a dar uma conferência de imprensa em que critica o Governo de que faz parte e fala de medidas que com certeza se esqueceu de sugerir no local próprio. Ou do pormenor de ter dito que foi apenas por razões de emergência nacional que aprovou as alterações à TSU, mas, claro, não quis deixar de partilhar as suas preocupações connosco, quinze dias depois... Quanto a falta de sentido de Estado estamos conversados: o ministro dos Negócios Estrangeiros está no Governo certo.
O estertor nunca é um espectáculo dignificante, mas o que estamos a assistir está para lá do suportável.
2- Surpreendentemente, há quem ache que uma remodelação poderia dar um novo fôlego ao Governo. Esqueçamos, por instantes, que os cadáveres não respiram. Só alguém completamente alheio da realidade pode acreditar que existe um profissional competente que aceite fazer parte dum Governo que tem por estratégia a implementação duma política que vai levar o País ao mais absoluto caos.
E será que alguém crê que um homem ou mulher com capacidade para exercer funções governamentais aceitaria ir para um Governo com uma orgânica que o faz completamente inoperacional? Ou pertencer a um Governo sem o mínimo de coordenação política ou núcleo político forte? Ou aceitar fazer parte dum Governo em que os ministros dos dois partidos não confiam uns nos outros, sobretudo Passos Coelho e Paulo Portas? Ou ter de alinhar com as políticas suicidas de Merkel e Cia.? Ou estar num Executivo em que Relvas e Gaspar põem e dispõem? Claro que não. Mas vamos imaginar que o primeiro-ministro prometia ao tal profissional uma mudança. Que tudo iria ser diferente: nova política, nova coordenação ministerial, boys partidários expulsos, gente competente e conhecedora do País, fim da patetice populista do Governo pequeno, fim do Governo paralelo chefiado por Borges mais comissões e grupos de trabalho. Acreditaria o tal cavalheiro que o primeiro-ministro iria de facto mudar? Obviamente que não.
O responsável por o Governo ter chegado ao estado a que chegou é o primeiro-ministro. Passos Coelho matou o Governo, não será ele a ressuscitá-lo. E nada mudará enquanto ele for o primeiro-ministro.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Diz lá qualquer coisa que serve
.
Diz lá qualquer coisa que serve
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Por estes dias demo-nos conta do nascimento de uma (enfim, duas) palavra oficial, rapidamente caída no goto de políticos, jornalistas e comentadores, tão nebulosa como devem ser as palavras oficiais mas, esta, com uma cândida confissão. Era tão sem nada para dizer que nem era uma, mas duas: ora modelação, ora modulação, e dizia-se uma delas ao calha. Uma ou outra foi dita por Passos Coelho quando, os acontecimentos obrigando-o a arrepiar caminho, ele afirmou que poderia mudar a sua proposta da TSU. Mas disse ele "modelação"? Isto é, tornear, ajustar... Ou ele disse "modulação"? Isto é, passar o canto ou a harmonia para um tom diferente... A primeira hipótese é verosímil, própria do jogo de cintura de qualquer político; mas a segunda também é, vinda de Passos Coelho, que não destoa ao cantar "chamava-se Nini/vestia de organdi". O uso da palavra inócua não teria interesse, não fosse sindicalistas e políticos, na esteira do primeiro-ministro, passarem a citá-la como crucial. Tão decisiva que uns diziam "modelação" e outros "modulação"... E os jornalistas faziam-lhes eco, ora modelando, ora modulando. Paulo Pinto, professor da Universidade Católica, propôs no blogue Jugular uma palavra nova: "mudlar", a síncope do "e" ou do "u" poupando-nos esta vergonha. Esta. Para as outras, nascidas do mesmo vício, fica a mezinha tradicional. De cada vez que falarmos, pôr esta dúvida: de que estamos a falar quando estamos a falar?
In DN
Diz lá qualquer coisa que serve
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Por estes dias demo-nos conta do nascimento de uma (enfim, duas) palavra oficial, rapidamente caída no goto de políticos, jornalistas e comentadores, tão nebulosa como devem ser as palavras oficiais mas, esta, com uma cândida confissão. Era tão sem nada para dizer que nem era uma, mas duas: ora modelação, ora modulação, e dizia-se uma delas ao calha. Uma ou outra foi dita por Passos Coelho quando, os acontecimentos obrigando-o a arrepiar caminho, ele afirmou que poderia mudar a sua proposta da TSU. Mas disse ele "modelação"? Isto é, tornear, ajustar... Ou ele disse "modulação"? Isto é, passar o canto ou a harmonia para um tom diferente... A primeira hipótese é verosímil, própria do jogo de cintura de qualquer político; mas a segunda também é, vinda de Passos Coelho, que não destoa ao cantar "chamava-se Nini/vestia de organdi". O uso da palavra inócua não teria interesse, não fosse sindicalistas e políticos, na esteira do primeiro-ministro, passarem a citá-la como crucial. Tão decisiva que uns diziam "modelação" e outros "modulação"... E os jornalistas faziam-lhes eco, ora modelando, ora modulando. Paulo Pinto, professor da Universidade Católica, propôs no blogue Jugular uma palavra nova: "mudlar", a síncope do "e" ou do "u" poupando-nos esta vergonha. Esta. Para as outras, nascidas do mesmo vício, fica a mezinha tradicional. De cada vez que falarmos, pôr esta dúvida: de que estamos a falar quando estamos a falar?
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É tempo
.
É tempo
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
O tempo por estes dias corre mais depressa. A torrente de acontecimentos é tal que a palavra dita ou escrita já perdeu actualidade no segundo seguinte. Acontecimentos, estudos, notícias que seriam dissecadas e permaneceriam no espaço público muito tempo são rapidamente substituídos por outros. Não, agora não é só a voracidade dos media, a necessidade de manter o fluxo de notícias, o facto de vivermos afogados em informação e pseudoinformação. O clima está mais que propício à confusão de acontecimentos, aos mais variados conflitos, às mais estapafúrdias declarações, à confusão entre assuntos de facto relevantes e outros absurdamente irrelevantes.
Não surpreende por isso que a sondagem do DN/Universidade Católica do já muitíssimo distante dia 20 tivesse sido devorada pela enxurrada de acontecimentos: desde esse dia o mundo, segundo esta agenda de galinha bêbada, já teria mudado dez vezes. O estudo não traz grandes surpresas, vale sobretudo pela confirmação de algumas percepções. Mas, mais uma vez, a novidade está na velocidade com que alguns conceitos e situações se propagaram.
Sim, sabíamos que as pessoas não andavam contentes, mas provavelmente não imaginaríamos que 87% dos portugueses estariam desiludidos com a democracia. Este número apouca o facto de Passos Coelho ser agora mais impopular que Sócrates no fim do seu mandato, ou de o PSD ter tido uma quebra de intenções de voto que deveria levar os seus dirigentes a pensar se não estarão a perder o seu eleitorado tradicional, remetidos praticamente à irrelevância. Claro está que a conjugação da enorme quebra do PSD com a quebra, ainda que ligeira, do PS é já um sintoma terrível: os partidos do centro, os partidos da democracia (com o CDS) perdem para os que, pura e simplesmente, não acreditam na democracia liberal (veremos o que nos traz o novo BE, mas não parece que seja nada de novo). Mas, como tudo nos tempos que correm, as coisas podem ser sempre piores: o "partido" que mais cresce é o das pessoas que se recusam a utilizar o mais sagrado direito democrático, o voto.
Os tais 87% de portugueses desiludidos com a democracia são os mesmos cidadãos que se manifestam em Atenas ou Madrid. Iguais aos catalães que pensam que a sua independência (o paralelo com os anos 30 do século passado arrepia) lhe resolverá os problemas económicos (ou alguém pensa que o que se está a passar na Catalunha estaria a acontecer num período de saúde económica?). Estes portugueses são os italianos, os franceses, os holandeses e os próprios alemães daqui a uns meses. Gente que deixa de acreditar na democracia pela mais simples razão do mundo: para eles democracia significa bem-estar, direitos sociais, boas perspectivas para eles e para as suas famílias.
Nunca é demais repetir que ninguém nasce com a democracia no seu ADN. Que o Plano Marshall foi incomensuravelmente mais que um plano económico, foi sim um plano político que visava impedir os povos europeus de caminharem para soluções comunistas ou fascistas. Que as democracias do Sul da Europa se consolidaram com a integração europeia não porque tivessem sido subitamente tocadas pela varinha da fada democrática mas porque isso lhes trouxe desafogo económico.
Numa altura em que o Governo está a preparar o Orçamento Rectificativo para 2012, o tal que é uma espécie de crisma da incompetência de Vítor Gaspar, e o para 2013, em que vai insistir em opções que já provaram estar erradas, nada indica que tenha percebido com que tipo de escolhas políticas está a colaborar e que desde há muito assumiu como suas: são as que vão levar Portugal ao caos económico e social (ao político já chegámos) e em que ninguém dará um chavo pela democracia.
O que está em causa não é mais ou menos austeridade, um menor ou maior empobrecimento, mais ou menos défice, já estamos para lá disso. O que está em causa é se queremos continuar a viver em democracia ou não. As manifestações, os insultos aos políticos são só o primeiro sinal. A conjugação, mais ou menos indissociável, entre a quebra de confiança em toda a classe política e a brutal queda nas condições de vida das populações é absolutamente letal para a democracia, e, claro está, para o País.
Infelizmente, não será só em Portugal que tudo isto corre o risco muito sério de acontecer, será em toda a Europa. Convinha mesmo acordar antes que seja tarde demais.
In DN
É tempo
por PEDRO MARQUES LOPES
Hoje
O tempo por estes dias corre mais depressa. A torrente de acontecimentos é tal que a palavra dita ou escrita já perdeu actualidade no segundo seguinte. Acontecimentos, estudos, notícias que seriam dissecadas e permaneceriam no espaço público muito tempo são rapidamente substituídos por outros. Não, agora não é só a voracidade dos media, a necessidade de manter o fluxo de notícias, o facto de vivermos afogados em informação e pseudoinformação. O clima está mais que propício à confusão de acontecimentos, aos mais variados conflitos, às mais estapafúrdias declarações, à confusão entre assuntos de facto relevantes e outros absurdamente irrelevantes.
Não surpreende por isso que a sondagem do DN/Universidade Católica do já muitíssimo distante dia 20 tivesse sido devorada pela enxurrada de acontecimentos: desde esse dia o mundo, segundo esta agenda de galinha bêbada, já teria mudado dez vezes. O estudo não traz grandes surpresas, vale sobretudo pela confirmação de algumas percepções. Mas, mais uma vez, a novidade está na velocidade com que alguns conceitos e situações se propagaram.
Sim, sabíamos que as pessoas não andavam contentes, mas provavelmente não imaginaríamos que 87% dos portugueses estariam desiludidos com a democracia. Este número apouca o facto de Passos Coelho ser agora mais impopular que Sócrates no fim do seu mandato, ou de o PSD ter tido uma quebra de intenções de voto que deveria levar os seus dirigentes a pensar se não estarão a perder o seu eleitorado tradicional, remetidos praticamente à irrelevância. Claro está que a conjugação da enorme quebra do PSD com a quebra, ainda que ligeira, do PS é já um sintoma terrível: os partidos do centro, os partidos da democracia (com o CDS) perdem para os que, pura e simplesmente, não acreditam na democracia liberal (veremos o que nos traz o novo BE, mas não parece que seja nada de novo). Mas, como tudo nos tempos que correm, as coisas podem ser sempre piores: o "partido" que mais cresce é o das pessoas que se recusam a utilizar o mais sagrado direito democrático, o voto.
Os tais 87% de portugueses desiludidos com a democracia são os mesmos cidadãos que se manifestam em Atenas ou Madrid. Iguais aos catalães que pensam que a sua independência (o paralelo com os anos 30 do século passado arrepia) lhe resolverá os problemas económicos (ou alguém pensa que o que se está a passar na Catalunha estaria a acontecer num período de saúde económica?). Estes portugueses são os italianos, os franceses, os holandeses e os próprios alemães daqui a uns meses. Gente que deixa de acreditar na democracia pela mais simples razão do mundo: para eles democracia significa bem-estar, direitos sociais, boas perspectivas para eles e para as suas famílias.
Nunca é demais repetir que ninguém nasce com a democracia no seu ADN. Que o Plano Marshall foi incomensuravelmente mais que um plano económico, foi sim um plano político que visava impedir os povos europeus de caminharem para soluções comunistas ou fascistas. Que as democracias do Sul da Europa se consolidaram com a integração europeia não porque tivessem sido subitamente tocadas pela varinha da fada democrática mas porque isso lhes trouxe desafogo económico.
Numa altura em que o Governo está a preparar o Orçamento Rectificativo para 2012, o tal que é uma espécie de crisma da incompetência de Vítor Gaspar, e o para 2013, em que vai insistir em opções que já provaram estar erradas, nada indica que tenha percebido com que tipo de escolhas políticas está a colaborar e que desde há muito assumiu como suas: são as que vão levar Portugal ao caos económico e social (ao político já chegámos) e em que ninguém dará um chavo pela democracia.
O que está em causa não é mais ou menos austeridade, um menor ou maior empobrecimento, mais ou menos défice, já estamos para lá disso. O que está em causa é se queremos continuar a viver em democracia ou não. As manifestações, os insultos aos políticos são só o primeiro sinal. A conjugação, mais ou menos indissociável, entre a quebra de confiança em toda a classe política e a brutal queda nas condições de vida das populações é absolutamente letal para a democracia, e, claro está, para o País.
Infelizmente, não será só em Portugal que tudo isto corre o risco muito sério de acontecer, será em toda a Europa. Convinha mesmo acordar antes que seja tarde demais.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
A noite passada
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A noite passada
por PAULO BALDAIA
Hoje
A noite passada, vi-me num sonho em que estava feliz porque não havia alguns portugueses a sentirem-se mais justos que os outros. Ninguém era insultado pela "ousadia" de pensar diferente, nem ninguém era culpado do que quer que fosse pela cara que tem, pelo cargo que ocupa ou pelo partido a que pertence.
A noite passada, os que se julgam justos não faziam julgamentos sumários na praça pública, nem havia ministros a brincar com a justiça. Um político como Rui Rio era ouvido com o máximo de atenção, porque nunca teve medo de chamar os bois pelo nome. A noite passada, o chefe do Governo aparecia no meu sonho a remodelar o Executivo e a escolher Rio como ministro da Justiça.
A noite passada, não consegui ver o futuro e assustei-me por não saber que país estou a construir para as minhas filhas. Mas dormi o sono dos justos porque soube que as certezas dos outros valem tanto como as minhas certezas. A noite passada, não havia os que passam mal e os que não passam. Havia uma multidão de gente interessada em perceber como podemos, juntos, fazer com que todos passem bem. A noite passada, havia governantes que não cediam na definição do papel do Estado e que não deixavam ninguém sem rendimentos, porque numa Democracia não pode haver gente descartável. Mesmo em nome do bem-estar da maioria, não pode haver gente que é apenas estatística.
A noite passada, decidimos que íamos fazer o que tinha de ser feito. Percebemos que é preciso ter a coragem de fazer algo diferente do que fizemos até aqui. Sem tabus e com a única certeza de que temos de nos ouvir uns aos outros. Ninguém nos disse o que tínhamos de fazer e, no entanto, conseguimos convencer os mercados que somos bons pagadores.
A noite passada tínhamos levado os senhores da troika ao aeroporto porque nos tínhamos entendido sobre a necessidade de ajustar as nossas despesas. E descobrimos que tudo se fazia mais facilmente se fôssemos solidários. E percebemos que é aí que reside a verdadeira justiça.
A noite passada sonhei. E, ao acordar, continuei a sonhar.
Sonho acordado, porque é possível ter uma Justiça que funciona não distinguindo os pobres dos ricos, nem vampiriza a política sedenta do sangue dos poderosos, nem alimenta multidões famintas de uma falsa justiça para quem a verdade é um pormenor. Sim, porque é possível ter uma Justiça que condena os culpados e deixa em paz os inocentes.
Sonho acordado, porque é possível ajustar a economia e as finanças do País com equidade, o mesmo é dizer com justiça, mas para isso não chega ter bons políticos. É preciso que todos nós estejamos verdadeiramente interessados em ser solidários. Sim, porque é possível distribuir melhor a riqueza que produzimos.
In DN
A noite passada
por PAULO BALDAIA
Hoje
A noite passada, vi-me num sonho em que estava feliz porque não havia alguns portugueses a sentirem-se mais justos que os outros. Ninguém era insultado pela "ousadia" de pensar diferente, nem ninguém era culpado do que quer que fosse pela cara que tem, pelo cargo que ocupa ou pelo partido a que pertence.
A noite passada, os que se julgam justos não faziam julgamentos sumários na praça pública, nem havia ministros a brincar com a justiça. Um político como Rui Rio era ouvido com o máximo de atenção, porque nunca teve medo de chamar os bois pelo nome. A noite passada, o chefe do Governo aparecia no meu sonho a remodelar o Executivo e a escolher Rio como ministro da Justiça.
A noite passada, não consegui ver o futuro e assustei-me por não saber que país estou a construir para as minhas filhas. Mas dormi o sono dos justos porque soube que as certezas dos outros valem tanto como as minhas certezas. A noite passada, não havia os que passam mal e os que não passam. Havia uma multidão de gente interessada em perceber como podemos, juntos, fazer com que todos passem bem. A noite passada, havia governantes que não cediam na definição do papel do Estado e que não deixavam ninguém sem rendimentos, porque numa Democracia não pode haver gente descartável. Mesmo em nome do bem-estar da maioria, não pode haver gente que é apenas estatística.
A noite passada, decidimos que íamos fazer o que tinha de ser feito. Percebemos que é preciso ter a coragem de fazer algo diferente do que fizemos até aqui. Sem tabus e com a única certeza de que temos de nos ouvir uns aos outros. Ninguém nos disse o que tínhamos de fazer e, no entanto, conseguimos convencer os mercados que somos bons pagadores.
A noite passada tínhamos levado os senhores da troika ao aeroporto porque nos tínhamos entendido sobre a necessidade de ajustar as nossas despesas. E descobrimos que tudo se fazia mais facilmente se fôssemos solidários. E percebemos que é aí que reside a verdadeira justiça.
A noite passada sonhei. E, ao acordar, continuei a sonhar.
Sonho acordado, porque é possível ter uma Justiça que funciona não distinguindo os pobres dos ricos, nem vampiriza a política sedenta do sangue dos poderosos, nem alimenta multidões famintas de uma falsa justiça para quem a verdade é um pormenor. Sim, porque é possível ter uma Justiça que condena os culpados e deixa em paz os inocentes.
Sonho acordado, porque é possível ajustar a economia e as finanças do País com equidade, o mesmo é dizer com justiça, mas para isso não chega ter bons políticos. É preciso que todos nós estejamos verdadeiramente interessados em ser solidários. Sim, porque é possível distribuir melhor a riqueza que produzimos.
In DN
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Amigos?Longe! Inimigos? O mais perto possível!
Joao Ruiz- Pontos : 32035
O social é político
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O social é político
por José Manuel Pureza
Hoje
São ignorantes, diz António Borges. São cigarras, acusa Miguel Macedo. São piegas, acha Passos Coelho. São dignos, afirmo eu. E são muitos, mostram-no todas as imagens tiradas ontem no Terreiro do Paço. E quem disser que eram "os do costume nas manifestações sindicais" erra: muita, muita gente de outras trajetórias, que quebrou o medo e a resignação a 15 de setembro e que responde "presente" quando a convocatória rompe com lógicas de capelinha, esteve ontem na rua. É gente, cada vez mais gente, que desafia todos os cinismos instalados e vem à rua fazer estoirar a blindagem das verdades que só servem para penalizar sempre mais as vidas de quem tem vidas castigadas.
O Governo e a troika invocaram desde o início, em favor do seu programa para o País, a base social e política alargada de que dispunham. Essa base social, se alguma vez existiu, estilhaçou-se. A mentira do discurso da regeneração pelo empobrecimento ficou escancarada: um milhão e trezentas mil pessoas que podem e querem trabalhar e não conseguem trabalho; uma dívida que não para de crescer; um défice que em vez de recuar avança (será 124% do PIB em 2013) é realidade a mais para ser disfarçada em projeções de quem não sabe nada sobre o País nem sobre a vida para além do Excel.
A base social da troika e do Governo estilhaçou-se. E isso há de ter expressão política. Tem de ter.
In DN
O social é político
por José Manuel Pureza
Hoje
São ignorantes, diz António Borges. São cigarras, acusa Miguel Macedo. São piegas, acha Passos Coelho. São dignos, afirmo eu. E são muitos, mostram-no todas as imagens tiradas ontem no Terreiro do Paço. E quem disser que eram "os do costume nas manifestações sindicais" erra: muita, muita gente de outras trajetórias, que quebrou o medo e a resignação a 15 de setembro e que responde "presente" quando a convocatória rompe com lógicas de capelinha, esteve ontem na rua. É gente, cada vez mais gente, que desafia todos os cinismos instalados e vem à rua fazer estoirar a blindagem das verdades que só servem para penalizar sempre mais as vidas de quem tem vidas castigadas.
O Governo e a troika invocaram desde o início, em favor do seu programa para o País, a base social e política alargada de que dispunham. Essa base social, se alguma vez existiu, estilhaçou-se. A mentira do discurso da regeneração pelo empobrecimento ficou escancarada: um milhão e trezentas mil pessoas que podem e querem trabalhar e não conseguem trabalho; uma dívida que não para de crescer; um défice que em vez de recuar avança (será 124% do PIB em 2013) é realidade a mais para ser disfarçada em projeções de quem não sabe nada sobre o País nem sobre a vida para além do Excel.
A base social da troika e do Governo estilhaçou-se. E isso há de ter expressão política. Tem de ter.
In DN
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Joao Ruiz- Pontos : 32035
Surto de vozes excitadas
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Surto de vozes excitadas
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Nada melhor para mostrar as nossas incertezas e fraquezas do que ouvir gente que nem disso se dá conta. De um lado, o consultor do Governo para as privatizações, António Borges, a dizer que "os empresários que se apresentaram contra a medida [mudanças na TSU] são completamente ignorantes". Do outro, o líder sindicalista Arménio Carlos a garantir que "se o Governo não ouve o povo a bem, ouve a mal". A falta de dúvidas de Borges é terrível, da função dele esperar-se-iam pontes entre o Governo e os empresários, não insultos. Ora o que ele disse tem como precedente a incapacidade de se lhes ter explicado o que de bom traria a mudança na TSU - o quase unânime repúdio dos patrões sobre o assunto mostra que algum erro deve ter havido da parte dos explicadores. Chamar burros a quem se explicou mal indicia que Borges não aprendeu com o erro (dele) e que vai continuar por aí. Impante e sem dúvidas é exatamente o tipo de responsável de que não precisamos hoje. A ameaça de Arménio Carlos também é terrível, porque acena com uma força indevida. Encher as ruas e as praças de protestos pode ser um termómetro, alerta - serve para isso, não mais. É prudente ouvir esse termómetro, mas ninguém é obrigado, nem o Governo. Obrigatório, mesmo, é outro instrumento. Chama-se eleições, e da última vez encheu as praças (neste caso, urnas) com 2.813.729 eleitores (soma PSD e CDS). Só as seguintes obrigam a ser ouvidas, "a bem ou a mal".
In DN
Surto de vozes excitadas
por FERREIRA FERNANDES
Hoje
Nada melhor para mostrar as nossas incertezas e fraquezas do que ouvir gente que nem disso se dá conta. De um lado, o consultor do Governo para as privatizações, António Borges, a dizer que "os empresários que se apresentaram contra a medida [mudanças na TSU] são completamente ignorantes". Do outro, o líder sindicalista Arménio Carlos a garantir que "se o Governo não ouve o povo a bem, ouve a mal". A falta de dúvidas de Borges é terrível, da função dele esperar-se-iam pontes entre o Governo e os empresários, não insultos. Ora o que ele disse tem como precedente a incapacidade de se lhes ter explicado o que de bom traria a mudança na TSU - o quase unânime repúdio dos patrões sobre o assunto mostra que algum erro deve ter havido da parte dos explicadores. Chamar burros a quem se explicou mal indicia que Borges não aprendeu com o erro (dele) e que vai continuar por aí. Impante e sem dúvidas é exatamente o tipo de responsável de que não precisamos hoje. A ameaça de Arménio Carlos também é terrível, porque acena com uma força indevida. Encher as ruas e as praças de protestos pode ser um termómetro, alerta - serve para isso, não mais. É prudente ouvir esse termómetro, mas ninguém é obrigado, nem o Governo. Obrigatório, mesmo, é outro instrumento. Chama-se eleições, e da última vez encheu as praças (neste caso, urnas) com 2.813.729 eleitores (soma PSD e CDS). Só as seguintes obrigam a ser ouvidas, "a bem ou a mal".
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